#notas do meu subsolo
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Tá bom, por hoje chega.
Hoje tudo doeu.
#divagamente#depressão#pequenosescritores#liberdadeliteraria#eglogas#mentesexpostas#meusescritos#espalhepoesias#carteldapoesia#mardeescritos#lardepoetas#ecospoeticos#notas do meu subsolo
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Martha Stewart tem em sua fazenda uma planta que tenho aqui, se chama hamamélis. Tem de várias cores e tb da mesma cor que tenho. Ela ensina a fazer arranjo com hamamélis. Vc corta os galhos na época que ela está com flores ( que são mimosas, lindas e com sabor frutado, vc mastiga e percebe uma nota de cerejas ou alguma fruta da familia das berries) e entao na ponta do galho vc faz uma fenda para ela absorver a agua do vaso. Enche um vaso com agua fria e pode xolocar algum comprimido que lhe prolongue a vida e entao coloque os galhos de flores que duram vários dias. Lá no Maine é muito comim a hamamélis amarela que é chamada de árvore da bruxa pois é muito usada por bruxas em seus feitiços e trabalhos de bruxarias. Aqui só conheço dessa cor que tenho. Essa planta tem uma característica interessantíssima, quando esfria muito, suas pequenas florzinhas delicadas parecidas com tiras de papel manteiga, dobram-se para dentro fechando-se para se protegerem do frio e no caso lá no Maine, da neve mesmo e entao depois elas se abrem novamente e voltam ao normal. Antigamente usavam o galho da hamamelis para procurar água pq ele se curva quando tem agua no subsolo e chamavam o galho de galho da bruxa. Tambem usavam os galhos para fazer arcos de flexas pois ele tem uma boa envergadura sem quebrar. Muitas historias né. New England deve ter tantas 🤗🤗🤗adoro🤗🤗🤗olhe meus dois vasos de hamamélis, a árvore da bruxa (witch hazel). Se plantar no chão fica imenso!
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eu gosto daqui, gosto de escrever o que sinto, o que me aperta, o que me causa alegria, gosto de passear meus olhos em cada letra e pensar num todo. Por esses dias estive mal, me senti só e pensando bem, estamos só né? na verdade, na verdade será eu aqui e você ai, no seu canto, um pouco longe, mas cada um na sua. No final das contas é cada um por si e tudo bem. Eu li hoje alguns trechos que escrevi no meu bloco de notas e reparei que era de alguns anos atrás e pasmem, eu sofria pra crlh, nada relacionado ao que sinto agora, mas hoje em dia é no subsolo, é bem meu, só meu. resolvido! Eu sinto falta do novo, de me sentir querido, me sentir desejado, sinto falta daquele ar quente no meio do frio. Sinto falta de como eu me sentia vivo ao querer algo que não era meu. É delírio? eu vivi! Viveria novamente, mas fiz escolhas e não posso desapontar "meu eu" presente, pois ele também está feliz. "Meu eu" está tão feliz que às vezes esquece de respirar fundo e apreciar o que tem. Me incomoda essa montanha russa, é apenas um devaneio. Eu sei o que quero, como quero, sei do que gosto e como gosto, sei de mim e me satisfaço. Realmente é válido. Eu sinto a beça. sou humano. Eu não posso me desculpar por ser intenso, nem mesmo me desejar mais do que alguém consiga fazer por mim. Como eu disse, eu sei o que gosto, o que quero, o que me faz bem, isso é válido!
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Paradoxi (Origem)
Capítulo 5 - ''Epílogo - O surgimento de um horizonte infinito (Parte 1)''
Quando despertou ao ser chamado, Amenotai logo viu que quem o estava chamando era Íris. Recobrando lentamente os sentidos, Amenotai olhando ao redor, questiona Íris onde eles estavam.
- Nós estamos na antiga casa da senhora Toriel. - respondeu Íris.
- Tá, mas como a gente veio parar aqui? - perguntou Amenotai.
- Quando eu acordei, a senhora Toriel veio até mim e explicou o que aconteceu. - disse Íris. - Ela disse que os guardas reais encontraram nós dois desmaiados no chão ao lado da barreira junto às almas humanas e foi eles que trouxeram a gente até aqui.
Amenotai se perguntava o que ele havia visto enquanto dormia foi real ou apenas um sonho, só que da barreira da cama ele vê algo que confirma que aquilo não foi um sonho. Toriel ao entrar no quarto, fica feliz em vê que Amenotai finalmente havia acordado e vai até ele.
- Acordou minha criança! - exclamou Toriel. - Você está bem?
- Eu estou bem sim. - respondeu Amenotai. - Obrigado por cuidar de nós e também eu lamento pelo o que aconteceu com Asgore.
- Eu já sei, Íris me contou. - acrescentou Toriel. - Eu queria que as coisas não tivessem chegado a esse ponto. Mesmo que Asgore tivesse feito todas aquelas coisas, ainda sim não deveriam ter que acabar como vocês se enfrentando até que um dos lados morresse.
- Por hora descansem. - disse Toriel. - Depois veremos como serão as coisas de agora em diante.
- Tudo bem, entendemos. - assentiu Íris.
Após isso Toriel os deixa a sós para ir resolver alguns assuntos, Íris nota que Amenotai parecia meio abatido.
- Está tudo bem, Amenotai? - perguntou Íris.
- Eu não sei dizer. - respondeu Amenotai. - Depois de sentir a sensação de morrer repetidamente, eu me sinto meio estranho. Tantas coisas passaram pela minha cabeça a primeira vez que isso aconteceu, pensei que iria te perder e que também não tive nem a oportunidade de me despedir da mamãe.
Naquele quarto, o som foi preenchido pelo seu choro e lágrimas que tomavam conta da face de Amenotai. Ele diz que se sente imponte vendo que nem foi capaz de protegê-la e que em vários momentos pensou que estava tudo perdido.
Amenotai lembrasse de todas as vezes em que temia não ter capacidade de proteger e cuidar dela. De que se ele não fosse forte o suficiente, o pior poderia vir acontecer, quando percebe, Íris ao mesmo tempo que secava as suas lágrimas, ela também estava chorando.
- Meu irmão, me escute. - disse Íris. - Eu sei de todas as coisas que você já fez por mim e sempre serei grata por isso. Você sabe que desde muito tempo você esteve cuidando de mim, só que aí está o seu problema, é que você sempre coloca MUITA responsabilidade sobre si mesmo.
- Lembre-se de que nós somos apenas crianças. - acrescentou Íris. - Eu sei que nem sempre as coisas foram fáceis para a gente desde a morte do papai. Ainda sim, essas responsabilidades você não deveria está tendo ainda. Então, saiba que você não tem que toda hora ficar nessa autocobrança, ainda mais de maneira extrema.
Ouvindo isso, Amenotai começa a refletir e compreender o que Íris estava a dizer, ambos param de chorar e acabam se abraçando. Nenhuma palavra precisou ser dita entre os dois para obter uma resposta.
Após a morte de Asgore, muitas reformas e reformulações foram feitas no subsolo, Toriel voltou ao posto de rainha e institui a nova lei que agora todo humano que caísse lá, não seria tratado como inimigo, mas sim como amigos.
Por ter voltado a reinar, Papyrus passou a ser o capitão da guarda real e único membro deles, pois a função de capturar humanos já não era mais necessária. O destino de Amenotai e Íris, foi que eles acabaram por serem adotados pela Toriel.
Ambos se acertaram com Undyne sobre a morte de Asgore e ela passou a ajudar Alphys em uma forma de libertar os monstros. Agora Amenotai e Íris passaram a tocar as suas vidas, Íris passou a ser uma estrela no programa do Mettaton, fazendo sucesso entre os monstros, com isso finalmente realizando o sonho de infância dela.
Amenotai por sua vez, querendo se mostrar utilidade, decidiu começar também ajudando a Alphys. Ele de vez em quando vai visitar o Napstablook na casa dele. Em algum ponto Amenotai e Íris ajudaram Undyne e Alphys a terem o encontro delas.
Isso ocasionou no fim, de ambos acabarem descobrindo sobre o segredo da Alphys, que eram os amalgamates e fizeram com que ela finalmente tomasse a decisão de levá-lo de volta às suas famílias.
Uma noite, G veio até eles dizendo que estava na hora de cumprir o acordo que eles haviam feito. Ambos ao despertarem se perguntando que voz era aquela, logo percebem que era a mesma voz da ligação no laboratório verdadeiro e G faz com que se lembrem do acordo.
- Vocês saberão onde me encontrar. - disse G.
Antes que qualquer um dos dois pudesse falar qualquer coisa, notaram que ele já não se encontrava mais ali, Amenotai e Íris decidem voltar a dormir, que de manhã eles veriam isso.
Quando acordam na manhã seguinte, logo se levantam, pois eles sabiam onde deveriam ir para obter respostas. Toriel chama os dois para tomar café da manhã.
- Desculpa, mãe. - disse Íris. - Mas, não dá, estamos com presa.
- E também estamos meio que sem fome. - acrescentou Amenotai.
Antes que Toriel conseguisse dizer algo, ela percebe que Amenotai e Íris já haviam saído, a mesma pensa que eles deveriam está com pressa para ir em algum lugar.
Quando finalmente chegam ao laboratório da Alphys, eles vão em direção ao elevador do laboratório verdadeiro. Vendo que não parecia não ter ninguém ali, no entanto ambos acabam por escutar a voz de G e ele parecia estar nos guiando.
Indo até onde G dizia, uma porta acaba se abrindo e então eles decidem adentrar na sala, quando Amenotai e Íris de início não encontram ninguém. Só que finalmente G se revela e logo diz que agora estaria na hora cumprirem com o que haviam combinado.
- Afinal de contas. - ponderou Amenotai. - O que você quer conosco e ainda por cima nem sabemos o seu nome?
- Vocês podem me chamar de Gaster. - disse Gaster.
