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Investigação BMJ Covid-19: Pesquisadora denuncia problemas na integridade dos dados do estudo clínico da vacina da Pfizer
Prezados leitores:
Seguimos com o nosso compromisso de trazer até vocês, todos os sábados, artigos sobre temas relevantes, publicados pela imprensa internacional, e traduzidos pela nossa colaboradora, a tradutora profissional Telma Regina Matheus. Apreciem!
*Vida Destra informa: esta reportagem foi publicada pelo jornal The BMJ, do Reino Unido. Considerado uma das mais influentes e conceituadas publicações sobre medicina do mundo, o jornal faz parte do BMJ Group, subsidiária integral da British Medical Association, cujo portfólio inclui a publicação de dezenas de jornais com enfoque em várias especialidades médicas. Originalmente chamado de British Medical Journal, o título foi encurtado para The BMJ em 2014.
INVESTIGAÇÃO BMJ
Covid-19: Pesquisadora denuncia problemas na integridade dos dados do estudo clínico da vacina da Pfizer
Revelações de práticas negligentes em uma empresa de pesquisa contratada para ajudar na realização do estudo clínico principal da vacina para covid-19 suscitam questionamentos sobre integridade de dados e supervisões regulatórias.
Fonte: The BMJ
Título Original: Covid-19: Researcher blows the whistle on data integrity issues in Pfizer’s vaccine trial
Link para a matéria original: aqui!
Publicado em 2 de novembro de 2021
Reportagem de Paul D. Thacker, jornalista investigativo
No outono de 2020, o presidente e diretor-executivo da Pfizer, Albert Bourla, divulgou uma carta-aberta às bilhões de pessoas que, no mundo todo, alimentavam a esperança de que uma vacina segura e eficaz para a covid-19 poria fim à pandemia. “Como já disse, estamos trabalhando na velocidade da ciência”, escreveu Bourla ao explicar o tempo de espera necessário para a autorização de uma vacina da Pfizer nos Estados Unidos [1].
Entretanto, para os pesquisadores que testavam a vacina da Pfizer em vários centros de estudo no Texas, naquele outono, a velocidade pode ter vindo à custa da integridade dos dados e da segurança dos pacientes. Uma diretora regional, que fora contratada pela organização de pesquisa Ventavia Research Group, contou ao BMJ que a empresa falsificou dados, “quebrou a ocultação” [unblinding] aos pacientes, utilizou vacinadores com treinamento inadequado e agiu com lentidão no acompanhamento dos eventos adversos reportados no estudo principal de fase III, da Pfizer. A equipe que conduzia as verificações de controle de qualidade ficou sobrecarregada com o volume de problemas encontrados. Depois de repetidamente notificar a Ventavia sobre esses problemas, a diretora regional, Brook Jackson, apresentou queixa (por e-mail) ao FDA (Food and Drug Administration) americano. A Ventavia a demitiu naquele mesmo dia. Jackson forneceu, ao BMJ, dezenas de documentos internos da empresa, fotos, áudios e e-mails.
Má gestão do laboratório
Em seu website, a Ventavia classifica-se como a maior empresa privada de pesquisa clínica no Texas e lista os muitos prêmios que conquistou pelos trabalhos realizados [2]. No entanto, Jackson contou ao BMJ que, durante as duas semanas em que trabalhou na Ventavia, em setembro de 2020, ela repetidamente informou seus superiores sobre a má gestão do laboratório, sobre suas preocupações quanto à segurança dos pacientes e sobre problemas quanto à integridade dos dados. Jackson era uma auditora especializada em estudos clínicos que, anteriormente, ocupara o cargo de diretora de operações, e que viera para a Ventavia trazendo uma experiência de mais de 15 anos em coordenação e gerenciamento de pesquisas clínicas. Exasperada com o fato de a Ventavia não estar cuidando dos problemas, uma noite, Jackson documentou vários deles e os fotografou com seu celular. Uma das fotos, fornecida ao BMJ, mostrava agulhas descartadas em um saco plástico, e não em um recipiente próprio para descarte de agulhas [e objetos cortantes]. Outra mostrava os materiais para embalagem de vacinas, em que estavam escritos os números de identificação dos participantes, expostos à vista de todos, potencialmente desocultando pacientes. Mais tarde, executivos da Ventavia perguntaram a Jackson por que ela havia tirado as fotos.
