Tumgik
#ch:georgia gardner
ferrisjordan · 6 years
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I'll be home for Christmas You can plan on me Please have snow and mistletoe And presents on the tree Christmas Eve will find me Where the lovelight gleams I'll be home for Christmas If only in my dreams
A pior nevasca da década. Ou pelo menos foi o que os jornais disseram naquela manhã, enquanto ela arrastava sua mala na direção da porta e ralhava com Shogo sobre o fato de ele não estar a ajudando com isso. Ela conseguia ouvir a voz dele, baixa e abafada através da porta, contando para Nastya Lokidottir sobre a hora em que eles iriam chegar ao JFK, e que antes das duas da tarde eles já poderiam se encontrar para falar sobre as idiotices que perdedores falavam (última parte gentilmente adicionada por ela própria enquanto largava a mala na porta e bufava de ódio, encarando a porta fechada do quarto de Shogo). Foi quando resolveu dar atenção para a TV.
Shogo e Gia mal abriam suas janelas, elas estavam sempre cobertas por pesadas cortinas escuras e que constantemente os faziam errar qual era o clima do lado de fora. Duvidando das palavras da repórter, Gia pulou a mala de Shogo – que ele já havia deixado arrumada e esperando na porta na noite anterior, ao invés dela que arrumara sua mala faltando exatamente trinta minutos para saírem para o aeroporto – e andou em direção a janela da sala, puxando as cortinas e se deparando com... A pior nevasca da década.
“75% of the flights are already cancelled, and if you, like thousands and thousands of californians are heading towards the airport, you should check with your flying company if your flight is still happening. So far, all the flights by Delta Air, JetBlue and United Airlines were cancelled”, a voz da repórter se fez mais uma vez, fazendo Gia congelar no lugar. Ok. Eles haviam comprado as passagens meses antes, American Airlines, ela se lembrava perfeitamente, e a American Airlines não havia cancelado todos os seus voos, então ainda havia um estilhaço de esperança.
— Shogo! — Gia berrou, enquanto corria até sua bolsa e procurava seu celular. A única resposta que teve de Lee foi continuar ouvindo ele a tagarelar com Nastya Lokidottir ao telefone — Shogo, now!
— I’m on the phone, can’t you just wait?! — Shogo reclamou de trás da porta, murmurando algo inaudível em tom mais baixo que Gia não precisava ser um gênio para saber que era alguma reclamação sobre ela sendo feita à santíssima Nastya. Sem se dignar a responder, Gia alcançou o objeto mais próximo – um caderno do próprio Shogo – e lançou na direção da porta, ouvindo ele soltar um grito abafado de susto. Pareceu surtir efeito, porque ele finalmente se despediu da gótica sem senso de moda e segundos depois, abriu a porta sem delicadeza nenhuma, pronto para uma briga pré- voo. Exceto que... Talvez não houvesse voo – What the fuck, Gia?!
Em silêncio, Gia apontou para a janela. E foi o suficiente para Shogo entender. 
— Yeah. Alright. Yeah, I see. Thank you.
E foi assim, quando Shogo colocou seu celular em cima da mesa devagar e desconectou da eterna ligação com o atendimento ao cliente da American Airlines, que Georgia Gardner soube que passaria o Natal em solo californiano.
Guy entendeu. Guy entendeu, e disse que eles poderiam comemorar o Natal depois, que todos sentiriam falta dela e que ele iria guardar um pedaço de torta de coco para ela. Que o bar estava bem, que os clientes sentiam falta dela. Disse que a amava muito e que estava tudo bem.
Mas não estava nada bem.
— What do you want to eat? — Shogo perguntou, aparecendo na porta do quarto de Gia depois de horas de silêncio.
