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ricardobarcabral · 2 months
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Leitura da retificação à nota de falecimento da associação brasileira da escola de psicanálise dos fóruns do campo lacaniano: usamos eufemismos para falar da morte. Falecer significa desaparecer e quando se ama não se desaparece: se parte, do verbo partir, pos o afeto fica conosco enquanto a imagem na cena do mundo silencia
retificação da Nota de Falecimento... HORA da partida
(advertência: na carta eletrônica não há menção à Anita. No entanto, ontem se fez uma homenagem a esta AME, que foi minha analista de 2010 a 2020: o início ao final da análise. Na carta da partida do amor, o amor de transferência substitui algumas passagens sem perder a verdade. Note-se ( alguns colegas psicanalistas ainda escutaram a carta como um desabafo pessoal e não como uma verdade clínica que concerne a qualquer um que fale)
Aos colegas de escola uma palavra (que falta) sobre a partida de um, que poderia ser em cada um em nós.
Por isso me dirijo a todos, ainda que pareça minha estória (particular). Porque trata-se da estrutura de cada um de nós e presto outros esclarecimentos em vez de redigir de maneira protocolar e compreensível, já que me endereço ao campo lacaniano
Andréa partiu. (ou anita partiu!)
A gente sabe que isso faz parte da vida de cada um, mas fica com o coração partido assim mesmo? como assim? 
Por que mesmo sabendo o necessário, a afetividade se transtorna, vira uma bagunça e pode chegar as raias do desespero? Nós (eu e ela) vivemos numa corda bamba desde comunicado do diagnóstico em 2021. Conquanto jamais se combata, como não se vence, um diagnóstico, simplesmente porque não se luta contra uma doença. Ela não é um inimigo: se a trata. Por essa razão, pelo teor do diagnostico, este momento era esperado. Desejado jamais, mas aguardado… E de junho para julho a chaga se alastra, veloz e impiedosa e se precipitou: a química sempre perdem a eficiência, como perdeu no caso e adveio, mais cedo do que queríamos A HORA
Haverá momento oportuno para a chegada dessa hora, e dizer-se sereno nosso momento chegou?  Não creio, mesmo para os saudáveis e longevos. E pensando cá comigo, a impressão que advém seria: e se ela (Andréa ou anita/analista) partisse centenária ou milenar, ainda assim, teríamos uma noção de que se foi precoce demais e cedo demais.  Por quê? Por causa do seu entusiasmo singular. Andréa era capaz de nos animar até nas circunstâncias mais sombrias: com sua voz temperada, aos pouquinhos, ia mudando a sintonia de quem falava e ela escutava. Ao ouvir a pronuncia de sua voz e isso ia nos animando à miúde.
Num sábado foi internada e aplicou-se o protocolo de tratamento intensivo. Ela veio a óbito ontem, quarta-feira 24/07/24, depois de completar 59 anos aos 17 de julho. Chorem a partida dessa brasileira amigos, estudantes, pacientes, colegas e familiares, enquanto eu choro aqui comigo esse chorinho bem chorado. Datas importam e por isso esta minicronologia dos eventos E cabe marcar, para quem não sabe ainda, as efemérides: Andréa 17 de julho de 1965 Andréa 24 de julho de 2024: não haverá outra. Assim como cada um aqui presente e uma pessoa singular.
Se vocês não têm palavras e eu não tenho ao menos de uma que diga o que sinto, porque ninguém a possui, será porque Andréa (como anita/mestra) provoca um desejo de discorrer das dimensões da  biblioteca de Alexandria. Resta O afeto. Hiato há, todavia, e desde sempre: e no amor tecido, entre eles, e só nesse momento, espero, o que fala, ou tenta, mesmo assim cala e mareja.
A cerimônia de cremação foi restrita a familiares e protocolar segundo o desejo dela (Andréa). Ela me disse pessoalmente no início desse mês: “_eu não estarei lá”. “Não me procure aí”.