A desocultação negligente pode ter ocorrido desde o começo [do estudo] e em uma escala muito maior. De acordo com o projeto do estudo clínico, uma equipe [que sabia quem recebia o medicamento e quem recebia o placebo] era responsável pela preparação e administração do medicamento em estudo (vacina da Pfizer ou placebo). Assim devia ser para que o “fator [estudo] cego” fosse preservado para proteção dos participantes e de todas as outras equipes do local, incluindo o pesquisador responsável. Entretanto, Jackson contou ao BMJ que, na Ventavia, os impressos de confirmação de aplicação dos medicamentos eram deixados junto com os prontuários dos participantes, acessíveis a todos [que não deveriam acessá-lo]. Como ação corretiva aplicada em setembro, quando o recrutamento para o estudo clínico já ocorria há 2 meses e 1.000 participantes já estavam inscritos, as checklists de controle de qualidade foram atualizadas com instruções para que a equipe removesse, dos prontuários dos participantes, a administração de medicamentos. Na gravação de uma reunião realizada no fim de setembro de 2020, entre Jackson e dois diretores, é possível ouvir um executivo da Ventavia explicando que a empresa não tinha capacidade para quantificar os tipos e o número de erros que foram encontrados quando a papelada do controle de qualidade foi examinada. “Pelo que vejo, tem novidade todos os dias”, diz um executivo da Ventavia. “Sabemos que isso é significativo”.
A Ventavia não acompanhava as informações inseridas no sistema de entrada de dados, [é o que] mostra um e-mail enviado pela ICON, organização de pesquisa terceirizada com a qual a Pfizer mantinha uma parceria no estudo clínico. A ICON lembrou à Ventavia, em um e-mail de setembro de 2020: “A expectativa para esse estudo é que todas as questões [reportadas] sejam respondidas em 24 horas”. E a ICON destacou, em amarelo, que mais de 100 solicitações estavam pendentes há mais de três dias. Exemplos incluíam dois indivíduos para os quais havia sido reportado: “Paciente relatou sintomas/reações [adversas] graves … Pelo protocolo, os pacientes que apresentam reações locais de grau 3 devem ser contatados. Favor confirmar se um CONTATO EMERGENCIAL foi realizado e, conforme apropriado, atualizar o formulário correspondente”. Segundo o protocolo do estudo clínico, um contato telefônico deveria ter sido feito “para obter mais detalhes e determinar se uma visita local seria clinicamente indicada”.
Inspeção do FDA gerou apreensão
Documentos mostram a ocorrência de problemas durante semanas. Em uma lista de “itens de ação”, que circulou entre os líderes da Ventavia no início de agosto de 2020, logo após o início do estudo clínico e antes da contratação de Jackson, um executivo da Ventavia identificou três membros de equipes locais que indicavam a necessidade de “Examinar problemas diários/falsificação de dados, etc.” Um deles foi “verbalmente aconselhado a alterar dados e a não fazer a entrada [de dados] tardia”, diz uma nota. Em vários momentos da reunião realizada no fim de setembro, Jackson e os executivos da Ventavia discutiram a possibilidade de o FDA aparecer para uma inspeção (Quadro 1, abaixo). “Temos que elaborar pelo menos algum tipo de carta de informações, quando o FDA vier aqui … inspecionar”, declarou um executivo.
Quadro 1: Histórico de supervisão negligente
Quando se trata do FDA e estudos clínicos, Elizabeth Woeckner, presidente da CIRCARE (Citizens for Responsible and Research Incorporated) [3], afirma que a capacidade de supervisão da agência sofre de uma grave escassez de recursos. Segundo ela, se o FDA recebe uma reclamação sobre algum estudo clínico, a agência raramente tem a equipe disponível para ir ao local e inspecioná-lo. E, às vezes, a supervisão é realizada tarde demais. Por exemplo, a CIRCARE e a Public Citizen, organização americana de direitos do consumidor, juntamente com dezenas de experts em saúde pública, registraram uma reclamação detalhada no FDA em julho de 2018, referente a um estudo clínico que não cumpria as regulamentações de proteção aos participantes humanos.[4] Nove meses depois, em abril de 2019, um investigador do FDA inspecionou o centro clínico. Em maio deste ano, o FDA enviou aos responsáveis pelo estudo uma carta de alerta que comprovava as alegações das reclamações. [A carta] dizia: “Parece que vocês não cumpriram os requisitos legais aplicáveis, nem as regulamentações do FDA que regem a conduta de pesquisas clínicas e a proteção de pacientes humanos”.[5] Professora de medicina social na Escola de Medicina da Universidade da Carolina do Norte e autora de Medical Research for Hire: The Political Economy of Pharmaceutical Clinical Trials, Jill Fisher diz: “Há uma total falta de supervisão das organizações de pesquisa terceirizadas e das instalações de pesquisa clínica independentes”.
