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QUEM SÃO ELES?
Onde estão os jornalistas negros de Alagoas?
Um país onde mais da metade da sua população é negra deveria demonstrar isso em seus telejornais e mídias, mas a realidade é diferente. Uma pesquisa realizada em 2011 por Claudia Acevedo e Luiz Trindade mostra que a porcentagem de afrodescendentes nos telejornais das principais emissoras do país é de apenas 6,15%. Um número bem pequeno, uma vez que apenas 43% da população brasileira se considera branca, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada em 2018.
O que se vê nos telejornais são apresentadores majoritariamente brancos e após a greve dos jornalistas que ocorreu em julho de 2019 o número de jornalistas negros diminuiu, devido às demissões. Ao realizar uma pesquisa rápida e informal no Instagram, apenas 5 pessoas souberam responder nome de jornalistas negros alagoanos e, os que souberam, eram jornalistas ou do ramo da comunicação. Isso mostra o quanto o trabalho do jornalista negro ainda é invisível ao grande público e que há uma carência de diversidade étnica no quadro de jornalistas dos telejornais locais.
A revista Piauí, da Editora Abril, levantou esta pauta em sua matéria de capa do mês de outubro de 2019, onde a jornalista Yasmin Santos revela na matéria “Letra Preta” as dificuldades do negro se encaixar no jornalismo e como ainda é baixo o número de negros nas redações de todo o país. Em sua reportagem especial, ela revela a dificuldade de ser uma das poucas negras na universidade, da necessidade de colocar em seus trabalhos acadêmicos a questão da etnia e da representatividade, na tentativa de revelar sua identidade e entender sua essência.
A matéria traz a experiência de outros negros nas redações, a questão das pautas em que os negros são inclusos, a forma como os jornalistas negros se tornam referência quando o tema é negritude, principalmente com a proximidade do mês da consciência negra. Ela aborda também as dificuldades que vivenciou para realização da sua monografia e conta sobre a inexistência de um projeto de diversidade étnica nas redações. Santos conclui que “na maioria dos casos, a preocupação com a inserção de jornalistas negros parte dos próprios jornalistas negros que conseguiram driblar as formas ainda muito elitistas de acesso a esses veículos. Os chefes e colegas brancos ou passam a se importar com a questão quando estão em contato com esses profissionais ou continuam a menosprezá-la”.
Quem são os jornalistas negros alagoanos?
Figura 1 Teofilo Lins ( Reprodução de imagens da internet)
Poucos conhecem sua história, mas Teófilo Lins era um importante militante e um dos pioneiros do sindicato dos jornalistas. Teófilo é original do povoado de Poço Grande, que pertence à cidade de Pão de Açúcar – Alagoas, e se mudou para Maceió no início da de década de 1940. Com 19 anos começou a trabalhar no Serviço Social da Indústria (Sesi) e nessa mesma época começou sua carreira jornalística no Diário de Alagoas.
Teófilo é considerado um dos fundadores do Sindicato dos Jornalistas de Alagoas (Sindjornal) e do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). O jornalista liderou várias lutas e chegou a ser preso na época da ditadura por ligação com lideranças comunistas. Durante o Golpe Militar, a principal intenção era censurar a imprensa e por isso vários jornalistas foram presos, entre eles o jornalista Vladimir Herzog, que posteriormente apareceu morto em sua cela, com a justificativa dos militares de que o mesmo havia se suicidado.
Com Teófilo não foi muito diferente. Eles chegaram a invadir a casa de sua mãe na busca de documentos e livros. Quando soube que estavam a sua procura, o jornalista se escondeu na Rádio Difusora, que foi invadida no dia seguinte a sua chegada. Lins, por fim, decidiu se entregar e passou três meses detido, inicialmente na Cadeia Pública de Maceió, e depois foi transferido para uma cela na 20ª Circunscrição de Serviço Militar (C S M). Além do Diário de Alagoas, Teófilo trabalhou também no jornal O Semeador como editor, na Tribuna de Alagoas, no Jornal de Alagoas e na Gazeta de Alagoas.
