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✧ MARATONA OSCAR 2024 › Oppenheimer
Daqui a somente algumas horas vamos descobrir o nome do vencedor do grande prêmio, e todos os caminhos levam a Oppenheimer. Essa é a última crítica da maratona Oscar 2024, que desemboca no blockbuster de Christopher Nolan sobre o criador da bomba atômica, que dizimou duas cidades japonesas e deu aos Estados Unidos o mérito de finalizar a Segunda Guerra.
Oppenheimer é um ótimo filme, mas que não se destaca em relação ao que os seus rivais oferecem. Para mim, o único motivo de ele ganhar essa evidência é o seu americanismo exacerbado, que combina exatamente com a identidade do Oscar, não importa em que ano ele esteja. “Nós criamos a bomba atômica, nós demos luz a um dos maiores gênios da contemporaneidade, a Segunda Guerra só teve fim por nossa causa”. A história, como qualquer biografia, precisa mesmo ser elevada através da visão de um diretor, mas sua controvérsia levanta questionamentos sobre se deveria ter sido contada ou não.
Da forma que foi feito, para mim não fez muito sentido — ele fez a bomba, ele sabe o que uma bomba faz, então por que estamos procurando vítimas nesse lado da história? É um relacionamento que devia ser mais complexo entre o criador e sua criação, mas diante do resultado de Oppenheimer, não parece. Parece raso. É muito fácil não compreender o personagem principal e não sentir empatia por ele, mas claramente esse não era o objetivo de Christopher Nolan.
Com o longa, o diretor procurou dar ênfase ao Oppenheimer e trazer sua perspectiva para abalar a audiência, mas se ele queria isso, por que não ir mais fundo? Nolan se utiliza das questões legais para trazer profundidade e atenção às consequências de seus atos, mas a relação do personagem com isso não é suficiente para medir seu arrependimento ou o quanto ele refletiu sobre o caos que criou. Parece que as questões legais são a única coisa que o fazem pensar sobre os impactos de seus atos, e a intensidade do seu remorso se resume ao diálogo minúsculo com o presidente. Lendo sobre Oppenheimer, há uma referência sobre os momentos entre o lançamento da bomba e as investigações, nos quais o físico faz declarações que pedem o controle de pesquisa sobre as armas nucleares. Esse é um aspecto que poderia ser explorado com mais afinco para entendermos melhor o seu pesar.
A estrutura da narrativa, em si, �� ótima. A decisão de alternar entre o “pré-bomba” e o “pós-bomba”, combinado ao uso colorido ou preto e branco das imagens, dinamiza um filme que tinha potencial de decepcionar com o uso do tempo. Oppenheimer também acerta muito na fotografia e no som, criando uma atmosfera plausível com o prometido. A cena mais aguardada, da bomba atômica em si, impressiona, e surpreende por não nos dar o “boom” esperado, mas sim, o silêncio contemplativo de estarmos testemunhando o nascimento de uma coisa terrível.
A atuação de Cillian Murphy supera expectativas, como sempre, mas parece estar mal encaixada na ideia do filme. Ele vive um ótimo Oppenheimer e eu tenho certeza de que seria capaz de nos fazer sentir mais por esse personagem, mas o trajeto não permite isso. Mesmo assim, é ótimo quando figuras históricas adquirem uma vida mais palpável nos filmes biográficos e isso foi bem feito no longa.
Porém, sinceramente, senti mais empatia pelo “vilão”, interpretado pelo icônico Robert Downey Jr., do que por Oppenheimer. O toque vilanesco que ele dá ao personagem, sem muito exagero, com naturalidade, é perfeito, e realmente parece um papel feito para o ator. Eu espero que ele garanta seu Oscar, também, embora a categoria disputada esteja cheia de atuações divinas.
As mulheres de Oppenheimer são maravilhosas, e é muito legal que elas tenham seus momentos de destaque na trama. Assim como em Assassinos da Lua das Flores, eu não acho que as três horas de Oppenheimer são dispensáveis, porque elas puderam nos proporcionar momentos como os das personagens Kitty (Emily Blunt) e Jean (Florence Pugh) que nos dão uma dimensão ainda mais humana do Oppenheimer e ajudam Nolan a chegar onde ele quer. Esses detalhes de sua vida são o que preenchem a obra e não a deixam cair na chatice, mesmo sendo um filme gigantesco que fala sobre física quântica. Também gostei de como não quiseram nos ensinar física quântica com o roteiro e mesmo assim foi possível engajar a audiência.
Embora eu tenha criticado o viés de Oppenheimer, acredito que o roteiro dá uma direção muito mais interessante para as decisões de Nolan, porque é ele quem exalta um ponto importantíssimo para simbolizar o personagem. Com “eu sou a morte, destruidor de dois mundos” e outras bolas dentro, é possível compreender pelo menos uma coisa sobre Oppenheimer: o poder que ele adquiriu sobre a humanidade a partir da sua invenção. Essa é a única coisa que Nolan não deixa ser questionada, desde o começo do filme. Openheimer cria algo abominável, com certeza, mas que deu a ele poder, acima de tudo. Apesar de ser uma arma nacional, a bomba atômica é criação sua, e a responsabilidade sobre ela — mesmo antes de ser usada — parece muito maior quando seu nome é o assinado na produção dela, do que quando vira uma forma de ataque.
Em suma: Oppenheimer tem uma arma de destruição gigantesca nas suas mãos, e esse domínio sobre ela, acima da responsabilidade, é muito mais bem utilizado como premissa no filme do que o remorso. Afinal, ele sabia muito bem quais seriam as consequências. O que fascina é a conquista do poder, e não a culpa que ela traz.
O longa é, incontestavelmente, um bom filme, mas a indústria o transformou em um símbolo controverso. Mais ou menos como uma fábula americana. De qualquer forma, o elenco é de peso, o roteiro é ótimo, a fotografia também, então, caso realmente leve o maior prêmio da noite para casa, não levantará indignação.