Gaster então explica a Amenotai e Íris quem um dia ele foi e também fala para que queria a ajuda deles.
- Essa máquina que está na frente de vocês. - disse Gaster. - É um antigo maquinário que nunca pude terminar em meu tempo.
Gaster fala para que serviria aquela máquina, dizendo que era um túnel do tempo e também explica o porquê de nunca ter sido finalizada.
- Estão prontos para começamos? - perguntou Gaster.
- Se prometemos, nós então iremos te ajudar. - afirmou Amenotai.
- Por mim tá tudo bem também. - assentiu Íris.
Após isso se passaram quase dez anos, Amenotai e Íris nesse tempo tiveram que aprender MUITA coisa, Gaster aos poucos os ensinava e auxiliava. Ambos tinham que intercalar o tempo da vida pessoal deles junto com trabalhar em consertar e finalizar o túnel do tempo.
Eles tiveram que ser ensinados sobre diversos conceitos científicos, também sobre engenharia, mecânica e robótica. Muitas vezes Amenotai e Íris acabavam indo para o laboratório e só saiam de lá no dia seguinte.
Quando faltava certas coisas para o túnel do tempo ser terminado, os três acabaram se encontrando com alguns empecilhos, que eles estavam tendo resolver. Se passaram dias e ainda se encontravam presos nisso, foi quando Amenotai que estava dormindo no laboratório, só que ao ser acordado por Íris.
Foi quando ele notou que em cima da sua mesa havia um caderno e ao folheá-lo, escrito nele possuía anotações que resolviam os problemas que eles estavam tendo. Quando viu aquilo, logo foi contado sobre isso ao Gaster e a Íris.
Com as anotações em mãos, a máquina finalmente terminada, Amenotai e Íris já se encontravam com vinte e três anos. Ambos estavam muito felizes por ela estar pronta, porém Gaster os fala que ainda faltava testá-la e vê como se sairia.
Amenotai responde a Gaster que sabia disso, só estando satisfeito dela está pronta. Ele fala que parecia que estava tudo pronto para o teste de amanhã, Amenotai e Íris vão embora de lá, pois eles sabiam que o dia de amanhã seria um grande dia.
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Nota de hoje:
Só tem um único lado bom:
Na merda eu já estou.
Pensando bem...
Só existe um fundo do poço.
E acredite, já cheguei ao subsolo dele.
Todos os meus limites já foram ultrapassados.
"Estranhamente isso me serve de consolo..."
♠️🖤♣️
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Os 15 melhores começos de livros da literatura universal
Pedimos aos leitores e colaboradores que apontassem os melhores começos de livros da literatura universal. Cento e cinquenta e seis livros foram citados por 2,4 mil participantes, destes, selecionamos os 15 livros que obtiveram mais citações. A seleção percorre quase quatro séculos de literatura, de “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes; publicado em 1605, a “O Jardim do Diabo”, de Luis Fernando Veríssimo; publicado em 1988.
Pedimos aos leitores e colaboradores que apontassem os melhores começos de livros da literatura universal. A consulta foi feita a colaboradores, assinantes — a partir da newsletter —, e seguidores da página da revista no Facebook e no Twitter. Mais de 150 livros foram citados por 2,4 mil participantes, destes, selecionamos os 15 livros que obtiveram mais citações. A seleção percorre quase quatro séculos de literatura, de “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes; publicado em 1605, a “O Jardim do Diabo”, de Luis Fernando Veríssimo; publicado em 1988. Além das obras capitais de Veríssimo e Cervantes, integram a lista: “Moby Dick”, de Herman Melville; “Notas do Subsolo”, de Dostoiévski; “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa; “O Complexo de Portnoy”, de Philip Roth; “A Lua Vem da Ásia”, de Campos de Carvalho; “O Apanhador no Campo de Centeio”, de J. D. Salinger; “O Amanuense Belmiro”, de Cyro dos Anjos; “A Metamorfose”, de Franz Kafka; “Anna Kariênina”, de Lev Tolstói; “O Ventre”, de Carlos Heitor Cony; “Lolita”, de Vladimir Nabokov; “As Ondas”, de Virginia Woolf; e “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez. A lista está publicada em ordem classificatória.
Moby Dick, de Herman Melville
Chamem-me simplesmente Ismael. Aqui há uns anos não me peçam para ser mais preciso —, tendo-me dado conta de que o meu porta-moedas estava quase vazio, decidi voltar a navegar, ou seja, aventurar-me de novo pelas vastas planícies líquidas do Mundo. Achei que nada haveria de melhor para desopilar, quer dizer, para vencer a tristeza e regularizar a circulação sanguínea. Algumas pessoas, quando atacadas de melancolia, suicidam-se de qualquer maneira. Catão, por exemplo, lançou-se sobre a própria espada. Eu instalo-me tranquilamente num barco.
Anna Kariênina, de Lev Tolstói
Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira. Tudo era confusão na casa dos Oblónski. A esposa ficara sabendo que o marido mantinha um caso com a ex-governanta francesa e lhe comunicara que não podia viver com ele sob o mesmo teto. Essa situação já durava três dias e era um tormento para os cônjuges, para todos os familiares e para os criados. Todos, familiares e criados, achavam que não fazia sentido morarem os dois juntos e que pessoas reunidas por acaso em qualquer hospedaria estariam mais ligadas entre si do que eles.
Notas do Subsolo, de Dostoiévski
Sou um homem doente… sou mau. Não tenho atrativos. Acho que sofro do fígado. Aliás, não entendo bulhufas da minha doença e não sei com certeza o que é que me dói. Não me trato, nunca me tratei, embora respeite os médicos e a medicina. Além de tudo, sou supersticioso ao extremo; bem, o bastante para respeitar a medicina. (Tenho instrução suficiente para não ser supersticioso, mas sou.) Não, senhores, se não quero me tratar é de raiva. Isso os senhores provavelmente não compreendem.
Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez
Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo.
Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa
Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvores no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. Daí, vieram me chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser — se viu —; e com máscara de cachorro. Me disseram; eu não quis avistar. Mesmo que, por defeito como nasceu, arrebitado de beiços, esse figurava rindo feito pessoa. Cara de gente, cara de cão: determinaram — era o demo.
A Metamorfose, de Franz Kafka
Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo de qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas numerosas pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do corpo, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos.
O Complexo de Portnoy, de Philip Roth
Ela estava tão profundamente entranhada em minha consciência que, no primeiro ano na escola, eu tinha a impressão de que todas as professoras eram minha mãe disfarçada. Assim que tocava o sinal ao fim das aulas, eu voltava correndo para casa, na esperança de chegar ao apartamento em que morávamos antes que ela tivesse tempo de se transformar. Invariavelmente ela já estava na cozinha quando eu chegava, preparando leite com biscoitos para mim. No entanto, em vez de me livrar dessas ilusões, essa proeza só fazia crescer minha admiração pelos poderes dela.
A Lua Vem da Ásia, de Campos de Carvalho
Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando a legítima defesa — e qual defesa seria mais legítima? — logrei ser absolvido por cinco votos a dois, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris. Deixei crescer a barba em pensamento, comprei um par de óculos para míope, e passava as noites espiando o céu estrelado, um cigarro entre os dedos. Chamava-me então Adilson, mas logo mudei para Heitor, depois Ruy Barbo, depois finalmente Astrogildo, que é como me chamo ainda hoje, quando me chamo.
O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger
Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que os meus pais faziam antes que eu nascesse, e toda essa lenga-lenga tipo David Copperfield, mas, para dizer a verdade, não estou com vontade de falar sobre isso. Em primeiro lugar, esse negócio me chateia e, além disso, meus pais teriam um troço se contasse qualquer coisa íntima sobre eles. São um bocado sensíveis a esse tipo de coisa, principalmente meu pai. Não é que eles sejam ruins — não é isso que estou dizendo — mas são sensíveis pra burro.
O Amanuense Belmiro, de Cyro dos Anjos
Ali pelo oitavo chope, chegamos à conclusão de que todos os problemas eram insolúveis. Florêncio propôs, então, um nono, argumentando que outro copo talvez trouxesse a solução geral. Éramos quatro ou cinco, em torno de pequena mesa de ferro, no bar do Parque. Alegre véspera de Natal! As mulatas iam e vinham, com requebros, sorrindo dengosamente para os soldados do Regimento de Cavalaria. No caramanchão, outras dançavam maxixe com pretos reforçados, enquanto um cabra gordo, de melenas, fazia a vitrola funcionar.
O Ventre, de Carlos Heitor Cony
Positivamente, meu irmão foi acima de tudo um torturado. Sua tortura seria interessante se eu a explorasse com critério — mas jamais me preocupei com problemas do espírito. Belo para mim é um bife com batatas fritas ou um par de coxas macias. Não sou lido tampouco. A única atração que tive por livro limitou-se à ilustração de um tratado de educação sexual que o vigário do Lins fez o pai comprar para nosso espiritual proveito. Só creio naquilo que possa ser atingido pelo meu cuspe. O resto é cristianismo e pobreza de espírito.
Lolita, de Vladimir Nabokov
Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta. Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita. Será que teve uma precursora? Sim, de fato teve. Na verdade, talvez jamais teria existido uma Lolita se, em certo verão, eu não houvesse amado uma menina primordial.
O Jardim do Diabo, de Luis Fernando Verissimo
Me chame de Ismael e eu não atenderei. Meu nome é Estevão, ou coisa parecida. Como todos os homens, sou oitenta por cento água salgada, mas já desisti de puxar destas profundezas qualquer grande besta simbólica. Como a própria baleia, vivo de pequenos peixes da superfície, que pouco significam, mas alimentam. Você talvez tenha visto alguns dos meus livros nas bancas. Todo homem, depois dos quarenta, abdica das suas fomes, salvo a que o mantém vivo. São aqueles livros mal impressos em papel jornal, com capas coloridas em que uma mulher com grandes peitos de fora está sempre prestes a sofrer uma desgraça.
