#mais uma vez saiu uma bosta mas paciencia
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— dollhouse: part two .˚
TW: CRISE DE ANSIEDADE
Era cinco de março, a terceira vez em que Hypatie visitava a casa dos Depuys, mas apenas a primeira em que ficava sozinha no mesmo cômodo que o pai. Uma situação daquelas tratava-se de um imprevisto, sabia bem. Enquanto Gaby se esforçava para manter as conversas dinâmicas e evitar o elefante branco na sala, Gilles raramente direcionava uma palavra à filha mais velha, permanecendo um desconhecido enquanto ela e a madrasta se aproximavam. Ah, como ele deveria se sentir desconfortável naquele momento. Se não fosse pelo acidente com as calças molhadas do caçula, Blaise, aquele silêncio constrangedor jamais estaria acontecendo, Gaby não deixaria que o jantar fosse nada menos do que agradável. A verdade, no entanto, era que a casa dos Depuys era tudo exceto agradável para Hypatie. Não sabia o motivo de continuar aceitando os convites da madrasta, quando a única razão de ter tentado contato com o pai havia sido obter respostas. Em vez disso, não se falavam, deixando a tensão crescer cada vez mais, sufocando-a. Por que Gaby, uma mulher com quem não possuía nenhum laço, insistia tanto em tentar conhecê-la, enquanto Gilles mantinha os olhos pregados no celular? Hypatie conhecia muito bem a própria mãe, sabia que Liliana jamais teria forçado ou sequer sugerido envolvimento de um doador de banco de sêmen na criação de sua filha. Gilles havia escolhido registrá-la, dividir a guarda, dar presentes... e desaparecer. Por quê?
“Você está no segundo ano, não é?” Enfim, ele quebrou o silêncio. Não parecia nada interessado na resposta, estava entediado. Certo, talvez se sentisse culpado, entretanto, cada vez ficava mais claro que estava apenas tentando agradar a esposa, que lhe lançava olhares de repreensão frequentemente.
“Não.”
O prato de sobremesa rangeu com a garfada forte que Hypatie deu na torta de nozes, ciscando a comida. Em outro momento, talvez tivesse se incomodado com o barulho, mas tudo que desejava era machucar Gilles o tanto quanto ele havia a machucado. Aquela talvez fosse a única oportunidade de confrontá-lo, de tirar todo o peso dos ombros, todo o rancor e insegurança.
“Você nunca disse por que fez isso. Por que quis me conhecer e depois ir embora para sempre. Por que nunca me procurou.” As palavras da garota mais se pareciam com resmungos. Ela olhava fixamente para a mesa, atenta à visão periférica para caso o pai tentasse se levantar. Ou tocá-la. Se aquele idiota viesse com desculpas roteirizadas pela esposa, enfiaria o garfo na mão dele.
Gilles pareceu quase engasgar.
“Eu... Marie...” gaguejou. “Um filho não é uma coisa fácil de se lidar. Eu era jovem, bem mais jovem do que a sua mãe, e não estava pronto para isso. E agora eu tenho uma família, não é simples.”
Hypatie decidiu olhá-lo nos olhos, procurando qualquer indício de remorso. O homem tinha os braços cruzados sobre a mesa e um pequeno vinco formado entre as sobrancelhas. Que surpresa. Estava irritado, é claro que sim. Como alguém poderia questionar as decisões feitas por um homem de trinta e poucos anos? Um pobre garoto sem consciência do que fazia! Gilles acreditava estar certo.
“Não interessa, você mentiu” ela acusou mais uma vez. “Eu achei que você estava ocupado salvando o mundo enquanto você morava na cidade do lado. Por anos. Quem faz isso com uma criança?!” E murmurou: “Eu tenho pena dos meus irmãos.”
A pose de chefe de família contido se desmanchou no momento em que Hypatie se levantou, largando o prato na mesa. A cara redonda e branca de Gilles ficou vermelha, inchada.