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✧ MARATONA OSCAR 2024 › Pobres Criaturas
Em um recorte temporal difícil de identificar, o cientista Godwin Baxter (Willam DaFoe) une o cérebro de um bebê ao corpo de uma mulher adulta e cria Bella Baxter (Emma Stone). Pobres Criaturas acompanha o processo de crescimento desse experimento científico que fascina a todos ao seu redor e faz descobertas constantes sobre a humanidade, o mundo, e acima de tudo, o sexo.
Pobres Criaturas faz o que eu mais amo no cinema, que é valorizar e contar bem uma história sem causar sono no público. Hoje em dia, eu sinto que, para agradar um certo padrão, se tornou fácil fazer um filme “profundo” se você permitir vários momentos silenciosos e depender somente da atuação para elevar o entendimento do filme a um nível espiritual. Isso se tornou banal. Eu admiro filmes que, além de tudo, não precisam lutar para ter a atenção total do telespectador, principalmente quando apresentam uma proposta que pode levantar algumas sobrancelhas, de primeira. Acho que estamos testemunhando, hoje mais do que nunca, uma categoria de filmes no Oscar que não precisam ser silenciosos, totalmente metafóricos e subjetivos para serem considerados “bons”. As ações são tão valorizadas quanto a falta dela para desencadear emoções.
Yorgos Lanthimos traz uma tradução especial do livro de mesmo nome que inspira o filme e faz tudo sobre ele ser perigosamente singular, até se misturado com as suas outras obras. Por trás dessa visão anacrônica e bizarra de mundo, existe a dedicação em dar a Pobres Criaturas um toque pessoal nunca visto, pretensões arriscadas demais para serem solidificadas. Percebe-se uma semelhança criativa com seus trabalhos anteriores: não somente com o exagero de suas interpretações da vida real, mas também com a coragem de brincar com a barreira que cria limites e moldá-la para fazer arte. Particularmente, não é meu tipo favorito de filme — os que desafiam demais a linha do “normal” —, mas requer uma inteligência e talento fora do comum para tirar essas imagens do mundo das ideias.
Agora, é a parte em que tento justificar minhas míseras três estrelas de avaliação, apesar de apreciar tanto o filme: Yorgos toma a decisão radical de apresentar Bella como uma figura tão sexual quanto humana, e o sentimento é de que suas peculiaridades, como um experimento pronto para a convivência social, e seus interesses, se reduzem a sexo. Obviamente, a sexualidade é, sim, parte essencial do que precisa ser retratado, mas é necessário visualizar a trajetória de Bella em sua totalidade: ela tem um cérebro livre, capaz de apreender todas as informações que o mundo tem a oferecer, e, mesmo assim, o sexo parece ser a única coisa que a define.
Esse fator se sobrepõe à singularidade dela, e diminui o valor empírico das outras situações com as quais ela interage — como a desigualdade social e de gênero, o amor, a pureza, a raiva masculina, etc. Somente no final do filme, quando ela está perto de descobrir a verdade sobre si, esse apego ao sexual diminui, mas ainda é citado com frequência, e parece que tudo, inevitavelmente, lida com sexo, e não há outra forma de explorar a mente e personalidade curiosas de Bella.
No entanto, consigo entender o objetivo do diretor com isso, e admiro sua coragem em utilizar o sexual dessa forma. A obsessão por esse aspecto (que não é novo em seus projetos) é indicar o quanto esse fator é intrínseco à humanidade, e os momentos onde essa necessidade está mais predominante na vida de Bella, são os mesmos em que ela está no ápice da sua curiosidade, na missão de conhecer o mundo. Além de ser uma metáfora à sua sede por sabedoria, pode-se dizer que esses momentos, do “meio” do filme, são como a adolescência da personagem, quando os hormônios mais se encontram à flor da pele. Ao passo que ela vai adquirindo mais bagagem sobre a vida, esse deixa de ser um tópico centralizado, mas ele ainda escorre pelos outros temas abordados e nunca seca completamente — mais ou menos como acontece na realidade, com todos nós.
Apesar desse entendimento, não posso dizer que foi uma abordagem que me agradou, já que eu gostaria de ver Bella lidando de forma mais aprofundada com os outros tipos de problemática, como o capitalismo ou a misoginia. Mas tudo bem não ter me agradado. Nós não precisamos dar toda à razão as coisas só porque elas são boas.
Pobres Criaturas usa de uma personagem para simbolizar a trama, e por mais que eu acredite que Bella Baxter, na interpretação genial de Emma Stone, seja capaz de fazer o filme ser maravilhoso sem nenhuma influência externa, ela não é a única coisa em que a obra se apoia para criar sua identidade. A união da atriz com os cenários lúdicos e os elementos visuais, com o equilíbrio entre o moderno e o futurístico, o roteiro genial e o elenco de peso não tem o exagero feito para ofuscá-la, mas para harmonizar com essa personagem tão magnificamente criada.
Seu visual, as roupas, o crescimento exagerado do cabelo… a mesma dedicação em transformar Bella Baxter em um ser especial foi refletida no seu design, e, consequentemente, isso potencializa a carga de Bella como essa personagem irreal, elétrica, praticamente sobre-humana. Um filme que acompanhe o dia a dia de bela, sem a necessidade de qualquer plot já seria fantástico por si só.
Os coadjuvantes do filme, Mark Ruffalo e Willam DaFoe, não precisam da denominação de protagonistas para serem aplaudidos pelos seus papéis. Na direção, fica evidente o cuidado para mantê-los nas beiradas dos holofotes que ficam sobre Emma Stone. Eles são, também, extraordinários, mas não podem ser — e não são — tanto quanto Bella. Em muitos filmes não há essa disposição clara dos “x no chão”, onde alguns personagens precisam se posicionar para não se ofuscarem, mas aqui isso é muito utilizado, até porque sabemos que os dois coadjuvantes são capazes de fazer isso, se quiserem. A atuação de Emma a eleva a outro paradigma, dentro da trama e na sua carreira, mas esse pedestal é muito amistoso: Bella precisa brilhar, e o faz, com o auxílio dos outros personagens maravilhosos que lhe motivam e atiçam suas vontades o máximo.
