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Plágio ou homenagem? Conheça algumas polêmicas no cinema e na literatura
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Plágio ou homenagem? Conheça algumas polêmicas no cinema e na literatura
Após o anúncio dos indicados ao Oscar 2018, duas produções que concorrem na categoria de Melhor Filme foram acusadas de plágio: A Forma da Água e Lady Bird – A hora de voar. A primeira delas, A Forma da Água, dirigida pelo cineasta mexicano Guillermo del Toro é recordista em indicações ao Oscar deste ano com 13 categorias. No entanto, David Zindel, filho do escritor vencedor do Pulitzer Paul Zindel (1936-2003), alega que a trama é “claramente inspirada” na peça Let me Hear You Whisper, lançada pelo pai em 1969: “Estamos chocados que um grande estúdio tenha feito um filme obviamente derivado do trabalho do meu pai sem qualquer tipo de reconhecimento ou pedido de aquisição dos direitos”, afirmou David Zindel em comunicado enviado ao The Guardian.
No filme de Del Toro, uma faxineira muda Elisa (Sally Hawkins) cria uma amizade e se afeiçoa por uma criatura aquática desconhecida (porém semelhante a um hominídeo) mantida em cativeiro em uma instalação governamental. Ela usa comida para ganhar a confiança da criatura e desenvolve um plano para ajudá-la a fugir escondida dentro de um carrinho de roupa suja depois de ouvir os cientistas mencionarem que usariam a espécie para estudo. Segundo o site da Rolling Stone, em Let me Hear You Whisper a zeladora Helen também se apaixona por uma criatura aquática só que é um golfinho, igualmente criado em uma instalação do governo. Apesar de não ser muda Helen faz referência a mudez quando fala sobre a incomunicabilidade dos cientistas com o animal: “Alguns humanos são mudos, você sabe. Nós não os matamos só porque eles não podem falar”, diz a personagem. Ela também usa comida para ganhar a confiança do golfinho e utiliza um carrinho de roupa suja para escapar como animal. Na peça, os cientistas também falam sobre realizar a vivissecção do golfinho.
O longa indicado em 13 categorias no Oscar recebeu uma segunda acusação de ter plagiado um curta holandês de 2012 – da qual foi inocentado pela Academia local de cinema – mas nesta semana foi a vez de Jean-Pierre Jeunet, diretor de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001), acusar mais uma vez o diretor mexicano. De acordo com o realizador europeu, del Toro teria copiado uma cena inteira de Delicatessen (1991) em seu novo filme (via Ouest-France):
“Eu disse a ele: Você tem muita imaginação, muito talento. Por que roubar as ideias dos outros? Ele me respondeu: Nós devemos tudo a Terry Gilliam. Segundo ele, ele não roubou nada de ninguém, foi Terry Gilliam que nos influenciou. Mas é claro que roubou. Quando ele faz a cena de um casal sentado na ponta da cama dançando com os pés, com uma comédia musical passando na televisão ao fundo, é tão copiado e colado de Delicatassen que cheguei a dizer para mim mesmo em um momento que isso é a maior falta de respeito”.
Em seguida foi a vez da comédia dramática Lady Bird – A hora de voar, escrita e dirigida por Greta Gerwig, também ser acusada pela roteirista mexicana Josefina Lopez de ser parecida com seu filme Mulheres de Verdade Tem Curvas (Real Woman Have Curves), dirigido pela colombiana naturalizada americana Patricia Cardoso e lançado em 2002. Em entrevista para o portal Hoy Los Angeles, Josefina declarou: “Eu gostei de Lady Bird, mas, em certos momentos, pensei como a mãe [vivida por Laurie Metcalf] era parecida com a mãe do meu filme. Depois reparei como eles não iam deixá-la ir pra faculdade, como no meu longa. Parecia uma versão branca dele.” Lopez não está processando Gerwig, mas tem chamado atenção em diversas entrevistas para as similaridades entre os filmes.
