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REPRESENTAÇÃO FEMININA NA FOTOGRAFIA: Vivien aos olhos de Julia Margaret Cameron
Thiago Melo Costa Ramos
RESUMO: A diferença de tratamento da personagem feminina entre o poema Merlin and Vivien de Alfred Tennyson e as fotografias Vivien and Merlin de Julia Margaret Cameron revelam estereótipos presentes na representação das personagens. A análise das fotografias feitas por Cameron em comparação ao texto escrito por Tennyson revela o arquétipo da mulher fatal presentes na Vivien.
Palavras-Chave: Fotografia. Julia Margaret Cameron. Representação feminina. Século XIX.
1 INTRODUÇÃO
Julia Margaret Cameron foi uma mulher pioneira no campo da fotografia do século XIX. As suas representações do poema de Alfred Tennyson “Idílios do Rei” apresentam personagens femininas com abordagens diferentes em relação ao texto. Nas fotos Merlin and Vivien percebe-se uma ótica diferente da expressa no poema, em específico Vivien, que é abordada de maneira única por Cameron. A personagem é retratada por Alfred Tennyson como uma vilã, que se aproxima do arquétipo de Femme Fatale, conforme descrito na trama por Raissa Gonçalves “Despeitado, o Rei Mark propõe a Vivien causar discórdia e problemas entre os cavaleiros de Arthur. Para a desdenhosa Vivien, qualquer pessoa poderia ser pura e virtuosa como o Rei Arthur, e ela aceita a desestabilizá-los e voltar para Mark “com os corações dos cavaleiros em sua mão”.” (GONÇALVES, 2018, p.49). Através da análise temática e técnica das duas fotografias do trecho Merlin and Vivien, a pesquisa tem como objetivo revelar o estereótipo na representação feminina presente no poema de Tennyson e como Cameron conseguiu representar Vivien distanciando-a do estereótipo, para criar uma personagem feminina empoderada na fotografia, tendo em vista que grande parte da representação feminina da época era feita por homens e fortemente influenciada por estereótipos e machismo.
2 ANÁLISE
2.1 Contextualização da obra
As duas obras denominadas Vivien and Merlin de Julia Margaret Cameron são representações do poema Merlin and Vivien, escritos por Alfred Tennyson com base em romances de cavalaria sobre Rei Arthur e os cavaleiros da Távola Redonda. A temática da obra se relaciona profundamente com o poeta e a fotógrafa, pois Tennyson vive na Inglaterra do século XIX durante a atuação da Irmandade Pré-rafaelita, que traz o revivalismo da Idade Média. Cameron tem uma vasta produção de obras com forte influência desse grupo de artistas em suas fotografias ao longo de sua vida e a obra Vivien and Merlin é uma delas.
2.2 Análise crítica da obra
A duas fotografias são feitas por impressões de albúmen a partir de negativos de colódio úmido, nas quais permitia que a fotógrafa interferisse no resultado final da imagem. A escolha da técnica é em grande parte motivada pelo pensamento pictorialista de aproximar o pintor/artista do fotógrafo ao permitir a manipulação da fotografia, aproximando-se à interferência do pintor em um quadro. As duas obras tratadas abaixo revelam algumas das características das fotos feitas por Cameron, o experimentalismo (principalmente no desfoque) e ao mesmo tempo são os motivos da crítica da época à produção da artista. Os títulos das imagens são outra peculiaridade das fotografias, que indicam as intenções de Cameron em privilegiar e dar atenção à representação da personagem Vivien “[...] indício da mudança sutil de juízo de valor dado à figura de Vivien por Cameron está no próprio título da fotografia. Como bem observou Victoria C. Olsen (1995, p. 380), ela inverteu o título do poema de Tennyson, intitulando-a de Vivien and Merlin (e não o contrário).” (PEREIRA, 2017, p.143). A análise das fotos permite identificar outros elementos que abordam a personagem em uma ótica diferente da tratada no poema, além de distanciá-la de estereótipos. Ao olhar a primeira foto (figura 1), percebe-se que o foco é no gestual e nas figuras representadas, Vivien está apoiando a mão na barba de Merlin, enquanto olha para os seus olhos em uma tentativa de seduzi-lo. Essa imagem tenta capturar esse momento íntimo, que ela tenta se aproximar dele e ganhar intimidade e confiança com o mesmo. As fotografias de Cameron evitam optar por uma representação que reforce a objetificação do corpo feminino, as figuras (Vivien sendo uma delas), nunca são representadas nuas ou com erotismo e isso é algo percebido em todas as produções da fotógrafa, na qual dá destaque ao gestual e o íntimo.