E eu digo a vocês: ela estará aqui entre vossos corações se vocês desejarem. Jamais no império celestial romano. E se me permitem um adendo, eu que ainda não pertenço a estes tantos grupos particulares porque colho o que enuncio de fora, na orla do campo, o que ecoa incompreensível porque nosso tema no campo lacaniano o é: nossos corações entrelaçados: nós (isso é muito lacaniano) embora eu não o seja, mas apenas um brasileiro e encerro.
eu desejo que o desejo persevere: vomo servidor da República e como clínico 
E se a partida me nega te desejar a ti, que eu consinta, por causa da partida,  desejar somente teu desejo, o que você desejara e, mais ainda: o enigma que a fez e faz desejar, a causa, e doravante me faça perseverar até que a minha Hora chegue.
cabral, seu amor minúsculo
ps: acolho as expressões de empatia, ainda que protocolares, e agradeço porque ponho fé nas intenções sinceras na hora da partida
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ricardobarcabral · 2 months
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Às vezes soltava os cachorros. Depois me arrependia. Em que momento a gente precisa reagir assim? Se os prendo, não fico bem. Gosto de cachorro. Quando a gente gosta e até ama, não quer coleira. Gosto de qualquer cachorro, mas nunca tive o meu. Para que? Gostar quer dizer possuir? Talvez porque vivi e vivo em casa com cachorro. Casa da minha tia. Muito depois na casa da minha mãe. Hoje, a casa da mulher onde vivo também. Não desde o início. Ela tinha medo, muito medo de cachorro e quis ter o seu mesmo assim. Vá entender o que quer uma mulher?!
Gosto de passear com cachorro e passeio bom é quando a gente solta o cachorro e deixa ele farejar livremente, e deixa ele ir lá longe e voltar. Cachorro não foge não. Às vezes incomoda os outros, os que não gostam de cachorro, aqueles que querem prender os cachorros. Que gente!?Conheci um rapaz na juventude que não soltava o cachorro. O cachorro dele ia embora e não voltava. Disparava. Era muito estranho. O rapaz... o cachorro, não! Às vezes, no passeio, solto o cachorro, mas nem sempre porque isso dá muito trabalho. Sabe, cão de caça gosta de se camuflar; de se esfregar no chão com a nuca, o dorso até o rabo. Ele se contorce todo com o corpo de patas pro ar. Cão camuflado vem do passeio de um jeito que não combina com casa de mulher urbana. Por causa do fedor. Fica irreconhecível. Cachorro se disfarça, tem odor, vários cheiros que não são fedor, mas isso depende. Quem gosta de cachorro não acha ruim. Você gosta de cachorro? Então já sabe que cachorro late, cheira e às vezes morde. Eu gosto de cachorro, mas tenho alergia. Quando brinco com eles, a baba empola minha pele e o pelo também, tudo coça muito, fico vermelho, os olhos marejados. Às vezes esqueço minha pele e brinco mesmo assim porque prefiro os cães a mim. Uma vez li num para-choque: "quanto mais conheço os homens mais gosto dos meus cães.” Não entendi e até hoje não entendo. Mesmo depois de estudar psicologia continuo sem entender. Coisa confusa. Coisa de gente homem e não de cachorro.
Um conhecido meu ganhou um cachorro e não queria que ele latisse. Ele dizia que não gostava do latido. Acho que ele não gosta de cachorro. Eu? Fiquei todo contente quando ouvi o cachorro latir, o que mora comigo, mas não é meu. Onde já se viu? Não deixar cachorro latir? Às vezes o latido assusta. Sobretudo as crianças. Não era o caso dele que não passeava com o cachorro, mas soltava os cachorros para cima das crianças... e da mulher. Todo mundo sabe: cachorro que late não morde. Menos as crianças. Elas começam a fugir com medo do cachorro que corre atrás delas na maior bagunça, abanando o rabo, de brincadeira. Aí prendem o cachorro para proteger as crianças. Acabam com a brincadeira. O cachorro fica triste pra um lado e as crianças tristes pro outro. Gosto de cachorro que late, que cheira e às vezes morde. Pessoas não latem, mas às vezes mordem a gente pelas costas. Aliás, isso é outro assunto, não é para crianças. Queria que as crianças não tivessem medo de cachorro, como nunca tive medo. De cachorro. Nem do que me mordeu. Um amigo contava uma anedota de cachorro. Como gostava de ouvir essa anedota. A estória era a seguinte:
Eram vários cachorros a brincar no quintal.
Dia de chuva. Temporal
A cachorrada se esbaldava
O menino olhava, ria e queria brincar.
Uma voz lhe disse: _Não!
E num lamento contristado
o menino desabafa:
Êhhh cachorrada, queria ser vocês!
