Tumgik
#não me matem eu sei que vocês gostam todos muito do Saramgo
shinylitwick94 · 7 years
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Acabei o “Ensaio sobre a Cegueira” do Saramago.
Aviso: Isto vai ser comprido, isto vai ter spoilers, vai haver um post em inglês com o mesmo conteúdo daqui a bocado
Não gostei. As devidas desculpas a quem ainda me tentou convencer a gostar, mas não dá, de todo. Não odiei, achei decente, percebo que haja quem goste, mas não é mesmo nada, mas nada para mim.
Como este post saiu um pouco negativo, quero só esclarecer uma ou duas coisas à cabeça. Não tenho nada contra o Saramago, não sou uma daquelas pessoas que o odeia por bater na Igreja ou por criticar quem quer que seja. O autor como pessoa é-me, para ser sincera, completamente indiferente. Também não tenho nada contra o facto de ele ter ganho o prémio Nobel, acho aliás muito bem, porque claramente a maioria das pessoas o acha fenomenal e se eu tenho gostos diferentes é problema meu. Não sou burra. Sei escrever q.b e gosto de ler um pouco de tudo, menos Nicholas Sparks e companhia limitada, que livros de histórias de amor aborrecem-me até mais não. Li o “Memorial do Convento” na escola e não fiz batota. Foi o único livro de leitura obrigatória de que não gostei. bem isso e os da Sophia de Mello Breyner mas esses foi menos não gostar dos livros do que achar que aquilo era leitura para bebés ou adultos, mas não para miúdos de 10 anos
Começando pelo óbvio, que já abordei da outra vez: não gosto da maneira como ele escreve. Não é que não perceba o que lá está, passado um bocado nota-se pouco a diferença, e, neste caso concreto até consigo ver algum sentido em usar esse estilo - fazer o leitor sentir-se tão perdido como os cegos e tal(o que não explica porque é que ele escreve sempre assim, mesmo nos outros livros, mas enfim). A questão é que o estilo dele não me dá vontade nenhuma de o ler. Dá-me sono, gera apatia e indiferença. Ao contrário de outros autores, que podem escrever histórias desinteressantes, mas gosto de ler pelo estilo, acho que Saramago podia escrever a coisa mais interessante do mundo e eu não lhe ia querer pegar.
O que me leva à segunda questão: não achei a história especialmente interessante. O início foi óptimo - os primeiros a cegar, as reações, a ida para o manicómio e os primeiros tempos lá, tudo isso captou a minha atenção e fui lendo com alguma dedicação até chegar mais ou menos ao primeiro terço do livro, quando começou a perder o gás e acabei por escrever o outro post para desabafar. Depois veio a parte mais pesada do livro - não me deixou indiferente, mas também não achei que fosse particularmente inovador ou estivesse a dizer algo que não tivesse já lido milhentas vezes. O fim, com as minhas desculpas à pessoa que me contactou por chat e de cujo url de momento infelizmente não me recordo, não achei mesmo nada interessante. Diria até que o último terço do livro é a parte mais fraca. Eles andam às voltas perdidos na cidade a tentar criar um canto de civilização e dizem banalidades filosóficas e depois deixam de estar cegos. Confesso que estava à espera de mais.
Quanto às cenas mais pesadas do livro, a violação coletiva e o resto das desgraças do manicómio, chocaram, sim, mas não surpreenderam. Já tenho lido coisas do género, estava à espera que se chegasse a pancadaria e violações no momento em que apareceram os “malvados”. Chocou-me mais a linguagem do que outra coisa. O que tenho lido não tenho lido em português e provavelmente a falta do filtro de uma língua estrangeira fez com que a violência parecesse pior. 
Dizem-me que é suposto refletir os grandes horrores do século XX. Devo dizer que se é esse o caso, não funciona, mas isso não será necessariamente culpa do Saramago - em geral não tenho interesse em ler em ficção aquilo que existe em memórias e relatos reais de quem passou por essas coisas. Não preciso de ler a ficção do manicómio quando há tantas descrições reais de campos de concentração e gulags por aí. Quando muito acho que se poderia considerar que pretende ilustrar a facilidade com que se cai nesses horrores, e isso penso que faz bem. Agora, para as tragédias em si, prefiro não ter intermediários.
Há mais algumas coisas que me incomodam na maneira como ele conta histórias. Algumas já tinha notado no Memorial do Convento, outras notei mais aqui.
