#poesia zunai vol4num1
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revistazunai · 6 years ago
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Esculturas Musicais 4: Sávio de Araújo
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PALAVRA
A palavra esquecida
evapora improvável.
Incinerado neste
caminho estranho
permaneço quieto,
nada escrevo.
A treva deglutida
pela boca calada
borbulha onde
não se sabe.
Sigo o método da dor
e faço da palavra
uma antiga opressão.
Desperto
a raiz tempestuosa
que cresce
no tempo da escrita
Deixo-a destruir
sonhos inúteis
que lutam por nomes,
pois serei agora
um mar intransponível,
o signo infinito de
idiomas mortos
na língua improvável
de cada palavra.
DESVENDA
Em teus frutos maduros
reencontrei esclarecidas
muitas verdades frágeis.
Cantadas, ainda que digam
aos ouvidos do povo,
já não mais as lembro.
Por assim esquecer
cubro-a com cinzas
que protegem a brasa.
Assopro a primeira boca
e vejo nascer a luz:
claro permanece teu rosto,
monumento forjado pelo sorriso.
Menina rara, o vento
domará nossos segredos.
MEMÓRIA
Criança reencarnada
em rostos estranhos.
TERRAS DO SEM FIM
Lua vermelha,
abelha rainha,
sem asas flutua
acima do mar.
Noite profunda,
poço do tempo,
negrume das ondas
lavadas n'areia.
Paisagem lenta,
rostos estranhos,
destinos incertos,
saudades contadas.
Porto distante,
Brasil sem retorno
chegada constante
às terras sem fim.
SONHO
Nessa terra alheia
domina o silêncio,
todas as paisagens
são filhas do abismo.
Água negra explodindo
em espuma branca,
vale turvo de
alturas desiguais.
Nasce azul
a noite profunda.
Sávio de Araújo é Poeta, Músico e Psicólogo de 25 anos nascido em Macaé/RJ. Atualmente é habitante do Rio de Janeiro onde cursa o mestrado em Psicologia na UFRJ. 
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revistazunai · 6 years ago
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Esculturas Musicais 1: Adolfo Montejo Navas
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10 POEMAS CASUAIS
(LENDA)
para Guinga
No lugar da crônica, mar,
sal, especiarias da esquina
do cotidiano, uma lenda
nota a nota, feita ouverissaria,
harmonia e fel de Aldir
na teia de aranha da manhã,
tecida acorde a acorde
de pura terra, às vezes
nuvens, rapsódia em blue
de subúrbio, na velocidade
lenta de uma mitologia
palpável, no cheiro
da injustiça das coisas
também, cada vez mais
próximo de seu som
magenta, tão verde
em seu fervor. Tudo
é concentrado, aparado
pela melodia doce,
milagrosamente áspera,
tocada para dentro das 6
cordas, no íntimo,
para reconhecer a espera
da vereda, esse curso
amassado de sombras,
acompassado, que já
são luzes, vaga-lumes
de uma verdade
que se debruça
no lusco-fusco.
(5/XII/2017)
MAGMA
(sobre música de Hermeto Pascoal)
Todos os sons servem
para ressuscitar as coisas
que nenhum paisagem fecha.
No equilíbrio de todos
os timbres está o magma
do mundo soando a peça
do coração ou melodia
de pífanos, a sopros
orquestrados com os olhos
fechados. Toca escutar
assim a plenitude rítmica
do que lateja, o fio terra
do céu como agradecimento
infinito do finito e vice-versa.
(30/XII/2017)
(HADES)
para Marisa F. César & Ana Vitória Mussi
Dados a beber, toca
decidir a nossa sorte:
uma vez mais Lethe
ou Mnemósine, entre
suas águas duplas
navegamos, antes
do último beijo do tempo
ou da chegada
semente da melancolia.
Surcamos o itinerário
com as imagens, na correnteza
espelhada, quando o cursor
que oscila sua decisão,
quase anônima, deve
falar.
(19/I/2018)
(CARNAVAL, com Victor Arruda)
Ninguém se fantasia
de velho, pelo menos
no Brasil, o carnaval
também é jovem
com outras raças malditas,
descapacitadas, etc.
A alegria é obrigatória
quase purpurina,
mas os dias passam
depois da cor
para outra passarela
sem bateria nem unicórnios,
com tudo o resto
de coisas sambando.
(4/II/2018)
* (“Estou fantasiado de velho”, frase de Victor Arruda a um grupo de folia, na fila das barcas de Niterói).
