#cuidadoradascinzas
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Pratos sobre o aço.
Além do que será descrito, os dias brancos, que seriam alguns dias de jejum e magnésio — e outros minerais manipulados a pedido na farmácia no térreo do prédio que a moça do asilo morava. Abrisse sua boca e experimentasse, cheiro e gosto de magnésio. Até um trauma psíquico como cena brutalmente fixada quando foi virada sobre o aço inox e um fio de leite de magnésio descia do vermelho e desaparecia indiscernível em deltas na palidez da nádega e coxa. A palavra principal para descrição, e que se daria no segredo, na brancura, no inox, nos pratos. Psicostasia. Nada era menos que um tribunal revelado, como o é os consultórios, as salas de cirurgias, as ruas, todos os lugares em suas versões. A exatidão dos utensílios brancos e a cocaína pura, incomuns. Nada era comum além do aço da mesa, e a psicostasia em nudez e claridade imersa no ambiente frio era tão atemporal quanto a realidade estranha de sua descrição.
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Ambiente.
O ambiente na sala se tornara realmente especial, como se houvesse um longo painel mitológico e antigo na parede, composto de espíritos de índios que raspavam o cabelos com lascas de bambu, todos nus, serenos e sujos, ansiosos e ao mesmo tempo calmos, coloridos em tons inaceitáveis porque são feitos de reflexos que se perderam para sempre na história da humanidade devido as posições inéditas dos astros. E havia incompreensão em ambos os sentidos, pois aqueles índios não podem imaginar todo o espectro de tristezas que existem no mundo, e os velhos não compreendiam as fatias finas de salmão rosa sob as cloches. Porém comeriam insensíveis da mesma maneira que a sala e a ceia eram assistidas através da imagem na tela.
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Mundo de pedras.
Abocanhava sua bunda e peitos como se fossem um pão de verdade e quisesse o maior pedaço possível abrindo tanto a boca com as gengivas sem dentes que os olhos secos e cegados pelo tanto que já havia chorado expulsavam de quando em quando lágrimas viscosas e esbranquiçadas. Um velho aprisionado envolto de tanta pedra, as paredes hipodâmicas do asilo, a dureza do Gulag um mundo rochoso. Tudo pedra e rocha, frieza e gelo, ausência e distância. Fome. A onipresente fome. Osip era a própria fome. O terror das pedras como segredo de ambos os mundos, tanto aos velhos do asilo quanto à moça, e nunca revelado projetando entre eles um fantasma de uma mesma maldição e neste ponto eram todos os mesmos humanos. Segredo que desaparecia como eles. Para a moça acontecia como consumação em ato real e impossível de ser enfrentado, era como se a cidade a violasse, o corpus urbis duro e sujo e a vibração urbana ereta a ferindo no interior da vagina, a própria cidade empedrada e viva, organismo humano violento e cruel rastejando sobre a geografia, o monstro litoameboide de milhões de cabeças e o dobro de ocelos. O monstro estupra e assassina. Talvez foi a fome de Osip que vingou a vontade que a faria lembrar de Sabina Spielrein. — "Eu também era um ser humano."
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Pavor.