Diria que a mais óbvia é que os diálogos dele me fazem constantemente pensar que ninguém fala assim. As pessoas que falam português não falam assim. Nem professores de faculdade falam assim, quanto mais gente normal. Às vezes têm falas que soam completamente naturais, outras, especialmente quando se põem a filosofar, ficam pretensisosas demais na boca de personagens que se supõem “normais”. E depois os personagens parecem todos ocos por dentro, como se não tivessem personalidade. Diria que a única exceção é a mulher do médico e a miúda dos óculos escuros, que os outros estarem lá eles ou uma esfregona é igual. Já tinha achado isso no Memorial, pensei que fosse só dali, mas afinal não.
Depois há um problema de, vá, nexo de causalidade, que torna muito difícil eu ficar convencida de que as situações que ele cria poderiam mesmo acontecer. É um tipo com uma pistola. Um. Com uma pistola. Não são seis com uma metralhadora. Percebo que se queira chamar atenção para o facto de as pessoas subestimarem a força que têm quando estão com medo, mas torna a história toda um pouco ridícula (e tantas outras - porque é que ela não levou a tesoura da primeira vez?, porque é que os cegos não usam aquelas varas que usam as pessoas que são mesmo cegas? nunca viram um cego mesmo ou quê? porque é que não fazem uma barricada por fora aos “malvados”?,...).
Outra, que me enervou bastante, é a questão das mulheres. E não é por causa da violação - como disse, já estava à espera. É o resto tudo. São as relações esquisitíssimas entre os casais, em que parece que quer elas, quer eles, ainda acham que elas são propriedade deles. A cena que antecede a violação tirou-me do sério. É claro que elas foram comer os homens todos das camaratas delas antes de irem para lá. É claro  que as que não têm marido não se incomodam com quem dormem. É claro que os maridos só se importam por causa das honras de homem deles. E ai e tal não julguemos a miúda dos óculos escuros por dormir com toda a gente, que ela tem coração - pois com certeza que tem, alguém disse que não?! E a cena da miúda dos óculos escuros e do velho da venda só me deu vontade de revirar os olhos. É absurdo, é como se o autor, ou se calhar só o narrador, sei lá, não tivesse nunca conhecido mulheres normais na vida. E depois com aquelas coisas do “ai como é que havemos de compreender as misteriosas mulheres” e pisca o olhar ao leitor. Sinceramente dá-me um bocado de vómitos, mais que o resto tudo e eu nem sou nada destas saídas “feministas”. Se o livro fosse dos anos 50 nem dizia nada, mas é de 98, não há desculpa. A não ser que me venham dizer que é suposto passar-se nos anos 50. Ou que os anos 90 em Portugal eram como os anos 50. Ou que o Saramago achava que eram.
Depois o final achei fraquinho. Foi mais do mesmo - gente a andar à volta e a filosofar. Para que fique claro tenho muito pouco interesse em filosofia, não acho que seja defeito do livro para quem aprecia. Eu só acho que há pouco para dizer sobre a natureza humana que não seja óbvio e não tenha já sido dito por milhões de pessoas ao longo dos séculos, e achei que tudo o que foi dito aqui foi óbvio. Não há mal nenhum nisso, lá está, para quem gosta.
Só uma última queixa - detestei o facto de ele estar sempre a chamar ao raio do cão o “cão das lágrimas” - chama-lhe cão homem, só está lá um. Ou então chama-lhe Bobi, ou Faísca, ou qualquer coisa, mas para-me com essa lengalenga que já não te posso ouvir.
Houve coisas que gostei? Sim, claro. Achei a premissa excelente e gostei muito do início do livro. Houve algumas cenas que achei muito bem conseguidas. Não penso de todo que seja um mau livro (se é que tal coisa existe é claro que existe e chama-se O Amante de Lady Chatterley). Não é é nada para mim, e penso que posso dizer com alguma segurança agora que nenhum dos livros do Saramago será. Não tenho nada contra quem goste - acho que no fundo aquilo que muitos vêem como traços positivos da escrita dela para mim são negativos, e não há volta a dar a isso. Vou manter mais um ou dois livros dele na minha lista - as Intermitências da Morte e o Ano da Morte de Ricardo Reis, talvez o Evangelho Segundo Jesus Cristo, mas certamente não lhes vou pegar nos próximos cinco anos. Talvez nessa altura tenha mudado de opinião, embora duvide.
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