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#na curva escura dos cardos do tempo
leiturasqueer · 1 year
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Leonor de Almeida (1909-1983)
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ELEGIA Não ignores a noite, poeta, e seu hálito estranho que amadurece as luas, os livros de silêncio que abrem as estrelas, as profecias escutadas no brilhar dos poços... Não ignores a noite, poeta, e a forma carnal que a escuridão toma cada sítio, e o peso dos cheiros, rolando bem musculado, nos rios vegetais que barram os caminhos, o mundo das aves confusas que faz florir o espaço e se vai aninhar entre as brisas coalhadas... Não ignores a noite, poeta, e seus peixes de sono deslizando entre os ombros das pedras, as cicatrizes de luz que o sol deixa nas árvores prisioneiras, as dálias de sangue que os pastores tecem nas cabanas vazias... Não ignores a noite, poeta, e as canções que a água reparte crucificada nos ramos do céu, e os sonhos puros dos animais contentes de sémen e de terra!...
Leonor de Almeida
Homónima da Marquesa de Alorna, Leonor de Almeida é considerada um dos casos mais extraordinários da poesia moderna portuguesa, considerada pela revista Serpente como autora dos «mais fortes poemas até hoje assinados por um nome de mulher em Portugal», conta com a publicação de quatro livros de poemas, entre 1947 e 1960, antes de desaparecer no ‘naufrágio’ dos anos finais da sua vida.
Poeta, enfermeira, esteticista, mãe, viajante, aventureira, corajosa, pioneira, mas acima de tudo, um espírito livre e uma mulher muito à frente do seu tempo, a autora portuense que tendo sido esquecida pelo meio literário português foi homenageada na Feira do Livro do Porto em 2020.
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