Tumgik
#desaconselho a leitura q
howie-rabbit · 4 years
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A JORNADA DO HERÓI: HOWARD RABBIT
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“Howard? Você tá aqui ou no País das Maravilhas?”
A pergunta o fez despertar do transe, franzindo a testa em confusão. — Que pergunta idiota! Cê não tá me vendo aqui? Então eu tô aqui. — O tom era completamente diferente do que costumava utilizar. Porém, o que os amigos não conseguiam enxergar era que por trás daquele comportamento estranho, estava nada mais nada menos do que uma enorme frustração. Primeiro por estar vivendo exatamente como vivera por onze anos de sua vida no País das Maravilhas: privado de ir onde bem desejasse. Ao menos na terra natal não havia uma barreira física como aquela redoma. Segundo, havia o agravante das vozes. Aquelas benditas vozes que ecoavam em sua mente sem cessar.
Ele estava cansado de se sentir com medo e encurralado. Tinha a sorte de contar com alguns amigos que passavam pela mesma coisa e o apoiavam. Melena Upland, inclusive se oferecera a ir contar ao diretor sobre as estranhas vozes que estavam ouvindo. Entretanto, no último segundo desistiu da ideia, pois Merlin já possuía o bastante com o que se preocupar para que desse ouvido aos tormentos de um simples aprendiz como ele.
Acabou aceitando que havia sido acometido pela insanidade dos moradores de Wonderland. Como ele morava no início do reino, longe o bastante de onde as coisas alteravam de tamanho e forma e a realidade era extremamente psicodélica, acreditou ser imune às loucuras do lugar até o ataque dos ogros. Temia que o feitiço utilizado por Merlin para organizar tudo tivesse mexido com alguma coisa em sua cabeça. Porém, depois de algum tempo, abandonou esta ideia visto que mais aprendizes também ouviam.
— Ok, chega! — Declarou, tirando uma coragem de algum lugar desconhecido e marchando para a tão temida Floresta. Em sã consciência, o Rabbit jamais fora tão longe. Sua melhor amiga residia na Anilen e mesmo compartilhando uma relação de irmãos com a descendente de Scar, ele raramente a visitava. O desespero por respostas falou mais alto. Precisava por um fim naquela loucura de uma vez por todas.
“Certo, talvez eu não queira tanto assim descobrir o que isso significa.” Pensou, dando meia volta para regressar ao castelo em segurança. Sim, caros leitores, o filho do Coelho Branco possui a incrível e antiga habilidade de: tremer nas bases. Ele podia ser muitas coisas: preguiçoso, carinhoso, doce, procrastinador nato e... demasiadamente covarde. Nunca fez questão de esconder isso, aliás. Jamais sentiu vergonha em assumir seus medos o que configurava outra de suas muitas virtudes: a honestidade.
“Tarde demais, coelhinho. Você não vai sair daqui nem tão cedo.” Ouviu a voz primeiro e sentiu a lâmina depois, gélida e cortante, posicionada mortalmente em seu pescoço como garantia de que não fosse a lugar algum. — NÃO ME MATE! — Gritou, sentindo os olhos começarem a lacrimejar. — O que você quer? Dinheiro, eu tenho, pode levar. Pega o que quiser, só me deixa sair vivo daqui, por favor. Eu nem ia entrar...
“Ah, ele não é uma gracinha, irmã? Acha que podemos ficar com ele?” Uma segunda voz surgiu entre as árvores e, se a sua visão não estivesse turva pelas lágrimas, teria reconhecido a dona daquela voz estridente. “Pare de ser tola! Vamos usar ele e depois nos livramos.” O corpo de Howard estremeceu. Algo em seu sexto sentido lhe dizia que “se livrar dele” não era lá uma coisa boa. “Vamos lá, coelhinho, andando!” A mulher que segurava a adaga em seu pescoço começou a empurrá-lo para andar.
O trajeto não foi tão longo assim e, por mais que o nariz estivesse insuportavelmente entupido pelo choro, agora conseguia vislumbrar a segunda voz que o ameaçava. Diferente da primeira que utilizava uma lâmina, esta levava uma varinha apontada para ela a qual o cutucava vez ou outra toda vez que ele se recusava a continuar caminhando. “Já estamos chegando, gracinha”, o tranquilizou e realmente pôde ver uma clareira se estender a poucos metros onde uma casinha de tijolos cobertos de musgo se estendia humildemente com uma chaminé a expelir fumaça constantemente.
