#projetoconexos
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ensaiolirico · 6 years ago
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Cartas à um possível alguém de pura alma. Possível leitor, possível âmago necessitado de palavras que acalentem seu ser. Quem és tu? Qual nome lhe vem aos pensamentos quando lhe redijo a palavra amor? Qual alma lhe fora dada de presente ao nascer e seu mentecapto instinto lhe fez perder? A vida é um sopro e nós somos fadados à solidão. Dir-te-ia, caro leitor, que o nome dele é incompreensível aos teus ouvidos. Dizem que o canto dos pássaros não pode ser utilizado como nome atribuído à um ser, e eu lhe desmistifico tal. O nome daquela alma de olhos castanho-mel soa como o canto do mais belo d'um Rouxinol. Nome que apazígua a alma, que amansa seus devaneios mais inseguros e lhe traz de volta ao útero materno, com a segurança que a posição fetal lhe dá. O nome dele me soa como a melodia puritana de um amador clássico; não tão deleitosa quando Chopin, mas abrasadora como Bach. Teu nome me vinha em tom francês! O tom do amor, entre tantas palavras que tinham origem no puro latim. O nome que me rodeava a aura e me vinha como um sopro de paz n'um dia caótico apenas n'uma lembrança dolorosa. Até quando o observava partir pela porta da frente, cerca de quatro horas da manhã, afirmando que seria a última vez que o veria vulnerável. Caro leitor, ele sempre soube que voltaria no dia seguinte e deitaria sobre meus braços cansados de tanto poetizar acerca de seus sorrisos. Ele sabia que minh'alma era seu habitat natural e seu olhar jamais negaria isso que lhe digo. Seus fios encaracolados caíam sobre a pele leitosa todas as vezes que ele ria para mim, agraciando ainda mais os traços do que a vida denominaria temporariamente meu. O nome dele era como se fosse um complemento do meu. Não existiria Amado sem o dito-cujo canto dos pássaros que dava nome ao semblante pomposo que roubaria meu coração anteriormente. Era como se despedidas fossem a certeza de sua volta e declarações fossem a certeza da despedida. Jamais falaríamos de amor n'um dia rotineiro. Jamais valorizamos o canto dos pássaros quando moramos n'um deleitoso campo, o rotineiro mata a ansiedade, o rotineiro esgota até mesmo o pobre canto do Rouxinol. A rotina nos fadava ao fracasso. Leitor, se tu estás aqui, dir-te-ei também que a voz dele era mais bela que o tal Rouxinol. Era como um grito de dependência nunca dito à margem do Rio Ipiranga. Sabia que dependia dele e declarar uma independência seria incorreto. Meu amor sempre foi posse daquilo que nunca tive. Sempre foi rodear meu pequeno Rouxinol de seguranças inapropriadas e dar a ele uma cama confortável para voltar após desenhar. Meu amor, ouvinte, costumava desenhar meu semblante cálido caído pelos ares, sempre com a visão melancólica do seu espaço, sempre com medo daquilo que lhe rodeava, sempre sob o mundo. Meu amor sempre fora honesto comigo e sabíamos que d'entre nós, sempre fui o mais propício a adaptar-se com uma falsa satisfação. Ele sempre foi honesto consigo mesmo, sempre fora adepto à solitude, sempre fora amante da paz de espírito que era não agradar aos outros. Sempre o admirei em silêncio, depositando minhas expectativas de futuro nas asas do meu pequeno Rouxinol. Em noite de luar, pesava suas asas, por medo daquele cantar que me acalmava ver beleza na Lua. Sempre fui possessivo, assumo. Mas naquela noite, com o som da chuva enrubescida, o vi ir embora. Após um sexo fenomenal, após cravá-lo de corpo e dizer que o amava, o vi ir embora. E como de costume, o esperei. O esperei dia após dia, mês após mês, e ainda o espero, leitor, o espero tanto que o coloco em meu primeiro conto. O espero voltar em memórias que me vem ao consciente n'uma tarde gélida, onde seu corpo sempre fora meu protetor. O espero quando meu ideal de encontro não é cumprido e me lembro daquele venusto sorriso que adornava minhas tardes sem muito se esforçar. Algumas pessoas — ou pássaros — nos marcam como tatuagem. Olho aos meus dedos e o vejo ali, sorrindo para meu olhar cabisbaixo, lembrando que sempre será a poesia que sairá pela minha única arma. Eu prometi nunca lhe apagar. A escrita é a arma e eu me mato todos os dias ao lembrar de ti. Mas, continuo a lhe esperar, sentado nessa cadeira, observando o luar. Rouxinol, faça-me uma visita. A Lua é bela e eu sempre soube que não deveria lhe permitir vê-la.
10/03. Ensaio lírico - Dores d’um outono mal interpretado por insensíveis à poesia. 
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