As Ondas, de Virginia Woolf
O Sol ainda não nascera. Era quase impossível distinguir o céu do mar, mas este apresentava algumas rugas, como se de um pedaço de tecido se tratasse. Aos poucos, à medida que o céu clareava, uma linha escura estendeu-se no horizonte, dividindo o céu e o mar. Então o tecido cinzento coloriu-se de manchas em movimento, umas sucedendo-se às outras, junto à superfície, perseguindo-se mutuamente, em parar.
Dom Quixote, de Miguel de Cervantes
Desocupado leitor: sem juramento meu embora, poderás acreditar que eu gostaria que este livro, como filho da razão, fosse o mais formoso, o mais primoroso e o mais judicioso e agudo que se pudesse imaginar. Mas não pude eu contravir a ordem da natureza, que nela cada coisa engendra seu semelhante. E, assim, o que poderá engendrar o estéril e mal cultivado engenho meu, senão a história de um filho seco, murcho, antojadiço e cheio de pensamentos díspares e nunca imaginados por ninguém mais, exatamente como quem foi engendrado num cárcere, onde toda a incomodidade tem assento e onde todo o triste barulho faz sua habitação?
Os 15 melhores começos de livros da literatura universal Publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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Naquela época eu tinha apenas vinte e quatro anos. Já então minha vida era sombria e desordenada, eu era solitário como um bicho do mato. Não tinha amizades, até mesmo evitava falar com as pessoas, e cada vez me enfurnava mais no meu canto.
- Dostoiéviski, in Notas do Subsolo
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Lembranças do Inferno. Nem todos acompanham. Por aqui, só destruição. Oremos.
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"Já então eu trazia na alma o meu subsolo. Sentia medo terrível de ser visto e reconhecido, pois andava por vários lugares bastante sórdidos."
Fiodor Dostroiévski - Notas do Subsolo
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Exausta
acho que sempre me senti assim, pois sempre há uma batalha dentro de mim
mais cansativo do que lutar contra o mundo é lutar contra si mesmo.
#cansaço#mentesexpostas#pequenosescritores#liberdadeliteraria#ecospoeticos#meusescritos#divagações#carteldapoesia#lardepoetas#espalhepoesias#mardeescritos#poecitas#depressão#notas do meu subsolo
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E se aproxima o dia da promessa
Talvez eu seja o único a lembrar da promessa de 4 anos, que eu nem deveria lembrar, mas pouca coisa mudou desde então, na verdade posso dizer que eu subi o elevador, cheguei até o quinto andar e desci até o subsolo (-1). Poucas coisas mudaram... posso dizer que o que mudou piorou, várias fraquezas tomaram seu contorno, endurecimentos, traumas, muitos traumas.
Como poderia não lembrar? Deixei uma nota dentro do meu RG para definitivamente lembrar, e se aproxima... 32 dias, um pouco mais de um mês, 17 de novembro de 2021. Tenho certeza que chegarei lá e passarei uma noite sozinho, como tem sido todas as noites.
Esse tipo de relação é muito preciosa para se estabelecer assim, sem critério... Demorei muito a aprender, dificilmente vou me desvincular, e por isso não pretendo me relacionar dessa maneira novamente, ao menos não dessa maneira... Gostaria de estar errado quanto a somente eu me lembrar dessa promessa, mas seria uma grande surpresa.
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Excerto do livro HOMENS TRABALHANDO, que faz parte de uma série denominada JORNADA, na qual o autor relata a caminhada de um rapaz desde o seu começo como operário de obras, até à sua formatura na universidade. Toda vez que eu me embriagava na noite anterior, nem tentava disfarçar os sinais da bebedeira, de manhã. Eu não conseguia rir. Não agüentava ficar sem um encosto qualquer e jamais olhava para a frente. Só para o chão. A maior vítima de tudo isso era o trabalho. O rendimento ia a zero. A toda hora eu parava pra descansar e, quando tinha certeza de que o Puxa-Saco não apareceria no meu setor, sentava-me em uma lata de tinta, dobrava os braços sobre os joelhos, deitava a cabeça sobre os braços, e ficava horas a fio sem me mover. Quando era inevitável que fizesse qualquer coisa, eu procurava algum acontecimento bom da minha vida e o ficava relembrando durante o expediente, de modo a não me lembrar da obrigação do dia. Naquela manhã, eu tinha chegado arrasado à obra. Pensei: -- Vou ficar me lembrando, até mais não poder, da trepada mais gostosa que já dei até hoje! Ao chegar perto do guincho, Zé Maria perguntou: ---- Você bebeu ontem? ---- Enchi o rabo! ---- Tá se vendo! Cara com olheiras, bochechas inchadas e olhos injetados, avermelhados! Oh, ressaca! Ah, ah! Não achei graça. Fiquei parado por algum tempo, esperando que o guincho levasse o maior número possível de pessoal prédio acima. Quando a plataforma desceu para buscar a última leva de homens, respirei fundo e pensei: ---- Lá vou eu! Veio-me um enorme desânimo! A manhã estava sombria, o tempo, fechado. Ventava. Fazia frio. Eu não queria trabalhar. Eu queria era me deitar. Tomar uma copada de chá de boldo gelado. Encostar meu corpo nu no corpo fofo de Gracinha. Queria que ela me passasse as mãos nas costas, no rosto, na bunda. Queria que ela me apertasse entre as pernas. Queria que ela me esfregasse com força a xoxota! Queria sentir os cabelinhos macios da pererequinha de Gracinha esbarrando em minhas coxas! Comecei a me lembrar daquele fevereiro: Eu fora à Zona. Havia uma mulher parada, com os braços cruzados, encostada à porta de uma das muitas casas velhas e decadentes da vila. Era baixa, falsa-loura, meio coroa de olhos castanhos meigos. Estrias profundas sobre os lábios. Em volta dos olhos, mil e um pés de galinha. As pelancas já começavam a dar trabalho. Dentes amarelados postiços aparecendo por detrás dos lábios carnudos. Boca toda lambuzada de baton. Brincos de latão ou alu¬mínio. Vestido surrado vermelho. Sapatos também vermelhos, esfolados, bicudos, feios. ---- Quer dar uma trepada de noite inteira comigo, amorzinho? - perguntei. ---- Não posso, querido! - ela respondeu, educada - toda terça-feira um cara dorme comigo. Se pudesse eu ia mesmo! ---- Pois é, eu tô a fim de uma perereca! ---- Eu posso dar uma olhada pra ver se uma colega minha tá desocupada. Ela é bonitinha. Quer? ---- Quero! Ela desceu uma escada que dava pro subsolo da casa. Voltou dizendo que a colega estava no banho. Vinha já. ---- Tchau! - despediu-se. ---- Tchau! Quando coloquei o pé na plataforma, senti a mão de alguém em meu ombro direito. Olhei. Era Coquinho. ---- Zé Antônio tá chamano ocê lá no iscritório. ---- Pra quê? ---- Sei lá! Entrei no escritório e me sentei à frente do Puxa-Saco. ---- Júlio César? ---- Hein? ---- O que tá acontecendo aí na obra? ---- Hein? ---- Essas conversas que estão saindo aí? ---- Sei não. ---- Como não sabe?! Eu tô sabendo! ---- É? Mas eu não tô! ---- E não é só isto, não! ---- O que tem mais? ---- O Coquinho chegou aqui falando várias vezes que virou rotina de hora de almoço a peãozada meter a língua na sociedade! ---- Tô sabendo não! ---- Você sabe que o doutor Amorim é membro do Lions e do Rotary? ---- Eu não. Ele é membro dessas coisas chiques mesmo?! ---- É! ---- Nossa! ---- E o Coquinho disse que é sempre você quem começa dizendo:- vamos contar histórias, minha gente? ---- Esse cara é maluco, porra! ---- Ele não ia inventar uma coisa dessas! A conversa do Puxa-Saco já me incomodava. Voltei correndo pra lembrança da mulher. Fiquei sentado com a mão escorada no queixo, olhando pra cara do moço, e ele ficou falando sozinho. Apareceu a mulher. Era baixinha, magra, morena-clara, risonha. Cara chupada. Estava enrolada num roupão de banho. Os cabelos anelados, negros e molhados, caindo sobre parte de seu rosto não impediam que se notasse sua feiúra. Trepar com ela não era uma perspectiva das mais animadoras, mas, como estava com fome, decidi-me por ir com ela. ---- Você é o cara de quem minha colega falou? ---- Eu mesmo! ---- Vem comigo! Descemos a escada. Ela abriu a porta do quarto. Entramos. O cômodo era pequeno. O teto já fora branco. Estava encardido e mofado. As paredes eram pintadas de verde-claro e estavam desbotadas e úmidas. Uma cama de casal calçada com tijolos, uma cômoda caindo aos pedaços com um espelho manchado e um abajur velho eram as únicas mobílias. Sentei-me por um momento na cama forrada com um lençol encardido. A mulher tirou o roupão. Os peitos eram pequenos, durinhos. As pernas lisiss��mas, e a penugem da boceta, exuberante. Sentou-se ao meu lado esquerdo, enfiando a mão direita entre meu braço e minha perna. Comecei, lentamente, a desfazer os nós dos sapatos. ---- Há quanto tempo você mora aqui na cidade mesmo, Júlio César? - acordei com o Puxa-Saco perguntando. ---- Cinco anos, já disse. ---- Veio da roça, lógico! ---- Da zona metalúrgica. ---- Hã... perto da capital!? ---- Isso! ---- Então, não conhece direito