Ele foi o primeiro jornalista de Alagoas a falar sobre o automobilismo e algumas de suas matérias tinham o cunho de denúncia. Uma delas fez com que um dos acionistas da Volkswagem pedisse aos donos da Gazeta de Alagoas para que ele fosse afastado. Teófilo morreu em 19 de maio de 1994, e o bairro do Clima Bom, em Maceió, possui uma rua em sua homenagem.
fonte: Arquivo pessoal
Outro nome do jornalismo negro em Alagoas, é a jornalista Géssika Costa, que se formou em 2015 em uma faculdade particular da capital alagoana. A jornalista, sempre que pode, busca retratar em seus textos a luta pela igualdade racial e contra o preconceito. Géssika conta que o desejo de ser jornalista veio ainda na infância.
“Sempre fui uma criança muito curiosa, atenta a tudo que se passava no mundo, muito comunicativa e fiel leitora de revistas de quadrinhos e contos de terror, mas por algum motivo nunca falei aos meus pais e familiares nessa época que queria ser jornalista”, contou.
Foi aos 14 anos, em uma gincana do colégio, que Géssika teve a confirmação do que iria ser quando crescesse.
“No dia da competição teve uma prova sobre atualidades e eu consegui responder todos os questionamentos com detalhes durante a competição. Dentre os principais assuntos estavam política geral, e em especial as eleições nos Estados Unidos – Barack Obama x John McCain. Ao terminar a gincana, tive certeza do que queria ser”.
Géssika revela que durante a sua formação em jornalismo sua turma tinha inicialmente três alunos negros, mas no final apenas ela se formou junto com o grupo.
“Durante o curso, que eu lembre, apenas dois meninos. Um que saiu para terminar a graduação na UFAL e o segundo rapaz era de Guiné-Bissau e terminou o curso mais rápido, já que estava em vários períodos ao mesmo tempo”, explicou.
A jornalista conta que na turma na qual estudava na faculdade, dos 43 alunos, apenas dois negros faziam parte do grupo, então não existia representatividade na sala de aula. Ela também questiona o porquê de isso continuar acontecendo.
““Por experiência, três amigos negros que estudaram comigo no ensino fundamental desejavam também cursar a graduação de Jornalismo. Mas, anos depois, só eu negra na sala de aula... Por quê? Em um grupo que começou com 43 alunos e só dois negros integram a turma não pode existir representatividade”.
Géssika tem menos de cinco anos como jornalista formada e isso só reforça que, mesmo com todas a políticas públicas de inclusão da população negra no ensino superior, o número de negros nas salas de aula das universidades do país ainda é insuficiente.
Sobre o mercado de trabalho alagoano, para Géssika, tanto o setor privado quanto o público se encontram saturados devido à crise financeira dos últimos anos, além de estar precarizado. Ela afirma ainda que fora da capital alagoana a situação é pior. “Já tive duas propostas de trabalho para Arapiraca e me surpreendi com as condições que poderiam me submeter ao fechar contrato”, revelou.
Ao ser questionada sobre o mercado de trabalho atual e os profissionais negros, a jornalista conta que percebe a ausência, mas que é incontestável o trabalho que vem sendo feito pela Comissão dos Jornalistas pela Igualdade Racial, COJIRA.
Na percepção de Géssika, é o setor público que mais acolhe os profissionais negros no Estado. Mas ela ressalta que ainda são raros os cargos de chefia ocupados por negros, e ainda mais raros os que são ocupados por uma mulher jornalista e negra.
Fonte: Arquivo pessoal
“Em todas as redações, passando nos jornais impressos, sites, rádio, fotojornalismo e, principalmente TV, a quantidade de jornalistas negros não chega nem a 15% do total de profissionais”. A jornalista considera que a diferença é ainda maior para os cargos de âncora e repórter nas emissoras de TV locais
Mesmo com pouco tempo de formada, Géssika Costa coleciona 12 prêmios no total, sendo metade deles de reconhecimento nacional. A jornalista conta que um dos momentos mais marcantes de sua carreira foi receber o Prêmio Braskem de Jornalismo em 2017 pela reportagem “Imigrantes africanos enfrentam discriminação na terra de Zumbi” no dia em que se celebra a Consciência Negra. Costa ainda ficou na lista dos jornalistas mais premiados de 2017 e foi personagem em uma série de reportagens especiais em homenagem ao dia da consciência negra em 2019.