Apesar das semelhanças, Josefina Lopez revela que a diferença na recepção de cada filme foi o que realmente a incomodou: “Eu também mereço um espaço em Hollywood e ter a oportunidade de continuar contando histórias impactantes. Eu escrevi uma versão melhor de Lady Bird que desafia o ‘status quo’. Queria que meu filme tivesse sido apreciado dessa mesma forma.” O longa Mulheres de Verdade Tem Curvas acompanha a história de uma adolescente de origem latina que nasceu nos Estados Unidos, um pouco acima do peso e que enfrenta dificuldades culturais, conflitos de classe e deveres familiares, ao mesmo tempo, que luta para realizar seus sonhos. O filme foi premiado no Festival de Sundance e chegou a ser exibido em mostras de cinema independente, mas não teve tamanha repercussão.
Mas não é de hoje que obras aclamadas, premiadas e amadas pelo público são acusadas de plágio por outros artistas ou cineastas. Em 2013, As Aventuras de Pi (Life of Pi) dirigido pelo taiwanês Ang Lee foi um dos favoritos ao Oscar com 11 indicações, incluindo: Melhor Filme, Melhor Diretor (venceu), Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Fotografia (venceu), Melhores Efeitos Visuais (venceu) e Melhor Trilha Sonora (venceu). No entanto, o roteiro foi adaptado do romance de 2001 de mesmo nome escrito por Yann Martel que por sua vez se baseou no livro Max e Os Felinos, do escritor brasileiro Moacyr Scliar (1937-2011), publicado pela primeira vez em 1981. Essa polêmica começou a ganhar visibilidade em 2002, quando o livro de Martel recebeu o prêmio Booker do ano e a imprensa levantou a suspeita de plágio como o próprio Moacyr explica:
Vicky Cristina Barcelona (2008), escrito e dirigido por Woody Allen também não escapou das acusações de plágio devido as “numerosas coincidências e paralelismos” com o romance Goodbye, Barcelona, escrito por Alexis de Vilar e registrado em 1987. O escritor catalão declarou em entrevista exclusiva ao site Hoy Cinema que Allen desfigurou seu livro para evitar qualquer queixa de sua parte: “Ele fez o que é chamado de ‘deslocalização dos personagens’: o romance foi alterado, passado pelo liquidificador para que não fosse reconhecido, mas eu o reconheci”, desabafa Alexis. Para haver plágio, as obras devem possuir coincidências em “títulos, frases, nomes, etc.”, e na opinião de Vilar o filme contém frases e cenas de seu texto. Goodbye, Barcelona foi finalista de prêmios na Espanha e passou por diversas editoras espanholas e estrangeiras, além de produtoras cinematográficas, mas só foi lançado em outubro de 2008, depois da estreia da produção de Woody Allen.
Em 2014, foi a vez de True Detective (HBO) ser acusada de plágio pelos blogs Thomas Ligotti Online e The Lovecraft eZine que juntos expuseram vários diálogos mostrando que o criador do programa, Nic Pizzolatto, havia reproduzido trechos do livro A Conspiração Contra a Raça Humana (The Conspiracy Against the Human Race: A Contrivance of Horror), de Thomas Ligotti. Segundo Mike Davis e Jon Padgett, fundadores dos blogs, algumas falas de Rust Cohle (Matthew McConaughey) célebre série da HBO seriam fiéis demais para configurar uma simples homenagem. Pizzolatto, que já havia se manifestado publicamente sobre a influência de Ligotti, comentou a respeito do assunto (via Omelete):
“Nada na série True Detective foi plagiado. Os pensamentos expressados por Rust Cohle não representam nenhum pensamento ou ideia específica a nenhum autor; na verdade, eles são dogmas de uma filosofia pessimista e antinatalista com uma tradição histórica que inclui Arthur Schopenauer, Friedrich Nietzche, E.M. Cioran e vários outros filósofos, todos os quais expressaram essas ideias. Como um pessimista autodidata, Cohle fala sobre essa filosofia com erudição e em suas próprias palavras. As ideias dentro dessa filosofia certamente não são exclusivas de nenhum escritor.”
