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“Talvez escrever fosse uma forma de lamento.”
— Charles Bukowski. (via reiterastes)
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A negação da vida pelo excesso de ausências:
01 de maio. Conto 27 anos de idade. E eu me formei. Escrevo estas palavras sem experimentar qualquer indicio de alegria. Sim! Eu me formei! E repito mentalmente "eu me formei!" mas nada emerge.
"Eu me formei!" "Eu venci o sistema!" "Eu inauguro um diploma universitário na família de nordestinos!" "Eu me formei!"
E o nada emerge. O que se vê é dor no peito e dificuldades para executar funções simples do aparelho respiratório. O consumo de medicamento tarja preta tomado emprestado e um corpo que espalha desânimo pelo sofá. As noites de insônia e a iminência de um estômago que grita de ausência. A angústia de ainda assim não servir para nada, de ser incapaz. Da distância quilométrica entre o que consegui ser e uma profissional de roupas limpas em uma sala com ar condicionado. As dores e ânsias, a vontade de rasgar a cara em partes por não conseguir se apresentar como algo a mais além de meu próprio nome. Quando é que poderei ser uma profissional? Por que em meu primeiro sonho eu exclamava que era 'psicóloga e faxineira?'
Mas como é que conseguirei ter algum sentimento organizado de ser alguém, se tudo o que fiz foi me subjugar ao olhar sádico dos empregadores? Se tentando fugir de certos ataques tudo o que eu consegui foi repetir infinitamente o que antes fizeram comigo? Se eu me tornei escrava de meu próprio trabalho e trabalho esse que carrega todas as formas de exploração e sujeição? Se em momento algum eu consegui enxergar que no espelho pode ter mais uniformidade?
Como é que se legitima uma posição social diante dos outros se eu não consigo reconhecer o meu próprio mérito em toda essa trajetória de leituras e expulsões de palavras e exercícios e discussões e revisões e acolhimentos e supervisões e escritas e avaliações e produções e apresentações e em construções e em laboratórios e em salas e em consultórios e em contatos e em reflexões? Se houveram tantas mortes brutas, as quais eu jamais conseguirei desvincular meu sintoma, estaria eu agora caminhando para uma dos desligamentos mais difíceis de realizar dentro de mim mesma? Como é que eu vou conseguir alcançar uma sala com ar condicionado e sendo convocada como uma profissional que ganhará dinheiro suficiente para algo mais que o alimento?
Como é que eu vou conseguir acessar as emoções e o êxtase de um "Eu me formei!" Se ainda estou no mesmo lugar e não consigo sair? Se tudo que poderia ser comemorativo se deu de maneira silenciosa e sem reconhecimento? Se eu estou sangrando pela terceira vez em um único mês e minha mãe teve princípio de câncer de colo de útero e eu não tenho acesso a um médico ginecologista, para ter certeza que "Stay With Me" de Matsubara não será uma canção que me lembra que eu poderei ter o mesmo fim? Se eu tive que carregar a lateral de um tricíclo pesado na parte de direita do meu corpo e senti dor por semanas? E depois disso, passei a ter graves crises de ansiedade no meio da noite, com lembranças aterrorizantes de minha queda para a miséria cada vez mais vergonhosa? Se com medo de passar fome eu passei a fazer uso de medicamento psiquiátrico?
Eu não vou ter certeza que me formei, pois foi sem rito de passagem, sem beca, sem aquele chapéu. Sem foto, sem maquiagem, sem vestido vermelho. Sem reunir a família, sem dar orgulho para ninguém. Sem bolsa, sem colação de grau, sem conseguir construir laços reconhecíveis por minha fobia social e ressentimento de classe social? Se eu poderia narrar mais questionamentos até redobrar a noite, tentando expulsar em palavras a quantidade de sufocações que tenho passado nos últimos meses e ainda assim não teria alcançado a ab-reação?
Se eu não consigo descrever ou aproximar o tipo de sensação que essa fase da vida me traz, se eu sou aterrorizada por humilhações e assédios morais nas relações interpessoais do mercado de trabalho, se eu fui alvo de calote, abandono, negligência, desnutrição, nutricídio, inferiorização, violências, bullying e não-reconhecimento da legitimidade da condição de pessoa, é porque a vida tem sido construída a partir do nada e na reapresentação da ausência como única forma de subjetivação. É a vida como miséria, a miséria como adereço que se vincula em todos os âmbitos da existência. É a escassez, o mínimo, o "ainda não". O menor, o informal, o sem recursos. É a falta como marca identificatória, como registro no social, como imagem, como número, como ser. E é justamente o excesso de ausência que impede reconhecer algum dado factível e assumir uma nova posição social. Se não conquisto ser alguma coisa, um dado, portadora de um valor, não disponho de atribuições suficientes para transmitir ao outro. Mesmo com a realidade material do "Eu me formei!", pois não é disso que se trata, mas sim: Formar-se não é o suficiente, não comprova que eu posso ser alguém e obter um lugar novo diante do outro. Me formei, mas isto não quer dizer nada. Eu não mudei, ainda ocupo a ausência.
