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Elastic Hearts (Easiest to pull) - Part II
Trigger Warning: Menções de abuso físico, Homofobia
》 Parecia uma bomba relógio. Uma bomba que um daltônico tentava desatar o fio vermelho. É claro que recuaria e não imaginava o contrário, mas manter a calma e incisão quando minha amiga ainda estava contraditória era uma tarefa difícil. O toque dos lábios rachados tocando foram suaves, gentis e angustiantes. Uma analogia melancólica, lá no fundo.
— Isso não é opcional, Bev. Você vem comigo. - Não, nunca permitiria, não sob sua observação que voltasse pra sua casa. Não era uma questão de permissão, mas pareceu. Por favor, bom Deus, que ela não me odeie, mas Bev não vai mais pisar naquele apartamento sujo com ele dentro. — A melhor coisa que podemos fazer é limpar esses machucados hoje, e amenizar a dor. Vamos fazer isso juntos,tá? Um dia de cada vez, em passos de bebê, se quiser, mas eu preciso que você me deixe te ajudar.
》 Não queria discutir, nem tinha cabeça para isso, decidiu apenas ceder para o garoto das palavras tão acolhedoras.
— Está bem, eu deixo você me ajudar, Eddie. Eu deixo.
Ela confiava nele, realmente confiava, mesmo sendo alvo de abuso da pessoa que mais deveria a proteger, sua confiança nos losers continuava intacta. Bom, pelo menos com eles, sim. Só Deus sabia como seria dali para frente em relação à confiança. Uma certeza que Beverly tinha era de que demoraria um grande tempo para ela conseguisse lidar com as pessoas sem medo de todas a maltratarem e a abusarem. Por favor, tenha piedade.
– É bom que esteja malhando, Eddie, eu não tenho condições de andar sozinha, então terei que me apoiar em você. Já vou avisando, eu não sou muito magrinha. - Diz, com o sorriso triste estampado. Ela queria, realmente queria liberar algum tipo de humor. Dissera isso mais para provar pra si mesma que ela não estava morta por completa, tinha forças ainda para aguentar. Provavelmente não teria graça, mas era apenas seu mecanismo de defesa. A ruiva tentou manter o sorriso, mesmo sentindo mais algumas lágrimas correndo por suas bochechas, como se estivessem apostando uma corrida para ver quem chega mais rápido em seu ombro.
》 — Tá brincando, Marshall? Eu posso te levar nas costas. - Ofereceu a mão para guiá-la a escadinha e subiu em seguida, esperando dar apoio uma vez que estavam na parte de cima. — Sobe. Minha casa fica longe e não tô com a minha bike.
Eddie deu duas batidinhas nos próprios ombros. Ainda tinha um humor no fundo, como o seu, para não deixá-la sozinha. Não tinha conversa pelo caminho e não era necessário, também temia tirar sua lamentação; Queria poder calar os pensamentos – os dela e os seus – com qualquer coisa. Uma piada, droga, um conselho. Não tinha.
"Você não a deixaria, não é?"
"Mesmo ela fazendo tudo isso"
— Eu preciso te colocar no chão, ma cherie. - Avisou, assim que chegaram na porta dos fundos. Ele atravessou o braço por um dos vidros estourados cobertos com papelão rasgado e fita adesiva e virou com um olhar cúmplice de "Não conta pra ninguém"; girar a maçaneta nunca trancada foi tiro e queda, e rezei em silêncio para minha mãe não estar no caminho. Pelo som da televisão, poderia ter apagado na sala de estar, e Eddie focou em levar um braço da ruiva ao redor dos ombros em direção ao quarto, acompanhando seu ritmo.
— Viu só? Não foi tão difícil. - Atreveu soltar o ar em diversão. — Se eu passar cinco minutos no banheiro arrumando seu banho e preparando as coisas pra limpar você, promete ficar longe do meu Xscape? Eu literalmente acabei de comprar.
》 Beverly custou a subir as escadas do clube. Sentia que suas pernas iam cair, e logo veio um baque grotesco em sua cabeça quando saiu completamente do lugar. Não sabia quanto a conversa durou, tinha a impressão de que ficara lá em baixo o dia inteiro. Não quis omitir a fraqueza física, seu rosto exalava incômodo e angústia. Ela ficou com receio de subir nas costas do garoto, mesmo sabendo que ele a aguentaria com facilidade. Sorri uma última vez, apoiando os braços nos ombros dele e entrelaçando as pernas em sua cintura.
A garota apoiou o queixo no ombro dele, apertando os braços e deixando a brisa forte daquele dia bater contra o rosto. As lágrimas em baixo de seus olhos se tornavam mais geladas com o vento, e a garota passou a fechá-los até chegar na casa do garoto.
Ela abriu os olhos apenas quando finalmente chegaram. Franziu as sobrancelhas com o vidro estilhaçado, pensando em como estaria a situação de Eddie. Ele estava literalmente preso na casa, conseguiu confirmar isso com a trancas e cadeados que vira nas janelas da casa. Não queria imaginar o que acontecia quando ele fugia, só sabia que ela sentiu uma certa preocupação pesar em seu corpo.
— Eu não prometo nada. Sabe, esse é um dos meus álbuns favoritos dele, irei me esforçar o máximo para não levar pra minha casa. - Ela piscou, continuando em pé na porta de seu quarto, tentando fazendo o mínimo barulho possível para não acordar Sônia. — Não se preocupe, vá tranquilo, manterei distância. Afirmou, demonstrando um sorriso e logo vendo o garoto se afastar.
Beverly deu mais um suspiro naquela tarde, levando a mão até a testa e massageando suas têmporas por alguns instantes. Começou a observar atentamente o quarto de Eddie. Passou os olhos por cada coisa, sorrindo ao se lembrar de vários objetos lá. Cada coisa que tinha lá mostrava claramente a personalidade do garoto, chegava a ser engraçado. Fitou os funkos que estavam apoiados na prateleira perfeitamente colocada na parede, logo sorrindo quando seus olhos, dessa vez, pousaram na prateleira de discos que ele tinha. Ela se aproximou do grande móvel, passando a ponta dos dedos delicadamente por eles, puxando dois deles – Abbey Road e Magical Mystery Tour – se lembrando perfeitamente de como os dois conseguiram ambos os discos. Era uma história bem engraçada, na verdade.
Eles souberam que teria algum concurso para ganharem quatro discos dos Beatles, e era em dupla. Na hora os dois pegaram suas bicicletas e pedalaram até o tal lugar, e, chegando lá, descobriram que seria uma competição e perguntas e respostas para ver quem conhecia melhor a banda. Pfff, fácil, eles com certeza ganhariam aquilo.
E realmente, os dois foram os finalistas. Estavam na frente de dois garotos, liderando por alguns pontos, mesmo se os dois acertassem as últimas perguntas, Eddie e Beverly venceriam e levariam os discos. Porém, em uma delas a pergunta era quem fora a esposa mais famosa de John Lennon. Sem exitar, os dois responderam na hora era foi o Paul McCartney. Sabiam que aquela não era a reposta, mas como eles estavam bem na frente, ganhariam da mesma maneira. Na hora que eles disseram aquilo, porém, as expressões de todos que estavam lá eram de puro desgosto e, de certa forma, pavor.
Nervoso, o garoto que fazia as perguntas tomou os discos e deu para os outros dois garotos, alegando que aquilo era nojento e inadmissível. Os dois amigos gritaram que aquilo era extremamente injusto, mas apenas os ignoraram e mandaram eles calarem a boca. Beverly e Eddie olharam um para o outro e, como se compartilhassem o mesmo neurônio, abriram um sorriso. Enquanto a ruiva inventava algo de improviso para ganhar tempo, o menor se agachou atrás do menino mais velho, fazendo assim, a garota empurrá-lo e o mesmo cair em cima de Eddie. Ele pegou dois discos da mão dele, e os dois tornaram a correr como se suas vidas dependessem daquilo. Tiveram uma crise de riso quando se deram conta do que tinham acabado de fazer. Eddie e falou para cada um ficar com um, mas seu pai a mataria se soubesse o que havia acontecido, então ela disse para ele ficar. A garota ficou rindo sozinha, por um momento, se esquecendo de sua situação.
