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terapianocirco · 8 years ago

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Divina

Muito se escuta dizer quanto é gratificando ajudar o próximo, ver um sorriso como retribuição por um gesto seu, saber que a pessoa se sentiu amada por uma conversa ou até mesmo - como disse o seu J. - com um abraço amigo. Foram tantas histórias, tantas lições de vida, tantos problemas encarados com tanta fé - sim, eles mesmo dizem: fé o que faz com que eles acreditem na mudança - que me surpreendi com a energia de amor, compaixão e paz da Divina Misericórdia.

Com histórias tão próximas de superação nascidas por problemas em comum, mas resultadas de situações tão distintas: morte de parentes próximos, desilusão com mulheres, abandono familiar ou até problemas na escola.

Como disse o D.: Viemos eu e meu irmão, assim a gente se apoia e sai daqui pra viver junto e bem; ou como disse o M.: Aquele ali (apontando para o lado) é o L., meu irmão. Estou aqui faz 1 ano e 8 meses, saio em Dezembro porque fui contratado como motorista, vou viajar dirigindo caminhão. Hoje, minha atividade aqui é dirigir o carro branco ali, de entrega, tá vendo? Levo todo mundo para o médico, busco quando alguém novo quer vir pra cá... Mas levar embora eu não levo não, isso é escolha errada! Mas é a que o L. sempre faz. Só que é meu irmão, né? Não posso desistir dele.

Muitos irmãos - de coração, alma e sangue - unidos com a vontade de superar o passado, ter forças para viver o presente e sonhar com um futuro melhor. Foram tantos sorrisos, mesmo com histórias tristes e muitas lágrimas nos olhos, que me surpreendi como todos aqueles homens que, por misericórdia mesmo, buscam o melhor sentimento em todas as situações.

D. - 25 anos: - 17 passagens pela polícia: 33, 121, 155 e 157; - um irmão preso; - uma irmã na rua; - um outro irmão em reabilitação; - a mãe sozinha em casa (com câncer, tuberculose e alcoólatra); - servente de pedreiro, incentivado a beber pelo mestre de obras para conseguir se equilibrar no andaime, já que treme - por abstinência do álcool; - bebe - pinga, e no gargalo - desde os 7 anos; - fuma - pedra e maconha - desde os 13 anos.

Desculpa, bebia e fumava. Decidiu mudar de vida, se reabilitar e 'ser alguém na vida' (sic). Quer construir uma família, conseguir um trabalho (batendo laje, porque é o que ele gosta de fazer e o que ele faz de melhor), ter uma casa e - assim como nós todos - ser feliz. E eu, com menos idade que ele e com experiências de vida tão distintas, o que pude fazer por ele?

Ouvir! Durante 01 hora eu ouvi. Ouvi com atenção, e ele se surpreendeu que eu sabia os códigos penais citados nas suas passagens, e também que eu conheço o bairro que ele morou e mais ainda que frequento - como aluna de iniciação a docência - a escola que ele ia jogar bola aos Sábados. E que falta faz aquilo: ah, como era bom ir lá jogar. E descobri que era isso mesmo que ele precisava: alguém para ouvir, para rir das histórias dele, para compartilhar que ele - SURPREENDENTEMENTE - desviou de dois tiros e riu, aliviado por ter feito um 'matrix' e correr para dentro da cozinha da casa da mãe. E também para pegar no pé dele, por ser briguento demais, e para ouvir que por mim, por ele e por nós, só Deus. E para ficar esperta e não olhar para o G., que as vezes acredita que estão olhando torto para ele e não se preocupa em trocar palavras não, vai logo partindo 'pra dar cadeirada', né D.?

E no final - ou em um novo começo-, aquelas rodinhas todas com locutores da vida e ouvintes pacientes, formaram uma grande, tímida, quieta e curiosa roda - com convidados que não trocaram uma palavra, mas que gostaram da presença do violão. Começamos com Anjos (O Rappa), a pedido do R., que arrasou no vocal... e fomos parar lá na Galopeira, com um dos moradores arrasando no fôlego.

Tudo tão tocante, animado e lindo... mas eu não poderia acabar sem falar que o poeta foi o que fez meu coração bater mais forte. Cada palavra dita com tanto amor, força e verdade que eram sentidas na alma. Recitou Francisco Cuoco com tamanha intimidade que deixo aqui registradas as palavras ditas:

‘ Hoje senti raiva do mundo Depois senti raiva de ter sentido Condenei você, culpei você, Mas não procurei saber dos meus defeitos E são tão perfeitos Que até as minhas virtudes São defeituosas... Hoje eu vi as pessoas Que cantam sem querer Que bebem sem querer, Que riem sem querer Que não choram Para não estragarem a cara Acho que todos nós temos Um pouco de tudo isso Mas o melhor, É sair fora da mentira... Amei. Amo, e agora estou só, Arrependido de só querer, Dei tão pouco a você Pensando que estava dando muito Você pode pensar Que eu não tomava conhecimento De tudo que se passava com você Foi um erro seu e meu Não fomos bastantes inteligentes Para irmos até o fundo Porque o fundo é o final Todos temos medo do final As pessoas que vivem, Amam sem querer, Ganham sem querer Não ambicionam, Desejam! Sentem! Vamos esquecer os ferimentos Que não chegaram a cicatrizes Vamos sorrir, chorar, gozar, Sentir, xingar, Andar livres de braços abertos, Aproveitar todos os momentos Que não passamos, Todos os desejos que não sentimos, Gritar, Gritar porque a vida é um grito Quero gritar que amo, Que amei e que amarei você Intensamente Deixe-me beijá-la, Quero amar até o fundo sem ter medo Não existe fim, Nós é que acabamos Se um dia iremos acabar, Vamos acabar juntos... ‘

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