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maosnegras · 5 years
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O passado ainda se faz presente
Entenda as consequências da escravidão brasileira na educação da população negra.
O Brasil possui um grande número de negros analfabetos. Segundo dados do  IBGE, até 2017 o índice de analfabetismo entre os negros e pardos no Brasil era de 9,3%, enquanto o percentual entre os que são considerados “brancos” é de apenas 4%. Tal diferença é uma consequência do tratamento dado aos negros durante a escravidão e após seu fim.
No ano de 1824 a constituição estabelecia que “a instrução primária é gratuita a todos os cidadãos”. Nessa época, eram caracterizados como cidadãos “os que eram nascidos livres, libertos ou ingênuos”. Assim, a legislação brasileira negava aos escravos o direito de frequentar os ambientes escolares, já os libertos e nascidos livres poderiam obter a educação primária, mas sua presença nos ambientes escolares ainda sofria resistência da elite branca.
[...] durante o Império, várias legislações foram criadas para a instrução nas províncias, as quais, por vezes, impediam a entrada de negros livres ou cativos nas escolas públicas e particulares; outras apenas apresentavam restrições com relação à condição jurídica do negro. (SANTOS, 2011, p.12).
A sociedade da época temia que, ao fornecer educação à população negra, eles pudessem se rebelar e criar uma espécie de revolução, por isso o interesse de ter uma população letrada só veio anos mais tarde. A partir da necessidade de ser visto como um país moderno e progressista, na segunda metade do século 19, a educação da população negra foi discutida de forma mais ampla, pois um país moderno não poderia ter grande parte da sua população analfabeta e escrava. Os centros educacionais foram então utilizados como meio de controle social e forma de uniformizar a sociedade à moda europeia, além de apagar os costumes indígenas e dos negros, para assim alcançar a “civilidade” brasileira.
Os negros sempre foram considerados pela elite uma raça inferior, incapaz de aprender, e que sua cultura e tradições não tinham valores para uma sociedade “civilizada” que seguia os preceitos europeus, como acontecia no Brasil. Essa opinião era difundida até pelos abolicionistas que, apesar de reconhecer a  crueldade na forma como os cativos eram tratados, ainda assim viam o negro apenas como uma mão de obra para trabalhos braçais e com pouco intelecto. E mesmo diante de todos estes fatos, era negada a existência de racismo no país.
O escritor Charles Expilly revela em sua obra “Mulheres e costumes do Brasil”, de 1863, como o preconceito era velado: 
O preconceito da cor não tendo influência no Brasil! Encontra-se esse preconceito a cada passo. Confirma-se em todas as circunstâncias, na rua, nos salões, à  mesa de família; e até na igreja, onde a cor mais ou menos carregada da epiderme estabelece entre os fiéis uma barreira intransponível. Mas ele não aparece somente em germe. Estabelece-se arrogantemente, cinicamente, na Constituição do Império. É mantido pelo artigo da lei fundamental que recusa formalmente os direitos eletivos ao homem alforriado (EXPILLY, apud Lobo, 2008, p. 197-198). 
O autor deixa claro que, até em posições sociais elevadas, os negros não possuíam condição de paridade com os brancos. Foi então dado início ao movimento de branqueamento do país, que seria implantado através da miscigenação e da educação, ensinando os negros através do molde europeu. Machado de Assis é um exemplo de negro que foi educado através deste modelo de ensino.
Uma das primeiras Leis que impulsionaram a escolarização dos negros foi a Lei do ventre livre, que dava aos filhos de escravos o direito do acesso à educação básica. Durante todo o século 19, muitos negros se uniram criando entidades que lutavam pela liberdade dos cativos e alfabetização dos mesmos. Os negros encontravam mais  facilidade em frequentar os centros educacionais noturnos, alguns fornecidos pelo governo e outros gerenciados por estas entidades que buscavam preparar os negros para sua emancipação, que aconteceria após a abolição. Muitos dos libertos que possuíam instrução conseguiram se desenvolver socialmente, embora esse não fosse o objetivo da elite, então saber ler e escrever se tornou um adendo ao sonho de liberdade de muitos cativos.