》Uma coleção intacta e recém-abandonada de rótulos e embalagens preenchiam as prateleiras superiores do armário do banheiro. A primeira era reservada para analgésicos e sedativos, uma quantidade deles, junto com uma ou duas cartelas de antibiótico. Deslizou os dedos pela madeira até encontrar a caixa de Nimesulida e separar um comprimido. A segunda era de prontos socorros, que aprendeu a manter à mão depois do verão de 2015 – e um espasmo subiu da coluna até o pescoço com o pensamento –. Ataduras suaves, gazes, bolas de algodão guardadas em um pote de acrilico do lado de dois rolinhos de esparadrapos. Alcançou junto o vidro de Álcool Iodado. Tinha três caixinhas de band-aids dispostas. Eddie separou três compressas de gazes e deixou sobre a bancada da pra coberta com uma toalha descartável. Sabia fazer o procedimento de olhos fechados, de trás para frente. Isso não significa que gostava de saber. Ou que se tornava mais fácil.*
Quando a banheira encheu, despertou da espécie de transe enquanto estudava o rótulo guardado no fundo do armário quase escondido dos outros. A mão tinha tremido ao alcança-lo.
Kaspbrak, Edward
(pla-ce-bo)
— Merda. Merdinha. - Murmurei, atirando para o fundo de uma das gavetas para girar a torneira. Tinha espuma e água morna, com a luz tímida dos raios de sol no inverno entrando pela janela. Dobrada sobre o outro canto do armário, peças de roupa uma muda de roupas limpas e secas, contando com uma camiseta gigante e um short jeans – seu short, para começo de conversa.*
O garoto tirou a cabeça para fora do banheiro, encontrando uma Beverly entretida com os discos. Nossos discos. Sorriu imensamente, involuntariamente olhando para o chão, lembrando do fatídico dia que tinham conseguido o álbum. Precisou de dirigir até ela, segurando uma das suas mãos para cima e a girando.
— Little darling, it's been a long cold lonely winter.
Eu poderia me apaixonar por ela saiu no fundo da mente, e não entendia da onde viera. Beverly era linda, em todos os seus sentidos, uma mulher linda. Ela não podia saber da força que tinha, essa era a única explicação. Se soubesse, se ela soubesse, seria imbatível. Mais do que já é, hoje. Se soubesse, os otários talvez não seriam os únicos a conhecer seu poder. E isso despertou uma ponta de ciúme.
— Sabe o que eu acho? Eu acho que deveria arrumar o seu cabelo, hoje.
Provocou, tentando ao máximo afastá-la do acontecimento anterior. Sua vida era mais do que aquele capítulo. Valeria qualquer esforço. Acenou brevemente pro banheiro, em sinal para seguir. — Eu tenho uma coisa pra você, mas vai ter que me prometer que não vai contar para os outros.
》 A garota virou o rosto quando ouviu Eddie cantando, sorrindo, verdadeiramente, enquanto girava com ele. Aquilo tudo lhe trazia uma sensação boa, um sensação muito boa. Beverly, enfim, se pegou pensando que aquele seria o melhor lugar em que ela poderia estar. Ver Eddie em sua frente, cantando para a mesma, fizera ela confirmar tudo aquilo.
— Está dizendo que eu ando desarrumada, Eddie? - Se pegou questionando como ela mesma conseguia manter algum senso de humor mesmo com toda aquela angústia a correndo por dentro. E por fora também.
Ela coloca os discos de volta, entendendo que ele também se lembrara aquele dia. A garota caminha até o banheiro, encostando na banheira e levou os braços pra trás do corpo, entendendo que a mesma teria que mostrar os machucados.
Uma espécie de sentimento ruim subiu pelo seu corpo. Seria constrangimento, talvez? Expor seus hematomas e cicatrizes que ela tanto tentara esconder desde sempre? Não era algo no qual ela queria fazer, mesmo que soubesse que aquele era o Eddie, e não qualquer estranho. Estava longe de ser um estranho, muito longe. Talvez fosse coisa da sua cabeça, mas teve a leve impressão de que suas bochechas se ruborizaram com aquilo.
— Tem uma coisa para mim? - Franziu as sobrancelhas, tentando não aparentar o nervosismo. — Eu prometo não contar. - O fitou, atentamente, sendo tomada pela curiosidade.
》 — É isso mesmo que eu quis dizer. Sua franja está tampando seus olhos.- Retrucou, mexendo com seus fios. Acompanhá-la até o cômodo fez com que uma linha de adrenalina cruzasse o estômago até a garganta. Se não havia caído a ficha antes, havia criado uma concussão e conseguia sentir a dor de cabeça crescer. Porra, não sabia como agir ou até onde agir.
— Eu vou te dar depois, se você sobreviver ao iodo. Ele dói um pouquinho, tá?
E tentou ao máximo não tremular a voz com o choque de realidade.
— Beverly, você tem que tirar a blusa?
Perguntou receoso, deixando a abertura caso recusasse ou mandasse sair. Entenderia, claro, mas preocupava a quantidade de hematomas ainda visíveis e daqueles que não estavam.
— Eu posso me virar, se quiser.
》 Naquele momento tivera certeza que, sim, seu rosto estava interno ruborizado. Sim, ela teria que tirar a blusa. Sim, ela teria que tirar sua calça também. Sim, haviam muitos hematomas. Não respondera com palavras, apenas dera um breve aceno com a cabeça, não conseguindo sustentar o olhar e tornando a fitar os próprios pés.
— Não precisa, Eddie, eu não tenho vergonha de você. - Realmente, não tinha. A vergonha era dela mesma.
Suas mãos, trêmulas como nunca, foram até a barra de sua camiseta de manhas e gola comprida. A peça de roupa subiu por sua cabeça, mostrando, enfim, novos hematomas que nunca foram vistos por ninguém que não fosse seu pai. Haviam pequenas marcas de unha pela sua barriga. Não eram muito profundos, se cicatrizariam rápido. Em seu tórax, uma marca roxa era visível, não muito grande, mas estava lá. Seu pescoço também não tinha nada muito grave, apenas marcas de dedos que sumiriam em poucas horas. Em seus braços estavam as mais "graves". Uma mancha esverdeada tomava conta da parte de cima do braço esquerdo de Beverly, enquanto no outro haviam marcas de mãos em seu pulso. Não olhou para Eddie, não tinha coragem.
Lentamente, encolhendo o corpo num estúpido ato quando achava que estava se expondo de mais, a garota retirou sua calça, novamente mostrando outros machucados. Sua cena estava rodeada se hematomas roxos, sendo extremamente sensíveis quando algo os tocavam. Ambas as pernas estavam assim. Não eram hematomas novos, estava acostumada com aqueles, sempre eram iguais. Enfim, a garota estava apenas com suas peças íntimas.
(Você está tão crescida, seu corpo está mudando muito, Bevvie)
As palavras voltaram a atormentá-la.
(Só eu que vejo isso, não é, Bevvie? Você não fica despida para mais ninguém, certo?)
Fazendo uma pequena contagem mentalmente, subiu seu olhar para Eddie. Era um olhar despertador, angustiante, um pedido de socorro.
— Pronto. - Atreveu dizer, crispando os lábios e prendendo o ar involuntariamente, sentindo a garganta se fechar.
》 A forma com que seu cérebro era incapaz de processar todas as informações era insigne. Tinha assentido com a cabeça, mas não manteve o olhar direto enquanto Bev se despia.
Soltou o ar pelos lábios, suprimindo todas as possíveis reações. A realidade muda, a realidade que todo o grupo conhecia parecia me assombrar. Todas as lembranças de que era real – e o mundo real não pode ser vencido acreditando que ele não existe. Existia e parecia rir da sua cara em uma exposição.
Se não se atravesse a segurar, o que aconteceria? Choraria em desespero e a faria se arrepender de ter confiado? Ou entraria em uma crise que o faria perder o foco, derrubando as coisas ao meu redor e gritando demais? Não podia descobrir.
Precisava descobrir como ser o elo forte daquela relação, e visualizou cada marca ao seu corpo com uma ansiedade descomunal. Marcas de unhas, cicatrizes recentes e hematomas cobriam seu corpo pálido. Sentiu uma parte da vitalidade se dissipar. Deus o ajude, como não preferia ter visto as marcas do pulso.
— Eu vou começar, tá? Me diz se quiser que eu pare. - Pediu, mantendo um contato visual confortável e dirigiu à bancada. Duas bolas de algodão foram embebidas em iodo para limpar as feridas abertas. Ardia como o inferno e o garoto foi cauteloso enquanto tocava a pele, manchando de cor de cobre. Caminhava em uma corda bamba percorrendo os mesmos caminhos do corpo que fora tão violentado pouco antes. Por favor, por favor que não esteja a assustando, implorei em silêncio, com dois dedos lambuzados de pomada anti-inflamatória com toques suaves nos hematomas dos braços. A parte mais difícil era a seguir, no tórax, e no pescoço, e com um timbre rasgado, pediu para que sentasse na privada, com a tampa fechada, antes de alcançar as suas pernas. Ele concebeu um padrão de levar a mão devagar o suficiente para certificar que ela pudesse recuar ou impedir se fosse demais. Apoiou uma das suas pernas no joelho, depois a outra.
