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⠀⠀⠀⠀⠀⠀𝐑outine.

Hoje, encantei-me por belas mãos. Não qualquer uma. Mãos sutis, leves como pluma. Folheavam o livro com tamanha delicadeza que pareciam feitas para hipnotizar-me. Depois, erguiam a xícara de café com despreocupação, enquanto olhos claros permaneciam fixos na leitura, sem jamais desviar. Capturei sua anatomia, desejando tocá-las—logo eu, que mal as conhecia. Estou ficando louco? Receio que sim.
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Nas profundezas do Inferno, onde as sombras dançavam com o fogo eterno, uma inquietude percorreu os corredores escuros do reino. Não era a chama que crepitava com fúria, nem os gritos das almas perdidas que ecoavam pelas vastas cavernas. Era algo mais sutil, mais profundo. Algo que vinha da própria essência do Inferno: Drenath.
Acredita-se que ele já foi um anjo, um executor divino, caído pelo preço de sua crueldade. Mas, ao contrário de tantos outros que se perderam na agonia da queda, Drenath encontrou seu chamado nas profundezas infernais — transformar a dor em arte e o tormento em sinfonia.
Enquanto outros lordes do Inferno viam a tortura como um meio para um fim, Drenath a elevou a um estado puro de existência, uma melodia macabra que ele regia com precisão perturbadora.
Seu nome não era apenas sussurrado entre os condenados — os próprios lordes infernais o temiam. Seja por sua força bruta, ou pela certeza inabalável de que, se ele quisesse, os desmontaria fio por fio, e os reconstruiria apenas para fazê-los sofrer de formas que nem mesmo eles poderiam imaginar.
Drenath não era apenas um torturador; a dor não era uma ferramenta de punição, mas um meio de expressão. Cada grito, cada lágrima, cada fragmento de desespero ressoava como um eco sombrio que reverberava nas abissais profundezas de sua alma demoníaca. Ossos se transformavam em instrumentos, veias eram puxadas para fora como cordas de marionetes, olhos eram costurados abertos para que vissem seu próprio sofrimento se repetir eternamente. Sua obsessão era capturar a essência do sofrimento, transcendendo os limites físicos, nunca se limitando a dor em si.
Todavia, conforme seu domínio sobre o sofrimento crescia, os tormentos, antes meticulosamente esculpidos como manifestações de sua arte, tornaram-se uma necessidade incontrolável. A dor, por mais sublime que fosse, não mais preenchia o abismo que se estendia dentro de seu cerne. Algo em seu interior o instigava a ir além, a ultrapassar os próprios limites de sua criação, não se contentando apenas em infligir sofrimento, tornando-o um espelho de sua incessante busca por um propósito primordial.
O Inferno sempre fora uma estrutura de poder fundamentada no caos, mas o caos, por sua natureza, é volátil. Lúcifer, por eras incontáveis, reinava sobre as sombras e as chamas, seu nome ressoando como absoluto. No entanto, o próprio fundamento de sua autoridade era sua maior fraqueza: a crença de que seu domínio era inquestionável.
Drenath compreendia algo que Lúcifer, em sua grandiosidade, negligenciava: a natureza intrínseca e fluída do poder. O tinhoso acreditava que o controle era algo a ser imposto, uma força a ser mantida com uma presença imbatível. Contudo, a real vulnerabilidade de um domínio está no fato de que ele se mantém apenas enquanto seus súditos acreditam nele, dependendo completamente da crença que o sustenta. As rachaduras eram sutis, mas Drenath as enxergava com clareza. O rei do Inferno jamais perceberia que a queda de seu reinado viria de uma erosão silenciosa de sua própria autoridade.
Seu plano não se desenrolava de forma abrupta; seguia um curso meticuloso e contínuo, quase imperceptível, como um veneno que se espalha lentamente, tomando as veias de um organismo até que este sucumba por completo. Drenath manipulara os demônios de todas as hierarquias durante séculos. Não havia alianças ou promessas que ele não soubesse reverter a seu favor. Ele não incitava a revolta; a semeava, de maneira tão discreta que mal se percebia sua intervenção, cujo efeito era inexorável, criando uma rede invisível de lealdades quebradas.
O domínio de Lúcifer desmoronou em um processo lento e corrosivo, tão insidioso que, quando percebeu, estava cercado. Drenath foi o arquiteto de sua ruína, minando sua influência sem jamais precisar confrontá-lo diretamente. Lúcifer não foi desafiado em um duelo pelo trono — em vez disso, fez com que os próprios demônios retirassem o poder de seu rei, corroendo a base de sua soberania até não haver um exército leal para lutar por ele.
Contudo, Lúcifer não era um tirano frágil. Quando a traição se tornou clara, ele se ergueu em fúria, sua presença incendiando os pilares do Inferno. O próprio solo tremeu quando bradou sua ira, e seu poder, ainda avassalador, fez com que mesmo os demônios mais leais a Drenath hesitassem. Durante um instante, parecia que o equilíbrio poderia ser restaurado pela força bruta do primeiro caído.