Meu amigo morreu em maio de 2004 e nunca mais contou essa estória. Não sei por que gosto dessa estória e rio toda a vez que dela me recordo: por que sou como os cachorros que fazem bagunça no quintal? Ou como o menino que queria brincar e ouviu NÃO? No fundo, gosto porque é uma das estórias que meu amigo contava. E como ele sabia contar estórias. A gente ria muito. Ele ria, eu ria, todo mundo ria e repetia: êh cachorrada queria ser vocês! Não importava mais que estória ele contasse, a gente terminava assim: êh cachorrada queria ser vocês! A gente ria à beça, como não rio mais do mesmo jeito. A gente perde um amigo e a graça se vai com ele. EU Não sou cachorro. Sei disso. Eu rio, os cachorros não. Eles latem, cheiram e às vezes choram. Não magoam. Não são gente. Parece, às vezes, que só falta eles falarem. Então, nada lhes falta. A gente falta porque fala, cachorros não. Aí me lembro do para-choque...
***
Um cachorro atende pelo nome que o chamam. O que morava comigo, gosto de chamá-lo "cão". Embora não seja o seu nome, ele vem mesmo assim. Uma vez soltei o cão durante um passeio e parei no Motta para beber água de coco. Aliás, não fui eu! Foi ele. Sempre quando solto o cão e ele fareja a água de coco, isso o atrai como um ímã. Lá vai ele direto no Motta, se apoia nas patas de trás, ergue as anteriores encolhidas junto ao peitoril e aguarda até que lhe deem sua água de coco. O Motta ri. Gosta de cachorro e já sabe que ele atende por cão. Uma senhora que lá estava nesse dia, cliente dele, não sabia e me perguntou:
_qual o nome do cachorrinho? Respondi sucinto e sincero, com a voz gentil: _cão.
_Que nome feio, ela disse, para um cachorro tão fofinho?! Ela me criticou como se esse nome evocasse o "Demo". Então lhe disse: _Meu cachorro chamo como quiser! Vá a senhora para o Inferno que evocou! E soltei os cachorros pra cima daquela mulher. Às vezes soltava os cachorros, depois me arrependia. Em que momento a gente precisa reagir assim? Se os prendo, não fico bem. Gosto de cachorro; porque Não fazem mal a ninguém.
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ricardobarcabral · 2 months
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Luto
incrível! Minha última postagem aqui foi enlutado
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ricardobarcabral · 4 years
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ricardobarcabral · 4 years
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mentiras e Verdade em abril
A #verdade e as #mentiras sobre o #covid19
O feitiço da #objetividade consiste em atribuir ao vírus a #causa das #mortes que se deve muito mais a nossa estrutura econômica & jurídica. E por isso a aceleração da curva será muito mais ingreme no #Brasil.
#fato ou #fakenews ? Como as #organizações #Globo e outras #mídias #oficiais manipulam a verdade sobre o #corona #vírus e continuam a divulgar suas mentiras para proteger a “economia” deles.
#economia ou #pessoas? #Dilema que não deveria #existir: o vírus revela o #segredo da nossa economia: uma economia #perversa, para muito poucos. A preocupação com #informais e #favelados #agora é pura #hipocrisia. Recentemente o #ministro da economia deles #Guedes suprimiu toda a proteção de que #gozavam os #trabalhadores formais.
Agora é tarde. Como Inez de Castro, estaremos mortos. Se sobrevivermos seremos #impedidos de #velar nossas #perdas. #Choraremos nossas #mágoas confinados. Sem poder deitar no #colo de #ninguém.
#Deus nos #proteja #Alah nos #acuda
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ricardobarcabral · 5 years
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“Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido um promontório, ou perdido o solar de um amigo teu, ou o teu próprio. A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes perguntar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.” (John Donne)
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ricardobarcabral · 5 years
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Escrito ontem, meus ouvintes.
Postar logo, pois o apertamento ou o corportamento, corpo, comportamento e apartamento, misturados, em meu coração fala/
Está difícil, mas estou firme.
Meu apartamento é um campo de batalha: contra o Corona e os fantasmas que dele advém.
Momentos de paz e de luta.
O fogo quando vem é amigo: portanto, é preciso coragem!
Os instantes de amor e esperança são vários: sempre digo que não estou casada há trinta e dois mil anos por acaso (a construção é árdua, mas sólida).
Nasci e vou morrer sozinha, mas entre um e outro tenho o aconchego de nossos perrengues e encontros.
Ele no escritório em meio a seus compromissos, agora, virtuais, e eu na cozinha.