(LUZ DE LEITURA)
Não adianta, o mal olhado
cresce, e exponencialmente,
ficou raro ler em público
-acaso pelos que não leem-
algo que não seja folheto,
propaganda ou smartphone,
é para suspeitar o que
significa, ser estrangeiro
talvez ou pior, além
de não seguir a ordem
do novo código, aquele
invisível que limita
o estranho ao obscuro,
como prórroga
a última luz de leitura,
antes de apagar-se as telas
dos jogos, os avisos, os ms
por terra, mar ou ar.
(1/III/2018)
(EM TROCA)
Em troca de receber
mensagens, ligações
o aplicativo da solidão
ficou desnorteado, meio
quente para um meio frio
que exige nossa participação
além de colaboração,
toda a interatividade
possível. O demônio está
na distância, no meio
tempo, o intervalo pobre
de estímulos programados.
Nenhuma reticência já
para o continuum, nenhum
espaço a salvo. Só se
reconhece o vazio zen
quando o sistema cai,
porque não quer ser
mais interrompido.
(1/III/2018)
(INUMERÁVEL)
Ondas feitas de silêncio
amassado por algum deus
longínquo, vem destinado
a calar o resto do mundo
soberbo, que se apaga
noturnamente, sendo só
animal de fundo.*
Nenhum ruído a salvo
merece já mais crédito,
sobrevida. Mudo está
o tempo, as sombras
dos relógios. A hora
que desnuda aos vivos
revela seu parentesco
com os mortos. No rumor
do sonho acende-se
o inumerável, tudo
o que não tem nome,
a velha razão como pó
transparente.
(23/III/2018)
* (Animal de fundo, verso e título de Juan Ramón Jimènez)
(DÍPTICO BANCÁRIO, II, Van Gogh)
A homenagem cresce
exponencialmente, quanto
maior é a conta seleta,
de muitos dígitos,
o privilégio econômico
não é para qualquer,
si se acaricia o nome
de Van Gogh. Não
importam mais as ajudas,
Theo, o irmão
reequilibrando qualquer
miséria. Os corvos
ainda voam na tela,
às vezes saem fora,
quando alguma bolsa
sobe o preço do leilão.
Por trás de sua herança
amarela, paralela,
uma broma macabra
continua rondando
seu nome.
(25/III/2018)
(FRONTEIRIÇO)
Melancolia da fronteira
por partida dupla, inchada
como prova do espírito,
compensação refletida
na luz natural que acende
a artificial.
(6/V/2018)
(DESERTO)
Cada qual com sua voz
ou com seu deserto.
A areia do tempo pede
mais oásis. O regresso
da realidade como miragem
é outra prova especular.
(6/V/2018)
(DITADURA COMERCIAL)
Não há horário ruim, dia
pior ou melhor, a chamada
pode ser cedo, sábado
para alguma cobrança
ou então sedução de um plano
exponencialmente imejorável,
e também se pode gravar
a conversa, por segurança
por favor, anote já
o seu numero de protocolo
e na espera, enquanto você escuta
as Quatro Estações de Vivaldi,
o tempo passa do verão
para o outono, os minutos
para folhas amarelas, pardas,
se escuta o ruído do vento
falar. E é bom corresponder,
aí vai meu número de protocolo,
por exemplo, enquanto
procuro o meu gravador:
seis, dois, quatro, cinco, sete,
oito, três, seis, um, nove,
quatro, oito, três, um,
dois, cinco, sete...
ad infinitum, leia-se sempre
com voz pausada, solene,
de máquina futurista,
dosifique o ar e o espaço
entre os números, a quantidade
dependendo da firma jurídica,
a corporação, a educação
da pedra do atendente,
ou o tempo metereológico,
sempre faz efeito e desligam.
Negativo do positivo.
(11/VI/2018)
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revistazunai · 6 years ago
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Esculturas Musicais 2: Albano Martins
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SETE POEMAS
                                                                  ACÁCIA
            Não sofreu as dores do parto. Viveu desamparada e só. Sorriu à morte. Deixou como herança este epitáfio: “A ninguém lego em testamento as minhas flores”.
                                                               AGULHAS
            As dos pinheiros, onde vivem enforcados os dias da infância. As outras, as da costura, caíram em desuso: o vestuário usa-se hoje descosido, roto. Servia, outrora, para cobrir; serve hoje para escancarar a nudez humana.