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“Hospitais são onde eles tentam matar você sem explicar por quê. A fria e calculista crueldade dos hospitais não é causada por médicos que estão sobrecarregados de serviços e que estão habituados e entediados com a morte. É causada por médicos que ganham demais pra fazer tão pouco e que são admirados pelos ignorantes como feiticeiros que curam, quando na maior parte do tempo não sabem diferenciar seus próprios cabelos do cu de barbas de milho.”
— Charles Bukowski. (via retrizes)
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ressaca da perda iminente
Eu vou dizer ao analista que caí no mesmo buraco de novo. Ouvido esquerdo levemente tapado, uma semana de reviravolta nos aparelhos da clínica geral. E agora eu estou triste.
A tristeza que sinto em relação a você é a de tipo insistente, ela me para. Não consigo pensar em nada que não seja você indo embora de vez. Queria poder me livrar da sensação de catástrofe que vai e vem. Ficar em paz.
Você disse que me ama. Eu nunca soube o que isso quer dizer. Eu nunca senti o amor vindo até mim e eu sempre quis saber como era. Infelizmente tenho uma ferida aberta em alguma parte sensível do meu corpo e eu não consigo esquecer. Mas é desde 1996 e 2007 e 2009 e 2011 e 2015. Levofloxacino, 750mg.
Uma semana vendo a ameaça de cair, indo e vindo. Enjôo e diarréia. Não consigo executar algumas atividades vegetativas. Mas é assim que funciona o processo de remover uma bacteria no canal auditivo. Uma semana de tudo saindo dos meus ouvidos, rolos de papéis higiênicos. Tudo sendo expulso de dentro de mim. A solidão e a sensação de perda de controle do próprio corpo.
Mi, eu amo você. Mas alguém socou meu olho direito em novembro do ano passado e arrombou minha porta. Eu vi o desejo de morte vindo do rosto de um colega de trabalho. Um policial disse que eu poderia ser processada. Eu estava sozinha com o meu horror e só me sobrou 10L de cloro puro para esfregar pisos manchados de sangue.
Os meus amigos não existem. Eu choro pois esperei o dia que não mais seria feia. As linhas de expressão já se fazem presente, anunciando que estou próxima dos 30. Uma vez eu me machuquei por ter beijado um menino sem ter conexão afetiva com ele. Eu não consigo me projetar no futuro e nem tocar a sua mão sem sentir o meu corpo tremer.
Você terá uma bela casa na Itália e eu não sei se existe alguma vontade interna de me fazer viva por mais que 3 anos. Eu não vou fazer isso sozinha, mas sinto que eu não consigo me inserir mais em nenhum lugar. Já está tarde. Tudo dói. Tudo assusta. Tudo inveja e eu tenho uma experiência bizarra com o tempo.
Se você for de novo, eu não sei o que vai ser. Mas eu nunca fui amada nesta vida e agora eu não sei como agir. Queria segurar sua mão e contar sobre aquele episódio do Bipolar Show que o Melamed se apaixona pela Letícia Colin. Desde a primeira vez que assisti, tinha o desejo de viver algo parecido, mesmo que pouco. O olhar e o sorriso dele para ela é a coisa mais bonita de se ver.
Talvez seja o primeiro de nossos desentendimentos mais intensos, mas dói como se fosse fatídico. Tudo em mim parece que vai acabar, motivos de duas pessoas que foram em morte aguda. Meus membros que estão em cada região do país e sobrinhos que eu nunca vi pessoalmente e nem segurei no colo. Eu sou desenraizada, pena que foi tão violento.
Gostaria de ler este texto por aí e achar graça de minha fatalidade. Sentir o cheiro do seu cabelo e encostar o rosto no seu pescoço. Dizer pelas tantas vezes repetitivas que eu vejo o sorriso mais lindo na minha frente. Voltar para casa com o coração quente de saber que finalmente encontrei você.
Eu te amo já faz um tempo. Mas minhca cabeça dói e eu tenho memórias tristes que visitam e castigam até não poder mais. Talvez um dia eu me livre delas.
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