Vez por outra recebo sua ajuda nos afazeres que me mantém sã, que me domesticam.
São instantes raros e assim prefiro (via de regra a intenção é boa, mas atrapalha mais que ajuda).
É incrível, mas passo o dia na cozinha: não me perguntem o que faço: além do óbvio, invento (já bolei cardápio para uns dois anos).
Hoje encontrei meu vizinho de porta que quase desmaiou ao me ver: recebo as compras de delivery escondida atrás de máscaras e luvas improvisadas.
O susto dele me serviu de espelho e estranhei a imagem que vi: tornei- me um ser extraterrestre, não mais me reconheço.
Claro, no final do dia, sua esposa me ligou para saber se estávamos bem.
Sim, desesperadamente, tranquilos.
Me enrolo com as compras, com os papéis e plásticos que a envolvem, sinto-me desajeitada diante do ritual asséptico que me imponho.
Sensação estranha, histérica que sou, sempre percebo furos por onde o vírus, porventura, possa entrar... não me encaixo na norma obsessiva que a época requer.
Às vezes, quase sempre, tenho certeza que me contaminei e sinto a iminência do fim: nem tento o diálogo, pois já sei a resposta: se insistir em ir para o pronto socorro vai sem mim : a loucura, com certeza, vai retornar... não sei se sozinha.
Esse “vai sem mim” tem o poder de me parar, quando o diz, sei que não vai ceder... como quase sempre faz minhas vontades, esse não faz função. Sossego.
Ontem o final de tarde aqui em casa foi ontológico: rolou um “Pelado e largados” nos afazeres da casa. Ele de cueca passando o aspirador na casa e eu cozinhando, claro, e lhe fazendo uma apologia sobre os tempos áureos em que o homem saía para caçar e a mulher cuidava da casa.
Gente, sério, acho que, agora, enlouquecemos.
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ricardobarcabral · 5 years
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Ressurreição
Nada mais desejo que passar um bom natal
E àquele não católico como eu e não cristão.
Não ficar melancólico nesta festa
Celebrar o nascimento do menino
em estábulo, favela ou periferia.
Ver as árvores no fim da primavera,
A chegada do verão. Festejar o solstício
Com árvore em casa, toda artifício.
Escutar o canto das cigarras.
Comemorar
sem solenidade, salvador ou Senhor nosso
Com todo respeito a quem necessita
De senhores e salvador,
mas nada há de nosso n’isso.
Uma festa dos anjos,
de bebês mensageiros frutos de amor.
Não espero, nem quero seja feliz.
Basta por um triz ser BOM.
Então desejo e aos outros que
Nasça em cada casa uma flor,
para constelação familiar moderna
renasça o ânimo, sêmen do amor.
Entusiasmo para enfrentar o horror.
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ricardobarcabral · 5 years
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VOZ DO SILENCIO
🎼Desejo estar um pouco só
Só para pensar, você sabe
Senti no silêncio🎶
Uma voz em mim
tornei a viver tantas coisas
que acreditei já mortas
E quem tanto amei
Do mar do silêncio
Retorna como onda nos meus olhos
Isso que me falta
No mar de silêncio
me falta saber mais ainda
Há coisas no silêncio
que não aguardava mais
Desejo uma voz
de repente
pressinto no silêncio
Um vulto da coisa que perdera
te sinto amor
te sinto em meu coração
retornas ao lugar que
nunca perdera
que voce nunca perdeu
Você, desde sempre, perdeu
Eu queria ficar um pouco só
Pensar tu o sabe
Mas há coisas no silêncio
Que não esperava mais
desejo uma voz
E de repente
percebe-se que o silêncio
um vulto das coisas perdera
Eu te sinto amor
Ressinto em meu coração
Estais retornando ao lugar que
Você nunca perdera💔
jamais deveria ter deixado
estava perdido para ti desde sempre
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ricardobarcabral · 5 years
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INCORPORAÇÃO: A CLÍNICA DO FALASSER (PARLÊTRE) DO EU QUE FALA
A conjuntura parece-nos o momento oportuno para estabelecer uma conversação entre nós psicanalistas do campo lacaniano sobre o Corpo: estrutura e fenômenos. Ao reconhecermos que os poderes estabelecidos reduzem o corpo a imagens e concebem a estrutura rigidamente, seja como organização ou fôrma, seja como arcabouço; tal concepção os autoriza a fazerem diagnósticos e prescreverem medicamentos à revelia do eu. Eu: cerne do tratamento estabelecido por Freud, a clínica psicanalítica, corroborada pela releitura de Jacques Lacan que restitui ao eu seu lugar de sujeito na direção do tratamento psicanalítico.