Em Alagoas, a educação dos escravos por meio do poder público deu-se início de forma efetiva em 1873. Antes disso os cativos eram excluídos dos centros educacionais, pois assim permitia a lei. Isso aconteceu após a decisão de Antonio Carneiro Antunes Guimarães, que acreditava que conceder o direito de educação aos cativos, além de um ato político, era um ato humanitário. As aulas geralmente ocorriam durante a noite para não interferir no trabalho dos alunos. Vale ressaltar que o sistema de ensino da província de Alagoas era precário. Assim como acontecia nas demais províncias da região, os professores eram mal preparados e os materiais didáticos não supriam a necessidade da população em geral e isso perdurou  por vários anos.
A causa do fracasso da instrução pública de Alagoas não estava apenas relacionada ao uso dos métodos de ensino, os quais devem ser considerados como uma das causas da precariedade do ensino público, já que a maioria dos professores não possuía uma formação adequada para ministrar os métodos adotados, mas a um conjunto de fatores, entre eles a falta de formação e o baixo salário dos professores (SANTOS,2011, p. 73,74)
Outro ponto que prejudicava o sistema educacional alagoano da época era a questão de que muitos professores eram indicados para o cargo devido a ligações políticas e não pela capacidade profissional. Em Alagoas, a Escola Central foi uma das pioneiras a conceder aulas a negros libertos e ingênuos (nascidos livres). Nela eram aprendidos ofícios, trabalhos agrícolas e as primeiras letras. Os ofícios eram ensinados, pois o governo tinha a função de, após a abolição, formar a mão de obra livre, utilizando a educação como método de controle social.
Anos se passaram e os negros foram ganhando espaço nos meios escolares, mas com restrições, e muitos não conseguiam chegar ao ensino superior. A fim de sanar esta dívida histórica, o governo implantou a ação afirmativa de cotas em forma de lei. Sancionada em agosto de 2012, esta lei garante que 50% das matrículas por curso e turno das universidades públicas e institutos federais de educação, ciência e tecnologia estejam reservadas para negros e índios, além de abranger também os estudantes que cursaram o ensino médio na rede pública de ensino.
Porém, ela só foi implantada em 2004. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em pesquisa realizada em 2016, um ano após esta implantação, apenas 5,5% dos jovens pretos e pardos estariam frequentando alguma instituição de ensino superior. Já em 2015, 12,8% dos negros com idade entre 18 e 24 anos ingressaram em universidades públicas e particulares.
Outras ações afirmativas que contribuíram para o aumento de alunos negros nas universidades foram o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), que existe desde 1999 e contribui para que alunos de baixa renda financiem seus estudos em faculdades particulares e o Programa Universidade para todos (Prouni) criado em 2010, que concede bolsas integrais ou parciais em Universidades particulares para estudantes de baixa renda.
Essas duas políticas afirmativas são mais abrangentes, mas foram de grande importância para o aumento de negros cursando o ensino superior, pois a maior parte da população negra, segundo pesquisa do IBGE em 2014, se encontra na parcela mais pobre do país.