No ano passado, a Netflix também foi acusada de plágio por causa do filme Código de Silêncio (Burning Sands). A informação é do portal Terra. O escritor Al Quarles Jr. afirma que Christine Berg e o diretor Gerard McMurray finalizaram o roteiro do longa dois anos após o lançamento do primeiro volume de sua obra sem terem adquirido os direitos de adaptação, copiando cenas e diálogos inteiros. Al Quarles Jr. está processando a companhia de streaming, a produtora e os roteiristas do filme por terem utilizado seu livro, Burning Sands: My Brothers Keepers, sem sua autorização legal ou ciência: “O livro narra uma história de amadurecimento de seis jovens que tentam entrar em uma fraternidade de uma universidade rural, historicamente negra. Em adição ao título e cenários idênticos, a narrativa do filme contém elementos que são virtualmente idênticos aos do livro, incluindo personagens com os mesmos nomes e pontos da história que foram criados para criar os mesmos significados e representações”, escreveu o advogado de Quarles Jr. na ação movida pelo autor.
Aqui no Brasil, na época da exibição da novela A Sucessora (1978), produzida pela Rede Globo, muitos acreditaram, erradamente, que a trama se baseava no livro Rebecca da inglesa Daphne Du Maurier. Porém, A Sucessora é o nome de um romance da escritora brasileira Carolina Nabuco (1890-1981) publicado pela primeira vez em 1934. O livro de Daphne du Maurier que inspiraria o filme homônimo de Alfred Hitchcock, em 1940, foi publicado em 1938 quatro anos depois de A Sucessora. As semelhanças entre as duas histórias foram destacadas em artigo publicado no The New York Book Review, segundo conta a própria Carolina nas páginas de Oito Décadas, sua autobiografia: . O fato teve repercussão no Brasil, mas Carolina não cogitou processar os editores ingleses. Quando o filme Rebecca chegou ao país, os advogados da United Artists a procuraram para que assinasse um termo (mediante uma compensação financeira) concordando que tinha havido “coincidência”, mas Carolina negou-se.
O princípio químico da conservação de massas, também conhecido como Lei de Lavoisier, é sintetizado na frase: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Em outras palavras: “nada vem do nada”. Essas duas frases por mais poéticas que sejam querem dizer a mesma coisa: a matéria não surge espontaneamente. Voltando ao mundo das Artes, será que o mesmo princípio não poderia ser aplicado? Toda obra tem um ponto de inspiração que pode surgir de acontecimentos da vida real ou fazendo referências a outras criações. O plágio é caraterizado pela cópia de um texto completa ou parcialmente sem dar os devidos créditos ou sem a autorização do autor para fins comerciais ou acadêmicos. O plágio é crime com pena prevista em lei em vários países pois isso configura uma forma de roubo de ideia. No Brasil, os direitos autorais são assegurados conforme o Art. 5º, incisos XXVII e XXVIII, da Constituição Federal e o Código Penal brasileiro tem uma sessão que trata especificamente dos Crimes Contra a Propriedade Intelectual (Art. 184 a 186).
Em um livro a ser publicado pela editora D.S. Brewer e pela Biblioteca Britânica, os pesquisadores Dannis McCarthy e June Schlueter sugerem que 11 obras de William Shakespeare teriam sido inspiradas no manuscrito A Brief Discourse of Rebellion and Rebels (Uma Breve Dissertação Sobre a Rebelião e os Rebeldes, em tradução livre), escrita por George North em 1500. Dennis McCarthy, que é um autodidata nas obras de Shakespeare, usou o software antiplágio WCopyFind, por meio do qual foi possível identificar palavras e frases que as obras possuíam em comum. Segundo o pesquisador, o dramaturgo britânico repete uma sucessão de palavras usadas no trabalho de North no discurso inicial de Ricardo III. É normal encontrar algumas palavras em comum, mas não todas: “É uma fonte para a qual ele [Shakespeare] continua voltando. Isso afeta a linguagem, ajuda a moldar as cenas e, até certo ponto, influencia a filosofia das peças”, afirmou o especialista em entrevista ao jornal The New York Times.
Já o designer e escritor Austin Kleon fez um manifesto ilustrado sobre como ser criativo na era digital intitulado Roube Como um Artista, publicado no Brasil em 2008 pela editora Rocco. O livro entrou na lista dos mais vendidos do The New York Times e mostra com bom humor, ousadia e simplicidade que não é preciso ser um gênio para ser criativo, basta ser autêntico. Após listar as 10 dicas sobre criatividade que serão abordadas ao longo da obra, Kleon usa citações de grandes nomes do universo artístico dentre eles Pablo Picasso, considerado o mestre da pintura no século XX, que afirmou que “Arte é furto” e T.S. Eliot, poeta e dramaturgo premiado com o Nobel de Literatura em 1948, que disse: “Poetas imaturos imitam; poetas maduros roubam; poetas ruins desfiguram o que pegam e poetas bons transformam em algo melhor, ou pelo menos diferente. O bom poeta amalgama o seu furto a um conjunto sensível que é único, completamente diferente daquele de onde foi removido.”