A segunda foto (figura 2) mostra Vivien apontando o dedo e confrontando Merlin, o qual mantém uma postura passiva, conforme visto na primeira imagem em que ele está sentado olhando para ela. A altura das personagens na foto muda também, mas o destaque é para Vivien, que apresenta mais autonomia na segunda cena, além de ser representada como a maior figura da foto. A inversão de tamanho entre as figuras da foto não altera a representação do agente da ação, tendo em vista que na primeira foto ela coloca a mão na barba dele e na segunda ela que aponta e confronta-o. Ao comparar as fotos com o poema, há um claro contraste na representação feminina pelo poeta e na representação visual do mesmo pela fotógrafa. No texto de Tennyson, a personagem é apresentada como desdenhosa e maliciosa, que são características exploradas na motivação dela em seduzir Merlin, mas o tratamento dado à personagem é comparável ao arquétipo da mulher fatal, a mulher que engana o homem (através da sedução), para manipulá-lo e conseguir algo de seu interesse. Esse estereótipo visto no poema pode ser lido através dos elementos presentes na mulher fatal como “Primeiro, a sexualidade dela. Segundo, o poder e a força (sobre homens) que essa sexualidade gera para a mulher fatal. Terceiro, os enganos, disfarces e confusões que rodeiam ela, produzindo uma figura ambígua para a audiência e o herói. Quarto, como consequência dessa mulher como “enigma”, tipicamente localizado dentro de uma estrutura narrativa investigativa, que procura a “verdade” entre os enganos” (SIMKIN, 2014, p. 6, tradução nossa)¹. A fotografia feita por Cameron se distancia do arquétipo trazido no poema e traz uma Vivien mais íntima, autônoma e empoderada, por saber de suas capacidades e poder de sedução sobre os homens. Ela é uma mulher inteligente, pois sabe conseguir o que quer através dos homens, que se sentem intimidados e seduzidos. Merlin por sua vez, é descrito como um homem sábio e de boa moral, o qual é colocado como vítima da mulher fatal, que o engana para aprender o feitiço de transformar pessoas em estátua e se torna vítima dela, quando ela usa o encantamento contra ele.
3 CONCLUSÃO
O poema Merlin and Vivien reflete o arquétipo da mulher fatal na personagem feminina, levando em conta que ela se torna uma ameaça para os homens (e a sociedade em que está inserida), a partir do momento que ela é autônoma e inteligente ao ponto de ser capaz de enganar os homens para conseguir o que quer. Na obra de Tennyson, Vivien atua como uma vilã, além de ser caracterizada negativamente por essas características, enquanto Merlin permanece uma figura passiva e vítima das ações que partem da antagonista. A fotografia de Cameron vai se distanciar do estereótipo ao retratar a mesma personagem empoderada e com autonomia nas fotos. As cenas retratadas vão focar no sentimental e gestual da mulher inteligente e com atitude. Esse contraste entre a representação feminina por Tennyson e Cameron expressa a diferença de tratamento das mulheres na Inglaterra da era vitoriana em pleno período da Primeira Onda Feminista, visto que há uma mudança no estatuto das mulheres da época. Por fim, o estereótipo da mulher fatal será continuamente desenvolvido nos anos posteriores as obras tratadas, mas ainda sobre os mesmos elementos já mencionados e com o acréscimo de novos elementos no cinema do século XX.
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¹ “First, her seductive sexuality. Second, the power and strength (over men) that this sexuality generates for the femme fatale. Third, the deceptions, disguises and confusion that surrounds her, producing her as an ambiguous figure for both the audience and the hero. Fourth, as a consequence the sense of woman as ‘enigma’, typically located within an investigative narrative structure which seeks to find ‘truth’ amidst the deception.”
Referências bibliográficas
GONÇALVES, Raissa Lopes. Personagens femininas de Idylls of the king (1859) na ilustração de Eleanor Fortescue-Brickdale. Brasília: Universidade de Brasília, 2018.
MACHADO, Arlindo. A ilusão especular: introdução à fotografia. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.
PEREIRA, Maria Cristina. O revivalismo medieval pelas lentes do gênero: as fotografias de Julia Margaret Cameron para a obra The Idylls of the King e outros poemas de Alfred Tennyson. Domínios da imagem, v. 11, n. 20, p. 119-153, jan./jun. 2017.
SIMKIN, Stevie. Cultual constructions of the femme fatale: from Pandora’s box to Amanda Knox. Londres: Palgrave Macmillan, 2014.
TENNYSON, Alfred. Idylls of the King. Projeto Gutenberg, 2008. Disponível em: <https://www.gutenberg.org/files/610/610-h/610-h.htm#link2H_4_0007> . Acessado em 17 de Novembro de 2020.
Vivien and Merlin. Nova Iorque: The Metropolitan Museum of Art. Disponível em: <https://www.metmuseum.org/art/collection/search/282121> . Acessado em 17 de Novembro de 2020.
WEISS, Marta. Vivien and Merlin. Londres: V&A Publications, 2018. Disponível em: <http://collections.vam.ac.uk/item/O16478/vivien-and-merlin-photograph-cameron-jul/vivien-and-merlin-photograph-cameron-julia-margaret/>. Acessado em 17 de Novembro de 2020.
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