O que está em jogo, portanto, são os destinos do afeto do Eu. Neste ponto, a elaboração da noção de estrutura por Jacques Lacan, se não salva o eu do afeto do qual padece, proporciona uma direção adequada ao tratamento, ao delegar-lhe a palavra sobre si, sem estipular onde e quando tal afeto perturbador poderá encontrar sua sintonia. Não à toa Jacques Lacan afirma que o inconsciente se estrutura como uma linguagem. Sem que se saiba o porquê, atribui-se a essa chave de leitura a estrutura rígida de uma organização preestabelecida. Na verdade, ela transmite o essencial dos conceitos cruciais da metapsicologia freudiana, seu ponto nodal: inconsciente e pulsão, desde que se considere a distinção entre imaginário, simbólico e real. Seja sua diferença, seja seu modo de entrelaçamento. Por esta razão, Lacan afirma que “não há relação sexual”. Em outras palavras, o modo como se entrelaçam não se universaliza, pois implica, necessariamente, a posição e o lugar do eu e o necessário um a um do tratamento psicanalítico. Do eu complexo, tal como concebido de Freud, complexo afetivo, cênico e constituído pela linguagem, o que envolve necessariamente alteridade. Trata-se de uma alteridade que não pode ser erradicada. Transmitida no ensino de Jacques Lacan pela diferença entre o Outro, com maiúscula, o outro como imagem e o outro minúsculo, por convenção, objeto “a”. Poderíamos equivaler essas alteridades ao título do nosso encontro: estrutura, fenômenos e corpo? Talvez.
Não obstante, correríamos o risco de pensar uma correspondência imediata que tropeça a cada caso clínico de que tratamos. Cada tratamento goza de um ritmo próprio, o que confere ao modo como se concebe a estrutura um dinamismo, uma economia e uma tópica que não se adequa a padrões preestabelecidos. Não por acaso recordamos os pontos constitutivos da metapsicologia freudiana, elaborados em um primeiro momento a partir do tratamento da histeria. São preconceitos de época que impugnam a autenticidade das queixas na histeria, justamente por não corresponderem a nenhuma objetividade suposta. Ao reconhecer tais queixas como sintomas, Freud torna possível tratá-los (sob transferência) pela fala. O corpo fala e fala-se através do corpo. Eis a lição de Jaques Lacan no colóquio de Roma. Essa descoberta no caso a caso pode e deve ser generalizada como ensinam os sonhos, a graça (Witz), a psicopatologia da vida cotidiana e, por que não, os atos falhos.
Encerro este prelúdio reiterando a descoberta freudiana transmitida pelo ensino de Jacques Lacan: a eficácia da fala no tratamento dos sintomas. Daqueles que apenas se manifestam no corpo ou os que se incorporam. Dar à fala o seu devido valor impede a equivalência sumária entre corpo e fenômenos e, consequentemente, viabiliza outro laço que não impõe ao eu a estrutura rígida de um diagnóstico e a autoridade do: “cale-se!”. Restituir ao paciente a fala, o afeto ao eu/sujeito que padece de seus sintomas, parece-nos a senão única, ao menos uma via ética na direção clínica e política com direito de cidade. As consequências dessa decisão de escutar são a eficácia e seus limites, pois a finalidade da psicanálise não é a remissão dos sintomas, nem a redenção do sujeito. Eis a causa de nossa escola que se atualiza a cada encontro, como nas Jornadas entrelaçadas que acontecerão em Búzios, onde espero encontrar aqueles dispostos a escutar e fazer de outra maneira um laço social. Com vocês, a palavra.
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ricardobarcabral · 6 years
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Sobre a diferença entre o predicado fálico e a causa de amor
Não fiquei satisfeito onde chegamos na nossa conversa sobre o FALO e o a-minusculo. Mas meu argumento é simples e a fala fugidia, o que me pareceu dificultar a sua apreensão.
No momento atua o problema se reduz a articulação (real) entre Sujeito e predicado. Como definir sujeito? Ou a questão tradicional da filosofia: de que estamos falando afinal? O que é Isto? O que é o que é? O que significa ser?
Freud vai além e se interroga como Isso se torna um sujeito EU. Lacan não responde que o sujeito se constitui na relação com o outro, mas, como Rimbaud que Eu é um Outro.