                                                             CIGARRAS
            Cantam ao sol porque o sol é irmão do canto. Filhas de Orfeu e de Apolo, elas são ao mesmo tempo a harpa e a lira do verão.
                                                               GRILO
            É seu o verão, se o quiser. Basta-lhe abrir as asas. Está lá toda a música dos fenos e o oiro das searas.
                                                               ILHAS
            São barcos encalhados. Os seus motores, feitos da carne putrefacta das algas, foram levados na corrente. Jazem algures, entre o fogo e as cinzas, entre o silêncio e a desordem.
                                                             SEIOS
            “Todos os frutos num só”, eis como Malcolm de Chazal define os seios da mulher. Eu diria mais: está ali condensado, num bago de uva, todo o sumo recolhido nos tonéis das vindimas. Ou, se preferirem,  toda a água do mar concentrada na crista duma onda.
                                                           TEMPO
            Árvores que somos, passam por nós, em corrida, as estações. Sem ruído, caem no chão as folhas e apodrecem. Quem as recolhe é um cão ladrando aos astros – que ninguém ouve.
( De: Pequeno dicionário privativo seguido de um punhado de areia, Editora Afrontamento, Porto, 2017 )
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revistazunai · 6 years ago
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Esculturas Musicais 3: Fernando José Karl
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AS PLANTAS DO CASARÃO DE NIETZSCHE
Certa manhã de 1900, quando acabou o ar nas narinas de Nietzsche,
todas as plantas do casarão escutavam as ragas de uma sombra.
A brisa árida soprava o longo bigode do filósofo alemão
que respirava por um leve cristal de abysse.
Nietzsche, antes de morrer, tentava ler uma ode hitita,
e só não conseguiu porque grãos de chuva
turvaram seus tímpanos à sombra do gramofone,
onde, tortuoso, girava o Cello sonata opus 38, de Brahms.
Os olhos flutuantes de Nietzsche, calados de insânia,
imitavam bagas de vento imersas em música.
Na manhã em que respirou pela última vez,
o vazio se enfiou pelas frestas da veneziana,
o vazio leu nos olhos de Nietzsche
o exílio sem água e sem palavra de um filósofo morto.
JAZZ HIDRÁULICO EM CORINTO
(Ka'a sí'ijil t'an: voltar a nascer a voz)
De novo me entrelaço aos ossos que são relâmpagos
naquela noite escura que eu chamo de meu corpo.
De novo volta a nascer a palavra
guiada pelo astrolábio da agulha de marear.
O labirinto flui incessante jazz hidráulico em Corinto,
e dentro de nós o frescor da água no barro da garganta.
Nos aquários que respiram na parte mais funda dos oceanos,
sorvo um jarro d'água
em nome do coração das mulheres vulcânicas.
Parado na luz,
o vento lê o meu futuro nas folhas de chá.
Porque te amo,
naquele recanto abandonado dos fiordes
eu deito na cama entre fevereiro e inverno.
Porque sem ti não consigo respirar,
observo na cozinha o besouro no prato branco
que sonha seu inútil sonho de ser,
algum dia,
um golfinho.
ESCUTO O VENTO DO MAR
Toda palavra é uma parede que recebe o vento do mar.
Se cair no abismo,
caia dançando.
A nova filosofia só poderá ser dançada.
O vento do mar passa os dias em núpcias
com a parede de uma palavra.
Eu me rebelo contra o cárcere da gramática:
quem respeita a gramática não vai para o céu.
Quando eu respeito a gramática,
ferve em mim o inferno mais escaldante.
Atiro as vírgulas no vulcão,
dou um tiro na testa das palavras sem vida.
A gramática que vá pra casa do taralho,
o que eu desejo é que cada palavra
seja uma parede que receba o vento do mar:
vento feito um sopro novo,
liberto para sempre das regras gramaticais:
o que eu quero é uma palavra selvagem
que me erga para além do cadáver.
UM COPO D'ÁGUA NO ESCURO
(Lagar: tanque onde se reduzem a líquido certos frutos)
Como escapar desse pequeno túmulo sem chaves,
onde não sinto forças nem para chorar?
Antes de adormecer para sempre nesse lagar,
o céu bordava um acorde excessivo nos meus ossos.
Porque a garganta entalou de tanta treva, eu morri,
mas o vento se apiedou de minha condição e leu na runa Mannaz:
“Recolha-se em seu espaço sagrado
e busque dentro de si as respostas que procura”.