A mente percorreu à lugares obscuros. "E ses" atormentavam a paz. _E se não tivesse a encontrado? E se ela não tivesse saído de casa? E se não tivesse pedido ajuda? Balançou a cabeça. "E ses" não iriam ajudar.
Entregou em sua mão dois comprimidos de relaxante muscular, para cessar a dor junto a uma garrafa d'água. Conhecia aquele bem o suficiente para saber que iria fazê-la dormir depois de algumas horas.
— Deveríamos fazer aqueles testes bobos depois. Eu tenho um monte de revistinha no fundo do armário — e não ouse fazer piada sobre o armário.
De novo, se amaldiçoou. Não era racional e manter o silêncio, quebrar o gelo com uma piada ou dar um conselho decente. Estendeu a mão novamente, para ajudá-la a entrar na banheira. — Tinha um patinho de borracha, em algum lugar, quando eu era mais novo. Vou ficar devendo essa.
》 A garota manteu o olhar firme sobre Eddie, evitando olhar para o espelho. Não queria olhar seu próprio reflexo, não quero olhar para seu corpo da perspectivas de outras pessoas, não queria ver os machucados que ela deixara que fizesse com ela.
Beverly afastou o braço bruscamente quando Eddie segurou o pulso para passar o remédio. Fora um ato de puro reflexo, não pensara antes de fazer, recuou rapidamente. Era estranho sentir alguém tocando tal área de seu corpo que vivia de machucados sem a intenção de realmente a machucá-la.
— Desculpe... vá em frente. - Porra, Beverly, precisava fazer esse show? É o Eddie, você confia nele, ele não irá te machucar. Ele já está cuidado de você, não seja uma estúpida mal agradecida. Ia continuar se culpando de estar agindo como uma criança indefesa – talvez, no momento, realmente fosse uma – quando sentiu a ardência dos machucados abertos por conta do remédio.
Isso fez a garota dar um pequeno grunhido de dor, trincando os dentes e fechando forte os olhos.
— Porra... isso arde, Eddie. - Resmungou, cerrando forte os punhos e fazendo uma careta de incômodo. — Arde pra caralho.
Tornou a dizer, mas logo se calando, deixando Eddie terminar de limpar os machucados.
A garota estava tensa. Não podia evitar, estava realmente muito tensa. Era muito contato e, bem, ela estava com poucas roupas, isso era.... errado.
(Eles não te tocam, não é, Bevvie?)
Beverly, pela última vez, você confia no Eddie, só não enxerga isso pois está cega pelas mentiras de seu pai. Ele está tentando te ajudar, francamente!
(Você sabe que só eu posso te tocar, querida)
Pare com isso. Disse para si mesma e se concentrou na sensação do remédio limpando os cortes. Era um incômodo muito grande, o que também o trazia algumas certezas. Quer dizer, como já pensara antes, nunca alguém tocou aqueles hematomas na intenção de ajudá-la. Nunca. Pode apreciar, por um momento, o quanto era algo... bom? Se sentir acolhida, ter alguém para cuidar dela era gratificante, era tão... verdadeiro.
— Eu não ia fazer, não se preocupe. - Realmente, não ia, não tinha muito raciocínio para pensar numa piada naquele momento. Porém, ela dissera aquilo com um pequeno sorriso. — Eu gosto de coisas bobas, acho que será divertido.
Tomou o remédio que ele lhe dera, fazendo uma careta quando o sentiu dissolvendo em sua boca.
》Deixou que Bev mergulhasse na água e encostou a porta para fora, encarando os próprios dedos. Foi uma longa arfada de ar antes de correr para a primeira gaveta e alcançar a bombinha, apertando o botão e inalando. Duas, três vezes.
Eddie esperou que saísse do banheiro, vestida e limpa. Ofereceu o mínimo dos sorrisos à ruiva, jogando a bombinha de volta na gaveta quando a porta se abriu.
Acabou. Acabou. Ela está segura, agora. Ela vai ficar bem.
Vai?
Ela está longe do pai doentio, ela vai ficar bem.
Vai?
— Posso-
Não, não pode.
— Posso fazer uma pergunta?
Não. Não faça perguntas que não quer ouvir as respostas.
— Deixa pra lá
》 No momento em que Eddie saiu, Beverly deu um suspiro. Mergulhou mais o corpo e deu um longo suspiro, jogando um pouco de água em seu rosto. Permaneceu na mesma posição, serena, pensativa, olhando para o teto. Tendo um momento sozinha, ela tornou a chorar, era um choro de alívio, soltando coisas que a ruiva nunca imaginou sentir.
Pela primeira vez não tremera por uma pessoa simplesmente tocar em seu corpo. Não desejara arrancar sua própria pele por puro nojo de dedos – que não fossem dela – a tocasse. Era libertador, não ia mentir.
Não soube quando tempo ficou lá, mas puxou a toalha e se enrolou, sem se olhar no espelho, saindo do quarto com cautela para não escorregar.
— É claro que pode fazer, Eddie. - Franzira as sobrancelhas com tamanha curiosidade, inclinando a cabeça para o lado. — Vamos, você já começou, agora termine, quero saber o que é.
》Eddie, O que você está procurando?
(Eu não sei. Porra, para com isso)
Mas no fundo sabia, como um embrulho de Natal guardado no sótão esperando ser aberto por uma criança travessa, que não deveria estar ali para começo de conversa.
Havia começado quando foi arrastado para fora do quarto do hospital implorando para não ser deixado.
(Não me deixa com ela.)
Mas deixou, porque a morte não escolhia suas vítimas nos dados. E era idiota, muito idiota, a forma que esperava que Frank fosse diferente dos outros pais que já conheceu.
Não podia ser pior, ou era o que precisava acreditar.
O que você está procurando?
Lembra de como sua mamãezinha lhe sedava por dias para não sair?
Lembra de como ela te fez engolir seis pílulas diárias até seus treze anos?
Lembra de como ela fez você achar que era um fraco? Lembra disso?
Lembrava. Lembrava todos os dias. E doía lembrar como era consciente, como supostamente deveria odiá-la, mesmo que não houvesse forças. Eles não entenderiam.
Porque ainda queria sua aprovação. Porque ainda queria seu reconhecimento.
Porque ainda queria ser um bom filho. E bons filhos obedecem seus pais, não obedecem?
"Ele se deitou com um garoto, Doutor." Foi a primeira vez que não havia um escarcéu. O tom de voz era muito mais baixo do que já tinha ouvido. Constrangida, enojada, e podia jurar que os olhos vermelhos. Teria sido melhor se gritasse, porra, preferia que tivesse gritado. "Com aquele garoto imundo. Meu garotinho tem dezesseis anos e vai definhar como um aidético."
Aquele dia, a enfermeira a esperou sair.
"Sua mãe te bate, Edward?"
"Não!"
"Ela já te machucou?"
"Não!"
"Tem certeza?”
Ela não o batia, claro que não.
Ela só jogava peças de louças na cozinha quando chegava tarde em casa.
Ela não me batia.
Ela só apertava seu pulso até o meu quarto e me deixava pensar no que tinha feito.
Ela não batia. Ela só exagerava quando não obedecia suas ordens.
"Sim."
Mas o primeiro tapa veio, aos dezessete, no rosto. A humilhação havia ardido mais. Mas ela pediu desculpas, e ele havia passado dos limites. E não havia o porquê compartilhar. Eles não entenderiam. Nunca entenderam.
"Promete que vai ser um bom menino?"
"Prometo, mamãe."
Não cumpriu. Outro tapa veio, queimando a maçã do rosto em resposta a quando lhe respondia mal, quando pulava a janela, quando saía com as más influências.
Bill havia levantado uma sobrancelha no último encontro.
"Você enfrentou ela, não é? As coisas mudaram.
(Não)
"Sim"
Então houve a última discussão. Houve a última vez que voltara para casa.
“Ela só tá nervosa.”
"O que ela fez, agora?."
(Nós vamos para Nova Iorque e esquecer essa bagunça…)
"Por que você não volta?"
(…Ou você vai pra terapia e terei uma conversa com os pais dos seus amigos.)
"Não tem essa de não ter escolha."
(O que os pais deles diriam, hein? Eles se importam o bastante com seus filhos para saberem das imundices que fazem juntos? E com aquela menina? E aquele judeu?)
"Eu vou resolver, sim"
(É isso que você quer?)
Não. Não é.
(Nós vamos, mamãe. Nós vamos ficar juntos, do jeito que a senhora queria.)
“O que você está procurando?”