A capacidade de não ter um público-alvo e não desenhar limites para quem precisa gostar ou não do longa imprime em Pobres Criaturas seu selo de qualidade como obra de arte. É importante ver o reconhecimento desse tipo de criação no Oscar, e que sua nomeação — e possível vitória — sirva de incentivo para que mais riscos sejam tomados e que hajam mais obras com potencial de mexer com a, como dizem em Pobres Criaturas, “polidez social”.
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Em Assassinos da Lua das Flores, Martin Scorsese vai se dedicar plenamente à história de Mollie Burkhart (Lily Gladstone), uma mulher indígena da tribo Osage que se casa com o homem branco Ernest Burkhart (Leonardo DiCaprio) e vive um pesadelo após uma série de assassinatos na sua tribo. Enquanto isso, o “Rei”, tio de Ernest, interpretado por Robert DeNiro, transforma a cidade em um tabuleiro de xadrez e faz das vidas ao seu redor — especialmente a do casal — seus peões.
O processo de levar a cultura Osage ao cinema com certeza foi delicado, evidentemente feito com muita pesquisa e respeito. Assistindo ao filme, percebe-se que essa representação foi definitivamente um avanço para a representação indígena em Hollywood. Como o próprio Scorsese disse, em entrevista para a Enterteinment Weekly: “Nós esperamos que (esse filme) seja entretenimento com profundidade, que possa alcançar um nível da verdade”.
No projeto, o diretor mostra lealdade ao tipo de direção que prestigia seu nome, e o faz com a disposição de explorar novos horizontes na questão temática. Ele exibe a mesma confiança com o uso do tempo (pouco importa o que vão achar da duração — a audiência que ele quer alcançar é a que se dedicará às três horas de história) e com o andar da narrativa, respeitando a sua identidade fílmica. Certamente, esse apego a uma certa “fórmula” deve ser o mais controverso sobre sua carreira, mas não dá para dizer que decepciona.
Lily Gladstone é merecidamente reconhecida como personagem principal e protagoniza, também, a conquista de ser a primeira nativo-americana indicada a categoria de Melhor Atriz. Ela toma conta da trama não só por ser o elemento chave do desenvolvimento, mas por desconcertar o sistema de domínio estabelecido pelo personagem de DeNiro. Na personagem, Lily vive o cruel luto da perca da maior parte da sua família, e sua interpretação não é nada menos do que fenomenal. Todas as transições pelas quais Mollie passa — o início das tragédias, a doença em estágio intensificado pelo envenenamento do marido e o reerguer das suas forças, no final — são situações muito delicadas, dominadas com maestria pela atriz. Lily dá a Mollie uma força substancial, mas que não é diminuída pela dor em seu semblante, pelo peso nas suas costas. A capacidade de dar proporções corretas a esses detalhes é o que faz a atriz entregar uma performance única.
Por outro lado, é impressionante a habilidade que DiCaprio tem de se esquivar de um Oscar. Na lista dos indicados, DeNiro ganha indicação para ator coadjuvante, Lily para melhor atriz e DiCaprio, com nome de peso e protagonismo iminente, não leva nada. A nomeação dele não mudaria a rota da vitória, mas seria um reconhecimento válido, pois o ator aqui traz outras dimensões do seu talento que precisam ser reconhecidas. Estamos muito acostumados a vê-lo em personagens inabaláveis, fortes, confiantes e inteligentes, que sempre tomam as decisões certas. Martin Scorsese pega esse histórico e joga fora, o desafia.
Para fazer Ernest, DiCaprio invoca as características mais chulas de um homem e as equilibra com seu amor incondicional por Mollie. Ele não é exatamente um vilão, uma pessoa ruim — pelo menos não tanto quanto seu tio — e DiCaprio sabe tornar essa especificidade muito identificável. As decisões dele não são baseadas em gênio ou em vontades, mas nas palavras de seu tio. Um bom roteiro é essencial para o personagem de Robert DeNiro, um vilão boa peça que não pode ser facilmente tirado do jogo e usa tudo ao seu favor. Se ele não soubesse falar as coisas certas, Ernest não confiaria nele, e nada do que vemos no filme aconteceria.
Para o sobrinho do Rei, a confiança cega é uma faca de dois gumes: começa a ser validada, inicialmente, pela sua ingenuidade, e depois, ela é a sua única opção, mesmo quando percebe o tamanho do seu erro. O tio o mantém nas rédeas, e quando as solta, Ernest fica sem chão. Apesar de os holofotes estarem em Mollie — tudo, afinal, orbita ao redor dela — e do seu tio movimentar as peças no tabuleiro, é o seu dilema, a confusão criada em sua cabeça por responsabilidade própria, que faz as três horas de filme correrem como minutos. Em contraponto à situação excruciante da esposa, Ernest dá o tom à obra com a ação que mantém o ritmo perfeito até o final.
O final de Assassinos da Lua das Flores mostra, além de tudo isso, o porquê de ele ser um competidor tão feroz na corrida para o prêmio de Melhor Filme. Ao devolver à realidade o que foi colocado no plano fictício, Martin Scorsese enfatiza seu respeito à história real e leva ao público o pensamento de que a responsabilidade da sua arte foi cumprida. Sem lacunas, plot twists ou ideias mirabolantes, o longa manteve sua dignidade diante das possibilidades e escreveu seu nome na lista dos novos clássicos.
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✧ MARATONA OSCAR 2024 › The Holdovers
Um filme de Sessão da Tarde ganha o coração das premiações de cinema, unindo a memória afetiva dos filmes antigos com a qualidade técnica dos anos 2020. The Holdovers é um drama clássico sobre a famosa premissa dos rejeitados, que abriga personagens amáveis, identificáveis e especiais na medida exigida pela história.