Sob esse viés, Drenath revelou sua última jogada. Ele não pretendia apenas destronar Lúcifer — queria que ele fosse esmagado por sua própria impotência. Em um ato de pura subversão, convocou o próprio trono do Inferno para devorar seu antigo rei. As correntes do submundo, forjadas dos tormentos de incontáveis almas condenadas, enroscaram-se ao redor de Lúcifer, puxando-o para as profundezas da fortaleza que ele mesmo havia erguido. O rei dos demônios, outrora intocável, lutou, resistiu, rugiu maldições que fizeram o próprio tecido da realidade tremer. Em vão. O Inferno já pertencia a outro senhor.
A ascensão de Drenath foi silenciosa. Não foi preciso reivindicar o trono — o próprio Inferno se curvou à sua presença. O nome de Lúcifer tornou-se um sussurro esquecido, uma lembrança dissolvida no abismo do tempo. Agora, aprisionado no coração de sua antiga morada, Lúcifer era apenas um espectador, forçado a testemunhar seus súditos dobrando-se perante Drenath. Sua maior agonia vinha do simbolismo das correntes que o seguravam, uma verdade inevitável: ele não fora apenas derrotado. Fora esquecido.
E nas profundezas do Inferno, onde antes o nome de Lúcifer era absoluto, apenas um eco restava, sussurrado entre as chamas: Drenath.
O Inferno já era seu, entretanto, Drenath nunca se contentou com o domínio sobre o que já estava condenado. Seu verdadeiro triunfo seria moldar o mundo dos vivos à semelhança do Inferno, diluindo a linha tênue entre os dois reinos até que a perdição fosse uma escolha inevitável. A corrupção deveria se tornar lei, e a condenação, um destino tão natural quanto respirar.
Para alcançar isso, ele assumiu o nome de Rynore Saethan, um promotor de renome, cuja reputação era implacável. Sua missão na Terra era conduzir as almas diretamente ao Inferno, assegurando que não houvesse redenção, apenas a certeza do abismo. Rynore reescrevia as narrativas, manipulando provas e argumentos com uma frieza cirúrgica. Seus métodos eram irrefutáveis. Pouco a pouco, o sistema legal tornava-se uma ferramenta para a transmutação da Terra em um espelho perfeito do Inferno.
Fora do tribunal, Rynore entregava-se àquilo que considerava sua verdadeira expressão: a arte. Sua visão transcendia a estética, pois cada escultura, cada pintura, era um manifesto da dor, da angústia e da decadência humana. Ele capturava sensações, fragmentos de almas despedaçadas, dando-lhes uma nova forma em sua obsessão pelo sofrer.
Suas esculturas, trabalhadas em pedra, mármore e argila escura, eram retratos da aflição, figuras distorcidas que pareciam retorcer-se em agonia, como se estivessem presas entre a carne e algo muito pior. Cada traço era calculado para evocar inquietação, para fazer com que os espectadores sentissem um aperto no peito, uma sensação sufocante de desamparo.
Nas pinturas, sombras e luz travavam uma batalha silenciosa, criando paisagens onde a realidade se desfazia. Suas telas exalavam uma atmosfera pesada, carregadas de tons lúgubres que pareciam devorar qualquer vestígio de esperança. Havia algo inquietante nelas, um movimento sutil nas pinceladas, um reflexo sinistro que fazia com que tivessem a impressão de que algo estava prestes a emergir das profundezas do quadro.
A arte de Rynore não era apenas visual. Ele possuía uma coleção que desafiava o tempo e a sanidade. Em vitrines protegidas por vidro antigo e cadeados enferrujados, repousavam relíquias que continham séculos de desespero. Crânios humanos marcados com inscrições profanas, grimórios encadernados com pele de criaturas há muito esquecidas, joias enegrecidas pelo toque de maldições ancestrais. Cada peça possuía um passado, um rastro de sofrimento impregnado.
Entre os objetos mais valiosos, havia um espelho trincado que, segundo relatos antigos, refletia o verdadeiro tormento de quem ousasse olhar para dentro dele. Um anel de prata maciça, cujo portador era lentamente consumido por pesadelos até perder a sanidade. E um relógio de bolso, parado há séculos, cuja última hora marcava o exato momento da morte de um homem que vendeu sua alma sem jamais receber o que lhe foi prometido.
Além das relíquias e da arte, Rynore se afundava em conhecimento, alimentando-se das palavras daqueles que tentaram compreender a essência da dor e do mal. Nietzsche, Schopenhauer, Poe, Lovecraft — seus escritos serviam como guias para uma mente já moldada pela perversidade. Livros de demonologia e ocultismo eram sua fonte primária de inspiração, usada como ciência, como um mapa detalhado das fraquezas humanas e de como explorá-las.
Portanto, Drenath, sob o nome de Rynore Saethan, tornou-se um arquiteto da decadência humana. As chamas do submundo que queimavam as almas eram convertidas por palavras afiadas e decisões implacáveis, espalhando-se como uma praga invisível entre aqueles que acreditavam estar a salvo.
E no silêncio, enquanto observava os homens desmoronarem sob o peso de suas próprias escolhas, Drenath compreendia que o Inferno era um estado, uma sinfonia de decadência tocada nas sombras da humanidade. Bastava esculpir o sofrimento, deixá-lo crescer como uma praga inevitável. Cada decisão corrupta, cada alma dilacerada pelo desespero, cada fragmento de esperança devorado pelo medo—tudo isso era parte de sua obra. Nas sombras, tecia um império invisível, onde o caos se instaurava silencioso, irreversível, absoluto.
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