Como escapar desse pequeno reino coalhado de larvas,
onde, mesmo que o arpão me fira fundo a clavícula,
eu nada sinto, porque sentir é beber um copo d'água no escuro.
Sob a árvore de uma frase aprendo a não ser para ser inteiro,
escuto, nos teares de água, que heras recobrem o semblante
por onde escoaram miragens atlânticas.
A ARTE DE LAVAR LOUÇA
OU COMO DEIXAR QUE A LOUÇA LAVE A SI MESMA
A não-ação (Wu Wei),
preconizada pelas práticas orientais,
é unir-se, integrar-se à ação (Wei):
ação superior,
que nos leva para além do corpo e da Mente:
ação sublime, onde não há tempo nem espaço.
Wu é não, sem.
Wei é ação.
Wei (ação) Wu (não, sem) Wei (ação) é fazer sem a intenção de fazer.
A impossibilidade de agarrar a Mente com a Mente,
de agarrar a luz com a luz,
nos conduz ao Wei Wu Wei que, em japonês, quer dizer:
ação na não-ação, agir sem agir, fazer sem fazer.
Wei Wu Wei: fazer sem fazer:
é lavar a louça na pia com naturalidade,
pendurar a roupa no varal sem cálculos matemáticos,
escrever, sem excesso de pensamento,
sobre o luar que paira o mar revolto de Ariso.
Agir sem agir é regar as plantas na varanda
sem "mo chih ch’u": sem titubear.
Com o coração mergulhado
no remanso da restinga de Serenquibi,
agir sem agir é fazer as coisas como elas mesmas fariam,
se pudessem.
Assim, esvaziado de si mesmo, o espírito pressente algo muito sutil:
apenas quando fica quieto e escuta o silêncio
é que tudo já está feito antes de estar feito.
AS PALAVRAS, COMO OS CAVALOS, TAMBÉM CANSAM
Durmo num areal acossado por chuvas abertas.
Se não me amas, fumo uma planta inteira de mel para esquecer.
Se não me amas, bebo um barco de luz e sumo no vendaval.
Dizem que, cada vez que um de nós respira,
o cântaro se molha durante o angelus noturno.
Eu escrevo as labaredas mais tristes esta noite,
e as palavras, como os cavalos, também cansam.
Através da grade de sua prisão viva,
a alma escuta o barulho dos bambus lavados pelo mar.
Para que não me esqueças, eu bebo água pura nos capitéis bizantinos.
Quem não ama, é uma sombra com caspa na sobrancelha.
Quem não ama, abandona uma criança num quarto com escorpiões.
Quem não ama, não consegue largar o osso do medo.
Quem não ama,
não sabe do veludo do salmão,
não sabe do cheiro da folha de laranjeira,
não sabe escutar a reza visível dos peixes-voadores ao cair da tarde.
Para que não me abandones,
eu preparo tea for two,
depois entro num bar e derramo um pouco de música
no desespero dos loucos.
Dizem que, cada vez que um de nós morre,
as constelações cheiram cocaína,
porque não suportam ver no túmulo apodrecer
aquilo que era para ser um colar de pérolas.
UM HAICAI DE ISSA
(Cerimônia do Chá 1)
A monja Shai passa pela chaniwa  (jardim do Chá),
onde purifica as mãos nas águas duma tsukubai (pia de pedra),
depois toma seu lugar na Cerimônia do Chá:
a fragrância do incenso é de folha de bananeira.
Na parede do chaseki (recinto do Chá),
o rolo com a caligrafia de um haicai de Issa:
tada oreba
oru tote
yuki no furi ni keri
apenas estando aqui
estou aqui
           e a neve cai
Enquanto ora pelos mortos,
a monja Shai prova do yutô (arroz cozido)  
e do yakizakana (peixe grelhado).
O toar do gongo e do koto (tambor) indicam o início da Cerimônia do Chá.
No tatami, com a xícara entre os dedos,
a monja Shai medita na chashuwan (árvore do Chá) que,
com mais de 800 anos, ainda hoje na província chinesa de Xishuangbanna.
EPISÓDIO NO SALÃO DE LEITURA DA BIBLIOTHÈQUE NATIONALE
Passo o dia sob a redoma de vidro do salão de leitura
– hermeticamente fechado – da Bibliothèque Nationale.
Envolto pelo zumbo de um vendaval profundo,
até esqueci em que abissal gulf stream atirei minhas pérolas.
Meu nome é junco ou qualquer um x,
e é bem verdade que areeiro é a palavra que se dá a pequeno vaso,
onde se guarda areia fina para secar a tinta da escrita.