o sistema desta cidade? Eu quase gritei: --- NÃO ME ENCHE O SACO, PORRA!, mas me contive. ---- Que sistema? Depois de tirar os sapatos e as meias, fiquei de pé e despi as roupas. Estiquei-me de barriga pra cima sobre a cama. A mulher se esticou ao meu lado. ---- Quanto você vai me dar pra ficar comigo? ---- Não se preocupe! ---- Às vezes, alguns homens descem pro quarto comigo, trepam comigo, não tratam preço, exigem que eu chupe o pau deles, exigem que eu rebole na ponta do peru deles, comem minha bunda, regaçam minha perereca, fazem até calos em minha xoxota, gozam a mil, não me pagam, ainda ameaçam me bater se eu reclamar, vão embora, e eu fico na pior, cara. Isso é sacanagem! Eu preciso de grana, porra! ---- Não se preocupe! ---- Agora, por exemplo, eu tô morrendo de fome e não tenho um tostão! Levantei-me da cama, tirei algumas notas da carteira, enfiei - lhe nas mãos: ---- Compre o que quiser comer no bar aí em cima. Traga - me três cervejas e uma garrafa de vinho. A mulher vestiu o roupão, subiu a escada, e sumiu. ---- Esta é uma cidade antiga, Júlio César. O pessoal não tá acostumado com determinadas coisas! - o Puxa-Saco continuou. ---- Você está falando de que, afinal? ---- A respeito de que!? Dessas críticas que estão saindo na obra! Em voz alta! E só com nomes de pessoas da sociedade! ---- Que sociedade, cara? ---- As pessoas importantes! ---- Huumm...! O meu saco já estava arrastando lá no chão. Logo antes do almoço, aquela bosta vinha me encher a paciência! Era dose! ---- Zé Antônio - eu disse - tudo que eu faço dentro da obra ou fora dela está dentro da constituição. São atos legais. Além disso, a liberdade de expressão é garantida na Declaração Universal dos Direitos do Homem. ---- Ah, é? Pode até ser, mas o doutor não gosta! E ele não gostará de saber que isto acontece aqui dentro da obra! E o pessoal da cidade, o povo mais antigo, persegue as pessoas que tenham tendências e opiniões contrárias às suas, principalmente políticas! ---- Foda-se! Tá escrito na constituição! ---- Júlio César, posso lhe contar uma história? ---- Real? ---- É! ---- Não! Não me interessa! ---- Mas eu vou contar assim mesmo! ---- Oh, saco! Pouco depois, a mulher voltou. Em uma das mãos, trazia uma sacola com as cervejas e o vinho. Na outra, trazia um pedaço de frango, que mastigava. ---- Quer dar uma dentada? ---- Não. ---- Bobo! Colocou a sacola no chão, segurou o frango nos dentes, abriu o vinho e uma cerveja. Pôs cerveja em dois copos e vinho em apenas um. Depois, recomeçou a mastigar o frango, tirou o roupão, e se esticou outra vez ao meu lado. ---- Como é seu nome? - perguntou. ---- Júlio César. ---- O meu é Gracinha. Gracinha ficou olhando fixamente pra mim, depois se pôs a alisar a minha cara, enquanto eu permanecia deitado, de barriga pra cima. Às vezes, eu me levantava levemente e dava uma golada nas bebidas. ---- Você é bonito, sabia? ---- Acha? ---- Acho! Tomamos uma cerveja. ---- Você é de onde? – perguntei. ---- Deixissopralá! ---- Garanto que é da cidade, mesmo! ---- Deixissopralá! As putas não gostam de dizer de onde são: se fizerem cagadas – e elas são mestres em fazê-las! – desaparecem e fica muito difícil de serem encontradas. Gracinha acabou de comer o frango, deu uma lambida nas pontas dos dedos, e os enxugou na ponta do lençol. Depois, começou a me passar a mão pela barriga, pelas coxas, pelas pernas. Meu pau endureceu. ---- Apareceu aqui uma vez um rapaz... ---- Aqui onde? ---- Na cidade. Apareceu aqui e trabalhou aqui e estudou. Ele tinha as mesmas idéias suas. O que o sujeito sabia de minhas idéias, porra?! ---- Estudou na universidade? ---- Isso! E vivia criticando a sociedade: fulano é isso, sicrano é aquilo, beltrano é assim... ---- Mas pode! Tá na constituição! ---- ... criticava o pessoal que ia à reunião do Lions... ---- ... e a constituição? ---- ... o pessoal que ia à reunião do Rotary... ---- ... e a constituição? ---- ... os doutores... ---- ... e a constituição? ---- ... os professores... ---- ... e a constituição? O Puxa-Saco ficou exasperado! Encheu a boca de ar, suas bochechas inflaram enormemente, ficando como as de Dizzy Gillespie ao tocar seu trompete de campana virada pra cima, e ficou vermelho (até onde sua creoulice permitia), me olhando fixamente. Depois, começou, lentamente, a soltar o ar da boca, e suas bochechas gilllespianas começaram a desinflar. Eu fiquei olhando praquele otário, a mão escorando o queixo, indiferente. ---- Vamos começar? - Gracinha perguntou. ---- Vamos. Você por baixo ou por cima, primeiro? ---- Por baixo. Gracinha se deitou de costas e abriu as pernas. A mulher me pegou no meio das coxas. Passava os membros lisos, lisos, entre¬laçados em volta de meu tórax, para cima e para baixo. A gente se amava. ---- Ai, Júlio César, sua pica é gostosa demais! Ai! - gemia ela, nos meus ouvidos. Nós trocamos beijinhos, de olhos fechados, na penumbra do quarto. Só o abajur estava aceso. Quando eu a pe¬netrava, ela firmava a sola dos pés sobre o colchão e levantava o corpo. Trazia a boceta para encontrar o meu pau. Nós ficamos nos socando até que eu a empurrei com força sobre a cama. Ela gozou e gemeu. Me apertou com mais força ainda. Me passou vagarosamente a mão pela nuca. Eu desfaleci em cima dela. Fiquei exausto, com os dois braços estendidos ao longo de sua cabeça. Ficamos, depois, dei¬tados em silêncio. Ela fumou um cigarro. Fiquei de barriga pra cima e de olhos fechados. Lá de fora, vinha o barulho do vento soprando as folhas das bananeiras, do farfalhar das folhas das bananeiras, das águas do rio que passava logo atrás da casa se chocando contra as pedras do leito. Após algum tempo de descanso, recomeçamos. Eu disse recomeçamos; na verdade, foi Gracinha quem o fez. Ela ficou de lado na cama. Eu continuei de olhos fechados. Ela, então, começou a me alisar o rosto. Mordiscou-me a ponta do nariz. Foi descendo com as mãos pelo meu peito, enfiou o dedo indicador no meu umbigo. Abri os olhos. Seus peitos estavam na altura de minha boca. Apertei-os com carinho. Mordi-lhes os bicos com os lábios pra não doer. Gracinha continuava me passando a mão. Outra vez, meu pau endureceu. Gracinha o segurou, ficou olhando em silêncio pra ele por um momento, depois, disse: ---- Hummm, grande! Ela se levantou, agachou-se sobre o meu corpo, dirigiu meu peru pra sua xoxota e abaixou o corpo. Eu fiquei com¬pletamente desperto. Coloquei um travesseiro sob a cabeça, entrela¬cei minhas mãos às suas, cruzei as pernas para que ela encaixasse melhor seu corpo. Ela, então, começou a se abaixar e a se levantar em cima de mim. ---- Mexe, bem! - pediu-me ela. Eu repeti o que ela havia feito na vez anterior. Quando ela se levantava, eu a acompanhava com o corpo e a aparava no ar quando descia. Ela insistia. Eu abaixava, ela acompanhava. Me es¬premia sobre a cama. Eu remexia dentro dela, ela gemia, dobrava o corpo sobre mim e dizia: ---- Chupa meus peitos! Eu lhe soltei as mãos. Comecei a lhe acariciar o rosto, a região sob as orelhas. Gracinha debruçou o corpo sobre mim, me deu uma mordida no peito. Eu a abracei, carinhoso. Ela ficou quieta por um longo tempo. Depois, caiu de lado e cochilou. Pouco mais tarde, nós acabamos de tomar as cervejas. Eu tomei o vinho sozinho, porque ela não quis. As bebidas nos deixaram bastante bêbados. O cansaço favoreceu. Apaguei a luz do abajur, dei um último beijo em Gracinha. Adormecemos. O Puxa-Saco se acalmou e continuou: ---- Então, entrou um prefeito na prefeitura. Sabe o que ele fez? ---- Não! E nem me interessa! ---- Pois ele proibiu o povo da cidade de conversar com o rapaz! ---- O QUÊ? - eu verdadeiramente me interessei pela conversa do Puxa-Saco - é mentira isso! ---- É verdade! ---- É mentira! ---- É verdade! E proibiu o povo de dar serviço pro cara! ---- Ele trabalhava de quê? ---- Sei lá! O prefeito queria fazer ele sair da cidade! ---- Mas isso não existe! ---- Como não existe? Aconteceu aqui! ---- Como foi o nome dessa punição? ---- Isolamento! O rapaz foi isolado socialmente! ---- Mas num regime democrático isto não existe! ---- Existe! Pois se todo mundo isolou o rapaz! Dizem que ele entrava em bares, conversava com alguém, mesmo com o dono, ninguém respondia! ---- Meu Deus! - eu exclamei - e a constituição? ---- ... entrava no alojamento da universidade, se dirigia a alguém, algum colega... ninguém respondia... ---- ... e a constituição? ---- ... entrava na biblioteca da universidade, pedia algum livro... os funcionários o ignoravam completamente! ---- ... e a constituição? ---- ... e ele ia ao departamento do curso que fazia, falava com os professores, os sujeitos abaixavam as cabeças... e não respondi¬am! ---- O quê?! Mas é um absurdo! A função das universidades é transmitir conhecimento e desenvolver o senso crítico nos alunos! ---- Não, senhor! Nas univeresidades, as pessoas aprendem a ler a a escrever corretamente e a se sujeitar às imposições e às convenções da