Na sétima arte o debate em torno da apropriação artística de forma indevida também é recorrente. Uma cena muito homenageada no cinema é a sequência do fuzilamento na escadaria de Odessa, do filme O Encouraçado Potemkin (1925), do cineasta soviético Sergei Eisenstein. Pelo menos outros dois grandes diretores prestam tributo ao mestre soviético: Alfred Hitchcock em Correspondente Estrangeiro (1940) e, mais tarde, o cineasta norte-americano Brian De Palma na cena do tiroteio entre os gângsteres de Os Intocáveis (1987).
Outro momento icônico do cinema foi protagonizado por Jack Nicholson como Jack Torrance, em O Iluminado, quando ele quebra uma porta com um machado. Essa cena, por exemplo, foi inspirada em um filme bem mais antigo: A Carruagem Fantasma (The Phanton Carriage), de 1921, do ator e cineasta sueco Victor Sjöström (1879-1960).
Em Pulp Fiction: Tempo de Violência, mais do que um plágio, uma praxe no cinema de Quentin Tarantino: quando Butch (Bruce Willis) está dirigindo um carro e dá de cara com Marcellus Wallace (Ving Rhames) atravessando a rua na sua frente também é igual a cena clássica de Psicose (1960), de Alfred Hitchcock, em que a secretária Marion Crane (Leigh) dá vê seu empregador no sinal após dar um desfalque na imobiliária onde trabalhava. Aliás, Quentin Tarantino é um desses cineastas que sempre presta homenagens e referências a outros filmes, mas o agressivo Kill Bill – Volume 1, de 2004, tem exatamente a mesma premissa e muitas cenas de ação parecidas com Lady Snowblood – Vingança na Neve (1973), do diretor japonês Toshiya Fujita, que por sua vez já era uma adaptação do mangá homônimo escrito por Kazuo Koike.
Posteriormente, outro caso repercutiu bastante dessa vez envolvendo o ilustrador inglês William Roger Dean, notório por seus trabalhos realizados para bandas como Yes e jogos eletrônicos, que se manifestou na época do lançamento de Avatar, em 2009, dizendo que James Cameron e companhia copiaram suas ilustrações para criar o mundo de Pandora em um dos filmes mais bem-sucedidos da história do cinema.
O arquiteto americano Lebbeus Woods foi outro que reclamou do uso de uma de suas obras no filme Os 12 Macacos (1995), dirigido por Terry Gilliam. Trata-se de uma cadeira alongada fixada no alto de uma parede intitulada Neomechanical Tower (Upper) Chamber. Woods reivindicou o uso de seu design pelo cineasta na cena em que o ator Bruce Willis é interrogado pelos cientistas sentado em uma cadeira presa na parede.
O que se conclui é que a apropriação artística pode ser pensada como uma prática para endossar a corrente que afirma que a autoria na arte é uma noção ultrapassada ou equivocada, mas não é bem assim que muitos artistas se sentem a respeito de terem suas obras sendo usadas como referências para outros trabalhos. Diferentemente do plágio que tem por interesse se fazer passar pelo autor original, a apropriação reside no fato de que os artistas devem propor algum novo sentido ou tornar possível uma releitura a partir da obra escolhida para então assim tornar seu trabalho legítimo de alguma forma. Um exemplo disso é O Rei Leão, um dos maiores clássicos de animação da Disney, que é baseado em Hamlet peça escrita por William Shakespeare entre 1599 e 1601. Tanto o filme quanto a peça de Shakespeare têm em comum o enredo no qual um jovem príncipe tem a sua vida e posição ameaçadas depois que seu tio mata seu pai assume o trono. O que os roteiristas da animação fizeram foi deslocar a trama original para o ambiente da selva e transformá-la em uma fábula na qual o leão, conhecido por ser o rei da floresta, é traído por seu irmão ambicioso.
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