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Respondendo o canal “Dois dedos de Teologia”. Parte 1
Recentemente, vi um vídeo de um canal no youtube onde um rapaz protestante supostamente provava que os Pais da Igreja não eram contra o Sola Scriptura, e pior, que algumas vezes, os Pais da Igreja sustentavam esse princípio. O sujeito ainda diz no início do vídeo que “isso mostra que os Pais da Igreja não são intérpretes valiosos e confiáveis”, isto é, que se há contradição em seus escritos, eles não podem ser considerados intérpretes valiosos e confiáveis. Ora, vemos apenas contradições e mais contradições dentro do protestantismo. Eu pergunto ao Yago Martins, então quem é intérprete valioso e confiável? Banzoli? Sério?
Enfim, vamos ao que interessa.
Nessa primeira parte, vamos investigar a parte do vídeo onde se trata de citações patrísticas retiradas da obra de São Justino, Mártir.
SÃO JUSTINO, MÁRTIR
“Se, senhores, não fossem ditas pelas Escrituras que já citei, que Sua forma era sem glória, que por Sua morte o rico sofreria a morte, que pelas Suas pisaduras nós devemos ser curados, e que ele foi levado como uma ovelha ao matadouro, e se eu não tivesse explicado que haveria dois adventos daquele que foi ferido por vocês, quando vocês conhecerão Aquele a quem transpassaram e suas tribos se lamentarão, então considere o que eu disse como duvidoso e suspeito”[1]
Essa citação foi retirada do texto “diálogo com Trifão”. Primeiro, vamos saber quem eram as duas pessoas presentes no diálogo:
Justino: Era um recém convertido à fé cristã. Mesmo como um leigo, dedicou uma grande parte da sua vida para a defesa e ensinamento do Cristianismo. [2]
Trifão: Era um rabino, conhecido como Tarfon. Alguns estudiosos dizem que ele foi uma invenção de Justino para fins literários. De uma forma ou outra, ele foi sem dúvidas relatado como Judeu rabino. [3]
Vemos aqui que o Diálogo com Trifão era na verdade, um diálogo entre um Cristão recém convertido e um Judeu rabino. Por que isso é importante? Num debate entre um Judeu e um Cristão sobre a messianidade de Jesus e afins, qual seria o meio que ambos teriam em comum, onde as provas pudessem ser tiradas? Isso mesmo, a Sagrada Escritura; precisamente, o Antigo Testamento.
Tendo em vista que se trata de um diálogo entre um cristão recém convertido e um Judeu, o ponto comum - a fonte que serviria para ambos - entre os dois não poderia ser nem a tradição apostólica (pois para os Judeus o que os apóstolos tinha credibilidade nenhuma), nem a autoridade da Igreja. Ademais, essa citação permite outra interpretação:
Justino diz "não fossem ditas pelas Escrituras o que já citei", não afirmando que as escrituras são a única fonte de revelação, mas que ele não criou nenhuma citação, que todas as utilizadas estavam na escritura. Seria o mesmo que eu dizer "se essa citação besta não estiver no livro do Lucas Banzoli, considere a minha postagem obscura e duvidosa".
Se o Yago quiser provar de fato que Justino Mártir sustentou o Sola Scriptura, ele deverá apontar:
onde ele nega a validade no sentido autoritativo da tradição apostólica;
onde ele rejeita a autoridade da Igreja.
Próxima citação:
"É uma coisa ridícula... que quem funda o seu discurso nas escrituras proféticas deva abandoná-las e abster-se de referir constantemente as mesmas escrituras, por pensar que ele próprio pode promover algo melhor do que a Escritura" [4]
Há vários problemas em dizer que essa citação sustenta o Sola Escritura. É uma citação confusa; vejamos.
Há um erro que tanto apologistas católicos quanto protestantes cometem: achar que o pensamento de uma pessoa pode ser resumido apenas à uma citação (ainda mais uma citação tão confusa quanto essa). é preciso considerar outras observações relevantes do autor. O uso anti-católico dessa citação, supostamente provando que Justino está sustentando o sola scriptura, parte das seguintes premissas:
1 - Justino menciona apenas as escrituras;
2 - ele não menciona a tradição, a Igreja ou a sucessão apostólica;
3 - portanto, ele considera as escrituras não só como materialmente, mas formalmente suficientes (o princípio do sola scriptura).
A questão é, como Justino vê a relação entre a Igreja e a tradição com a escritura? Nós não sabemos de uma alguma forma as posições de Justino sobre a Regra de Fé levando em conta apenas essa citação. Se pudesse ser demonstrado que ele não concede a autoridade vinculada à tradição e a Igreja, e que ele não as incluía na Regra de Fé, os anti-católicos poderiam ter um ponto válido, mas nós não podemos saber isso de forma conclusiva até que seja demonstrado de forma clara que Justino se aproxima da regra de fé protestante.
Os dados nessa circunstância são bastante escassos, uma vez que as três obras sobreviventes de Justin são principalmente filosóficas e de natureza apologética, em vez de teológicas; e a teologia discutida por Justino é raramente - raramente mesmo - relacionada à eclesiologia, e sequer faz abordagens acerca da regra de fé, como aqui discutido. É altamente improvável prima facie, que Justino diferisse radicalmente dos outros Padres da Patrística. Justino foi uma fonte importante para Ireneu, que fala de sucessão apostólica, tradição e autoridade da Igreja por todo o lado. No entanto, apesar dessas dificuldades - de saber a posição de Justino através dessa citação - acredito que existam informações suficientes para uma interpretação contra a Sola Scriptura, como demonstrarei:
Se Justin refere-se ao antigo testamento - que era a Escritura primária na qual ele estava se referindo, já que o canon do Novo Testamento estava numa fase bem inicial de formação durante seu tempo de vida - como autoritativo, e o próprio confirma a necessidade de uma autoridade de ensino entre os Judeus antigos (farei um artigo demonstrando isso alguma hora) então o Sola Scriptura não foi ensinado aí.
As outras citações cometem basicamente o mesmo erro da primeira: Justino prova um ponto utilizando as Escrituras, Antigo Testamento - já que era uma conversa entre Judeu e Cristão, e isso pode ser conferido no Diálogo. - Logo, Justino rejeitou a autoridade da Igreja e a tradição apostólica.
Non sequitur.
Nenhuma das citações do vídeo, repito, NENHUMA, rejeita a autoridade da Igreja e nem a Tradição Apostólica. É absolutamente falsa a ideia de que São Justino tenha sustentado o Sola Scriptura, simplesmente porque esse princípio não existia. São Justino Mártir nem sequer usava menções do Novo Testamento! Seguindo pela lógica de vocês, aplicando um princípio regulativo às citações de Justino - algo que os protestantes adoram fazer com tudo -, podemos dizer que segundo Justino, o Novo Testamento não é autoritativo pois nenhuma - senão quase nenhuma - de suas passagens foi mencionada durante o diálogo.
Continua...
Notas:
[1] Dialogue with Trypho, chapter 32
[2] manual of patrology & history of theology (first volume: first and second books) – cayré, A.A; página 114
[3] Jewish Responses to Early Christians; by Claudia Setzer; página 215
[4] Dialogue with Trypho, chapter 85
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