O equilíbrio entre o realista e o cinematográfico é o verdadeiro charme de The Holdovers. Desde o início, os retratos conhecidos — o professor mal-humorado (Paul Gianatti), a cozinheira bem (Joy Da’Vine) e o aluno rebelde (Dominic Sessa) — criam uma atmosfera de conforto que assenta o telespectador e o prepara para os outros detalhes substanciais que completarão a trama. O professor não é mais um vilão, a cozinheira lida com o luto e o aluno rebelde sofre com a desestruturação da sua família desde que o pai foi diagnosticado com demência. A dedicação em estruturar tais características faz com que o filme não se renda ao clichê natalino.
Esse é um daqueles filmes que não pode dizer que tem personagem principal. A divisão de tempo de tela não importa, na minha opinião, se os três têm a importância enfatizada igualmente, e se a história fosse completamente diferente sem um deles; o trio é o que sustenta e diversifica a narrativa, e isso é responsável por boa parte do que mantém o interesse de quem assiste. O roteiro sabe usar essas personalidades sem ofuscá-las entrei si, e a direção percebe que a trajetória fílmica precisa passar por todas elas para fazer o trabalho direito.
Sinto que não preciso falar sobre Paul Gianatti, pois seu nome já é muito citado quando o tema é The Holdovers. Quero falar sobre Da’Vine Joy, que é uma felicidade no elenco. Para mim, ela é a personagem mais interessante, e mais importante, por equilibrar as interações intensas entre Paul e Angus e introduzir uma perspectiva diferente ao filme. Ainda saindo do cenário escolar e do que é esperado, sua história não se destoa do que dá sentido ao decorrer do filme, e é uma preciosidade acompanhá-la: suas palavras, sua coragem e sensibilidade são indispensáveis para dar ao longa o tom ideal.
A fotografia de Holdovers é reconfortante; as cores, a qualidade da imagem e a cinematografia são parte do que nos faz sentir abrigados. O longa insiste bastante na estética dos anos 70 em todos os aspectos visuais, inclusive na pós-produção, sem parecer forçado. Essa inspiração é uma bela homenagem ao que conhecemos e amamos.
Tem um detalhe especial sobre o filme que passou despercebido na maioria das críticas: o som. Logo na primeira cena, me senti transportada aos filmes dos anos 80, pois a qualidade do áudio, nas vozes, remonta aos microfones usados na gravação dos filmes antigos. É um tipo de som que se sobressai acima dos outros mais naturais, facilmente reconhecido como vindo de uma gravação, e uma peça inserida com muito carinho para adicionar à nostalgia criada.
The Holdovers não é um filme que força expectativas sobre si ou se superestima — o que é belíssimo, porque nada dá a uma obra de arte direito algum de se auto-valorizar sozinha (está ouvindo, Maestro?). Assim como Jonathan Glazer fez com Zona de Interesse, Alexander Payne pesca um tema que já conhecemos bem e encontra outras formas de desenvolvê-lo e cativar o público com ele. O clichê bem feito funciona — não é só recriar o que sabemos que a audiência gosta, mas sim, potencializar a fórmula através de mecanismos de comunicação bem desenvolvidos. Bons atores, bom roteiro e boa cinematografia em cima de uma narrativa familiar não faz a obra ser uma ameaça aos seus precedentes, mas sim, uma herança.
No final das contas, The Holdovers tem capacidade de ser um “CODA” e nos surpreender no momento do grande prêmio. E ainda, mesmo se sair sem a estatueta principal, certamente se tornará um clássico para participar das próximas comemorações de Natal.
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✧ MARATONA OSCAR 2024 › Anatomia de uma Queda
Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, Anatomia de uma Queda faz as perguntas certas mas deixa para nós a responsabilidade de dar as respostas. Elevar o simples “quem matou?” clássico do cinema a uma questão de “matou ou não?” é o detalhe semântico que faz florescer na obra todos os seus outros elementos fascinantes.
A magnitude de Anatomia de uma Queda está fincada nos seus personagens. O longa se faz a partir deles (roteiro, produção visual, cinematografia) e se concentra profundamente nos seus cernes. Essas pessoas foram criadas somente para a história, mas a história só existe por causa delas. Tal aspecto é o que solidifica a trama e a traz uma humanização fora do comum. Podemos imaginar todos aqueles personagens tendo vidas antes e depois das duas horas e meia de filme.
Sandra Hüller já tinha no currículo um filme de 2023 concorrendo ao Oscar de Melhor Filme, mas é em Anatomia que ela consegue os holofotes e disputa o Oscar de Melhor Atriz. Justine Triet, na direção, não lhe disse se a personagem Sandra era culpada ou não — a única coisa que a atriz sabia era que deveria agir como uma pessoa inocente. Assim, a essência dessa mulher, acusada de assassinar o marido, é incapaz de ser um álibi. Sandra Hüller acata as duas ordens da direção que dizem: 1) você é inocente, e 2) você é uma mulher inteligente, determinada e segura, e a união dessas duas coisas na sua interpretação é o que a torna tão poderosa.
Apesar das acusações, está claro o que Sandra sente sobre seu casamento e ela não está disposta a fingir nada para ganhar um bater de martelo ao seu favor. As decisões dela são intrigantes porque, ao mesmo tempo que defende sua inocência, o faz de forma fiel à sua personalidade. Seu jeito de ser, então, é uma variável que não trabalha sozinha para a determinação de um veredito, e isso inquieta o tribunal e o telespectador.
As dimensões da personagem são tão potentes porque Sandra Huller é uma atriz magnífica e consegue captar a intenção do roteiro de não apontar dedos, mas sim, de pontuar os defeitos do ser humano, celebrar suas ambiguidades e analisar o funcionamento da racionalidade quando ela é contestada pela emoção.