O piso em placas negras e brancas — a cena ausente sobre o xadrez veio remoendo e remontando nos presságios do coração, involuntária, preocupante, de um fundo autônomo, apareceu de repente como flashes indistintos e inócuos quando procurava se lembrar de um gesto, talvez um movimento não interpretável do Salvador Dalí que a incomodava sempre. O súbito da quase ideia atrapalhou sua pesquisa nos engramas a fazer perder o que tentava encontrar — quem disse algo sobre o quê? Na verdade as placas brancas eram acinzentadas pelo tempo. O piso em quadrados negros e cinzas dos cômodos do asilo queria contar porém engasgava silencioso e invisível sob os pés, pisadas e o rangido da cadeira de rodas. Os velhos eram as peças, o rei, a rainha, os bispos, cavalos e torres, carcomidos pelos cupins num jogo que se alongava pelo meio de um século. A visão chegou velada, como uma ideia não tida, soprada de baixo para cima, do chão para o teto, insinuada, esboçada num lugar diferente do cérebro, um lugar não visual, empurrada pelo som dos arrastar dos pés, as gretas roídas nos rostos, nos pescoços, no dorso das mãos, o tombar do corpo quando uma ambulância vermelha partia lenta pelos portões como se o tempo fizera sua parte tanto quanto a mão que tira a peça vencida do tabuleiro no ato contínuo a uma jogada bem sucedida. — A grande mão que desce sobre as linhas da lei e tendo movido o tempo se vai levando aquilo que nunca nunca mais será. Sentiu a despersonalização e a dúvida de si, da existência. Não lembrava do próprio rosto. O terror do espelho caiu como se a certeza de que ela mesma envelhecera quando colocada no tabuleiro pela mesma mão da ambulância. Consultou e sentiu impulsos do horror, as terminações nervosas do hábito de segurar um cachimbo, cuspir uma raspagem verde do fundo da garganta, urinar nas calças, como se ela própria estivesse sendo aprisionada no ressecamento, no engruvinhamento feito um couro que se recolhia em dobras e repugnâncias. Então se apalpou, nas coxas nuas, apertou os dedos no sexo macio e úmido, nos seios doloridos e vivos porque estavam nos dias de vida e dor. Lembrou do moço quadrado que viera da Europa e a fizera chorar de vergonha, e também de quando tentaram convencê-la a fazer terapia e experimentara um pânico terrível ao pensar que falaria com a mãe que na infância vinha até sua cama observar seus movimentos de olhos no sono, sem saber que suas pálpebras pálidas e finas de criança deixavam discernir a pavorosa silhueta ensanguentada da espiã noturna.
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Zonas.
Da margem psicológica do mundo onde ia e vinha, às vezes passava por zonas temporais de redenção onde ressentia o remorso golpeado da vida. Como dessa vez que passou por um homem que a olhou no fundo dos olhos com tanta intensidade que ela mais sentiu do que viu o próprio reflexo, as linhas do seu rosto discernidas e acentuadas com um apelo de desejo puro como se brilhasse no fundo de um copo de cachaça ainda pela metade antes do homem tragar de uma vez e abandonar o bar escuro que já baixava as portas. Logo brotaria as lágrimas quentes de vergonha e ela continuou a andar tremendo nos saltos deixando no homem, no olhar sob os óculos, o envolvimento do copo vazio e embaçado como a entrada de uma caverna que vai escurecendo conforme o sol se põe. — Desse dia, uns passos adiante, achou mais uma daquelas pedras esta era pedra incrustrada numa parte de concreto fragmento da calçada pedaço de rua que encontrariam enfileiradas numa das bordas da banheira onde a perícia atentamente analisaria traços de sangue e gozo.
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Pão.
Yasunari Kawabata era o que tinha o tremor das mãos como se tremor fosse uma sintonia com modulação nas alterações da pele da testa amassada em mil linhas e as sobrancelhas brancas esfiapadas por fios grossos captando as fragmentações como se fossem antenas. Ele junto com Osip e Salvador Dalí foram os que resmungaram expressões de inevitabilidade. Era justo Yasunari Kawabata que em 1968 numa festa repetira algumas palavras sobre o assunto. Não se lembrava mas podia ter contado a eles o dia que abriu os botões da blusa na sala de sua casa com a família recebendo as visitas e expôs do seu canto no sofá um seio como quem sustenta um pão que fosse um corpo de prova inadiável e imprescindível diante do tribunal do júri. Houve uns míseros instantes até o seio nu se fazer presente à primeira vista como fantasma que poderia desaparecer desde que fosse imponderavelmente ignorado, então devagarinho e como uma onda silenciaram-se as bocas e fez-se silêncio, e os pensamentos acudiram providências que sem tardar foram tomadas.
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Xadrez e violão.
Também neste túnel tonteante ao redor do tempo sujo sentia partes do cérebro caindo no sono e voltando. Como escarpas terrosas que se desmoronam na natureza durante as chuvas. Breves desmoronamentos em estruturas ligadas aos olhos por caminhos intrincados para dentro dos pensamentos, porções de massa encefálica entrando em estado de sonolência feito um avião despencando do céu. Em meio a destroços aparecia a ideia que era, como outras que resistiam, do próprio ambiente do asilo. Uma resposta sobre os violões tinha ligação com o xadrez no piso. Por que não há violões no asilo? Lembram o pinho e caixões? Nos ambientes onde se normaliza o assassinato os caixões são abolidos, se enterra sempre direto no solo, a vala comum. Assim era o Gulag. — Sim, a terra geme com metáforas porque a vida é uma poesia e o Gulag é a prova linguística de que viver se torna crime e o tremor de Osip Mandelstam chorando por pão.