“Você sabe muito bem que eu não sou seu pai de verdade, menina, eu devia ter chamado a polícia quando vi que você estava nos perseguindo! Eu fiz uma doação e, pelos meu valores cristãos, o que não deve ser comum na sua família, achei de bom tom ser educado com a pessoa que eu ajudei a fazer. Só isso! Você não pode entrar na minha casa, comer minha comida e falar nesse tom comigo!”
Agora sim, a podridão que Hypatie desejava desenterrar, algo que pudesse justificar a raiva que sentia, já que nenhum pedido de desculpas se aproximaria. Havia percebido no primeiro dia que Wolfgang estava errado em acreditar na possibilidade de uma reconciliação entre pai e filha e, mais do que isso, ela mesma estava errada por ter dado ouvidos a ele. O que faltava? Ouvir aquilo, aparentemente, ter a certeza de que não era bem vinda e de que os convites não passavam de um circo feito para uma criatura mágica nos céus dar pontos para a família Depuys. Sentia nojo.
Ela vestiu o casaco sobre os ombros e se deu a liberdade e abrir a porta com força, quase rompendo o trinco. Gilles deu uma gargalhada debochada.
“Você é idêntica a sua mãe, sabia?” ele disse. “Não venha mais aqui, nem se a minha esposa te convidar. Não quero esse tipo de influência para os meus filhos. Boa sorte na sua vida.”
Hypatie ouviu Gaby gritar algo ao fundo, mas não deu ouvidos e correu em direção à rua. Perfeito. Tinha o que queria, certo? Uma confirmação da dedução óbvia a partir dos achados de -E. Não havia nenhuma conspiração por trás do sumiço do pai, nenhuma justificativa complexa, nenhum desfecho de filme. Era o que era. Gilles não a desejava, nem enquanto criança e nem adulta, fazia cara feia para todos os sinais de que a primogênita poderia interferir em sua família perfeita. Hypatie era uma mancha. Uma mancha no porta retratos novo de Gaby, uma mancha no currículo impecável de Liliana. Nunca seria tão boa quanto às lindas crianças loirinhas dos Depuys e o papagaio importado da mãe. Por que tinha tanta dificuldade em aceitar a própria sina? Talvez Basile estivesse certo. Não havia necessidade de lutar tanto para cumprir as expectativas alheias quando se sabia que nunca iria alcançá-las. Hypatie sentiu algo escorrer pelo rosto e quase gritou. Não era sangue. Eram... lágrimas? Fazia tanto tempo, sequer reconhecia a sensação de chorar. Simplesmente não aguentava mais.
Já estava duas ruas abaixo da casa dos Depuys quando decidiu entrar em um bar e pedir um copo de whisky. Sem gelo, enfatizou. De que adiantava o esforço? Qualquer esforço. Não conseguiria uma família que a amasse, nem que se orgulhasse. Nada que fazia impressionava Liliana. E, verdade seja dita, também não poderia se ver como uma boa amiga. Uma boa nada. Sentia todas as conexões frágeis, como se a qualquer momento pudesse ficar sozinha perdida no espaço. Talvez fosse aquilo que havia bloqueado os planos de descobrir -E. O que faria depois? Provavelmente perderia contato com Casper e Cédric, assim como sentia vir se distanciando dos demais. Não restaria mais ninguém. Mais nada. Não tinha ideia do que fazer consigo mesma pelo resto da vida. De repente, havia voltado a ser a garotinha confusa e assustada, esquecida sozinha no castelo no meio do inverno. Passou uma nota qualquer para o bartender e levou o copo de whisky aos lábios. Aquele sabor amargo familiar, repuxando o fundo de sua boca. Parecia...
Não.
Não.
Desta vez, ela gritou.
“AAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!”
O copo escorregou direto para o chão, manchando e prendendo cacos de vidro às suas botas. O que estava fazendo?
Mais uma vez, soluçava no meio da rua, fraca, exausta. Hypatie caiu na sarjeta. Tudo começou a escurecer. Ainda assim, com um resquício de energia que ainda tinha no organismo, conseguiu ligar para um contato no celular e enviar a localização.
“Por favor... me ajuda...”
E apagou.
#❛ ☾ ➝ with shortness of breath i’ll explain the infinite || povs.#mais uma vez saiu uma bosta mas paciencia#pov
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