A Ventavia e o FDA
Um ex-funcionário da Ventavia contou ao BMJ que a empresa estava apreensiva e na expectativa de uma auditoria federal em seu estudo clínico da vacina Pfizer. Segundo afirmou Jill Fisher ao BMJ, “as pessoas que estão trabalhando na pesquisa clínica estão aterrorizadas com [a possibilidade de] auditorias do FDA”, mas acrescentou que a agência raramente faz qualquer outra coisa que não seja inspecionar a papelada – em geral, meses depois de finalizado o estudo clínico. “Não sei por que têm tanto medo [do FDA]”, completou Jill. Mas disse que se surpreendeu com a falta de inspeção da Ventavia pelo órgão depois da apresentação da queixa feita por um funcionário. “Supõe-se que, havendo uma queixa específica e plausível, eles (o FDA) teriam que investigar”, acrescentou Fisher. Em 2007, o gabinete do Inspetor Geral, vinculado ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos, liberou um relatório sobre a supervisão do FDA referente a estudos clínicos realizados entre 2000 e 2005. O relatório concluiu que o FDA inspecionou somente 1% das instalações de estudos clínicos. As inspeções realizadas [pelo FDA] para vacinas e biofármacos vêm diminuindo em anos recentes, sendo que apenas 50 foram realizadas no ano fiscal de 2020.[6]
Na manhã seguinte, 25 de setembro de 2020, Jackson ligou para o FDA, a fim de alertá-los sobre práticas incorretas do estudo clínico da Pfizer, na Ventavia. Na ocasião, ela reportou suas preocupações em um e-mail para a agência. À tarde, a Ventavia demitiu Jackson – de acordo com a carta de demissão, ela “não servia”. Jackson disse ao BMJ que esta foi sua primeira demissão em 20 anos de carreira na área de pesquisa.
Questionamentos
No e-mail ao FDA, enviado em 25 de setembro, Jackson escreveu que a Ventavia havia inscrito mais de 1.000 participantes em três centros de estudo. O estudo clínico completo (registrado sob a matrícula NCT04368728) inscreveu cerca de 44 mil participantes em 153 centros de estudo, incluindo várias empresas comerciais e centros acadêmicos. Ela então listou diversos questionamentos sobre o que tinha testemunhado, incluindo estes aqui:
Pacientes alojados em um corredor após a inoculação e sem monitoramento da equipe clínica,
Não realização de acompanhamento oportuno de pacientes que apresentaram eventos adversos,
Descumprimentos de protocolo não reportados,
Vacinas armazenadas em temperaturas impróprias,
Amostras laboratoriais etiquetadas incorretamente, e
Represálias à equipe da Ventavia por relatar esses tipos de problemas.
Em questão de horas, Jackson recebeu um e-mail do FDA agradecendo seu relatório e notificando-a que o FDA não podia tecer comentários sobre qualquer investigação que disso pudesse resultar. Alguns dias mais tarde, Jackson recebeu um telefonema de um inspetor do FDA que queria conversar sobre seu relatório, embora não pudesse dar a ela mais informações. Foi a última coisa que Jackson ouviu sobre seu relatório.
No documento informativo da Pfizer, enviado ao comitê consultivo do FDA, em reunião realizada em 10 de dezembro de 2020 para discutir a solicitação de autorização da Pfizer para uso emergencial de sua vacina para covid-19, a empresa não mencionou nenhuma ocorrência de problemas na Ventavia. No dia seguinte, o FDA emitiu a autorização da vacina.[7]
Em agosto deste ano, após a aprovação integral da vacina da Pfizer, o FDA publicou um resumo de suas inspeções do estudo clínico principal da empresa. Nove dos 153 centros de estudo foram inspecionados. Os centros de estudo da Ventavia não estavam entre os nove [inspecionados]. E, nos oito meses após a autorização emergencial em dezembro de 2020, não houve nenhuma inspeção dos centros de estudo onde adultos haviam sido recrutados. O inspetor do FDA observou: “A parte relativa à verificação e integridade de dados do BMO (monitoramento de pesquisas biológicas) foi limitada porque o estudo estava em andamento, e os dados necessários à verificação e comparação ainda não estavam disponíveis para o IND (novo fármaco em investigação)”.
Relatos de outros funcionários
Recentemente, durante meses, Jackson esteve em contato com vários ex-funcionários da Ventavia, os quais se demitiram ou foram demitidos pela empresa. Um deles era um dos participantes da reunião realizada em setembro. Em uma mensagem de texto enviada em junho, o ex-funcionário se desculpava dizendo que “você estava certa em tudo o que denunciou”.