Se as coisas passam a não ter sentido algum,
é bom saber que aquele que está cheio de alegria não peca.
A alma não sabe que o corpo existe,
por isso quando o ar cessa nas narinas,
a alma confessa que o vendaval profundo é uma prece natural
que envolve os tímpanos daquele que passa o dia
sob a redoma de vidro da Bibliothèque Nationale.
A FONTE DO ACASO
Bebendo na fonte do acaso,
a cítara esfria o suor do cristal na penumbra:
agora frio, o cristal é ainda fresco de fogo.
O pequeno oratório das âncoras
é planta selvagem que cresce aos poucos,
âncoras sedentas por decifrar
a engenhosa escritura do mediterrâneo.
O leque fechado é um relâmpago adormecido.
Quando se abre, o leque é o último cação
no abissal gulf stream, enquanto o racimo de uma chuva
fere de pluma o aquário no living,
living onde a cítara excita as raízes da música:
a mosca-das-frutas vive apenas dois meses,
o urubu-de-cabeça-vermelha: 118 anos.
AS PLANTAS NA VARANDA
Algo, em mim,
enquanto lanha-se nas afiadas ostras,
ao mesmo tempo banha-se em outros astros.
Algo, em mim,
não pode ser ferido por espinho de mandacaru,
nem enterrado no Cemitério do Cajueiro que,
rente ao mar, é um canteiro de sopros extintos.
Algo, em mim,
diminui o açor da tempestade
que tenta rachar o crânio.
Algo, em mim,
cura surtos com sutras,
cura larvas com lavas vulcânicas.
Algo, em mim,
faz com a pluma da alma
um rombo no casco do encouraçado Potemkim.
Algo, em mim,
rompe a pedra mais dura,
esfrega teréns de música num bule de Braque,
escuta bolero no rádio e rega as plantas na varanda.
Fernando José Karl, 57 anos, é natural de Joinville/SC. Jornalista, roteirista de cinema, artista visual e poeta. Foi redator e editor-assistente do jornal cultural paranaense Nicolau. Autor, entre outros livros, de “Brisa em Bizâncio” (Travessa dos Editores/2002) e “O livro perdido de Baroque Marina” (Prêmio Cruz e Sousa 2010/Categoria Romance/Editora da UFSC). 
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revistazunai · 6 years ago
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Esculturas Musicais 5: Rosana Piccolo
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AQUILAE
gosto das águias
possuem a vidência
dos anjos
dos anjos caídos, sem salvação
a gargalhada que assusta
a lantejoula de fogo
colada nos olhos    
talhados a faca
miram a estrela
para desfazê-la em pó
e picham 
(spray da noite mais negra)
manjedouras
NOITE MÍNIMA
não é
a delicada foice do vento
a árvore amputada
o mantra do lobo ao longe
embalsamando bares & bandas
janelas de fevereiro
: sopa de silêncio
pedras de Virgínia
que arremesso  
nem riscam o vidro
PASSANTES
lápis do frio
máscaras maquiadas
sem moldura           desfiadas
máscaras alvas       ovaladas
os olhos     (tremido ponto final)    
dizimam digitais
máscaras fabris      a granel     
diferem nos lábios
: morcegos ou peixes negros
PRAÇA
anoitecido animal de sombras
tece a matilha                     descalça
                                      sonâmbula
                             avoada
peçonha escuridão
guarda o ferrão nos olhos vermelhos
: escorpiões de aguardente
PASSEIO NOTURNO
meu coração
em um par de sapatos
panos negros em fuga
tremulam aos cílios do vento
lebres do inverno
apagam cachimbos
fervura vencida na banca
(ácida          se fecha)
arde como o silêncio
no estômago do michê
DOMINGO
pombo pisado         cio do Largo
balão                        domingo
                                  amor de alumínio
não há pão no estádio                                    
mas gladiadores e garras
garrafas quebradas quando
a noite chega
e lambe abajures
a lâmpada acesa na boca dos anjos
PASSEATA
segue cartazes          manada movente
ruas-matadouro          são tantos os touros
ventas-archotes
buquê de gargantas
ondula o tapete de exclamações
e  
chifres em riste
pragas palanque palavras de ordem
que ninguém entende
os  guilhotinados sabem de cor
(nunca vão nos ensinar)
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revistazunai · 6 years ago
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Esculturas Musicais 6: Eduardo Espina
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AQUÍ, Y AHORA
(Las horas están siempre aquí)
Aquí descansan mi padre y mi madre. Cada uno como
son ahora, países separados por ninguna razón de ser.