sociedade! Elas devem ficar boazinhas e amáveis! ---- Nossa! Mas isso não pode! Quanto mais se estuda, mais indepen¬dente se fica! O moreno ergueu o dedo indicador direito e, com ar professoral, afirmou: ---- Nada disso! Quanto mais estudado, mais obediente, mais educado, mais sociável! Eu estava achando aquele papo realmente inacreditável! ---- Mas que bando de carneirinhos! E a constituição, cara, pra que ela foi votada? O Puxa-Saco ficou vermelho outra vez, encheu a boca de ar, as bochechas inflaram e, se levantando num salto, soltou o ar da boca, apoiou as duas mãos sobre o tampo da mesa, ergueu um pouco a bunda da cadeira, e berrou: ---- A CONSTITUIÇÃO É UM PEDAÇO DE PAPEL, PORRA! O QUE EXISTE É UMA HIERARQUIA QUE VOCÊ TEM DE APRENDER A OBEDECER! ---- E a Declaração Universal dos Direitos do Homem? ---- É OUTRA MERDA! Acordei de madrugada. Gracinha dormia. Achei-a bonita como um anjo. Não quis acordá-la, mas, como eu me movesse abruptamente na cama, ela despertou: ---- Tá pronto pra outra? ---- Mas foi bom assim? ---- Demais da conta! ---- Então, vamos! Transamos até o dia amanhecer. Quando saí da cama, achava difícil andar. Minha cabeça girava, meus músculos doíam, minhas pernas não davam firmeza, meu pau estava dormente. Eu sentia câimbras no corpo inteiro. Lavei minha boca de qualquer maneira. Gracinha, fazendo troça, falou que nunca mais ia lavar a sua, tão gostosos foram os beijos que trocamos. Dei-lhe um último beijinho e parti. Fiquei em silêncio, esperando que o eco da voz do crioulo se dissipasse dentro da casa velha. O Puxa-Saco estava deveras com raiva! Depois, eu disse: ---- Essa hierarquia a que você se refere é inconstitucional! O Puxa-Saco ficou olhando pra mim com cara-de-bosta. Eu fiquei olhando pra cara do Puxa-Saco com cara de não-tô-nem-aí. Então, depois de termos ficado alguns minutos nos analisando, eu lhe perguntei: ---- Escute, esse sujeito que inventou essa lei especial de isolamento pro rapaz era o prefeito da cidade, você disse? ---- ERA! - gritou ele. ---- Mas isso é ditadura, moço! O isolamento era um siste¬ma usado no comunismo da extinta União Soviética. Os dissidentes, os linguarudos, apodreciam nos campos gelados da Sibéria! (As coisas não apodrecem no gelo, mas, o bobo provavelmente nem sabia disso!) ---- NÃO INTERESSA! ELE ERA O PREFEITO! ---- Mas como o pessoal da cidade votou nele? Eu perguntei e fiquei encarando o Puxa-Saco. Ele ficou, durante algum tempo, olhando pra mim com cara-de-bosta. Eu fiquei olhando pra ele com cara-de-não-tô-nem-aí. ---- Como? - insisti. O Puxa-Saco, então, ficou sem graça e virou a cara-de-bosta pro lado da estante encostada na parede à sua direita e não me respondeu. Eu, então, me lembrei da reunião na garagem: a pressão! Era de praxe! Ficamos em silêncio por um instante. Por fim, eu disse: ---- Já tá quase na hora do almoço. Vou embora pra obra. Tem mais alguma coisa? Quando eu comecei a me levantar, o Puxa-Saco me disse, com raiva: ---- Júlio César, eu acho melhor você parar com estas histórias, esses deboches. Você tá incomodando - e muito! Caso contrário, vou ser obrigado a dizer ao doutor! Pense nisso! Eu encostei a cadeira à mesa, saí pela varanda, dei a volta à casa e peguei o guincho pro oitavo andar. Eu nunca mais vi Gracinha. Algum tempo depois, alguém me disse que ela saíra da Zona e se juntara com um velho grã-fino da periferia da cidade. E que ela passara as mãos nos pertences do velho e até o chapéu panamá legítimo que ele usava pra cobrir a careca tinha desaparecido. E que ela xuxara a perereca com tanta fúria no velho que ele entortara o esqueleto pra frente e pro lado e andava com dificuldade, arrastando os pés e trombando pelas paredes e estava com voz de taquara rachada, falando guinchando como um rato quica. E que, mesmo quando estava usando dentadura, a boca muchibenta do velho ficava chupada pra dentro, parecendo um cu de galinha.CurtirComentarCompartilharComentários
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137 Livros para Doação [TODOS FORAM DOADOS]
Os livros abaixo estão disponíveis para DOAÇÃO. Livros marcados com sobrescrito significa que já foram doados.
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1- 172 Horas na Lua, de Johan Harstad
2- A Arte de Ouvir o Coração, de Jan-Philipp Sendker
3- A Caçada, de Clive Cussler
4- A Casa das Orquídeas, Lucinda Riley
5- A Conspiração, de Clive Cussler
6- A Desconhecida, de Peter Swanson
7- A Evolução de Calpurnia Tate, de Jacqueline Kelly
8- A Filha do Coveiro, de Joyce Carol Oates
9- A Filha do Louco, de Mary Shepherd
10- A Garota do penhasco, de Lucinda Riley
11- A Lista, de Cecelia Ahern
12- A Luz através da Janela, de Lucinda Riley
13- A Magia de Holly Wood, de Terry Pratchett
14- A Mais Pura Verdade, de Dan Gemeinhart
15- A Menina da Neve, de Eowyn Ivey
16- A Menina Mais Fria de Coldtown, de Holly Black
17- A Menina que Fazia Nevar, de Grace Mcleen
18- A Morte da Luz, de George R.R. Martin
19- A Mulher do Tenente Francês, de John Fowles
20- A Noite dos Mortos Vivos, de John Russo
21- A Outra Vida, de Susanne Winnacker
22- A Playlist de Hayden, de Michelle Falkoff
23- A Rosa da Meia Noite, de Lucinda Riley
24- A Trilogia do Mago Negro 1 – O Clã dos Magos, de Trudi Canavan
25- A Trilogia do Mago Negro 2 – A Aprendiz, de Trudi Canavan
26- A Trilogia do Mago Negro 3 – O Lorde Supremo, de Trudi Canavan
27- A Vez da Minha Vida, de Cecelia Ahern
28- A Vida dos Grandes Autores, de Robert Schnakenberg
29- Adeus à Inocência, de Drusilla Campbell
30- Adormecida, de Anna Sheehan
31- Almanova, de Jodi Meadows
32- Arrabal e a noiva do Capitão, de Marisa Ferrari
33- As Cores do Entardecer, Julie Kibler
34- As Crônicas de Nárnia (Volume Único) de C.S. Lewis
35- As Estranhas e Belas Mágoas de Ava Lavender, de Leslye Walton
36- As Sete Irmãs, de Lucinda Riley
37- As Violetas de Março, de Sarah Jio
38- Barba ensopada de sangue, de Daniel Galera
39- Branco Neve Vermelho Rússia, de Dorora Mastowska
40- Cadê Você, Bernadette?, de Maria Semple
41- Canteiros de Saturno, Ana Maria Machado
42- Colin Fischer, de Miller & Stentz
43- Como Se Apaixonar, de Cecelia Ahern
44- Corações Feridos, de Louisa Reid
45- De Repente Ana, de Marina Carvalho
46- Descanse em Paz, de Joyce Carol Oates
47- Deuses Americanos, de Neil Gaiman
48- Dias de Sangue e Estrelas, de Laini Taylor
49- Diga aos Lobos que estou em Casa, de Carol Rifks Brunt
50- E Se..., Vários Autores
51- Educação Siberiana, de Nicolai Lilin
52- Em Busca da América, de Anne Tyler
53- Esconda-se, de Lisa Gardner
54- Esposa 22, de Melanie Gideon
55- Estilhaça-me 1, de Tahereh Mafi
56- Estilhaça-me 2 – Liberta-me, de Tahereh Mafi
57- Estilhaça-me 3 – Incendeia-me, de Tahereh Mafi
58- Fale!, de Laurie Halse Anderson
59- Feita de Fumaça e Ossos, de Laini Taylor
60- Fênix: A Ilha, de John Dixon
61- Filha é Filha, de Agatha Christie
62- Fragmentados, de Neal Shusterman
63- Garota, Interrompida, de Susanna Kaysen
64- Graffiti Moon, de Cath Crowley
65- Harry Potter e A Pedra Filosofal, de J. K. Rowling
66- Harry Potter e A Câmara Secreta, de J. K. Rowling
67- Harry Potter e O Prisioneiro de Azkaban, de J. K. Rowling
68- Harry Potter e O Cálice de Fogo, de J. K. Rowling
69- Harry Potter e A Ordem da Fênix, de J. K. Rowling
70- Harry Potter e O Enigma do Príncipe, de J. K. Rowling
71- Harry Potter e As Rel[iquias da Morte, de J. K. Rowling
72- Heresia, de S. J Parris
73- HHHH, de Laurent Binet
74- Kill All Enemies, de Melvin Burgess
75- Kings of Cool, de Don Winslow
76- Ladrão de Olhos, de Jonathan Auxier
77- Lições de Vida, de Anne Tyler
78- Lugar Nenhum, de Nail Gaiman
79- Minha Irmã, Meu Amor, de Joyce Carol Oates
80- Morte na Mesopotâmia, de Agatha Christie
81- Mulheres, de Charles Bukowski
82- Na Companhia das Estrelas, de Peter Heller
83- Neve de Primavera, de Yukio Mishima
84- Neve na Primavera, de Sarah Jio
85- No Meu Peito Não Cabem Pássaros, Nuno Camarneiro
86- Notas do Subsolo, Dostoievski
87- O Bangalô, de Sarah Jio
88- O Código do Apocalipse, de Adam Blake
89- O Começo do Adeus, de Anne Tyler
90- O Corcunda de Notre Dame, de Victor Hugo
91- O Enigma da Borboleta, de Kate Ellison
92- O Espião, de Clive Cussler
93- O Fiasco, de Imre Kertész
94- O Homem do Engano, de Chris Morgan Jones
95- O Livro do Amanhã, de Cecelia Ahern
96- O Manual da Garota Geek, de Sam Maggs
97- O Pesadelo, de Lars Kepler
98- O Presente, de Cecelia Ahern
99- O Rei de Amarelo, de Robert W. Chambers
100- O Reino, de Clive Cussler
101- O Safári do Estrela Negra, Paul Theroux
102- O Teu Rosto será o Último, de João Ricardo Pedro
103- Os Goonies, de James Khan
104- Os Últimos Dias, Liev Tolstói
105- P.S. Eu Te Amo, de Cecelia Ahern
106- Paperboy, de Peter Dexter
107- Passarinha, de Kathryn Erskine
108- Pássaro do Paraíso, de Joyce Carol Oates
109- Pequena Abelha, de Chris Cleave
110- Por Este Mundo Acima, Patrícia Reis
111- Primeiro Amor, de James Patterson
112- Quadrondo, de Domingos Pellegrini