Um fato curioso é que o Brasil não foi o primeiro país a instalar o sistema de cotas. Em 1930, a Índia implantou o sistema de cotas como uma ação afirmativa para reverter o quadro de racismo existente no país. No Brasil existem vários debates sobre o assunto. Enquanto ativistas do movimento negro afirmam que o sistema de cotas é uma política de reparação e direito à igualdade para os jovens negros. Como exemplo, temos o  artigo “Política de cotas raciais na UNB: um estudo sobre o acesso de negros na universidade durante o período 2004 a 2012”, das autoras Amanda Vanessa Pereira de Assunção, Catarina de Almeida Santos, Danielle Xabregas Pamplona Nogueira, que mostra como funcionou o sistema de cotas na UNB e afirmam que ele  cumpriu seu papel:
[...] o sistema de cotas raciais busca a equiparação de direitos entre negros e brancos. Desta forma, a política de cotas raciais visa reparar danos de geração passadas, focalizando-se no grupo de negros do país, além de possuir sua justificativa em uma noção de direitos sociais, a fim de diminuir os impactos causados pela criação de uma cultura injusta, como se observa no caso racial (HISTEDBR, 2018)
Por outro lado, alguns acadêmicos e figuras políticas afirmam que as cotas servem como afirmação da inferioridade do intelecto da pessoa negra. Como é o caso do presidente eleito Jair Messias Bolsonaro que durante sua campanha em 2018, afirmou que o “coitadismo” iria acabar, indicando que as políticas assistenciais para as minorias, onde se inclui a população negra, não estariam dentro de seu plano de governo, colocando em risco este importante programa de inclusão que é o sistema de cotas.
Antes mesmo de ser candidato a presidência, o então deputado fez outra declaração, a um programa de TV, sobre sua visão com relação ao sistemas de cotas: "Quem usa cota, no meu entender, está assinando embaixo que é incompetente. Eu não entraria num avião pilotado por um cotista. Nem aceitaria ser operado por um médico cotista" (BOLSONARO, 2011), desvalorizando todos os profissionais que conseguiram entrar no ensino superior através desta política afirmativa.
Posteriormente, ele afirmou que pretende implantar mensalidades nas universidades públicas através do projeto Future-se, que segundo o governo federal foi criado para promover maior autonomia financeira nas universidades e institutos federais por meio de incentivo à captação de recursos próprios e ao empreendedorismo. Até o momento, a adesão do projeto é voluntária, mas o objetivo do governo é que todas as universidades federais façam adesão a essa nova forma de gestão. O que pode acarretar em uma diminuição do número de negros no ensino superior, pois a camada mais pobre da população, que é constituída em sua maior parte por negros, não possui condições de pagar mensalidade e por isso optam pelo ensino superior gratuito. 
Ainda hoje a população negra sofre com as consequências do que foi feito com os seus antepassados durante e após a escravidão. O número de alunos afrodescendentes sempre foi menor em comparação ao número de alunos brancos, porém em uma Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE em 2016, revela que houve um aumento no número de negros no ambiente escolar, como mostra o gráfico abaixo:
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 Os dados mostram ainda que o ensino superior teve um aumento considerável de alunos negros, já que em 2001 apenas 3,2% dos negros tinham o ensino superior e em 2012 esse número subiu para 9,6%. Essa mudança acontece na mesma época em que os programas sociais, como o sistema de cotas, foram implantados, programas estes que buscam que a desigualdade racial seja reduzida, e possui o intuito de equiparar as condições entre negros e brancos.
Tomando como base o curso de jornalismo, o número de alunos negros é ainda mais desproporcional. Muitos deles conseguiram ingressar no ensino superior por programas sociais oferecidos pelo governo, como PROUNI, FIES e a política de cotas.
A jornalista negra e alagoana, Rizia Cerqueira, que se formou recentemente em uma faculdade particular da capital alagoana, afirma que “existiam outros alunos negros, sim, porém o número não é nada representativo, eram a minoria da turma”.
Os dados acima mostram um grande avanço nos últimos anos com relação à educação da população negra, o que auxilia na luta pela diminuição da desigualdade racial. Mas o Brasil ainda não alcançou o cenário ideal, por isso é necessária a continuidade dos programas sociais, que ajudam esta população a ingressar no ensino superior, assim como também é vital investir na educação de base, para que estas ações afirmativas não vivam para sempre. Afinal, atuar para que todos possuam educação de qualidade é mais eficiente e possui melhor custo benefício do que consertar os erros de um sistema de ensino falho e desigual, através de ações de equidade.
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