Al llevárselos, el zarzagán no siguió un orden alfabético.
Sus cenizas no terminaron en algún mar –hay uno a mano,
por si quisieran– sino bajo el mármol, mar hasta la mitad.
Sus nombres apenas se ven en noches de lluvia, en las de
niebla tienen la valentía de quedarse sin que el aire lo sepa.
El silencio les alcanza y sobra para no morir un poco más.
Como suele acontecer con las horas elegidas
por el infinito final, la imposibilidad respeta a
quienes ha dejado fuera para hacerlos visibles.
Aquí descansan ambos, de una vez por todas.
La cuerda que los une no está hecha de seda.
MONÓLOGO DEL FIN AL PRESENTIRLO: “QUE PASE EL QUE SIGUE”
(Causas sin un único regreso)
No lo sabíamos (a esa noción no se llega en puntas de pie).
Papá desaparecía en las definiciones, Mamá supo enseguida
que la suerte al terminar de huir podría decirlo en cualquier
idioma, quedarse inmóvil hasta que el tiempo dispusiera de
palabras para darles significado, si es lo primero a tener en
cuenta cuando los días con sus horas seguidas iban a verse
al espejo de los demás manteniendo en vivo el nombre ante
imágenes cada una mejor que ninguna mientras fueran todas.
En aquellos años, el pretérito empezaba un día antes de ayer,
con el habla iba en esa dirección el árbol del bien y del mal a
menos que las intenciones pensaran darle al destino otro sino.
El reporte médico dejaba la metafísica para explicar en parte
los pensamientos que con el cáncer acercaban la luz al vacío.
Si Mamá lo hubiese sabido, habría muerto antes de quedarse
más semanas, aunque supo desde el principio a la perfección
cómo respirar despacio, aproximarse al rostro de hace mucho
que por diciembre en la mente era otro mes aquel culminando
de menos a esto, o al revés porque está bien que el viento vea
de vez en cuando, viento al que solo el aire ha podido divisar.
Aquello no era poesía. Aquella larga racha en las radiografías
no era la salud indudable como tanto antes mucho nos habían
dicho. Uno llega a esas verdades de fondo muy mal preparado,
habiendo aprendido de memoria que también el olvido al venir
a la vida recuerda, que el tiempo pasa hasta que al fin se ha ido.
Tarde vine a comprender la importancia de vivir para decirlo.
Enterrar a los padres, es como pasar por la infancia sin haber
estado para desconocer a qué anónima manera se debió la voz
hablando de todo, del pensamiento al ocupar tan poco espacio,
aunque no es cuestión de comprender sino de continuar hasta
que los años se sientan intuidos por algún panorama interior.
La vida dice que comprende, aprende a querer –de memoria–,
el misterio anticipa a la semilla mucho antes de hacerle nada.
Mientras traiga lo contrario, habrá que darle un empujón a lo
que siga cayendo, rodear a las lágrimas para entender la caída,
aunque no sé bien si deberíamos (vivir es haber tenido tiempo).
El resto va rápido, con una velocidad de boda robada a Zenón.
Entre el mal y el entendimiento la mente teme a los momentos
demasiado pronto como para poder pensarlo de una sola vez.
El entendimiento, lugar donde nunca imaginé llegaría a estar,
hace preguntas para que el vocabulario hable sin tener miedo,
raras veces vence al sentido común diciendo la verdad a solas.
¿Cuál, la de los hechos, la de los datos debidos a la duración?
Eso cualquiera podría decirlo, mirar al reloj para saber cuándo.
De tarde fue, pues el verano tiene muchas, cuando un cadáver
de hombre entró al cuerpo de mi padre, con mi madre estando
pronta para poner a prueba la raíz cuadrada del drama y de los
predicados que en algunas ilusiones fueron desconocimiento, o
¿habrá querido la ignorancia que siguiera al resultado de largo,
al baldío donde a las imágenes daban las muecas la bienvenida?
Pregunta de cuánto podría ignorar a cambio de quedar perdida,
la vida debe a la voz su libertad entre ideas desacostumbradas,
se atreve a venir invencible al resplandor para sentirse visitada.
Todo eso como suele serlo fue pensado mientras salíamos con
el miedo y el amor de los muertos hasta poder detener los días,
a quien dijo que nadie se va de esta vida sin enterrar a alguien.