*Ele queria fugir.*
— Como você conseguiu? Como você conseguiu correr?
》Foi pega de surpresa pela pergunta. Saberia responder qualquer uma, menos aquela. Abriu a boca para tentar dar uma reposta imediata, mas não sabia realmente o que falar. Assentiu com a cabeça, dando um sorriso pequeno e pegando o roupão de Eddie para se enrolar. Beverly segurou as mãos do garoto, o puxando para se sentar com ela na cama. O fitou, não mudando o olhar.
Com aquela pergunta, com aquela simples pergunta, Beverly conseguiu ver um pedido. Ele não perguntara aquilo apenas para puxar assunto ou algo do tipo, seus olhos diziam isso. As castanhas íris do garoto entregavam dor. Entregavam sofrimento, aclamavam por ajuda. Céus, como ela iria ajudá-lo se nem ao menos sabia o que fazer com a sua própria vida?
— Como eu consegui correr. - Repetiu as palavras para si mesma, tentando expressar o batalhão de coisas que sentia em palavras. A questão era: Ela não via aquilo como se tivesse conseguido. Ela não enxergava aquilo como uma coisa boa, uma conquista, um ato de coragem e exemplo. Beverly realmente via tudo aquilo como covardia, não havia aguentado o trampo, então fugiu de medo, era uma covarde. — Eu só... não queria morrer. - Nem de maneira física e nem de psicológica. — E-Eu não sei, eu só... pensei que eu merecia viver. -Dissera com cautela, receando dizer algo que só piorasse a situação.
— Eddie... - Fechou os olhos, suspirando fundo e finalmente organizando as coisas. — Foram 17 anos disso. 17 anos de pura tortura. Eram todos os dias, todo o santo dia, chegou uma hora que eu não aguentava mais. Eu não suportava olhar meu reflexo no espelho, porque eu simplesmente via as marcas da mão dele por toda parte. Eu andava pelas ruas mais perigosas de Derry quando eu voltava da escola porque elas eram as mais longas e eu demorava mais tempo para chegar em casa. Eu tenho medo até hoje de tocar no meu próprio corpo, Eddie... - Ela se assustou por estar falando aquilo em você alta. Se fosse dias atrás, estaria se culpando por pensar daquela maneira, mas as palavras apenas saíam, e a culpa que sempre sentia agora não era tão grande assim. — Eu arranco meu próprio cabelo porquê eu sei que é o que ele mais gosta em mim. - Era difícil falar aquilo, mas acha necessário, faria de tudo para ajudar Eddie. De tudo mesmo. — Hoje, quando eu cheguei em casa, eu achei que eu fosse morrer. Quando ele disse que me viu entrando no Fliperama com vocês, eu vi algo aterrorizante nos olhos dele. Nunca senti tanto medo na minha vida quanto hoje. Fora que, os socos e chutes que eu levei não se comparavam à humilhação. Eu me sentia pequena a cada ardência em meu rosto, a cada chute em minhas pernas, a cada aperto em meus pulsos. Eu não tive outra escolha a não ser... fugir. Era isso ou eu morreria, e por pouco isso não aconteceu. Eu não sei o que teria acontecido caso você não tivesse me encontrado hoje. Eu provavelmente teria voltado pra casa e deixado ele terminar o trabalho. - Doía, realmente doía.
— Nos últimos segundos lá, eu percebi que eu merecia viver, Eddie. Nós merecemos viver. Poxa, você não acha que tudo o que eu passo, ou mais importante, tudo o que você passa, tem que um dia acabar? - Realmente tinha? Ela merecia ter sossego? Aquele sossego era necessário? Deus aprovaria aquilo? — Você mesmo me disse, Eddie, pais não deviam fazer isso, isso não é amor.
(Eu faço isso porquê te amo)
Não é mesmo?
》 As mãos de Beverly entrelaçando as suas sempre foram reconfortantes. Tinha a menor da alteração em seu semblante que quase o tranquilizou.
Então o corpo do garoto enrijesseu quando ouvia sua voz, melódica, em contrapartida com a dureza do que dizia. Sentia o metal na base da língua quando a garota se referia.
Eddie afastou uma das mãos e levou à uma das maçãs do rosto, afastando as lágrimas involuntárias enquanto a ouvia.
Estava certa. Merecia viver, meu bom Deus. Eddie não conseguia imaginar como seria acordar em uma realidade em que não a encontrasse. Era a mulher invencível de Derry e sequer sabia disso.*
"Nós merecemos."
E ele soube.
— Você não sabe o quanto eu tenho orgulho da sua força, Bev. Você merece viver longe desse inferno. Queria que nunca tivesse passado por isso.
Entrego um sorriso triste. Fechado e genuíno.
— Mas eu não passo por nada.
Levantou da cama até a penteadeira, hesitante em soltá-la. Uma caixinha pequena ainda guardava o que lhe queria entregar: A moeda de um quarto de dólar, que Beverly havia deixado com Eddie para começo de conversa.*
Começou da forma mais óbvia que deveria: uma competição boba, iniciada em uma tarde ensolarada de verão em um momento que sequer eram próximos. "Tá com medo de perder para uma garota?" ela perguntou com um sorriso imenso enquanto segurava um dos pés atrás do corpo antes da corrida. "Tá com medo de perder para um asmático?”
Tinha sido a última modalidade depois de tiro ao alvo, tomba-lata, uma partida de ping-pong escalada. Beverly tinha fôlego e apresentou bem quando mantinha um ritmo decente – Provavelmente, não exímio por conta dos cigarros – pelo menos, até entrar no caminho da gangue do Bowers. Foi uma simples troca de olhares para girarem os calcanhares e desistir da meta de chegada só pra fugir.
Graças ao destino, o beco que pararam foi próximo o suficiente da sorveteria e ele se dispôs a pagar um milk shake. Quando ousou usar uma das moedas conquistadas no jogo, foi impedido.
— Essa é uma moeda da sorte, você não pode se desfazer dela.- Ela soou chocada e Eddie encarou incrédulo aquele centavo com um navio estampado. Quando a garota pagou, sentaram no meio fio, recuperando o fôlego da fuga, não conteve em comentar.
— Você devia andar mais com a gente. Não fica com medo do Stan, às vezes eu acho que ele não gosta de ninguém. - deu de ombros. — Mas o Richie falou que você é legal. E o Bill tá feliz em fazer aquela peça com você. E viu o rosto de Beverly ficar tão corado quanto o seu cabelo ao citar o último. Foi engraçado, apesar de não tocarem no assunto pelo resto da tarde.
Ele não pode deixar de sentir um desconforto quando disse que precisava ir, mas assentiu; também tinha um toque de recolher mais cedo que os demais.
— Não perde essa moeda, cabeçudo. Você vai precisar dela se quiser me vencer ainda. E sumiu correndo rua abaixo. A primeira vez que veria. Esperava que a tarde passada fora a última.
— Acho que você precisa disso, agora.
》 E, novamente, as palavras de Eddie tocaram profundamente a garota. Ela se sentia grande com ele. Sentia que poderia mover montanhas, sentia que poderia enfrentar qualquer um que fosse, ele lhe passava confiança, coragem e esperança, algo que nunca tivera vindo de seu pai.
Eram tão bonitas que ela pensava que suas próprias palavras não faziam o menor efeito nele, nunca daria conselhos ou diria coisas tão bonitas quanto ele. Era por isso que sempre preferiria agir, ela se garantia mais nas ações do que nas palavras. Quando implicavam com ele, ao invés dela dar conselhos, ela socava as pessoas. Se os losers o o irritasse, ao invés de dar história de moral, puxava as orelhas dele.
Se o garoto ficasse triste, ao invés dela tentar dizer coisas que fizesse sentido, colocava um filme ou suas músicas favoritas no volume máximo. Era a coisa que mais admirava em Eddie, e esperava ter aquilo para sempre.
"Mas eu não passo por nada."
Ela se viu no garoto. Não era como se fizesse muito tempo, até dois dias atrás ela dissera para o garoto que o hematoma amarelo em sua bochecha era por ter batido na maçaneta. Não iria insistir, sabia como podia ser exaustivo e desconfortável, Eddie teria sua hora, um dia entenderia, e, céus, fosse mais fácil do que foi pra ela. A única certeza de Beverly é que ela só pararia quando o ajudasse completamente, e ficaria do seu lado quanto tempo precisasse, não seria tão fácil assim se livrar dela.
A ruiva franziu sorriu quando viu a moeda na mão de Eddie. Novamente fora pega pela nostalgia, levando a mão ao peito quando dava um sorriso singelo e simples. Sorria com os olhos. Franziu as sobrancelhas quando o mesmo a estendeu, fazendo um gesto de negação com a cabeça.