Muito se fala sobre como o cachorro de estimação, Messi (que faz o papel de Snoop) deveria ganhar um Oscar, mas quase nada sobre Daniel, interpretado por Milo Machado, ter o peso de ser uma peça chave da narrativa nas costas. Ele carrega a dor dos destinos de seus pais; seus sofrimentos são imensuráveis, e desde o momento da morte de Samuel até o final do julgamento, pode-se perceber a perda gradual da inocência. Sandra tem a chance de lutar pela sua, mas Daniel não.
Anatomia de uma Queda é um dos fortes concorrentes para o prêmio de Melhor Roteiro, além de Melhor Filme. Pode-se dizer que a escrita é o que move o filme: o trabalho de escritor que é dividido entre Samuel e sua esposa, os diálogos que evidenciam a complexidade do enredo e as palavras que não precisam sair do plano linguístico para significarem além delas. É difícil superar uma obra que não só depende do roteiro como faz disso seu diferencial.
Por fim, Anatomia de uma Queda quer saber de nós: a verdade só existe porque a construímos ou ela existe fora das angulações pessoais? E se independe do indivíduo, como nós, meros mortais, nos atrevemos a dizer que a conhecemos? É mesmo assim, tão grave, nos prender a certos ideais só porque não sabemos se são reais ou não? Daniel teve que escolher entre acreditar na inocência da sua mãe e no “egoísmo” do seu pai ou na culpa da sua mãe e no assassinato do seu pai. No final de tudo, para Justine Triet, a verdade é indiferente aos fatos, e depende somente da necessidade humana de confiar.
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Eu sou uma grande crítica de filmes onde nada acontece, e várias obras já foram vítimas das minhas reclamações quanto a isso. Zona de Interesse consegue converter “um filme cheio de nada” em reflexões que chegam ao cinema no momento certo para serem revividas.
Surpreendentemente, o “nada” é justamente o que prende o telespectador; em uma casa cheia de nazistas, ao lado de um campo de concentração, nada acontece. Por quê? Como? No filme inteiro, realmente, nada acontece. Estamos no lar de pessoas horríveis, que fazem coisas horríveis, mas isso não fica visualmente palpável para nós. O ponto forte de Zona de Interesse é a pós-produção. A fotografia, o trabalho de som e de filmagem é o que o torna algo que vale a pena ser assistido. O diretor Jonathan Glazer encontra uma forma de transformar o conforto da família alemã no maior pesadelo do telespectador: se a direção não encontrasse uma forma de fazer isso, aí, sim, o filme seria um tédio total e um desperdício de orçamento.
Zona de Interesse é um filme que exige muito de você. Ele suga sua ânsia pelo horror gráfico e te consome apenas pelos detalhes. Os prédios e a fumaça de Alauitas, aliados ao belo jardim da casa familiar, são os elementos paralelos que desenham o retrato perfeito do que Hannah Arendt dizia em Eichmann em Jerusalém.
A mão de Jonathan Glazer em cima de Zona de Interesse é muito única. As cenas da garota judia, gravadas com a câmera militar noturna, é o exemplo (entre outros) mais claro de sua visão singular — a coragem de retratar o sofrimento sem o toque cinemático necessário para acariciar nossos corações é a prova de que sua versão de Zona de Interesse quer extrair o que há de pior e retratá-lo com cuidado, mas sem misericórdia. “O menino do pijama listrado” e outros filmes sobre o Holocausto fazem chorar, mas Zona de Interesse provoca ao afirmar que o desconforto, e não a dor, é o universal companheiro do ser humano ao testemunhar o mal.
Eu não sabia que a Sandra Hüller estava no elenco, então foi uma surpresa agradável. Mesmo a afeição por ela não foi capaz de atrair minha compaixão, devido à performance totalmente impessoal do trabalho de câmera. No contexto, os atores parecem não precisar de muita coisa para atenderem às expectativas, mas pelo filme se distanciar da dimensão visível da crueldade e se basear em pessoas, aparentemente, normais, a interpretação vira um processo muito complexo. Esses personagens não foram criados com objetivo individual algum; não foram feitos para serem amados ou odiados, especialmente. O que nos faz achar ou sentir qualquer coisa sobre eles é o que é construído ao seu redor — fora isso, nada os difere de pessoas como você e eu.
Se dá muito crédito a obras que conseguem trazer coisas novas e surpreender. Essa mesma admiração deveria ser dividida com as que revolucionaram, mesmo falando sobre coisas que já ouvimos muitas vezes antes. Zona de Interesse, que também concorre ao Oscar de Melhor Filme Internacional, ganha destaque nessa temporada de premiações por dar tempo de tela aos nazistas, tratando-os com a mesma insensibilidade que fez parte das suas vidas por tanto tempo.
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✧ MARATONA OSCAR 2024 › Maestro
Em 2022, eu assisti a um filme chamado Belfast, e ao ler as avaliações dele no Letterboxd, vi pela primeira vez na vida o termo “Oscar bait”. Para quem não sabe, Oscar bait é um tipo de filme feito para agradar à Academia; ele tem tudo aquilo que, historicamente, faz uma obra ser merecedora de ganhar uma estatueta. Eu adorei Belfast e não entendi porque ser uma “isca” seria algo ruim, mas aí, com Maestro, consegui entender.
Maestro é um filme biográfico, dirigido e protagonizado por Bradley Cooper e Carey Mulligan, sobre o maestro norte-americano Leonard Bernstein e seu casamento com a atriz Felicia Bernstein. A premissa guarda aquele mistério atraente que toda biografia carrega: será que vai ser um Oppenheimer (revolucionário) ou vai ser um Blonde (intragável)? Acho que dessa vez, cria-se uma nova categoria com Maestro: a biografia bem mais ou menos.