En el camino de vuelta vimos moscas, hasta álamos y limones
movidos por lo primero que pasara porque hasta el pasado pasó
por la vereda de enfrente comparando a la fe con una fecha fría.
Pensé en el aperiá oído entre (paréntesis), pero pensé también
qué fácil es jugar a desenterrar tesoros, qué difícil enterrar a las
razones por donde anduvo la niñez repartiendo arrepentimiento.
Anduvimos de voz en voz hasta que la tumba nos vio, fuimos y
huimos, de ida y de regreso –tal cual será– a la tierra horizontal.
Rumbo a la puerta de entrada, o de salida, eso depende, la tarde
pensó en seguirnos, aunque lo pensó muy poco: salimos, solos,
como ha de salir el sol hacia dentro al quedar abierta la ventana.
En un papel donde la soledad decía la verdad a medias, escribí:
“es muy raro dejar el cementerio a la velocidad que uno quiere”.
Sin saber si habíamos ido, volvimos a casa para conocer la nada.
Estaba, como jamás volvimos a verla, maquillada para la belleza
hallada bajo la llovizna del rayo interpretado, nada sino la misma
nada aún de nadie ni por un día, de ninguno. Por no saber abrirle,
encontramos a la muerte preguntando, “¿dónde estará la puerta?”
ENCONTRADO ENTRE LOS APUNTES
(La tristeza da ganas de no hacer nada, y entonces alguien escribe)
"Apetece un no sé qué que se halla por ventura"
–le pertenece a San Juan de la Cruz,
y hay quienes lo han aprendido de memoria–
“Un promedio de por medio”, “Una causa que no
se anima a dejarle el desconocimiento a otros”,
o la próxima vez que vaya a verlos, llevaré
“Una flor, para que no todo sea lo mismo”.
(Por no haber autoría o recuerdo alguno de alguien
antes de mí, esto debo de haberlo escrito yo, como
también la antepenúltima vocal de la palabra nada.)
“Caía la noche para ser echada de menos”.
(Primer verso del poema “Narciso en pose de idilio”
perteneciente al libro La caza nupcial, 1992, en cuya
portada aparece mi nombre.
Por lo tanto)
OCTUBRE 27, 2010
(Hace dos años, la vida tenía dos años menos)
La voluntad responde al pasado en persona a pesar de las
razones que han de ser las de siempre si uno bien lo piensa.
Corría el río con su largo color marrón arrepentido de haber
pedido perdón sin saber dónde el agua perdió su apariencia,
y la luz adelantándose al lucero que no confía en cualquiera.
¿Qué luz sería esa? Esa luz que fue lo último en entender se
sacaba la transparencia de encima, con demasiada facilidad.
Para los ojos, primero están las imágenes para quien las vea,
el viento tiene la misma cantidad de días que un pensamiento.
En la mente podría haber alguien, un yo mientras llega tarde
el atardecer de acuerdo al cual el cuerpo nunca tiene la culpa.
En la mente el olvido piensa a menos velocidad, borra errores
pertenecientes, cambia de ambiciones, de vida, porque puede.
Con todo eso que debería ser esto, la nada respira incompleta,
desempeña su papel con horas que han aparecido por única vez.
Si te das cuenta, mira, está la invisibilidad para quienes aprendan,
a su aparición los ínfimos detalles hallan alguien con quien hablar,
se suman a los aromas humanos no más que el humo por el monte.
Imitando al ámbito de ambos, los perfumes aman la memoria que
a su manera los mantiene enteros en la imagen dando el ejemplo.
Vaya manera de intentar entender la idea de otro mundo después:
en la repetición de los aspectos, el alma se encuentra con un plan.
La ausencia cede a su adversario, nada será tan concreto como el
desconocimiento, ni siquiera la era del aire al cruzar el horizonte.
A lo largo del único jardín camino a casa –a ti te hubiera gustado–
las flores se encontraron con cuanto son (habría que decirles a los
muertos por qué la ausencia antes de serlo se hizo pasar por ellos).
Es eso de lo que a partir de ahora podría deducirse, son esos actos
afines a lo recíproco, a la sílaba visitada en la próxima afirmación.
Mal que le pese a la suerte en secreto, el trébol encontrado entra al
rastro por la puerta de atrás, cuando el azar la cierra al abrir la boca.
¿Será esa la puerta abierta por los nombres al llegar del Sur, recién?
Las imágenes junto al resto hacían un esfuerzo por estar presentes.