Porque é o Gulag. Uma manifestação do mundo bolchevique para a humanidade. O xadrez estava proibido tal como os violões. O que aconteceu na história se confirmava diante dos olhos da moça do asilo, os próprios homens se transfiguraram no universo do jogo de xadrez pela persistência mental da sobrevivência. Osip segurava sua mão num movimento parecido como se folheasse notas cobiçadas de dinheiro. Ou manipulasse uma carta com pedidos de roupas quentes que precisa ser desfigurada com os dedos para se tornar mais uma vez real.
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Quase fim.
Sozinha em casa um apelo acompanhava os dias de crack e sujeira. Eram horas problemáticas também em termos de reconhecimento de suas ações próprias. Talvez nunca houvesse o momento onde correlacionaria estes dias com a throatmania, que era ela ocupada em desempenhar uma sexualidade secreta feita de atos estranhos como a throatmania que envolvia bananas e legumes da cozinha, tudo isto isolada no mundo solitário e único do seu apartamento que lhe fazia o sentido de ‘o outro lado da balança’, uma maneira de equilibrar o horror exterior com o lamentável no mundo íntimo. No asilo, onde não lembrava e nem se conectava a estas horas, seus movimentos orais eram mais delicados ainda que irregulares, porém os dedos trêmulos que se introduziam em seu corpo, entre reticentes e desprezíveis, se quase violentos deviam isto mais ao descontrole motor fino dos velhos do que à cegueira represada dos desejos apodrecidos ou à displicência dos condenados. Depois de engasgar sozinha em sessões breves chegava a ausência, a crise de ausência e o sentimento da morte prolongada que apontava para onde não se pode ver. Ao longo desta hora — coração falhando de medo —, prometia a si mesma pensar com seriedade. Percebia que existia algo que estava se fazendo superficialmente em um sofrimento muito maior do que podia suportar, e sabia que precisava descobrir e afogar na profundidade da vida séria e complexa, o modo sério e total de viver onde sua alma terminasse bem e depois de terminada continuasse a ser eterna.
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Fonte.
Alguma indeterminação transitória de uma força eterna. Sente recaídas como ondas de uma guerra entre o ser e o não ser. Porém não no nível do pensamento teatral, nem do teatro do real. Algo mais baixo, dentro da natureza da existência. — Sou fonte de lágrimas. Ela disse depois que o dia e sua tremulação caíram porque nem fora um dia integral, desmantelado com furos de tempo, de chuva vazada nos furos, de sol fraco e falso, de nublação e cores mentirosas. A noite chega antecipada como uma dor nas costas, em um universo escuro que mancha uma região íntima da coluna vertebral bem às costas de tudo o que conhece no espelho — antes também costumava se olhar nua no espelho procurando uma entrada ainda desconhecida, como quem procura a marca do demônio, uma inquisidora da fragilidade do sexo, onde se esconde a dança e o segredo do orgasmo? — Na sombra do mundo de que é feita a noite uma doença virótica corona dissolvida, a noite chega com dores neste universo escuro inacessível no meio das costas. — A fonte das lágrimas é esta ideia confusa que nasce em mim. Sou a carne viva e ambulante o substrato do mal um fungo escuro e gelatinoso como uma língua lambe a superfície da minha alma. Faz verter estas lágrimas de desânimo.
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O sério.
E ela se deu conta de como aquilo era sério quando ficou claro que ninguém mais na vida seria capaz de reconstruir a mesma conta. Ninguém com quem conviveu levaria em necessária seriedade isto que sentia agora ao ver as coisas desta forma. Entre a cegueira dela e a brincadeira de alguém ela morria, e a morte era séria. A morte era como a morte do dia, todo dia morria, virava noite, e renascia. Um outro dia viria, mas aquele que morreu era um dia único que teve um fim sério e inevitável como todos os outros teriam. Então regrediu ao terror da infância quando sonhava com os rolos da escuridão que vinham do passado e do futuro e tentavam comprimi-la. — Meu corpo também estará sempre quente sempre lembrando o aquecimento por um sangue que vem sempre aquecendo por um sangue que vai narrando o que faz. Pensou isto, como um pensamento final e inconcluso sobre o tormento que a acompanhava na forma da fome, a fome das formigas, a fome das pedras íntimas com o interior de suas coxas — os pedaços da grande muralha —, que tinham parentesco com os dedos empedrados dos velhos. Os pedaços reduzidos do paralelepípedo liso e polido com brilho estranho por milhares de solas de sapatos e pneus e que era o calçamento da rua no centro da cidade, as pedras que ela trouxera para casa como sinal de que reconhecia os que caíram nos acidentes de trânsito e racharam a cabeça e sangraram ali até a morte. Os homens e as mulheres que cidade matou.