A informação de que o voo deles havia sido cancelado fora dura com os dois. Gia sabia que Shogo estava com saudade de sua mãe (e de seus amigos, e de sua vida em Nova York, assim como ela), que mal esperava para vê-la depois de tanto tempo já que os dois haviam passado praticamente o primeiro semestre inteiro sem voltar para Nova York. Depois que Shogo desligou o telefone, e explicou explicitamente o que havia acontecido (“They just decided that no flights are wheeling up until tomorrow. The airport is shutting down until further notice”), cada um retornou para seu quarto e lá ficaram em silêncio. As malas ainda estavam no mesmo lugar, próximo à porta, juntamente com a esperança dos dois de que o gelo nas pistas fosse derretido, as pistas consertadas, e os voos liberados magicamente. Um milagre de Natal.
— Not hungry — Gia respondeu, ainda com as costas viradas na direção de porta, abraçando seu travesseiro de olhos fechados. Alguns segundos depois, ouviu a porta se fechar atrás de si e sentiu um peso afundar o outro lado de sua cama — I said I’m not hungry. Just go fucking chat on the phone and get out.
Sabia que ele não merecia aquele tratamento. Ele estava tão chateado quanto ela em estar preso ali, e não era culpa de Shogo se ele tinha com quem conversar por horas no telefone. Horas. Mas, ugh, no segundo em que as palavras saíram da boca dela, Gia já queria as retirá-las. Aqueles meses com Shogo a haviam feito propensa a desculpas, a sentir vontade de se redimir, a um tipo de ética com a qual ela nunca havia se importado. E talvez por isso, por nunca ter feito antes, fosse tão difícil. Deixou que o gosto amargo continuasse na boca, como faria muitas vezes depois daquilo, ao invés de pedir desculpas.
— You need to eat — Ouviu Shogo dizendo, em tom mais baixo e um pouco mais brando, como se as palavras dela tivessem tido algum efeito. Gia só não sabia qual, ou como.
— I said I’m not hungry! — Ainda sem virar, Gia apenas pegou o travesseiro que estava em seus braços e lançou na direção que imaginava ser Shogo, antes de fechar os olhos com força novamente. Ainda estava com a mesma roupa da manhã, uma calça jeans, o moletom da Caltech e nem ao menos o par de tênis havia tirado — Just go! 
— If you eat, I’ll go.
“Who says I want you to go?”.
O pensamento fez Gia corar, e depois corar mais simplesmente pelo fato de ter corado. E antes que ela pudesse começar um overthinking, o silêncio fez com que Shogo se manifestasse novamente, a voz ainda mais baixa.
— I can make you something, Gia. Come on. It’s already eleven and I didn’t even see you having lunch.
Gia sabia que não deveria sentir aquele calor estranho no peito com o tom de preocupação, uma ponta de admiração de que aquele garoto, que estava sentindo a mesma angústia brutal de estar no lugar errado naquela noite, ainda sim, se oferecer para preparar algo só para que ela não morresse de fome.
Rolou na cama devagar, e abriu os olhos quando estava de frente para Shogo, que a observava com o olhar brilhante e curioso, coberto por alguns fios de franja. No breu do quarto, iluminado apenas pela luz fraca da rua, eram iguaizinhos ao que ele tinha quando era uma criança.
— Fine.
É o primeiro Natal dos dois longe de... Casa.
Ela não sabia se essa era a palavra certa para usar. Casa. O que era estar em casa, afinal? E por que ela sentia tanta falta? Pois quando ela estava em tal casa, não importava quanto tempo ela passasse longe dela, no minuto em que pisava os pés ali queria estar em outro lugar. Quando Guy sumia em suas missões, quando Guy sumiu de fato, quando Guy estava lá. Gia nunca gostava daquele apartamento no Queens, não importava quando ou quem estivesse lá. Nunca havia sido sua casa, nunca havia sido seu lar. Então não era isso.