113- Quando as Bruxas Viajam, Terry Pratchett
114- Quando eu era Joe, de Keren David
115- Quase Santo, de Anne Tyler
116- Réquiem em Los Angeles, de Robert Crais
117- Sagrada Família, de Zuenir Ventura
118- Sangue na Neve, de Lisa Gardner
119- Selvagens, de Don Winslow
120- Serena, de Ian McEwan
121- Simplesmente Acontece, de Cecelia Ahern
122- Sonhos Livro 1: Sonhos, de Alysson Noel
123- Sonhos Livro 2: Eco, de Alysson Noel
124- Sonhos Livro 3: Místico, de Alysson Noel
125- Sonhos Livro 4: Horizonte, de Alysson Noel
126- Starters Livro 1, de Lissa Price
127- Starters Livro 2 - Enders, de Lissa Price
128- Terras Baixas, de Joseph O’Neill
129- Todos os Nossos Ontens, de Cristin Terrill
130- Tudo o que um Geek deve Saber, de Ethan Gilsdorf
131- Um Grito de Amor do Centro do Mundo, de Kyoichi Katayama
132- Um Piano Para Cavalos Altos, Sandro William Junqueira
133- Vango – Entre o Céu e a Terra, Timothée de Fombelle
134- Vathek, de William Beckford
135- Vermelho como o Sangue, de Salla Simukka
136- Viva Para Contar, de Lisa Gardner
137- Zac & Mia, A. J. Betts
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Cotidiano
Ilustração: Satellite Showers, de Zansot. (https://www.instagram.com/p/BO73h_rAEzI/?taken-by=zansot)
16h30.
Elevador.
Senti aquela tensão habitual de estar em uma caixa de metal suspensa em cordões e por um instante a vida não me pareceu mais do que um brinquedo frágil, coisa que, de fato, muito provavelmente o é. A espera ansiosa não era por nenhuma revelação metafísica ou filosófica em geral, como cacarejam personagens aleatórios de filmes californianos: no elevador a única coisa que se quer é que se pare no número certo do andar de um prédio. Algumas pessoas simplesmente cerram os olhos para que o tempo de subida ou descida seja vazio, afinal, aquilo que não é visto, não é lembrado. Mas algumas vezes a experiência sensorial é inevitável; outro dia desses, entrei em um prédio de Salvador que data dos anos 70, e cujo elevador era minúsculo, mecânico, barulhento, trepidante e só suportava o peso de três pessoas: o recepcionista, eu e meu ego. Essas mesmas pessoas se sentem injuriadas quando encontram algum ascensorista tagarela, que além de atrapalhar a sua concentração em não viver o momento, ainda toma o controle dos botões, e consequentemente do destino de suas vidas, afinal, entre o oitavo andar e o estacionamento subsolo 2 muita coisa pode dar errado, e se pode dar errado, provavelmente vai dar. A despeito da tensão, nos dias mais cansativos o elevador era só uma luz lúgubre e uma música chata.
O apartamento era bem defronte à porta e a primeira coisa que fiz quando a jaula se abriu foi atirar a mochila no chão em um gesto de alívio e libertação, procurando as chaves no bolso da calça. Me abaixei ao lembrar que estavam na mochila, mas quando levantei, uma brisa já me arrepiava o semblante e eu estava de cara para o vestíbulo: a porta não se me abrira espontaneamente, mas reparei os pequenos pés descalços virando o corredor. – Essas portas silenciosas ainda vão te dar problema, qualquer dia desses. – gritei mesmo da porta, apanhando a bagagem. – Mais fácil que eu dê problema a quem tentar invadir sorrateiramente o meu covil. – respondeu ela, prontamente.
Afrodite era, sem sombra de dúvidas, uma moça belíssima, e fazia jus ao nome que herdou da deusa. Mas eu não sei se vocês já algum dia repararam que tudo o mais que seja atributo de um deus olímpico que não seja o principal não chega a ser mencionado. Portanto, ninguém sabe se além de muito bela, Afrodite era inquieta, agitada, se tinha a língua ferina, se tinha as ideias das mais mirabolantes, etc. Ou, ainda, se arrumava suas sandálias de deusa por ordem de cor, se gostava do seu vinho de deusa antes ou depois dos banquetes ou se fazia várias coisas ao mesmo tempo. A casa não era exatamente o que se pode chamar de bagunça, porque era um nível além de organização. Não lembro quem disse, ou quando disse, que o caos não é bagunça, é só uma organização que a gente ainda não é capaz de compreender, e é o estado natural de todas as coisas. De cabo a rabo, tudo, era uma evidente expressão da sua maneira peculiar de ser. Seus livros espalhados, mas espalhados conforme a ordem dos assuntos; papéis riscados, mas marcados com risca texto de acordo com a importância dos assuntos; assuntos diversos, mas separados de acordo com a importância da reflexão. Uma JBL do tamanho de um estojo de óculos serenava The Smiths bem baixinho, a televisão contava as novidades mais desgraçadas, as novelas mais enfadonhas, os esquemas mais ridículos e os presuntos da última hora: SEARA e Estado Islâmico, a dinâmica midiática é nauseante. Essa capacidade de fazer muitas coisas ao mesmo tempo sempre me transferiu cansaço, mas eu nunca fui capaz de pedir que ela pegasse leve, tinha um metro e meio de razão para isso. Não, ela não é minha namorada. Apenas crescemos juntos, no mesmo bairro, na mesma rua, em casas que dividiam o mesmo quintal.
Eu era um pacato cidadão e ela filha de D. Carmen e de Seu Riobaldo, que fizeram fortuna na loteria e, posteriormente, comprando e vendendo carros, o que fez com que eles se mudassem e eu passasse o resto da adolescência com pessoas monótonas demais para quem estava acostumado a ter o furacão Katrina como vizinho. Aproveitou a deixa e a folga no orçamento para, em meio à faculdade de filosofia, lançar-se cedo ao mundo tentando uma carreira de literata, e se deu bastante bem. Seus escritos concisos, diretos e desaforados, ao melhor estilo Slavoj Žižek, lhe renderam uma legião de jovens de sua idade curiosos por suas palavras e sedentos por aquele furacão de pensamentos.
Eu estava capengando alguma coisa em Direito.
Certa feita ela apareceu à minha porta com um exemplar do livro enrolado em papel cor violeta cobalto, a minha favorita, e me ofereceu um quarto no apartamento para estudar na cidade grande e muita gente achou estranha a situação, mas estabeleci um nível exorbitante de cumplicidade depois de ler que crianças criadas juntas tendem a não se apaixonar, o que a essa altura já era bastante mentira, embora eu não soubesse com certeza. Mas eu continuava alimentando essa mentira para o bem de toda a humanidade. Também me era preocupante ficar olhando o espelho do elevador e imaginando qual seria a melhor forma de dizer que gostava daquele um metro e meio, um ensaio por dia, nos melhores dias, que foram ficando mais raros.
Seus namoros eram curtos e o último foi há uma semana. Não era um bom momento para isso. Nunca era. Além do mais eu andava nas minhas cargas de introspecção pós-adolescência que são de deprimir qualquer um. O limbo que se estabelece entre os 18 e os 21 formam três tipos de pessoas: os arrogantes, os reprimidos e os encostos, todos os três invariavelmente vazios. Eu era arrogante e nunca deixei de ser. Estava envelhecendo e a melhor fase da minha vida passou sem que eu visse.
Deixei a mochila no quarto e fui até a geladeira e enchi um copo de vidro, daqueles que eram de molho de tomate, com vinho branco para deixar o peito mais leve. A TV cessou de dizer as desgraças do outro lado do oceano e restou Caetano Veloso cantando O Leãozinho de um jeito meloso, quase chorando, no estojo de óculos. Gostava de chama-la de Capitolina porque era, sem prejuízo de comparação, “mais mulher do que eu era homem”. Conseguia dividir muito bem a vida entre a faculdade e seus livros que, a propósito, amontoavam-se agora por cada centímetro da sala. Passei por eles fazendo um esforço imenso para não os pisar. Encostei o peito na sacada, era uma tarde bastante agradável para um dia tão porre. Olhei para os quatro andares sob meus pés e imaginei que se eu me jogasse agora seria algo terrível porque iria acabar desperdiçando aquele bom vinho branco. A ideia de minha própria morte sempre foi algo muito desagradável. A ladeira na frente do prédio permanecia em calma, exalando aquele cheiro característico de betume depois de tomar sol o dia inteiro, e Belinda, a cadela da síndica, latia para uns vira-latas esporádicos da vizinhança, que passavam para lá e para cá, como se fizessem troça da pobre coitada. O poente estava enchendo a água azul anil da piscina de linguetas laranjas de fogo, e quase tonteei perante a imagem davinciana de Sabrina, a vizinha do 06, entrar na piscina com um biquíni curtinho e acenar para mim, como quem faz com as mãos na frente da testa quando bate continência: era uma pessoa legal, muito bonita, gostava de mim porque eu ouvia The Broken Bells, mas eu não gostava dela. Que sensação foi sentir o vento úmido e quente no rosto e vê-lo lamber as árvores da avenida ali em cima, ver as enfermeiras de branco encerrando o expediente na clínica da rua de trás, e ficar ali, sem precisar dizer nada, nadinha. Era como se Salvador me abraçasse! Mas, num torpedear maligno, a voz doce irrompeu e me tirou da letargia de sobressalto:
- Que cara é essa?