Traídas al adiós de las presencias por un léxico autodidacta, son la
seda según el gusano, el río de cuya orilla sale en orden la belleza.
Ceibos, pirúes, álamos de monte, rosales sin hacerle mal a nadie:
estas plantas, dieron a oír sus razones con demasiada frecuencia.
Dijo en otra parte Paul Claudel, poeta muy católico: “Escucho. No
siempre comprendo, pero igual respondo”. Tal como en la Biblia,
donde no todo el olvido está perdido, cabe a la verdad del viento
responder, porque la fe no sabe cómo, ni menos quedarse a vivir,
a contar los recuerdos que ayudan a resucitar según dicen, pues la
vida son las propias palabras y su sentido los años añadidos a uno.
En este sitio hasta donde el taxi me trajo, dejo que las dalias digan
de qué forma palabras y pensamientos pueden llegar hasta el fondo.
Para hacer las paces con el pasado, escribo a través mío un nombre
propio que la vida prefiere olvidar, primero una sílaba, o solo esta.
El error ha sido quedarse cerca, el momento por el cual cualquiera
llega tarde a la persona a punto de dar por cumplido el aprendizaje.
Voy despacio, como haciéndole caso al silencio al seguir de largo.
De un tiempo a esta parte pude aprender el sentido de camposanto,
la ubicación de las tumbas, el valor del número para los enterrados,
la importancia de tener palmeras por si el alma al subir las necesita.
Palabras que nunca antes había escrito: velatorio, exequias, mortaja,
crematorio, aproximan la lengua a la prosodia donde se siente sorda.
Salvo que la memoria disponga lo contrario, salgo ileso del resultado.
Aquí a los muertos no les importa qué opinión puedan tener los días,
huyo del clavel del aire con el que otros han hecho un aroma mejor.
Si el mundo es como ahora, entonces dejar al mundo como si fuera.
Empeñado en ser parte del pensamiento, el tiempo prefiere la falta
de explicaciones: las almas, un montón para la tristeza, se animan.
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revistazunai · 6 years ago
Text
Esculturas Musicais 8: Renan Porto
Tumblr media
CASA VAZIA
as mãos da carícia sopro nas costas
com a ponta da faca os cravos
contados. Diante de mim, a porta
eriçada
                da boca              barulho
                passagem          da cadeira
                culpada o
                                   barulho
                                   sua boca
                                   babava
                                   o gozo
o indicador deslizava teu cu
como a mão q bate a superfície
da água meu pau te corria molhada
NA TORTURA TODA CARNE SE TRAI
torturante arrancar
dum amálgama de nada
           tudo por pra fora
 agoni zante
  caça captura
lápide-encaixe
   : língua :
  carandiru
  de versos
 _passado
efêmero.
maldito monstrengo
eduquei e alimentei
em desvario
até a lucidez
duma _quimera
          a excretar
NONADA
Da banda de lá
partia-se em duas
a massa uníssona
do estrondo
Cada lado que um estalo dava
Era o estrado de outro som
Cada bala riflejada
Era o estrago em outro tom
O barulho que entremeiava
a vereda vinha do de-onde
como aeons mandados de
um socavão sem homens
Só a guerra se via e
Havia apenas os somentes
com a maquinaria carnívora
das bestas rindo da
própria desgraça
Teria ali o fim um tropeço
Ou era o coito de uma raça?
Decodificaram o gene da cultura
nos dentes de um ancestral humano
e acreditaram ser descendentes de lobos
a cidade emputecida
& suas janelas
arrombadas como bocas
na cova da língua
um dente solto
flutua
 a palavra torpe
não volta vazia
o verbo doendo na carne
a carne comendo na boca
a boca mordida no dente
agonizando na dor
que não dói
a palavra torpe
no mínimo
volta sangrando
com os verbos
tremendo
os membros da palavra
expostos na boca
onde o silêncio
incólume
fere mais
& mais
fun
do
Renan Porto cresceu num pequeno distrito no interior da Bahia chamado Florestal, que faz parte do município de Jequié. Lá escreveu seu primeiro poema. Foi para Uberaba-MG estudar Direito, mas nunca esquece da primeira vez que preferiu estar a ler poemas e filosofia. Agora vive no Rio de Janeiro, onde faz mestrado em Filosofia do Direito na UERJ. Pensa no Rio como num verso de Roberto Piva que diz “OH cidade de lábios tristes e trêmulos onde encontrar asilo na tua face?”
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