— Nada disso, Eddie. - Abriu a mão, recusando a moeda do garoto. — Você ainda não a usou para me vencer. Só irei ficar com ela quando competirmos num próximo festival.
》 — Do que você tá falando?
Franziu o cenho em confusão, com meio sorriso no rosto. A breve lembrança de outro festival esquentava um lugar no seu peito e doía. Se tivesse uma lista de todas as coisas que queria fazer pela última vez em Derry, o festival estaria em primeiro lugar, como se, parte de si, estivesse pronta para se despedir. Não estava.*
Imaginava um cenário antigo, onde conseguia deixar tudo para trás, não olhar pelo retrovisor e sumir pela fronteira; Não existia mais.
Queria garantir que sim, ganharia no próximo festival, sem nem pestanejar; Por outro lado, não conseguiria pestanejar e mentir.
Será que algum momento naquelas semanas seria capaz de aprender? Ou se tornaria menos doloroso? A resposta era um imenso não no clarão da mente, mesmo que garantia a melhor das opções.
Em um súbito consciente, refletiu o seu sorriso, porque não havia semblante negativo que pudesse deixar que lhe marcasse, da mesma forma que lembraria diariamente do seu, doce e energético, e preferia assim manter.
Balançou a cabeça em negação, tirando a moeda do seu leito almofadado e pousando em sua mão, fechando-a sob a sua.
— Você venceu, sim.
Part I
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Elastic Hearts (Easiest to pull) - Part I
Trigger Warning: Menções de violência física, sexual e psicológica.
𖥨ํ∘̥⃟⸽⃟☁️▸ Beverly escapa uma ótima vez.
》 Beverly nem ao menos conseguia raciocinar direito naquele momento. Ela mal sabia para onde estava indo, suas pernas só se moviam à procura de qualquer lugar que não fosse sua casa. Sua cabeça girava, seu rosto doía, seu braço doía, sua perna doía. Absolutamente tudo doía, ela nem conseguia indicar o lugar exato da dor, estava em vários lugares diferentes. A ruiva segurava o choro. Ela não podia chorar por aquilo, estaria sendo egoísta se fizesse isso, afinal, ele é seu _pai_.
"Uns colegas meus do trabalho me disseram que te viram entrando no fliperama com três garotos, Bevvie, é verdade?" A garota não podia mentir, não mentiria para ele. Ela tentou explicar, tentou dizer que eram apenas seus amigos, mas isso não a poupara de receber um hematoma em sua bochecha.
" Você sabe o que andam falando de você por aí, não sabe, querida? Não quero que os outros pensem que você não tem um pai cuidando de você em casa." Mais um hematoma, dessa vez na lateral de seu ombro direito. Não faça nada, Beverly, fique quieta, não faça nada, apenas aceite, ele sabe o que é certo para você. "Me diga, Bevvie, esses meninos com quem você anda, eles tocam em você?". A ruiva nunca tivera tanto medo em sua vida, não tivera tempo de negar algo ou gritar, recebera mais alguns hematomas.
A garota só consegui se livrar quando finalmente seu pai se cansou, saindo da sala e indo até se quarto fazer sei lá o que. Foi naquele momento em que Beverly saiu correndo, apenas querendo sumir por alguns segundos.
Ela só parou de relembrar o que acontecera quando já estava dentro da floresta. A sede do clube, mesmo que os losers não ficassem por lá fazia muito tempo, fora a primeira coisa que a garota conseguira pensar. Não queria a ajuda dos outros, já que sabia exatamente o discurso que eles fariam. Denuncie ele, Bev, saia de casa, revida, fuja, vamos colocá-lo na cadeia juntos. Só que eles não entendiam. Não podia simplesmente denunciar seu pai. Ela sabia que ele não fazia aquilo por mal, só queria a disciplinar, e não estava errado, em nenhuma vez estava, embora às vezes ele exagerasse um pouquinho. Céus, era seu pai, ele nunca faria mal para você.
A garota desceu a velha escada da sede, nem ligando para o quanto de poeira havia no lugar, ela apenas se contentou em se sentar no chão, dobrando as pernas e encostando a cabeça na parede, permitindo chorar sozinha. Por um breve momento, o pensamento de ter revidado as agressões do pai minutos antes passara por sua cabeça.
Deixe de ser ingrata, Marsh, enlouqueceu? Você não pode machucar o seu pai!
A ruiva se pegou se desculpando com Deus por tem pensado naquilo, era o que sempre fazia quando pensava em coisas erradas. Sua mãe costumava dizer que, semnpre que pensamentos maldosos viessem em sua mente, devia pedir desculpas para Deus, ele não gostava quando as próprias filhas pensassem aquelas coisas dos pais.
Uma mão da garota deslizou até sua cabeça, jogando a droga daquele lenço longe. Seus dedos se entrelaçaram em alguns finos fios de cabelo em sua nuca, tornando a puxá-los, os arrancando. Isso a acalmava, havia descoberto há pouco tempo essa solução. Não sabia até quando ficaria na sede, não sabia quando teria coragem de voltar para casa, ela só queria ficar sozinha com seus próprios pensamentos.
》 Algo estava de errado no instante momento que Beverly havia enviado a mensagem. Eddie roeu unhas em antecipação prevendo o pior dos cenários. Não havia um positivo. Era sobre seu pai. Sempre era. Não importava quantas vezes qualquer um lhe dissesse o quanto ele merecia apodrecer e a deixar em paz, ela não ouvia. " É o meu pai" e sabiam que não deviam discutir. Não foi difícil fazer as contas. Não com suas mensagens no Twitter, não quando havia decidido fugir para o lugar abandonado por Deus. E o pior, não parecia que alguém faria alguma coisa.
O garoto se odiou pelos próximos segundos em que quebrou o vidro da janela com a mão enrolada no lençol, uma vez que nem a trava da porta ou da janela iriam soltar.
Estou fodido, estou oficialmente fodido, porque não bastava a punição da noite passada. Se assim, sua mãe gostava de imaginar que feria seu respeito pela amizade com Beverly Marsh, assim seria. Valeria a pena.
Correr, sem a bicicleta, com o coração acelerado e limpando os olhos marejados por pânico foi desesperador. Esperava que nada tivesse acontecido. Por Deus, por favor, que ela esteja bem, e quis morrer, ao entrar naquele espaço sujo e perceber o pior. Havia entendido o lenço, afinal. E havia entendido porque estava escondida. Foi necessario toda a força para não tremer ou reagir. Não era assim que funcionava com ela.
— Eu vim buscar algo, também.
》Beverly só abriu os olhos quando ouviu a escada rangendo, indicando que mais alguém estava entrando na sede. A garota abriu os olhos rapidamente, os arregalando. Não, não era possível que ele havia a seguido até lá. Suspirou quando viu Eddie descendo, de certa forma, aliviada. Ela poderia rapidamente limpar o rosto, sorrir para o garoto e dar alguma desculpa para que o mesmo pensasse que ela estava bem, mas aquilo não era necessário com Eddie. A ruiva sabia que ele seria o único que não diria a mesma coisa, já que, bem, a situação do garoto se semelhava à dela.
— Hey, Eddie Pooh... – ela o cumprimentou, dando um breve aceno e o olhando, ignorando o fato de que seus olhos estavam inchados e sua bochecha roxa. Estava nítido que o garoto estava desesperado. A respiração se encontrava extremamente ofegante e os olhos marejados, provavelmente pelo medo de ver a ruiva numa situação ruim. Aquilo a destruiu, tudo o que menos queria era trazer problemas para alguma deles por sua causa.
》 — Eu vim pegar um pôster meu que eu queria colocar lá no quarto. – Bev sorriu minimamente, abraçando as pernas e olhando para frente, evitando olhar diretamente nos olhos do garoto. Ela deixou um suspiro escapar de sua boca, um suspiro alto, indicando claramente o que ela queria dizer. Ele fez de novo.
— E eu vim buscar minha amiga. Saiu e foi sincero, o suficiente para quebrar a distância e correr para envolvê-la. Parecia ontem que Beverly era maior. Não, mais alta. Ela sempre fora a maior, majestosa. Demorou cerca de dois meses após os eventos do verão pra que os dois firmassem uma relação tão pura. Compartilhavam discos de Queen e Eddie gostava de brincar com seu cabelo e fazer pequenas trancinhas quando ela ousava deixar crescer. Talvez fosse por juntar moedinhas pra dividir uma maldita Pepsi de máquinas de vendas – que ela acabou chutando até que a lata caísse na portinha– ou pela vez em que destruiram o carro de Greta juntos escondidos de madrugada. Foi uma incógnita "Eu amo você, Beverly. Eu amo você de verdade " confessou um amor, perdido nos cobertores enquanto assistiam Enrolados. " Eu nem me importo com sua cortina de fumaça. Eu amo você." E ela riu.