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Cumplicidade e aromas.
O último cheiro era o que levava consigo para casa. Acreditava que todos os cheiros impregnavam sua pele... e em seu vestido claro estampado com florzinhas esta manhã, até na bolsinha de crochê se fixavam com as células mortas que circulam no ar do asilo e que se depositam sobre o móvel onde deixava suas coisas. Porém este último, o resto da semana se enfiava debaixo de sua coberta e subia misteriosamente de seus lençóis tão bem lavados. Então seus banhos demoravam mais. Encurvada sobre si mesma, já tentava entender com os dedos o pensamento paranoico de que o cheiro se escondia em sua vagina e por isto retornava mesmo após o banho demorado com muita espuma. — Um velho acordou a imagem de dentro de um carro o limpador do para-brisa afastando a água da chuva no seu ritmo sem fome, com fome como um jogo molhado e frio. A espuma do banho que a deixava com a pele riscada de manchas vermelhas-rosadas, a espuma que lentamente era transformada em vapor pela temperatura elevada e quase insuportável do chuveiro. — Um soldado derrete gelo para beber água — por que não há violões no asilo? As imagens do passado acometem assim, quando menos se espera um morto há muito pela guerra mostra o rosto na chuva. Este último cheiro se criava de dentro da carne doente e do sangue. Ao mesmo tempo apresentava feições hemofóbicas. Afastava a nota folha-de-goiaba com cobre predominada pela ferrugem viva e ativa. Era o cheiro das feridas crônicas, onde haveria uma luta interna entre pus e sangue, morte e vida. O pus envelhecido e lacrimoso das várias feridas que os velhos traziam no corpo, o odor que feria a alma, como os aromas se prestam na transferência imediata do estado da matéria ao espírito, feria com a dor que lembrava o alívio orgânico dos cidadãos quando expulsavam da cidade murada um chagado e fechavam os portões, destes instintos psicológicos de milênios de profunda dor terminal é que vinha a náusea. — Pouca coisa nos envolve mais que os odores. — E o odor da guerra nunca passa. Não usar calcinha a fazia ter a sensação de que precisava ir ao banheiro fazer xixi de hora em hora, porém surpresa viria a descobrir que sua urina era antídoto contra as persistências olfativas que se agarravam a ela desde o asilo, assim como tocar o próprio sangue a curava momentaneamente da imaginação de não existir, e então convencida, sentia vazar da alma esta existência friável, a lembrança tênue da areia líquida que desmaia no cristal no instante que escapa das mãos.
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Quase lembrança.
No asilo o dia passou entre rangidos. Tinham suas métricas que mesmo esfarpeladas, esfiapadas ou carcomidas, eram pequenas glorificações de gestos com autoridade significativa, como a xícara de café, o acesso ao sol, as cartas de baralho, o tabagismo personalizado e os escarros. Ela nunca chegou a entrar nesta lista, porém no dia que voltou para casa com o rosto mole pingando plástico na trilha das formigas, os velhos tocaram em sua lembrança com risos e mostras de gengivas nuas, já bem perto do fim da tarde quando a leveza da sua ausência pareceu a um deles a anedota suja que se conta em uma pescaria tensa no rio de águas vazias.
— O que falta aos que vivem despedimentos a própria falta ensaiando um jeito de ir. Afora o suporte do funcionamento da casa, um desespero ocasional, o escárnio da vida se aquietava absurdo nas paredes cinzas. Havia mesmo ali na sala, uma maquete com um rio de epóxi empoeirado, silencioso e paralisado no musgo falso entre resquícios de vários lugares.
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Estragando.
