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29 de abril de 2024
se perguntou milhões de vezes “então é isso aqui que eu sou mesmo?” […]
acreditei em várias versões de mim.
e talvez tenha sido várias delas.
mas no fim sempre estive sendo eu.
sou um amontoado de gente que eu conheci. um combinado esquisito de quem amei. um tanto de coisas que eu vivi. sou a contradição da minha própria trajetória. sou hipocrisia pura. alguma porcentagem de mim ainda é aquela letra de música que eu descobri no rádio em 2009. grande parte de mim é aquilo que eu decidi ontem, embaixo do chuveiro. me alegro em saber que não sou nada. e que nada me impede de ser.
tenho vivido para comprovar que Sócrates estava certo e eu não sei nada, mesmo. e que o passar do tempo é o adicionar dos pesos da responsabilidade de existir e sentir os pés levitando ao perceber que existir é só uma questão de momento.
acima de tudo, crescer é me perceber no mundo. é recalcular rotas. é fazer as pazes com a lacuna que existe em mim e tratá-la como visita. oferecer água e um lugar confortável pra sentar.
todos os dias me pergunto quem é que eu quero ser ou o que é que estou tentando. vivo em meio a perguntas sem resposta.
sei que sou artista porque o artista é um inadequado. e sei que não me adequo. talvez seja o movimento desconfortável que me faça pulsar. e viver. e ser capaz de ir. e ir de novo.
e ter muitas mas poucas certezas simultaneamente e eternamente contradizer-me. as coisas seguem sendo assim como eu. e não decido mais nada mas vou me deixando caminhar na linha reta às vezes meio curvilínea tentando equilibrar as bandejas que caem desde que nasci.
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13 de agosto de 2023
dia dos pais
em 2018 eu escrevi, nesse mesmo dia, uma carta daquelas que não se envia.
cinco anos depois, achei que faria sentido escrever uma nova.
meu pai é uma boa pessoa. tem opiniões políticas das quais eu concordo, respeita garçons em restaurantes e lê coisas relevantes.
meu pai sabe muito. sobre astrologia, arquitetura, literatura, linguística, história e política. é autodidata, aprendeu sozinho duas línguas estrangeiras. sabe cuidar de si tomando vitaminas e pó de guaraná toda manhã. não come doces porque sabe que açúcar faz mal.
a questão é que meu pai sabe tudo, menos ser um pai. disso, ele não faz a menor ideia. meu pai não procura, não sabe o que dizer nem o que fazer.
por muito tempo ele achou (e eu também achei) que ser pai era ir em casa às sextas feiras à noite, me assistir jantar enquanto tomava uma taça de vinho, ler um livro pra mim até eu pegar no sono e ir embora de madrugada.
achou também que era sobre assistir as minhas peças de teatro, chegar atrasado com a namorada no meio da sessão e me esperar pra jantar no final do dia.
ou que ser pai seria deixar sua namorada me convidar formalmente pro seu próprio aniversário em sua casa, me mandar mensagens esporádicas sobre coisas que me interessavam na adolescência, falar pra mim de suas angústias e pagar pensão me relembrando disso sempre que possível.
meu pai foi muito pouco pai quando não chegou pra se despedir de mim no aeroporto, quando eu passei um ano longe de casa, sozinha, aos 16. e talvez nunca tenha de fato compreendido o peso de suas ações.
meu pai deixou em mim uma aversão a cigarro, uma desconfiança continua nas pessoas e principalmente nos homens, a sensação de medo, rejeição e solidão e a de sempre ficar pra trás. a sensação de não ser inteligente o suficiente ou fútil em excesso. uma rebeldia imensa de não ser o que ele gostaria que eu fosse.
nunca coloquei um cigarro na boca e por cinco anos não bebi para que não nos tornássemos a mesma pessoa. hoje, um pouco melhor, eu bebo para não beber como ele.
não sou autodidata. não garanto meus conhecimentos sobre literatura e não prometo absolutamente nada do meu intelecto. porque nada disso em mim o faria ser um bom pai.
passei a vida esperando coisas dele. hoje eu não espero mais. porque no fundo não é sobre mim.
o triste é ter um pai que, apesar de não saber ser pai, carrega em si carinho e cuidado comigo. só não sabe o que fazer com isso. o que torna insustentável e pouco elaborável a minha raiva, frustração e tristeza.
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