Já Shogo, ela entendia. Casa para ele era... O cheiro de bolo fresco da padaria duas esquinas abaixo. O som dos videogames na sala. Os porta retratos distribuídos por cada prateleira, os quadros vanguardistas em cada parede. Amigos sentados pelos sofás, amigos apoiados nos balcões da cozinha, amigos. Casa para Shogo eram noites de pizza rodeado por pessoas, era o conforto de saber que estava no lugar certo na hora certo, era... Sua mãe.
— I’m sorry. That... Things didn’t work out the way they should — Gia murmurou, depois de engolir uma mordida. Havia tacos congelados no freezer (como se eles já não comessem tacos descongelados o suficiente) e eles aqueceram por alguns minutos no micro-ondas. Era ridículo. As tortilhas estavam moles e o recheio era estranho e enjoativo, mas Gia não podia negar que estava com fome e comida do Natal com o Lanternas não seria muito diferente.
— I... Thanks. I’m sorry, too. That you couldn’t be home tonight.
A palavra fez Gia se movimentar desconfortavelmente na cadeira, antes de dar um gole em sua coca cola.
— You okay? — Shogo perguntou, a observando por trás dos fios de franja que caíam na frente de seu olho.
— I... Miss my dad. But I don’t miss home. Not even sure if I’m supposed to call it home — Gia suspirou, cruzando os braços e encarando o tampo da mesa. Espalhado por ela, existem bilhetes de semanas atrás, anotações de lápis, de caneta permanente, datas, números de telefone. Ela e Shogo simplesmente nunca compraram um quadro de avisos (ou melhor, Gia disse que era “lame” demais) e usavam a mesa para deixar mensagens urgentes um para o outro, anotar lembretes, listas de compra, endereços e todas as coisas que seus conturbados cérebros dedicados à programação e videogames não conseguiriam.
— Well... It is your home.
— What is home anyway? — Gia respondeu, ainda sem levantar o olhar das anotações diversas. “Buy cherry coke”, num canto, com sua caligrafia. Gia esboçou um pequeno, minúsculo sorriso para si mesma. Na semana passada, havia deixado ali para que Shogo soubesse que a última garrafa de seu refrigerante precioso e potencialmente perigoso para órgãos internos havia acabado. Poderia ter deixado que Shogo notasse sozinho, poderia ter deixado que ele abrisse o armário e se chocasse com a visão de uma prateleira com zero latas de cherry coke. Mas, seu primeiro pensamento no instante em que não as encontrou no armário, foi de avisar Shogo — Hm. Home. It’s a roof to live under? It’s a place where you feel like yourself? That place is neither of them, trust me.
— Merry Christmas, Gia.
Então, aparentemente, enquanto seus olhos liam os recados escritos na mesa, que agora não tinham sentido nenhum em sua cabeça, mas em algum momento foram imprescindíveis; o relógio chegou à meia noite. Gia ergueu os olhos da mesa, ainda com a pergunta em sua cabeça. O que era casa? Era um teto para se viver? Uma cama para se deitar, um sofá para esticar as pernas e assistir gameplays de três horas? Eram embalagens de comida chinesa duvidosa empilhadas ao lado do lixo da cozinha, eram pratos descartáveis que destruíam o meio ambiente estritamente para não ter que lavar a louça, eram pares misturados de sapatos largados ao lado da porta? Eram anotações de aulas completamente em branco, soltas na mesma cadeira há meses? Eram controles de videogame cuidadosamente posicionados no móvel, jogos organizados milimetricamente por ordem de preferência (preferência de quem?), a TV que já ligava no canal certo? Era o sinal de wifi com um nome engraçado, um agasalho dividido entre duas pessoas, as escovas de dentes jogadas de forma descuidada na pia, a marca de pasta de dente favorita (favorita de quem?)? Eram joelhos que se encostavam acidentalmente, o queixo no topo de sua cabeça enquanto dois pares de olhos encaravam as notas no quadro de avisos da faculdade, frozen yogurt de qualidade duvidosa e mountain dew com cherry coke? What was home?
— Merry Christmas, Shogo. 
Era uma pessoa?
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