Laceração sem alinhar uma fronteira no corpo, interior ou superfície? Caminhando como qualquer uma das outras doloridas vezes, olhando o espaço à frente como uma boneca de plástico barato que ousasse caminhar na cidade, e soubesse que não podia pensar ou ver com a clareza humana. — Onde acontece então qual o lugar onde ser é? Apenas se abaixou ao lado deles e estendeu a mão com uma nota de 20 Reais. Os cheiros todos outros, como de um país distante e diferente. Pensou se existia a história olfativa da humanidade. Uns mendigos com o cachimbo improvisado de latinha queimavam crack com isqueiro. — Parecia muito que se apertava às pessoas em uma beirada sob uma marquise apanhada pela chuva intensa que ameaça afogar a entrada dos prédios. Voltou para casa neste dia, era dia bom para fugir. Um terceiro tipo de coisa. Uma espécie de suicídio falso. Uma morte de mentirinha com direito a um céu imediato, rápido. O espaço diferente se abria e tudo estava pintado com cores fortes e bizarras, repletas de estalidos preenchendo uma harmonia aerada e feliz. Sentia-se bem, como que desafiando o próprio corpo de uma maneira inimaginável em um mundo que tinha apenas alguns minutos de duração. Minutos que davam conta de derreter o plástico barato que era seu rosto até grudá-lo no chão fazendo uma linha que se esticava ao longo da carreira das formigas mortas.
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Costura no chão.
A muralha chinesa de formigas riscando o chão por uma longa distância, petrificadas em pleno andamento de alinhavar uma floresta imaginária no deserto urbano da existência impercebível, deserto do asfalto e cimento. Esta linha sinuosa, triste, feita por sentenciamentos invisíveis, às vezes acompanha a moça desde que seus passos pelas calçadas se convencem da direção rumo à porta dupla da casa em cinzas. — O ódio que compõe o luto o diminuto inseto invisível sustentando as pedras. Parece rir no modo amendoado dos olhos que são de chorar e suas lágrimas se fazem ácidas que vão degradando a brancura de todo riso na superfície da cidade, porque limpidez e sal corroem por meio dos interstícios entre os seres e corrompem pelos infindos da amargura entre vivos.
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Casca e unha.
Ela disse ou disseram, já não lembra muito bem, tão distante as pessoas esforçam por se fazerem. Sangue seu, doméstico, solitário, silencioso e pensativo, rio desamparado que no chuveiro olhava o vermelho lidando com veios a água que escorre. Eram os dias que o asilo não a via. Nunca. O sangue a colocava pensativa inclinada a imersão na mulher das miragens, a mulher que ondulava após o limiar do parapeito, no espaço estranho visto da beirada na cobertura de um prédio — Nossa palavra é sangue. Sentia remorso pela maneira como eles conviviam com o próprio sangue, a naturalidade com que desfaziam, como pessoas que há muito não se importam, e para quem o tempo reforçou como signos líquidos coisas como o café, e aguou outras como o sangue com a transparência corriqueira e desprezível, sangue água. E sempre havia sangue, ralo e aguado. Não sempre tanto como num dos primeiros dias, quando usava sapato de salto e pisou na unha do dedão do velho que a puxava para o colo. Tentava se equilibrar para não cair enquanto segurava a barra do vestido curto, sem discernir se ele a queria sentada ou se tentava por o rosto em sua bunda. Só depois viu o chão e seguiu o centro da poça até encontrar o pé cheio de cascas antigas e a unha deslocada do seu lugar como uma asa de barata morta por violenta sapatada.
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Suborno.
Era na forma da destruição que ela se reeducava sobre a existência. Na negação vexaminosa e desumana, porém muito bem mentida como uma mentira que vinha já implantada em profundidade semântica e portanto filosófica, esta negação existencial que acontecia como se o pensamento público pagasse a prioridade de serem esquecidos feito um suborno para aqueles velhos, para que assim se esquecessem no final da vida tudo o que não fizeram, esquecessem o nada que houvera antes. Desmantelassem lentamente a memória do nada e em troca de desaparecerem pouco a pouco em esconderijos desmemoriadores arranjados para este fim pelos que se julgavam existindo. A cada passo que seria irremediado com sua nudez, cada vez que trêmula abria a porta do asilo para o que a esperava, a cada nova visão dos rostos deles, a visão da selvageria muda e adocicada por doenças e pela fragilidade senil, os corpos lascivos e violentos, impiedosos e abusadores, agora encasulados no pergaminho quebradiço, vergonhoso, doentiamente infantilizado do final inexpressivo curtido no desconhecimento da vida e no que nunca foram. Estavam ali para esquecerem lentamente e serem esquecidos. — Cria que havia uma folha sob todo corpo onde o que transpassava dos sonhos era registrado como a verdadeira impossibilidade.
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