Assim que entrou no casebre, o cheiro úmido e pungente foi capaz de desobstruir as narinas e não se sentiu nenhum pouco à vontade naquele pequeno espaço. É claro que a decoração macabra não exalava nenhuma segurança, havia objetos cortantes expostos demais ali e, ter os pés e mãos amarrados em uma cadeira desconfortável não era o que imaginara receber de bons anfitriões. Mas será que aquelas mulheres eram boas? Algo em suas vozes e comportamento dizia que não.
“Vamos lá, coelhinho. Nós queremos que você abra um portal para nós.” Começou aquela a qual se mostrara minimamente mais agradável entre as duas.
— Um o que?
“Um portal, seu idiota!” A mulher que lhe ameaçara com uma adaga agora brincava com a arma entre os dedos, a ponta girando em um dos polegares enquanto a língua deslizava pelos dentes amarelados como se ela fosse capaz de comê-lo a qualquer momento.
— Eu ainda não ent-...
“Veja bem, coelhinho, seu pai é o Coelho Branco. Certo?”
— Hm. — Howard concordou como se aquilo fosse óbvio, mas mantinha o cenho franzido sem compreender onde aquela conversa chegaria.
“Então, ele consegue atravessar do País das Maravilhas para o mundo dos humanos.”
— Sim...? — Novamente, conhecia White Rabbit há vinte e um anos e não precisava que uma maluca sequestradora lhe dissesse o que o homem fazia.
“... atravessar... para o mundo dos humanos...” A mulher praticamente soletrava cada palavra, como se aquilo fosse capaz de explicar suas intenções e Howard permaneceu com a mesma expressão enquanto aguardava por algo que fizesse sentido ali. Foi seu ouvido que captou o som primeiro: um zunido no ar perigosamente perto de sua cabeça seguido de um baque no armário às suas costas. Girou no mesmo instante, meio atordoado para encontrar a adaga balançando fincada na madeira e então a mesa em que estava estremeceu com um estrondo ensurdecedor. — Ai! — Voltou a atenção para as mulheres e aquela de aparência mais selvagem o encarava perto demais, ambas as mãos sobre o tampo da mesa. Fora isso que causara o som?
“Seu imbecil! Vou ter que desenhar? A porcaria do seu pai cria portais. Eu quero um portal. Qual parte você não conseguiu entender?”
“Ahn, nós querida, nós queremos um portal.” Uma interrompeu a outra, limpando a garganta.
“Tanto faz. Nós queremos a porra de um portal para o mundo dos humanos.” Revirou os olhos. “Eu quero ser lembrada e aqueles merdinhas duvidam da nossa existência a cada dia mais. Ah como eu quero ver a cara de espanto quando eu surgir bem debaixo daquelas fuças nojentas e arrogantes.”
Howard se questionou se deveria informar que a nojenta ali era ela e a casa, acostumado a manter tudo limpo, apesar da preguiça, estava incomodado em estar em um ambiente como aquele. Porém, tudo o que conseguiu dizer foi: — Eu não crio portais.
“Como assim nã-...?”
— Eu não crio portais. — Repetiu, desta vez ele quem imaginava estar dizendo a coisa mais óbvia de todas.
“Eu falei que ele era inútil.”
“Mas podemos ficar com ele? Ele é tão fofinho!”
“Não! Apaga ele.”
“Mas...”
“Apaga logo esse infeliz!”
Rabbit queria dizer que não precisavam agir como se ele não estivesse ali assim como gostaria de entender o que queriam dizer com “apagar”, porém, tudo aconteceu rápido demais. Não saberia dizer se imaginou ou não, mas pareceu que a mulher mais agradável moveu os lábios em um pedido de desculpas antes de agitar a varinha e uma nuvem escura o envolver completamente. Não soube por quanto tempo ficou desacordado e tampouco teve sonhos durante aquele período, mas, assim que abriu os olhos, tudo o que encontrou foi terra e grama. Estava deitado de barriga para baixo, largado de qualquer jeito na orla da Floresta Assombrada e, quando ergueu a cabeça, vislumbrou o castelo ao longe com as luzes acesas. Era noite, mas por quanto tempo ficara ali? Aliás, como fora parar ali para começo de conversa? Toda vez que tentava se lembrar do que acontecera nas últimas horas, encontrava um vazio estranho. Ao menos as vozes tinham ido embora e suspirou dando-se por vencido quando se levantou para voltar ao castelo. Ele não entrara na Floresta, certo? Tinha medo demais para o fazer e tampouco desrespeitaria as regras impostas pelo diretor.
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