Derry sempre fora injusta com ela porque temiam sua voz. Esperava que soubesse disso.
Eddie a abraçou tão forte quanto seguro, esperando que pudesse apoiar suas forças, uma vez que não sabia até onde estava ferida, dando um beijo na sua testa, em minutos de silêncio.
O frio fazia suas sardas sumirem e seu rosto empalidecer. Derry não era justo com Beverly. Tocou na sua bochecha não machucada com o polegar, limpando seu rosto e retirando as mechas grudadas na testa. Estava hiperventilando, e com uma raiva que só aparecia quando se tratava do seu pai, mas não era em uma ameaça, incisão ou discussão que iria iniciar.
— Você vai me dizer o que eu quiser ouvir pra me fazer achar que você tá bem, não vai?
》Beverly desabou no momento em que sentiu Eddie a envolvendo em seus braços. Fora automático, ela simplesmente encostou a cabeça no peito do garoto e se deixou levar pelas lágrimas descendo novamente por seu rosto. Por alguns segundos, a garota se assustou levemente com a situação. Era estranho ver aquilo, já que o normal sempre fora a ruiva dando colo para o Eddie, e não o contrário. Se lembrava bem de oferecer seu abraço e conforto para o garoto quando o mesmo estava em dúvida sobre seus sentimentos por Richie e só precisava desabafar, mesmo que falasse nada, ou quando a ruiva entrara pela janela de seu quarto escondida depois que Sonia o trancou em casa no dia em que eles saíram correndo da Neibolt House. Agora, naquele momento, era Eddie quem segurava suas lágrimas, era ela quem chorava em seu colo e lamentava contra a camiseta do amigo.
Bev tinha um carinho indescritível pelo garoto, sentia que podia contar qualquer coisa para ele. E realmente podia. Eddie o passava segurança, embora não soubesse disse. Lhe passava segurança, otimismo e confiança, sempre fazendo questão que mostrá-la o quanto era especial, e ela sabia que nunca conseguiria agradecer o suficiente por tudo aquilo. A imagem que ela passava, a imagem da garota que dera um soco no meio do nariz de um menino dois anos mais velhos que tentara intimidar Eddie por vê-lo usando cropped não se mostrava nítido perto dele. Com o amigo, ela era apenas... ela.
Seu corpo inteiro ainda doía, e a ruiva simplesmente não conseguia segurar o choro, ela agarrava a camiseta do garoto numa urgência, a molhando inteira e sentindo o calor do garoto a abraçando. Sua mão fora novamente até seu couro cabeludo, puxando, involuntariamente, mais alguns fios.
— É que realmente está tudo bem, Eddie. - ela afirma, ainda com o rosto escondido em seu peito. — Digo, obviamente não está, mas não é algo incomum, eu sei lidar com essas situações, não gosto de preocupar vocês com isso. - diz, evitando fechar os olhos, já que isso fazia o rosto de seu pai vir à tona. As mãos da garota tremiam enquanto seguravam a camiseta dele, fazendo, assim, todo o seu corpo tremer também.
》 Não era do seu feitio desabar na frente dos losers, não. Precisava mais se provar forte do que sabia que era. Ainda assim, sua vulnerabilidade exposta era uma prova de confiança. O garoto a segurou em seus braços com toda a veemência que poderia passar. O hábito dos cabelos foi um deprimente deja vu dos braços de Stanley e automaticamente, afastou suas mãos dos fios, com cautela para não causar a aflição da sensação. Conhecia muito bem e, porra, sabia que Beverly conhecia. Levei uma das mãos a entrelaçar a minha, por segurança.
– Eu sei o que você vai dizer. - Foi um suspiro baixo, mas cortou o clima da sede como uma faca. Hah, era uma faca de dois gumes. — E eu sei que você acredita que a culpa é sua e que você merece. Que eles não entenderiam. Que eles estão errados.
Aquele momento, não responderia mais. Sabia o quanto odiavam por ser tão intrometido, mas não conseguia me importar menos. Não agora, não quando tudo continuava desmoronando. Excruciantemente se via mais em Beverly do que gostaria de admitir. O que deveria pedir? Por Deus, como queria a tirar dali, mas nenhuma solução seria fácil. Nunca.
— Você não consegue admitir que tem medo de ir pra casa e que faria qualquer coisa pra não voltar. Mas isso te assombra e tenta se convencer que está tudo bem. Eu sei que é mais fácil não ouvir, mas quando você volta para o travesseiro, chora até dormir tentando se convencer que está tudo bem, por que...
(Sujo)
Eu nunca te machucaria
(Indecente)
Faço isso porque eu te amo
(Olha o que você fez)
Nós somos uma família
Sentiu o nariz arder. Se antes tentou ter alguma força, agora havia rendido.
— Porque se você falar em voz alta então significaria que é real.
》 Nunca ouvira alguém falar como Eddie. Ele tinha um dom, sabia as palavras certas a dizer, era cauteloso com a escolha de cada uma, dizia tudo com uma certa certeza, era de se invejar, a garota nunca conseguiria dizer algo assim para alguém.
— S-sim, Eddie, talvez eu tenha medo dele às vezes. Quando ele me olha daquela maneira, quando sorri ao chegar perto de mim, quando eu faço alguma merda... - custou a admitir, embora ela mesma não enxergasse o pavor que tinha do pai. Algo inexplicável, era de arrepiar todos os pelos do corpo, não suportava a ideia de chegar em casa e passar pela mesma coisa todos os dias. Mas, obviamente, a própria não percebia isso, já que, bem, era o seu pai, ele nunca a machucaria sem motivos.
— Eu sei que ele me machuca, Eddie, eu estou ciente disso tudo. Mas eu não posso fazer nada, ele está me protegendo, é isso o que pais fazem. - tentava explicar, apertando forte as mãos de Eddie e, com o esforço que tinha no momento, subiu seu rosto, olhando diretamente para ele. — Eu não sei o que fazer, Eddie, me ajude, eu só... não quero mais isso, não quero sentir mais isso, mas também... não quero deixar o meu pai, não quero mais dar motivos para ele se decepcionar comigo...
Dizia, entre soluços, sentindo a garganta se fechar com o choro e as palavras que dizia. Era a primeira vez que ela admitia para alguém que estava com medo, era a primeira vez que ele pedia ajuda, aquilo não era uma conversa em que ela simplesmente dizia que estava tudo bem só para a deixarem em paz.
— Digo, você me entende, não é? Tem a sua mãe, você não a deixaria, mesmo ela fazendo... tudo isso. Não a deixaria pois é a sua mãe apesar de tudo... - tentou ao máximo não o envolver naquilo, mas naquele momento a garota nem raciocinava direito, sua cabeça apenas girava, girava e girava.
》 — Beverly, olha pra mim. - Pediu. Era andar em linhas pontilhadas, com precisão e certeza que não a intimidaria. Segurou o contato visual por alguns segundos, engolindo em seco, fitando os olhos azuis, quase metálicos, assustados como de um cervo. Eddie sentiu a onda de adrenalina estremecer seu corpo. Sabia o que queria dizer e sentiu náusea, sentiu pânico e nenhuma reação poderia ser mostrada. Não. Manteve o único ato. Precisava ser o mais forte, naquele momento, por ela.
— O que aconteceu– O que ele _fez_–, isso não é proteção. Isso não é amor. Eu sinto muito. Eu sinto muito mesmo, mas– As palavras desmaiavam.Deveria dizer? Tinha direito de dizer? Apesar daquela covardia, ouvir sua amiga suplicar por ajuda, com todas as palavras, precisava engolir o desespero. — Mas o que ele fez é errado. Por favor, você precisa me ouvir e ficar longe dele o mais rápido possível. Você disse que iria pra sua tia quando as aulas acabassem, não é? Arruma suas coisas, vai pra casa do Rich, você não pode ficar com ele, porque– Porque não é isso que pais devem fazer, Beverly.
Ao contrário do que esperava, foi calmo. Avesso das palavras vomitadas da garganta. Seguro, incisivo e sério. Esperava por Deus, que ela o ouvisse dessa vez. A náusea voltou. "Você não a deixaria, não é?"
"Você não pode me deixar"
"...Mesmo ela fazendo..."
"Eu estou te protegendo, Eddiezinho"
"Tudo isso."
Os olhos desviaram, instintivamente para o pulso*
— Ela... Não. Isso é diferente.
Era?
》 — Isso não é amor. - ela repetira a frase do amigo — O que ele faz é errado. - elas dançavam por sua cabeça.