Duas ex-funcionárias da Ventavia falaram ao BMJ sob condição de anonimato; elas temem represálias e perda de oportunidades de trabalho na fechada comunidade de pesquisa. Ambas confirmaram os aspectos abrangentes da denúncia de Jackson. Uma delas disse que já havia trabalhado em mais de quarenta estudos clínicos, incluindo muitos de grande porte, e nunca havia vivenciado um ambiente de trabalho tão “caótico” como o da Ventavia, no estudo clínico da Pfizer. Ela contou ao BMJ… “Nunca tive que fazer o que eles estavam me pedindo para fazer, nunca”. “O que nos permitiam e o que esperavam de nós… tudo parecia um pouco diferente do normal.” Ela acrescentou que, durante seu trabalho na Ventavia, havia a expectativa de uma auditoria federal, mas isso nunca aconteceu. Depois que Jackson deixou a empresa, os problemas persistiram na Ventavia, disse a ex-funcionária. Em vários casos, a Ventavia não tinha profissionais para fazer os testes swab nos participantes do estudo que reportavam sintomas parecidos aos da covid. Segundo ela, o laboratório confirmou que a covid-19 sintomática era o principal objetivo do estudo clínico. (Um memorando de avaliação do FDA, emitido em agosto deste ano, afirma que, no estudo clínico como um todo, os testes swab não foram realizados em 477 pessoas possivelmente sintomáticas para covid-19.)
“Não acho que os dados eram confiáveis”, disse a funcionária sobre os dados que a Ventavia gerou para o estudo clínico da Pfizer. “A bagunça era enorme.” Uma segunda funcionária também descreveu que o ambiente na Ventavia nada tinha a ver com o que ela havia vivenciado em 20 anos de atuação em pesquisas. Ela contou ao BMJ que, logo depois que a Ventavia demitiu Jackson, a Pfizer foi notificada sobre os problemas que o estudo clínico da vacina enfrentava na Ventavia, e uma auditoria foi realizada. Desde o dia que Jackson relatou os problemas na Ventavia ao FDA, em setembro de 2020, a Pfizer contratou a Ventavia como terceirizada em pesquisa para outros quatro estudos clínicos de vacina (vacina contra covid-19 para aplicação em crianças e jovens, em grávidas e dose de reforço, como também um estudo clínico de vacina RSV: NCT04816643, NCT04754594, NCT04955626, NCT05035212). O comitê consultivo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças deverá discutir o estudo clínico de vacina pediátrica para covid-19 no dia 2 de novembro.
Este artigo está disponível gratuitamente para uso em conformidade com os termos e condições do website do BMJ, enquanto perdurar a pandemia de covid-19 ou até que seja de outra forma determinado pelo BMJ. Você pode usar, fazer download e imprimir o artigo para qualquer finalidade legal, sem fins comerciais (incluindo mineração de textos e dados), desde que as notas de direitos autorais e marcas registradas sejam preservadas.
[1] Bourla A. Carta-aberta do presidente e diretor-executivo da Pfizer, Albert Bourla. https://www.pfizer.com/news/hot-topics/an_open_letter_from_pfizer_chairman_and_ceo_albert_bourla
[2] Ventavia. Liderança em estudos de pesquisa clínica. https://www.ventaviaresearch.com/company
[3] Citizens for Responsible Care and Research Incorporated (CIRCARE) = organização nacional sem fins lucrativos, cujo objetivo é garantir a segurança dos participantes de estudos clínicos e a idoneidade das pesquisas médicas. http://www.circare.org/corp.htm
[4] Public Citizen = organização de direitos do consumidor. https://www.citizen.org/wp-content/uploads/2442.pdf
[5] Food and Drug Administration (FDA). Carta enviada a John B. Cole, MD. MARCS-CMS 611902. Maio de 2021. https://www.fda.gov/inspections-compliance-enforcement-and-criminal-investigations/warning-letters/jon-b-cole-md-611902-05052021
[6] Food and Drug Administration. Monitoramento de pesquisas biológicas. https://www.fda.gov/media/145858/download
[7] FDA toma importante decisão na luta contra a covid-19 e autoriza o uso emergencial da primeira vacina para covid-19. Dezembro de 2020. https://www.fda.gov/news-events/press-announcements/fda-takes-key-action-fight-against-covid-19-issuing-emergency-use-authorization-first-covid-19
Traduzido por Telma Regina Matheus, para Vida Destra, 13/11/2021. Faça uma cotação e contrate meus trabalhos através do e-mail [email protected] ou Twitter @TRMatheus
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As informações e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade de seu(s) respectivo(s) autor(es), e não expressam necessariamente a opinião do Vida Destra. Para entrar em contato, envie um e-mail ao [email protected]
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