O segundo trabalho de Bradley Cooper surge como um checklist de tudo que já deu certo uma vez ao longo de 96 edições de Oscar: filme preto e branco, check. Filme biográfico, check. Casamento problemático, check. Bradley Cooper, Check. O longa passa por várias temáticas magnéticas sem falar de nada direito durante pouco mais de duas horas, e isso requer, sim, algum tipo de talento e dedicação, se você pensar bem.
Maestro tem um ritmo um pouco confuso, porque não entende sua própria linguagem e acaba se perdendo na tentativa de fazer muito ao mesmo tempo. Algumas cenas ótimas para encantar a audiência acabam se perdendo em outras que não fazem sentido. Esse apelo por fazer “tudo que dá certo no cinema” lota o filme de desorientação. O que norteia a qualidade da trama são a fotografia, a montagem e o diálogo, mas até este último parece fraco, escrito depois da leitura do Tumblr de uma menina de 15 anos que acabou de terminar o namoro. Os personagens sempre têm que estar falando alguma coisa impactante e poética, como se cada frase precisasse estar estampada em um pôster. Ninguém conversa assim.
Além disso, quase sempre que Leonard ou Felicia falam, a câmera trabalha de forma dramática, se aproximando lentamente deles, como se tudo dito fosse extremamente importante. A produção desse filme precisa entender que tudo demais faz mal.
Bradley Cooper é um bom ator, e inegavelmente merece sua indicação por Maestro, mas a sensação transmitida no filme é de desespero. Tudo dá a entender que Leonard Bernstein é um ser divino, bom demais para estar na terra com os meros mortais. Para a imprensa, Bradley relatou que foi visitado pelo espírito de Leonard Bernstein no set de filmagens. Parece que esse acontecimento é usado como alvará para se dizer mais merecedor do que os pobres atores que não tem experiências espirituais no set e elevar o personagem a um pedestal no qual ele não precisa estar — até me atreveria a dizer que não deve.
Sempre é falado no filme o quanto Leonard ama música, mas isso é pouco enfático ao longo da obra. Os momentos em que Bradley aparece conduzindo, admirando ou fazendo música são curtos, fracos para embasar essa argumentação que serviria para fundamentar o personagem. Se dessem tanta atenção a esse aspecto da vida de Leonard, quanto dão as cenas que afirmam sua sexualidade, conseguiríamos entender muito melhor o que o faz “Maestro”. Todos os assuntos que podem ser abordados com maestria são jogados fora, em prol de sabe-se lá o que. O filme dá voltas e nunca é capaz de nos mostrar ao certo o que é proposto na sinopse.
Apesar de tudo isso, irei iniciar os elogios: o aspecto visual de Maestro é divino. A produção envolvida na aparência dos personagens é formidável, e tenho certeza de que será o vencedor de Cabelo e Maquiagem da noite. As cores são lindíssimas, e eu queria que o filme fosse inteiro colorido, porque a imagem dele, vinculada aos figurinos e ao visual dos personagens, é algo maravilhoso. Isso valoriza demais a história e dá muito prazer ao telespectador. A atenção aos detalhes como semelhança às pessoas e acontecimentos reais, trilha sonora pertencente ao próprio Leonard Bernstein, são outros que devem ser valorizados.
Uma parte do filme que me fascinou foi ver Felicia, mesmo estando com câncer, tendo Lenny como o centro da vida dela — vemos sua condição debilitada, e ao fundo, é contada uma história sobre Leonard, na qual ela presta total atenção. Maestro dá um destaque exagerado tanto a Bradley quanto a Leonard e faz todos os personagens e atores orbitarem ao seu redor como planetas dependentes da sua luz e calor, então é muito especial quando Carey Mulligan consegue seus momentos de brilhar. Carey dá um show, segura a trama com as próprias mãos e recebe muito merecidamente a indicação de Melhor Atriz.
Gosto muito do paralelo que existe entre a frase estampada antes do filme, dita pelo próprio Bernstein, sobre a arte provocar perguntas, e as vidas dele e de Felicia. Após falar sobre seus problemas no casamento com Leonard, Felicia pergunta a sua amiga e cunhada se ela tem alguma pergunta a fazer sobre o seu testemunho; a frase final do filme é a mesma, numa cena onde Leonard está contando sobre a sua vida e sobre Felicia. Ele também finaliza perguntando se os ouvintes têm perguntas a fazer. Isso sugere que na direção, Bradley teve a preocupação de tratar essas duas vidas como obras de arte que precisam ser compreendidas e incitam questionamentos.
Para o filme ter a profundidade que ele almeja, era muito necessário que tivesse preocupação em alinhar os personagens principais e tratá-los como as pessoas reais que foram. A teatralidade de Maestro corrói tudo que ele promete e o desvincula do público, destruindo seu potencial emocionante. Por isso, Maestro está em 8° lugar no Termômetro do Oscar, só à frente de Barbie e Vidas Passadas.
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American Fiction é uma comédia dramática sobre a vida do escritor negro Thelonious Monk, que há anos não consegue emplacar um best-seller na sua carreira, por se negar a se utilizar dos estereótipos de negritude para escrever seus livros. Indignado com essa realidade, ele decide fazer, como um deboche, um rascunho medíocre sobre tudo aquilo que as pessoas esperam que uma pessoa negra escreva — um livro sobre tráfico de drogas, abandono parental, crime e assassinato. A obra acaba virando a mais popular do momento e ganha o prêmio de Livro do Ano.
Concorrendo a cinco categorias, incluindo a de Melhor Filme, American Fiction é uma joia escondida entre os outros concorrentes. Sua trama simples e acontecimentos “normais” não são páreos, imagino, para a criação da bomba atômica (Oppenheimer) ou para um filme que une Robert DeNiro e Leonardo DiCaprio sob a direção de Scorsese (Assassino das Luas das Flores). Num mundo ideal, as pessoas falariam sobre American Fiction e ele floresceria todas as discussões sobre o tema importante que aborda: quando a representatividade para de ser algo para os negros e começa a ser um alívio para os brancos?