A garota escutara cada palavra de Eddie atentamente, soluçando a cada pausa que ele fazia e, quando o mesmo terminara, a garota rapidamente franziu as sobrancelhas, se assustando com a maneira brusca que sua mãe viera em sua cabeça. Nitidamente, a loira se lembrava do que a linda mulher ruiva dizia constantemente para ela.
"Bevs, eu sei que esses seus machucados não foram por causa das brincadeiras com suas amigas. Seu pai te machuca, amor?"
"É claro que não, mãe! Que besteira!"
(Não minta para sua mãe, Beverly, ele te machuca, todos os dias, vá, conte para ela!)
(Não! Não dedure seu pai, ele não faz por mal, francamente!)
Beverly se lembrava da mãe perguntar frequentemente para a garota sempre a mesma coisa, e doía para ela responder, doía relembrar de tudo e ainda mentir para a linda mulher.
"Bevs, me responda.”
(Ele te machuca)
Sem mentir, por favor.
(Não minta para si mesma)
"Seu pai te toca, Bevs?"
"Mãe! Pare com isso!”
(Sim, ele toca)
“É claro que não!"
(Ele te toca todos os dias!)
A garota nunca se esqueceria de sua última conversa com a mulher que tanto amava. Ficaria marcada para sempre, fora a coisa que mais a afetara.
"Bevs, meu raio de sol, seja forte, não feche os olhos. O que seu pai faz não é certo. Amor não é isso, carinho não é isso, proteção não é isso. Não abaixe a cabeça, amor, independente dele ser seu pai, não aceite isso, está bem?"
Beverly nem ao menos estava prestando atenção nas palavras da mãe naquele momento, não conseguia pensar em nada quando a via deitada naquela maca de hospital. Porém, as frases nunca foram embora, e elas vieram à tona como nunca naquele exato momento. A bizarra semelhança da situação fizera a ruiva tornar a chorar mais, lembrando de quanta coisa ela se privou por causa dele. Coisas básicas começaram a assustá-la, muito contato começou a assustá-la, muitos olhares começaram a assustá-la. Você não entende? Ele te faz mal, céus, entenda isso.
— C-como isso é errado, Eddie? - ela perguntou, sentindo a cabeça girar novamente. — Ele é meu pai. - droga, pare de repetir isso! — Pais não machucam suas filhas, Eddie, ele me disse isso.
Suas mãos tremiam enquanto subiam até sua nuca, não arrancando nenhum fio, mas permanecendo por lá.
》 Durou dois milésimos de segundo para a pergunta se apoderar de uma pontinha do seu cérebro. Não havia, de fato, uma referência positiva própria. Não, oras, Frank, que Deus o tenha, havia falecido muito antes que entendesse o que era ter um pai, mas havia visto o suficiente por um grupo. Zack, porra, ele ouvia seus gritos com o Bill desde muito novo. Uma parte de seu semblante desaparecia quando voltava da ordem "Venha aqui." Sabia o que o pai de Donald tinha feito quando Stanley era uma criança. A lembrança da conversa me fez piscar os olhos repetidas vezes. Se perguntava, às vezes se teria sido diferente. Se ele teria sido diferente. Era mais fácil aumentar expectativas das pessoas que não estão aqui.
— Pais não deveriam, mas alguns machucam. Você sabe disso. - A voz soou fraca e embargou. Talvez, só talvez, conseguisse associar o caso. — Você era uma criança, Bev, ele deveria te proteger, ele deveria te acolher, isso é o que famílias deveriam fazer. - Foi uma pausa. Uma pausa longa, encarando as madeiras estaladas do chão remoendo todas as informações. Enrolou o braço em seu pescoço, aproximando a cabeça da ruiva para o peito. Temia que se machucasse ainda mais, acariciando os fios. — Eu não acredito que–
"O motivo de Deus ter criado os pais era pra guiar, instruir... E proteger."
Proteger
"E eu fiz isso para proteger você"
(Deles)
— Eu não acredito que–
Eu cuido de você, eu amo você.
— Seu pai mentiu. Beverly, poucas vezes que você disse da sua mãe, eu sei que ela te amava. Eu sei que ela te protegia e você sabe que isso não é o que ele faz. Isso não te faz errada, ou fraca. Muito menos fraca. Você foi uma vítima da pessoa que mais deveria te proteger, Beverly. Você sabe que ninguém deveria fazer isso, ele não é diferente. Isso pode ser aterrorizante, mas me escuta. Ele te manipulou e– e abusou do poder. E eu sei que você não quer admitir isso porque–
(Pla-ce-bo)
(Você é um garoto sujo, meu amor?)
“Olha o que você fez com sua mãe, Edward, por que não a violenta de uma vez? Seria mais rápido– e mais delicado”
— Porque você sabe que os pais não deveriam fazer isso.
》 Foi como um baque em sua cabeça. Um choque de realidade, talvez? Beverly não conseguia entender, não conseguia entender.. como uma pessoa como o seu pai poderia fazer mal a ela. Aquilo não estava certo.
Ah, francamente, o que você sabe sobre ser certo ou errado?
(Você sabe que eu faço isso porque te amo, não sabe?)
Não, isso não está certo.
(Eu apenas quero te proteger)
Seus amigos também te amam, também querem sua proteção, mas o afeto e a segurança deles não te machucam...
(Você continua sendo minha garotinha, Bevvie?)
》 — NÃO! - e, então, a garota gritou. A princípio, não sabia o motivo do ato tão repentino. As palavras de Eddie rodavam em sua mente. Ele... estava certo! Porra, infelizmente ele estava certo. Seu pai... não queria o seu bem, não se importava com ela, não estava a protegendo e muito menos demonstrando amor. — NÃO, NÃO, NÃO! ela gritou mais uma vez, não se importando, no momento, se Eddie a acharia louca ou maluca. "Seu pai mentiu", "Ele te manipulou", "Famílias deveriam te acolher e proteger". Sim, sim, céus, Eddie, sim! Droga, você está certo. Esse tempo todo, vocês estavam certos... Pais não deveriam fazer isso...
E Beverly chorou novamente. Agarrou a cintura de Eddie e se permitiu chorar por lá, tentando dizer algo convicto e coerente.
— Eu sou tão... tão estúpida.... Por todos esses anos eu... eu deixei que ele fizesse isso comigo e não fiz nada... - ela lamentou contra a camiseta do garoto, repetindo cada frase em sua cabeça. A ruiva não estava brava com seu pai, estava brava com ela mesma, da maneira que se deixou ser tratada por todos aqueles anos. De como nunca protestou contra ou se questionou de estar passando por aquilo. Se sentia estúpida, talvez realmente fosse. — Vocês sempre me avisaram e eu.... não acreditava, achava que ele fazia isso por que ele estava tentando me proteger. - estava brava, se sentia culpada, se sentia burra e sem noção. Num ato de puro impulso, suas mãos foram até sua nuca novamente.
》 A única incógnita que rolava em sua mente era como tirá-la de casa. Era deixar Beverly em segurança e, na melhor das hipóteses, sã. Era o cérebro em agir com situações de risco, mas ainda conseguia listar cada cenário para a situação, a única certeza era: Bev não podia mais voltar pra casa.
O clamor teria o feito recuar, caso a garota não usasse todas as forças para se manter presa a camiseta. Não reagiu, esperei que soltasse o que precisasse, o quanto precisasse. Doía. E o sentimento de culpa veio por não ter existido uma intervenção há muito tempo. Mesmo por todas as vezes que praticamente imploravam para não ir. Não significava apenas para não os deixar, era pra não voltar para ele. Retribuiu o abraço em silêncio, acariciando onde conseguia enxergar que não estava machucada.*
— A culpa é dele, Bevie. Ele era o adulto. Ele era o progenitor. Pais não deveriam fazer isso.
A culpa nunca poderia ser dela e doía que ainda era a forma que enxergasse. A perspectiva se tornava embaçada no olho do furacão. Esse tipo de gente – se ainda era permitido chamar assim – sabia utilizar a vulnerabilidade para atacar. E funcionava. Como funcionava.
— Acabou, Bev. Essa foi a última vez. Eu vou proteger você. Nós vamos. Não vai ser fácil, e não vai ser rápido, mas você não está sozinha. Você confia em mim, Bevie?
No fundo Beverly sabia o que proteção significava. E era esse conceito, genuíno, que iria reconhecer. Eddie perguntava se a ruiva reconhecia que moveriam montanhas por ela. Se ela disser sim. Se ela disser sim, isso acaba agora.
Pelo menos, parte disso.
