#TodooTempoqueExiste
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Todo o tempo que Existe – Adriana Lisboa
A autora vai pelo caminho do ensaio autobiográfico, tentando se entender no processo da morte de seu pai, falando sobre o luto, a memória e analisando a própria vida.. Vão alguns trechos interessantes abaixo:
“Se passamos o nosso tempo, afinal, protegendo, cultivando, ornamentando, não raro cultuando esse suporto eu. Se chegamos ao ponto de transformá-lo em produto, nós como nossos próprios bens de consumo, esse talvez o projeto neoliberal mais perverso, como disse meu amigo Rafael Gallo recentemente numa conversa que tivemos – bastam cinco minutos nas redes sociais para atestar isso. E que belos e patéticos somos, crianças pequenas afirmando incessantemente seu valor num mundo povoado por outros sete bilhões de crianças pequenas que fazem o mesmo.
O que será o meu eu senão mais uma narrativa, composta de uma variedade experiências de ordem física, mental e emocional? Um outro mistério inapreensível. Uma narrativa que se constrói o tempo todo...”
“.. Mas já sabia que era importante ser negligente e irresponsável com o trabalho, naquele momento. Tão negligente e irresponsável quanto possível. Ficar em pé ao lado do leito segurando sua mão enquanto ele dormia, sua mão inchada e cheia de hematomas. O trabalho que ficasse para as horas de insônia.
Por já ter passado por uma versão daquilo antes, eu suspeitava que talvez não voltássemos juntos a Laranjeiras. Que talvez eu voltasse sozinha com meus irmãos a Laranjeiras. Mas quanta esperança encontramos sempre, em qualquer buraco. Houve uma segunda-feira em que o médico disse algumas palavras promissoras sobre o meu pai. O que senti naquele momento não foi nem esperança: foi pura euforia. Um júbilo ilógico, sem cabimento, sem o menos pé na realidade. Meu pai, do seu leito, também se animou: puxa, será que vou poder voltar para casa em breve?
Ah, voltar para casa, voltar para casa. É só o que queremos, é só o que os doentes querem, era só o que minha mãe e meu pai queriam. ...”
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