Para entender e desenvolver melhor a narrativa, foi necessário trabalhar bem a história do personagem principal, Monk, interpretado maravilhosamente por Jeffrey Wright. Ele vem de uma família de médicos (e algumas falas dão a entender que ele próprio tem formação em medicina), e sempre teve certa estabilidade familiar e financeira. Ao longo do filme, sua irmã falece, sua mãe é diagnosticada com demência, e o irmão está desempregado, vivendo como um adolescente na juventude transviada. O contraste que existe entre os problemas da vida de Monk e os problemas que as pessoas acreditam ser os problemas de pessoas negras é o ponto alto da narrativa. As adversidades na vida do protagonista são inválidas para a indústria que ele precisa alimentar.
Sintara Golden, personagem da maravilhosa Issa Rae, que também é uma autora negra, ganha reconhecimento através do seu livro com personagens fiéis ao esteriótipo. Sintara entende que o livro de Monk é preguiçoso e mal escrito, diferente do seu, que levou anos de pesquisa e dedicação para ser feito. Aqui, é muito importante perceber a crítica: as pessoas brancas que leem esses dois livros não conseguem diferenciá-los, embora o de Monk seja uma piada, e o de Sintara, seja resultado de trabalho duro; para eles, é só “muito importante ouvir a voz de pessoas negras”, o que os impede de inferir de forma justa suas opiniões. Tudo isso consegue ser transmitido para a audiência através do roteiro engraçadíssimo em união com o timing perfeito para as piadas.
Existem vários exemplos do ótimo roteiro adaptado de American Fiction ao longo dele, mas o mais surpreendente é o diálogo entre Monk e Sintara. A personagem de Issa Rae é uma peça otimamente trabalhada pela direção, que a constrói como um tipo de “antagonista” na visão de Monk, e depois, em um tipo de angulação mais neutra, o roteiro faz essa virada de chave para outro tipo de perspectiva. Isso acontece sutilmente, mas de forma genial, e fica perceptível o quanto estávamos rendidos a essa percepção unilateral da história.
O longa consegue capturar muito bem a essência de cada personagem que compõe o mosaico de American Fiction, e isso brinca constantemente com os sentimentos de quem assiste. Todos os personagens que conhecemos são capazes de ter seu protagonismo — no sentido de que é possível ver as situações de diversos ângulos que não danificam o decorrer da história ou a atenção do telespectador. A direção de Cord Jefferson é perfeita, meticulosa na medida certa, sem tirar a naturalidade necessária para arrebatar a audiência.
Não consigo falar de American Fiction sem falar de Sterling K. Brown, que brilha intensamente como irmão de Jeffrey dentro da ficção. Ele dá um toque especial a um papel já muito interessante e rouba a cena toda a vez que está no ambiente, às vezes até sem a câmera estar focada nele. Com certeza é um dos motivos que me fez assistir ao filme inteiro com a mesma empolgação — a ansiedade de poder vê-lo mais uma vez. Também fiquei muito feliz com a Issa Rae, que nessa season awards nos presenteou com duas incríveis performances distintas, tanto aqui como em Barbie. Ainda muito curtas para o que ela merece, mas um ótimo repertório.
Eu queria viver num mundo onde as pessoas falam mais sobre American Fiction, mas enquanto isso não acontece, me conformo em ser a responsável por falar sobre ele para qualquer alma viva. Entre todos os indicados com propostas extravagantes, um “palate cleanser” como esse é mais do que bem vindo. É preciso valorizar o tipo de filme que leva a vida comum, com excelência, às telas do cinema.
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✧ MARATONA OSCAR 2024 › Barbie
Na disputa, Barbie vem em nono lugar na lista dos mais cotados para o grande prêmio da noite, conforme o site Termômetro do Oscar. Eu entendo porque ele não é, nem de longe, o favorito da Academia, mas fora desse parâmetro eu me nego a criticá-lo negativamente.
Aqui, assim como fez em Little Women, Greta Gerwig traz um roteiro espetacular, responsável por transformar o peso das situações difíceis em uma celebração da experiência. O tema do filme desemboca em vertentes importantíssimas que não subestimam a audiência, mas são traduzidas na linguagem do humor e do sentimentalismo. A obra tem uma mensagem valiosa para nos passar, e a criação do roteiro não é egoísta com isso. A memória afetiva ativada por Barbie é um mecanismo genial utilizado para desenvolver uma trama que toca em pontos bem mais sensíveis do que a nostalgia de um brinquedo.
Barbie desvenda as nuances dos problemas humanos em um cenário que, literalmente, acabou com o estoque da tinta rosa no mundo. Ele brinca com esse tipo de comédia reflexiva e o drama, equilibrando-os através da performance de atores geniais que incorporam personagens familiares e tratam eles com muito carinho. Apesar de já os conhecermos, Barbie e Ken, nas mãos de Margot Robbie e Ryan Gosling, adquirem personalidades únicas, interessantíssimas, capazes de ir aos extremos do que é “falho” no Mundo Real e do que é “perfeito” na Barbielândia sem nada da artificialidade esperada de bonecos de plástico.
O design de produção de Barbie precisa ser reconhecido por nos levar de volta às nossas infâncias em um nível físico. Para as pessoas que assistiram ao filme sem terem brincado de Barbie, posso tentar explicar: é como se quando criança, você tivesse feito uma descoberta sensacional e ninguém nunca te reconheceu por isso, mas, anos depois, a Greta Gerwig te dá um balde de ouro como recompensa. Nessa metáfora, o balde de ouro é o filme, a Greta Gerwig é a própria Greta, e a descoberta sensacional é que estar vivo é uma experiência coletiva, substancial e formadora de caráter.