》 Sua cabeça nunca trabalhara tanto, talvez ela nem estivesse, de fato, pensando em algo, apenas absorvendo cada informação. Mais um pouco e Eddie poderia ouvir o barulho das explosões em sua cabeça. Pela primeira vez, Beverly não sabia o que fazer. Uma coisa no qual ela se orgulhava de si mesma era sempre ter alguma solução. Fosse para qualquer coisa, a garota sempre tinha uma ideia do que fazer, mesmo sendo em momentos urgentes. Daquela vez, porém, a garota estava perdida, perdida nos próprios pensamentos e sentindo tudo aquilo a devorar por dentro. Se sentia uma inútil, um pessoa fraca e estúpida.
A única certeza que tinha no momento era que precisava de ajuda, e, o único motivo para não surtar e nem desmoronar de vez era saber que Eddie estava com ela. Não era novidade dizer que suas palavras a tocaram novamente, por incrível que pareça, lhe dera um pouco de esperança, mesmo enxergando apenas o caos no momento.
"A culpa é dele, pais não deveriam fazer isso." Sim, Eddie, você está certo, novamente, eu só preciso enxergar isso. Céus, quanto tempo isso demorará? Por que eu não posso ter um descanso? Por que isso simplesmente não para de doer? Francamente, Deus, eu merecia tudo isso?
— Confio, Eddie. - Sua voz saíra num lamento, quase um sussurro. Não haviam dúvidas, confiava nele, realmente confiava. — E-eu confio em você. - Era como se fosse um desabafo, não sabia se a reposta havia saído certeira ou convincente, mas ela torcia para que sim. — Eu confio em você, Eddie, mais que tudo. Eu confio. - Queria deixar aquilo claro. Soltara, enfim, a camiseta do garoto, levantando seu rosto e mantendo seu olhar com o do garoto, não o desviava por nada. Era sua maneira de pedir ajuda, mesmo não falando uma palavra.
》 Manter o contato visual nunca fora tão difícil. Era Beverly, tão frágil, quase como olhar para uma louça rachada. Ela não era a mocinha em perigo. Ela tirava os outros do perigo. Tinha uma força e determinação que nenhum outro tinha. Era admirável. Se questionou ainda se era a pessoa apta a agir naquela situação. Não era Bill, não era Stanley. – E, talvez, fosse melhor assim. Bill costumava ser inconsequente quando cego pela raiva, e Stan poderia temer em agir tão abruptamente. Não tinha uma resposta. A amava da maneira mais genuína que poderia conhecer. Significava que não a deixaria. Enfrentaria os riscos necessários por aquela garota se significasse a mínima chance de mantê-la salva.*
— Eu vou te levar pra casa. - Soou como um pensamento alto, precisei repetir com mais convicção. — Eu vou te levar pra casa. Nós vamos limpar esses machucados.
Não poderia me importar menos com a voz da minha mãe no fundo da cabeça, e duvidava que ignoraria se ousasse dirigir uma palavra para Bev ou sobre a Bev. De jeito nenhum.
— Eu vou arrumar um relaxante muscular, não se preocupe, não é nada forte. - Garanti, mordendo o lábio inferior pensando nas problemáticas. — Você fica comigo hoje, vou preparar um banho quente pra você e fazer curativos. Posso até fazer seu prato favorito.
Ousou um sorriso. "Estou levando Beverly pra casa. E ela vai dormir comigo." Seria a mensagem enviada em segundos com uma única mão, quando a outra segurava sua nuca, sobre a outra mão da garota. "É um aviso." E "Nós conversamos depois." Foram em seguida. — Você não precisa contar para os outros, se não quiser, você não precisa falar nada. Eles vão entender.
Certificou. E não iriam. Iria ser um uníssono suspiro de alívio. — O Bill busca suas coisas amanhã, quando ele não estiver em casa. Você fica com o Rich por enquanto, tá? Ele é incrivelmente responsável e você pode acender a lareira. - Soltou uma lufada de ar, quase amenizando. — Bevie, isso não vai ser fácil. Você não vai melhorar do dia pra noite. E eu acho que você precisa se recuperar de alguma forma.
Tinha certeza que Stan pensaria em como. Ele estudava muito. Ele sabia resolver. Ele sabia ajudar, uma vez que alertado, e tão sutil que não a faria se sentir desconfortável, conhecimento de causa.
— Você não vai passar por isso sozinha. Os otários ficam juntos, lembra?
》 Se tivesse condições, Beverly agradeceria Eddie. Agradeceria o garoto por tudo, ele conseguia ter a única luz que ela via no momento. Talvez nunca conseguisse agradecer o suficiente como queria, mas faria o possível. Céus, como o amava, era estranho ver que existiam pessoas como seu pai e pessoas como Eddie. Ele poderia não ver ou perceber sua importância na vida dela, mas era algo inacreditável.
— Sim, os otários ficam juntos. - Repetiu para si mesmo, percebendo como ela se sentia maior com aquela frase sendo dita com tanta verdade.
E, sim, de fato ela era mais forte com eles. Tornava a pensar novamente o que teria acontecido com ela sem a ajuda de cada um deles.
— Eddie, nós não precisamos ir até sua casa, sua mãe estará e ela não gosta de mim, não quero que ela brigue com você por causa... - E então, ela se lembrou da mãe de Eddie. Porra, e agora? Beverly sabia como Sônia era, todos sabia, todos menos o próprio Eddie. Ela ainda não entendia, mas sua situação era semelhante à dele, provavelmente ele mesmo também não entendia.
— Eddie, sua mãe! Ela não, tipo, tranca as portas de casa para te impedir de sair? Como você veio para cá? Você realmente não devia estar aqui! - Se apressou a dizer, com uma preocupação verídica. Ela já estava ferrada, não queria que os outros tivessem problemas por causa dela, era tudo o que menos queria.
》 — Ela pode falar o que quiser, eu não vou te deixar! - Foi mais firme do que o necessário, mas era um ecoar da sua mente. Sabia muito bem o quanto estaria em problemas e não poderia se importar menos. Não quando se tratava dela — Eu não ligo, você vem comigo e ela pode surtar depois, não importa, eu preciso te manter segura, Bev.
Ela não diria nada a Beverly. Nunca mais. Havia sido uma discussão calorosa da última vez, sem ganhadores. Copos foram estilhaçados na cozinha e os gritos foram um assombro. Não pediu desculpas.
"É isso então? Você prefere aquela puta à sua própria mãe?"
(Sim, porra, sim.)
"A próxima vez que Beverly Marsh entrar por aquela porta é melhor que a senhora a receba com o melhor dos seus sorrisos. É melhor que você deixe meus amigos em paz, ou eu juro, Deus me ajude, eu juro que eu desapareço daqui e a senhora não vai ter filho pra reclamar dos amigos que ele anda."
Era estresse, aquilo o deixava nervoso, e a deixava nervosa. As reações tendiam a não ser positivas se não fossem "Sim, mamãe", "Não, mamãe" e "Desculpe, mamãe"*
"Você está delirando." e o puxou pelo braço até o quarto. A chave girou por fora. Não cedeu, e sabia que isso a assustava. Nunca mais dirigira uma palavra à Bev, e preferia assim.
— Eu deveria estar aqui, sim. - corrigiu com uma sobrancelha levantada. A frase foi um gatilho para lembrar que os nós dos dedos ainda ardiam. Eddie fechou o punho, na defensiva.
— Ela- Ela tranca, às vezes. Isso não importa, eu tô aqui. Não se preocupa com ela. Ela não vai te dizer nada.
》 Eddie não mentira sobre a situação para Beverly, mas ela sabia que não estava tudo bem com tudo isso. Conseguia ver que não fora convincente consigo mesmo, por mais que realmente quisesse passar essa imagem para a ruiva. A garota, por trás dos olhos inchados e marejados, o fitou com uma mistura de empatia e gratidão, dando um suspiro demorado. Ela colocou parte do cabelo para trás, segurando nas mãos dele o beijando as mesmas como uma forma de agradecimento, não sabendo ao menos o que dizer.
— Eddie, você tem certeza? – Perguntou, receosa, tentando ignorar ao máximo as vozes em sua cabeça.
(Você sabe que só eu consigo cuidar de você)
Cale a boca.
(Sabe que só eu tenho condições de te proteger)
Estúpida, você sabe que no fim merece tudo isso, só volte para a casa e receba o que merece.
— Huh, eu posso voltar pra casa hoje e amanhã vou direto para a do Richie, um dia a mais não fará diferença.
Por favor, não, não me faça voltar, eu não posso. Acho que seria melhor assim. Seu olhar era de uma criança. Uma criança assustada com um monstro de baixo de sua cama que a atormentava e assustava todos os dias. Talvez tivesse voltado a ser uma criança naquela tarde.
Part II
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