- Qual cara?
- Essa cara de merda...
- Olha a língua...
- Eu fiz uma pergunta, responda... – e me pôs na parede, pois quando me virei seus olhos de criança traquina me fitavam, o peito acelerou e fiquei com raiva do vinho, não deixou o peito leve, mas pesado como chumbo.
- Sei lá... É que... Ando pensando demais esses dias...
- Cuidado.
- Com o que?
- De tanto pensar morreu o burro... – e riu tão longamente que a presilha do cabelo se soltou. – Às vezes me dá vontade cortar aqui assim ó... – E fez um gesto na altura do cangote.
- Se cortar o cabelo desse tamanho você perde mais dez centímetros de altura.
- Sorte sua e de toda humanidade que você não está escrevendo piadas, porque, do contrário, você passaria fome e a humanidade sofreria muito. Já basta o Danilo Gentili. — Depois de uma pausa que não se fez demorada demais, tirou-me novamente da distração. — Mas me conte o que te deixou com essa carinha de constipado.
- Ontem passei naquele cara que ficou de consertar a minha máquina fotográfica. Na descida da Carlos Gomes para a praça Castro Alves vi casais tão bonitos que me fizeram escrever um texto maravilhoso no bloco de notas do celular. Cheguei em casa, imprimi, reli e achei uma bosta. Apaguei e joguei fora. Sabe pequena, nunca fui muito de resumos. Não gosto que me resumam, nunca fui de amar pela metade. – Parei, ela estava agora ao meu lado. – Sempre me dou por completo às coisas que amo, às circunstâncias, às pessoas. No caso das coisas e das circunstâncias não tenho aborrecimentos. Mas no caso das pessoas me decepciono muitas vezes. Eu tentei amá-las mas só me deixam com vontade de dormir. Acordar todos os dias e inventar desculpas seculares para responder um “Tudo bem?” e passar levando. Ou até forçar sorriso como um fardo e uma obrigação para não entorpecer os otimistas de raiva. Essas coisas da hipocrisia. Entende? Sinto-me pequeno, atarracado, resumido e hipócrita como uma redação do ENEM.
- Eu vou te levar como cobaia na nossa próxima aula sobre o existencialismo.
- Que tenho a ver com Sartre?
- Eu não vou te explicar agora, você está muito perto do batente. Ouve essa música enquanto eu pego mais vinho.
Ela tinha esse jeito todo especial de andar batendo nas coisas e de mostrar o que queria dizer me mostrando textos e músicas. Caetano parou sua ode ao leãozinho e deu lugar a uma guitarra gostosa transando a bateria, era Vivendo Do Ócio rosnando “Por Um Punhado de Reais”. Era tempo de o tempo dilatar e eu poder admirar como todos os efeitos se convergiam em um ser que era, ao mesmo tempo, tão miserável e perfeito. A paixão mais venenosa é aquela que abraça os defeitos e não as qualidades, porque aqueles primeiros são mais sólidos e mais reais do que estas, aqueles primeiros são mais transparentes e mais duradouros do que estas. Defeitos dela, conhecia-os todos e mais do que nunca e estudava-os mais do que todos em um esforço inútil de provar meu merecimento. Dava arroubos esporádicos de conselho, a recíproca era verdadeiríssima, nada mal. Nos ajudávamos, mas como bons amigos, para meu descontentamento.
Quando o sol terminou o espetáculo eu entrei em casa destinado a nada. Queria um banho e minha cama para no outro dia fazer tudo igual. Só que não. Ela encheu meu copo e ofereceu-me o lugar no sofá. Teci mais um centavo de monólogo:
- Queria que as coisas fossem diferentes, falta alguma coisa, algum detalhe.
- Sempre falta, e você nunca vai descobrir o que é. A vida só tem graça porque lhe falta algo, porque se não faltasse nada, ninguém sairia do lugar. – Fiz uma careta. – Em não fazendo sentido nada disso, arranje com quem transar. É um conselho que funciona na maioria das vezes. É filosófico, acredite. – Fiz outra careta.
- E quem cede a um poeta anônimo em tempos de Tumblr?
- Você é cheio de autocomiseração, e isso é ridículo. Já pensou que isso é um anticoncepcional maravilhoso?
- É o meu jeito de aliviar o estado lisérgico da vida.
- Não se chega a esse tipo de conclusão como quem chega na fase final de Super Mario World.
- Apague essa parte dos autos então.
- E viciar a audiência? Suas tolices, nem de longe, vão me fazer desistir. Eu tenho a noite inteira.
- Relaxa. Eu só acho que as mulheres têm mais o que fazer ao invés de perder tempo com um cara que perde tempo escrevendo em um caderninho.
- Seu erro é começar a analisar a coisa daí, ou você acha que meu livro deu certo da noite para o dia? E que tudo saiu como eu quero?
- A verdade é que não dá para comprar uma pintura pela moldura, isso não funciona.
- Estamos chegando a algum lugar! – Exclamou, enchendo de novo o copo de vinho. - Agora... como é que vocês gostam de falar em juridiquês?... COM A DEVIDA VÊNIA, como é que diz aquela sua poesia das escarpas? É... – Levantei o dedo para protestar, sem entender aquela mudança repentina no teor da conversa: vindo dela, tudo lhe era absolutamente possível. - Cala essa boca Carlos Drummond, esbarra teu mar nas escarpas do meu corpo... – E com a mesma cara de menina traquina, olhos originais de cigana oblíqua e dissimulada, levantou-se no móvel e num bailado etílico caiu sobre meu peito e me abençoou com sua boca. Acabei deixando o copo cair no chão para poder segurar com firmeza as suas ancas. Com o perdão da frase, era só o que me faltava, era ela que me faltava. Juro por todos os outros deuses do Olimpo que a coisa mais linda que eu já vi na minha vida foi a curva dos seus cachos terminarem nas curvas do seu corpo, que se uniam feito luz às outras curvas da luz do próprio sol. Eu não queria mais nada que não fosse aquilo. Tudo o mais era acréscimo, e tudo além era exagero.
- Sabe... – Ela disse depois de um tempo.
- Hmm?
- Eu vou mesmo te levar como cobaia para a faculdade. Vou colocar na porta da sala uma plaquinha dizendo “Exposição de poeta fracassado”.
- Pensei que essa era a parte na qual você me explica o que houve aqui.
- Quem vive tentando explicar tudo acaba não vivendo nada...
- Um pouco estranho isso vindo de uma estudante de filosofia...
- ...e as melhores ideias vêm de parto, não de cesariana... – e apertou meu peito com força.
Só lembro da bagunça dos papéis, sem detalhes, e a bagunça dos corpos, o dela sobre o meu, melhores amigos, melhores amantes, e naquele instante nada mais importava, só meu pequeno ser humano favorito. Vivendo Do Ócio rosnando no fundo e eu já sabia que não era só por um punhado de reais, precisava me expandir para me achar melhor. A vida resvala-se sutil quando a gente menos espera.
- Carlos Eron Junior
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Os 15 melhores começos de livros da literatura universal
Pedimos aos leitores e colaboradores que apontassem os melhores começos de livros da literatura universal. Cento e cinquenta e seis livros foram citados por 2,4 mil participantes, destes, selecionamos os 15 livros que obtiveram mais citações. A seleção percorre quase quatro séculos de literatura, de “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes; publicado em 1605, a “O Jardim do Diabo”, de Luis Fernando Veríssimo; publicado em 1988.
Pedimos aos leitores e colaboradores que apontassem os melhores começos de livros da literatura universal. Mais de 150 livros foram citados por 2,4 mil participantes, destes, selecionamos os 15 livros que obtiveram mais citações. A seleção percorre quase quatro séculos de literatura, de “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes; publicado em 1605, a “O Jardim do Diabo”, de Luis Fernando Veríssimo; publicado em 1988. Além das obras capitais de Veríssimo e Cervantes, integram a lista: “Moby Dick”, de Herman Melville; “Notas do Subsolo”, de Dostoiévski; “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa; “O Complexo de Portnoy”, de Philip Roth; “A Lua Vem da Ásia”, de Campos de Carvalho; “O Apanhador no Campo de Centeio”, de J. D. Salinger; “O Amanuense Belmiro”, de Cyro dos Anjos; “A Metamorfose”, de Franz Kafka; “Anna Kariênina”, de Lev Tolstói; “O Ventre”, de Carlos Heitor Cony; “Lolita”, de Vladimir Nabokov; “As Ondas”, de Virginia Woolf; e “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez. A lista está publicada em ordem classificatória.
Moby Dick, de Herman Melville
Chamem-me simplesmente Ismael. Aqui há uns anos não me peçam para ser mais preciso —, tendo-me dado conta de que o meu porta-moedas estava quase vazio, decidi voltar a navegar, ou seja, aventurar-me de novo pelas vastas planícies líquidas do Mundo. Achei que nada haveria de melhor para desopilar, quer dizer, para vencer a tristeza e regularizar a circulação sanguínea. Algumas pessoas, quando atacadas de melancolia, suicidam-se de qualquer maneira. Catão, por exemplo, lançou-se sobre a própria espada. Eu instalo-me tranquilamente num barco.