Pode existir, em algumas instâncias (ignorantes), o pensamento de que Barbie é um filme “misândrico”, totalmente averso ao papel do homem. É incoerente pensar dessa forma, já que a Barbie até tem um amigo que é homem, e o trata como se fosse uma pessoa normal. Urge ao dono desse pensamento que preste mais atenção ao que está assistindo; “Barbie” se preocupa (até mais do que deveria) em se justificar a todo momento e explicar a essencialidade da figura masculina na sua narrativa — e fora dela, já que somos constantemente colocados em cheque pela Barbie através de suas observações críticas.
Esse espaço de pertencimento que nos foi dado, como mulheres, em Barbie, não é mais absurdo do que o espaço que os homens tomam como “seus” quando qualquer filme de guerra é lançado. Talvez o feminismo não signifique somente uma igualdade de gênero neutra, tranquila, que se conforma com o mínimo, mas também uma igualdade de gênero que permita uma simetria até nos extremos — nós devíamos poder ocupar um lugar que foi dedicado a nós, sem a culpa da “exclusão”.
Para evitar uma crítica totalmente parcial, vou admitir que o discurso de America Ferrera não chega a ser um ponto alto para mim. Por mais que seja claramente um filme que depende muito do aspecto comercial, acredito que esse monólogo é a parte mais comercial de todas. Nele, a impressão é que Gerwig tenta replicar o que foi feito com Jo (Saoirse Ronan) em Little Women, no seu monólogo fantástico sobre o que significa ser mulher. Dessa vez, numa perspectiva contemporânea, ela usa America Ferrera de cobaia para ver se a fórmula “vai colar”, mas a resposta é não. A entrega chega a ser teatral, e as palavras são as mais fracas de todo o filme. Não se compara, por exemplo, às cenas de Margot Robbie com Rhea Perlman (a atriz que dá vida a Ruth, criadora da Barbie).
Quando Barbie acabou, a minha cabeça era um compilado da palavra “lindo” e seus sinônimos escritas milhões de vezes. A montagem final, com as filmagens de mulheres da própria produção do longa, é o arrancar definitivo do band-aid: todas aquelas questões e sentimentos que vemos a Barbie entender são solidificadas, e é nesse momento que o ficcional se entrelaça perfeitamente com o que o inspirou. Parece que tudo contado no filme não era tão verdadeiro até esse momento breve de realidade. Ver todas aquelas mulheres vivendo suas vidas que, em tanto, são parecidas com as nossas, é o nó que une tudo. Nos faz enxergar a profundidade de uma obra que nos conta tudo que precisamos saber com a leveza que merecemos.
O assistir desse filme, para mim, pode ser comparado à catarse que Aristóteles sugeriu aos espectadores dos primeiros teatros gregos: existe algo excepcionalmente fenomenal em fazer arte desse jeito, espelhando a humanidade de forma tão específica, mas, ao mesmo tempo, tão abstrata; tão inocente, e, ao mesmo tempo, carregada da dor que a influenciou. Até escrevendo isso, e lembrando, me dá vontade de chorar. Greta Gerwig merecia um Oscar só por pensar em fazer Barbie.
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MARATONA OSCAR 2024 › Vidas Passadas
Em Vidas Passadas, Nora (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo) passam por uma infância na Coreia do Sul, um reencontro virtual e uma visita em Nova York. Os dois, que apesar de não serem ex-namorados, amantes ou sequer ficantes, são protagonistas de uma história de amor indicada ao Oscar de Melhor Filme. Como isso aconteceu?
É simples: se os contos de fadas fossem um conceito do século 21, eles teriam o legado iniciado pelo (primeiro) filme de Celine Song, que nos ensina sobre os acasos que não têm como fim o felizes para sempre. A magia do longa é testemunhar Nora e Hae Sung, um amor que supera o desespero do reencontro, a necessidade da convivência, a dor da saudade e das expectativas.
Vidas Passadas não vai agradar todo mundo. É difícil (e pode ser até chato) se dedicar a essa trajetória tão arrastada sem se dar ao trabalho árduo da empatia. Em alguns momentos, o filme falhou em prender minha atenção completamente, e me faltou disposição para preencher as lacunas. Isso aconteceu porque ele se preocupa muito em falar sobre a situação, e não tanto sobre quem está passando por ela. Em filmes como esse, que dependem muito da sensibilidade do telespectador, são importantes mais momentos que mostram quem são as pessoas com quem estamos lidando, o que eles querem, como eles se sentem… Dessa forma conseguimos nos colocar melhor no lugar deles. Por isso, às vezes pode parecer que está tendo muito do mesmo nessa 1h46 — e ao checar a informação de que foi só 1h46, fico chocada, porque pareceu mais.
A similaridade do que é visto em tela com o que se vive fora dela é palpável, o que, acredito, foi o motivo principal para a Academia ter dado à diretora sua primeira indicação ao Oscar. A linguagem da obra não recorre ao apelativo — até o jogo de câmeras, com enquadramentos que colocam Nora e Hae Sung no mesmo campo de visão, mas nunca perto demais, nunca íntimo demais, nunca demais, sugere uma ânsia escrita entre os espaços que os separam. Nada disso insiste que sintamos algo. Se qualquer coisa, nos sugere, e ficamos encharcados com o “e se…” que transborda dessa relação, reflexivos sobre nossas próprias possibilidades que, assim como as dos personagens, ainda não viraram pontos finais definitivos.
A indicação do filme também para melhor roteiro é mais do que justa, uma vez que é através dele que Celine Song cumpre perfeitamente o dever de nos fazer entender esses personagens distantes dos recursos convencionais de um relacionamento. Os diálogos, embora muitas vezes rasos entre os personagens principais, precisam, fundamentalmente, se apoiar nas ótimas atuações; mas é necessário investimento e sensibilidade para se deixar ser fisgado por isso.
Conto de fadas ou não, a verdade é que Vidas Passadas é um trabalho singular, que com certeza vai servir de inspiração para os próximos diretores que pensarem em falar sobre romance. Celine Song provou que a audiência — e a Academia — está mais do que disposta a dar uma chance aos outros significados e variações do amor, de agora em diante.
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