Fonte: Arquivo Pessoal
Formada pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo desde 2007 e pós graduada em Comunicação Empresarial pelo Centro Universitário Cesmac em 2010, a alagoana Helciane Angélica (34) é um dos nomes referência de jornalistas na luta pela Igualdade Racial. A jornalista foi uma das pioneiras na Comissão dos Jornalistas pela Igualdade Racial e chegou a ficar a frente da coluna axé, de 2008 a 2018, no Jornal Tribuna Independente .
Helciane conta que a decisão de cursar jornalismo surgiu porque o curso unia tudo que ela gostava.“O Jornalismo foi a minha primeira opção porque congregava várias coisas que eu gostava de fazer; além de ter a possibilidade de conhecer e atuar em setores diferenciados, a exemplo do esporte, meio ambiente, direitos sociais. Eu gostava de ler, tirar fotos e escrever sobre os eventos da escola e viagens (Turismo); sempre amei animais (Biologia); era viciada em esportes (Educação Física); e metida a defender as pessoas (Direito)... Então, juntando tudo, e um teste vocacional confuso, a melhor opção foi fazer a faculdade de Jornalismo.”, revela.
A jornalista explica que muitas vezes pensou em mudar de profissão, mas tudo que ela desejava fazer acabava retornando ao jornalismo. Sobre a época da faculdade, Helciane conta que, de 30 alunos apenas cinco eram negros ou pardos, mas ainda existia um problema maior do que a falta de representatividade..
“Eles não se autodeclaravam! O pertencimento étnico não existia, caso perguntasse qual era a cor, alguns deles diziam que eram moreno/morena ou que isso não importava”, desabafou.
Questionada se sofreu preconceito durante sua trajetória na profissão, a jornalista revela que já percebeu em vários momentos olhares de surpresa ou desprezo, tanto por a acharem nova e não acreditarem no seu potencial profissional, quanto pela sua aparência física.
“Até por ser baixinha e por ter cabelo cacheado, escutei muito ‘Por que você não alisa o cabelo? ’, ‘Por que não usa salto alto?’, mas com o tempo as qualidades passam a ser reconhecidas e a competência destrói o preconceito”
Para Helciane, não só no jornalismo, mas no ramo da comunicação em geral há poucos profissionais negros em atuação e, mesmo quando eles existem, estão em escalas hierárquicas inferiores e com salários menores. Para ela, é preciso se aperfeiçoar ainda mais, fazer cursos complementares e adquirir outras habilidades para se manter no mercado, pois no meio da comunicação em Alagoas as oportunidades são diferenciadas quando se trata de diversidade étnica.
Durante sua carreira, Helciane Angélica recebeu vários prêmios e homenagens, muitos ligados a sua luta pela igualdade social e movimentos sindicais.
PRÊMIOS E HOMENAGENS
• 2014 – Prêmio Braskem de Jornalismo na categoria “Assessoria de Comunicação”, com o case “Projeto: Coopvila Reciclar e Educar – Valorização do trabalho dos catadores e divulgação da coleta seletiva”;
• 2012 – Comenda Dandara na Câmara Municipal de Maceió, em reconhecimento à significativa contribuição nas ações relativas à luta pela Diversidade Étnicorracial no município de Maceió;
• 2010 – Menção Honrosa na categoria “Assessoria de Comunicação” no 21º Prêmio Braskem de Jornalismo em Alagoas, com o case “Feira Camponesa: Ações de comunicação e valorização dos feirantes/agricultores”;
• 2010 – Homenagem pela divulgação das questões étnicorraciais e sociais, concedido pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Alagoas (Sindjornal), em alusão ao Dia Internacional da Mulher;
• 2009 – Homenagem do Núcleo de Apoio e Desenvolvimento de Capoeira em Alagoas (Nadec-AL) pelos serviços prestados na divulgação da cultura afro, em especial, as ações político-culturais da capoeira.
Esses são apenas alguns nomes dos jornalistas negros do Estado, que para boa parte do grande público são desconhecidos. É preciso mudar essa realidade e dar visibilidade merecida aos trabalhos destes profissionais que são competentes, mas que por muitos anos permanecem no anonimato.
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