Anna Kariênina, de Lev Tolstói
Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira. Tudo era confusão na casa dos Oblónski. A esposa ficara sabendo que o marido mantinha um caso com a ex-governanta francesa e lhe comunicara que não podia viver com ele sob o mesmo teto. Essa situação já durava três dias e era um tormento para os cônjuges, para todos os familiares e para os criados. Todos, familiares e criados, achavam que não fazia sentido morarem os dois juntos e que pessoas reunidas por acaso em qualquer hospedaria estariam mais ligadas entre si do que eles.
Notas do Subsolo, de Dostoiévski
Sou um homem doente… Sou mau. Não tenho atrativos. Acho que sofro do fígado. Aliás, não entendo bulhufas da minha doença e não sei com certeza o que é que me dói. Não me trato, nunca me tratei, embora respeite os médicos e a medicina. Além de tudo, sou supersticioso ao extremo; bem, o bastante para respeitar a medicina. (Tenho instrução suficiente para não ser supersticioso, mas sou.) Não, senhores, se não quero me tratar é de raiva. Isso os senhores provavelmente não compreendem.
Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez
Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo.
Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa
Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvores no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. Daí, vieram me chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser — se viu —; e com máscara de cachorro. Me disseram; eu não quis avistar. Mesmo que, por defeito como nasceu, arrebitado de beiços, esse figurava rindo feito pessoa. Cara de gente, cara de cão: determinaram — era o demo.
A Metamorfose, de Franz Kafka
Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo de qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas numerosas pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do corpo, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos.
O Complexo de Portnoy, de Philip Roth
Ela estava tão profundamente entranhada em minha consciência que, no primeiro ano na escola, eu tinha a impressão de que todas as professoras eram minha mãe disfarçada. Assim que tocava o sinal ao fim das aulas, eu voltava correndo para casa, na esperança de chegar ao apartamento em que morávamos antes que ela tivesse tempo de se transformar. Invariavelmente ela já estava na cozinha quando eu chegava, preparando leite com biscoitos para mim. No entanto, em vez de me livrar dessas ilusões, essa proeza só fazia crescer minha admiração pelos poderes dela.
A Lua Vem da Ásia, de Campos de Carvalho
Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando a legítima defesa — e qual defesa seria mais legítima? — logrei ser absolvido por cinco votos a dois, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris. Deixei crescer a barba em pensamento, comprei um par de óculos para míope, e passava as noites espiando o céu estrelado, um cigarro entre os dedos. Chamava-me então Adilson, mas logo mudei para Heitor, depois Ruy Barbo, depois finalmente Astrogildo, que é como me chamo ainda hoje, quando me chamo.
O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger
Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que os meus pais faziam antes que eu nascesse, e toda essa lenga-lenga tipo David Copperfield, mas, para dizer a verdade, não estou com vontade de falar sobre isso. Em primeiro lugar, esse negócio me chateia e, além disso, meus pais teriam um troço se contasse qualquer coisa íntima sobre eles. São um bocado sensíveis a esse tipo de coisa, principalmente meu pai. Não é que eles sejam ruins — não é isso que estou dizendo — mas são sensíveis pra burro.
O Amanuense Belmiro, de Cyro dos Anjos
Ali pelo oitavo chope, chegamos à conclusão de que todos os problemas eram insolúveis. Florêncio propôs, então, um nono, argumentando que outro copo talvez trouxesse a solução geral. Éramos quatro ou cinco, em torno de pequena mesa de ferro, no bar do Parque. Alegre véspera de Natal! As mulatas iam e vinham, com requebros, sorrindo dengosamente para os soldados do Regimento de Cavalaria. No caramanchão, outras dançavam maxixe com pretos reforçados, enquanto um cabra gordo, de melenas, fazia a vitrola funcionar.
O Ventre, de Carlos Heitor Cony
Positivamente, meu irmão foi acima de tudo um torturado. Sua tortura seria interessante se eu a explorasse com critério — mas jamais me preocupei com problemas do espírito. Belo para mim é um bife com batatas fritas ou um par de coxas macias. Não sou lido tampouco. A única atração que tive por livro limitou-se à ilustração de um tratado de educação sexual que o vigário do Lins fez o pai comprar para nosso espiritual proveito. Só creio naquilo que possa ser atingido pelo meu cuspe. O resto é cristianismo e pobreza de espírito.
Lolita, de Vladimir Nabokov
Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta. Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita. Será que teve uma precursora? Sim, de fato teve. Na verdade, talvez jamais teria existido uma Lolita se, em certo verão, eu não houvesse amado uma menina primordial.
O Jardim do Diabo, de Luis Fernando Verissimo
Me chame de Ismael e eu não atenderei. Meu nome é Estevão, ou coisa parecida. Como todos os homens, sou oitenta por cento água salgada, mas já desisti de puxar destas profundezas qualquer grande besta simbólica. Como a própria baleia, vivo de pequenos peixes da superfície, que pouco significam mas alimentam. Você talvez tenha visto alguns dos meus livros nas bancas. Todo homem, depois dos quarenta, abdica das suas fomes, salvo a que o mantém vivo. São aqueles livros mal impressos em papel jornal, com capas coloridas em que uma mulher com grandes peitos de fora está sempre prestes a sofrer uma desgraça.
As Ondas, de Virginia Woolf
O Sol ainda não nascera. Era quase impossível distinguir o céu do mar, mas este apresentava algumas rugas, como se de um pedaço de tecido se tratasse. Aos pouco, à medida que o céu clareava, uma linha escura estendeu-se no horizonte, dividindo o céu e o mar. Então o tecido cinzento coloriu-se de manchas em movimento, umas sucedendo-se às outras, junto à superfície, perseguindo-se mutuamente, em parar.
Dom Quixote, de Miguel de Cervantes
Desocupado leitor: sem juramento meu embora, poderás acreditar que eu gostaria que este livro, como filho da razão, fosse o mais formoso, o mais primoroso e o mais judicioso e agudo que se pudesse imaginar. Mas não pude eu contravir a ordem da natureza, que nela cada coisa engendra seu semelhante. E, assim, o que poderá engendrar o estéril e mal cultivado engenho meu, senão a história de um filho seco, murcho, antojadiço e cheio de pensamentos díspares e nunca imaginados por ninguém mais, exatamente como quem foi engendrado num cárcere, onde toda a incomodidade tem assento e onde todo o triste barulho faz sua habitação?
Os 15 melhores começos de livros da literatura universal publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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“Notas do Subsolo”, de Fyodor Dostoyevski
“Sou um homem doente. Sou um homem mau. Não tenho atrativos. Acho que sofro do fígado. Aliás, não entendo nada da minha doença e não sei com certeza o que é que me dói. Não me trato, nunca me tratei, embora respeite os médicos e a medicina. Além de tudo, sou supersticioso ao extremo; bem, o bastante para respeitar a medicina. (Tenho instrução suficiente para não ser supersticioso, mas sou.) Não, senhores, se não quero me tratar é de raiva.”
Nesse exploração de um personagem egoísta, narcisista e prepotente, Dostoyevski consegue transmitir com clareza o ponto de vista que levaria, por exemplo, a movimentos como aqueles das comunidades da subcultura InCel (“Involuntary Celibacy”) e de outros movimentos que partem do princípio, como no caso do personagem principal e narrador da obra (cujo nome não é revelado), de que há uma obrigação do mundo para com esse tipo de pessoa – segundo eles próprios “inteligentes” e “cultos”, homens verdadeiramente “conscientes”.
“Aquilo era um verdadeiro suplício, uma humilhação constante e insuportável, proveniente da ideia, que se tornava uma sensação insistente e concreta, de que eu era uma mosca no meio de toda aquela gente, uma reles mosca desnecessária – mais inteligente, mais culta e mais nobre do que todos eles, evidentemente –, porém, uma mosca que cede sempre diante de todos, que todos humilham e ofendem.”
Tal personagem parece se rejubilar em todas as oportunidades de sofrer e confirmar seu próprio ponto de vista de ser odiado “sem motivos” pelas pessoas ao seu redor, propondo inclusive a questão: “é melhor uma felicidade barata ou um sofrimento elevado”? Vê-se, ao mesmo tempo, julgando a tudo e todos com condescendência e irritação constante, pondo-se sempre como superior. Pode-se perceber isso, por exemplo, em sua visão de si mesmo, quando decide não entrar em conflito com um oficial (“Não pensem, aliás, que foi por covardia que eu recuei diante do oficial: no fundo, nunca fui covarde, embora na prática tenha constantemente me portado como tal, mas – não riam ainda, para isso há uma explicação; tenho explicação para tudo, estejam certos disso”) enquanto chama um antigo colega de escola de covarde, sem qualquer motivação lógica visível ("a Ferfítchkin, russo descendente de alemães, de estatura baixa e cara de macaco, um idiota que zombava de todo mundo. Era o meu pior inimigo desde as primeiras séries – um calhorda insolente, um fanfarrãozinho que encenava ter um amor-próprio muito sensível, embora lá no íntimo fosse, evidentemente, o maior covarde”).
Em resumo, torna-se um livro frustrante para o leitor, por fazer exatamente o que se propõe: levantar questões sobre arrogância, narcisismo, e autopunição e congratulação, que, nesse caso, andam de mãos dadas sempre.
“[...] [N]ão consegui me tornar nada: nem mau, nem bom, nem canalha, nem homem honrado, nem herói, nem inseto. Agora vivo no meu canto, provocando a mim mesmo com a desculpa rancorosa e inútil de que o homem inteligente não pode seriamente se tornar nada, apenas o tolo o faz.”
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