O Sujeito é o eu no lugar do Outro que se olha e fala de si com os outros. Como a clínica é marcada pela hesitação, a psicanálise não precisa se preocupar com a definição, mas escuta a falha na fala. A fala é uma composição de sujeito e predicado.
 Na clínica porém, interessa a enunciação. E é impossível apreender no enunciado a enunciação do Eu, uma vez que somos constrangidos a falar na sucessão temporal.
O instante da fala elide o sujeito que fala.
Mais ainda, o que está em jogo para além da fala é o reconhecimento do que é falado sobre o Eu.
Eu sou Botafogo. Tu és Flamengo. Seremos inimigos mortais? Você se reconhece no que digo? Que tu és Flamengo? Se você se reconhece no flamengo, então és urubu.
URUBU
Este é o ponto de revirão do reconhecimento. Pois eu me reconheço quando te identifico com esta ave agourenta e carniceira. Porém quanto tu a assumes orgulhoso como emblema (imagem prenhe do símbolo) equivocas o Outro que queria gozar de ti.
Eis a operação da metáfora do sujeito tal como a define Lacan: eu sou urubu. Pertenço a nação rubro-negra, àquela massa no Maracanã que entoa em uníssono, em uma única voz MEEENGOOO.
Mas por que você és flamengo, qual a causa disso? O desfiladeiro dos significantes jamais chegariam a este ponto de amarração que faz você vibrar com o coro. E quem não pertence ao coro escuta apenas voz. Um horror!
Há muito tempo fui ao show do Kiss no Maracanã. O vocalista brincou no seu microfone ultra potente: mengo. Respondeu em coro no antigo maraca que tinha outra acústica aquele brado em uníssono. Foi de arrepiar. Até para mim. E o vocalista com aquela maquiagem assustadora ficou assustado.
De tal maneira que podemos resumir sua questão em três planos:  o ponto de amarração do predicado ao sujeito (real) a linha formal da definição (simbólico) e o plano da encenação (imaginário)
Sim, porque ser flamengo é se mostrar rubro-negro (imagem) e assumir-se como urubu (significante fálico no contexto).
Há algum tempo Jorginho da seleção de 94, evangélico, assumiu a direção do América futebol clube e quis trocar o diabo pela águia, uma imagem mais positiva.
Só que não existem imagens positivas ou negativas. Positivo e negativo são valores simbólicos. Relativos um ao outro: eis o fálico como função.  Como polo norte e polo sul. Não há sul no pólo
E o falo como objeto traz justamente essa marca entre o imaginário e o simbólico. É o objeto põe o sujeito em guarda, para não se perder. Daí essa contração, essa condensação em termos freudianos que acontece ao se assumir uma imagem considerada ruim. Ao assumir a falta ou defender a falta, é o sujeito que mostra seu valor perante o Outro. (Jorginho nada entendeu do gozo da torcida)
Como explicar a um flamenguista o ser botafoguense? Um time que não tem? O que alimenta nossa fantasia é o Glorioso. Quanto menos se tem, mais se é no regime fálico do gozo.
Mas ser botafogo não é ser A Mulher. Talvez quem encarne a Mulher no futebol seja o juiz que não pertence a torcida. Basta lembrar como todos se dirigem a ele. Mas deixemos A Mulher para outra hora. Sem esquecer que ela não é um predicado. 
No jargão psicanalítico como transportamos essa metáfora: o menino que que se dá conta que tem um penis quando o ameaçam e a menina que já não tem. Eles funcionam como operadores.
Como gozar do que não se tem é a nossa questão. Como lidar com a falta? Do que não há! A castração? Não há identidade original de sujeito que possa defini-lo essencialmente.
Eis a contribuição que o objeto a-minusculo teria nessa discussão: um real que faz a ligação, mas está perdido desde sempre: o seio em primeira instancia que me faz entrar na dimensão do Outro.
As fezes como dons que mostram meu esforço para sintonizar com a demanda do outro. A voz que já mencionei e o olhar.
A dimensão do olhar você vivencia quando se concentra em ver e destaca um ponto na cena e de repente este ponto te olha: não é um susto, uma surpresa? Pois é.
Trata-se do que nos comove. E porque você com razão me demanda a discriminação do Falo e do objeto a? Devido a falta de clareza no uso das dimensões real, simbólico e imaginário.
Nós vivemos no Imaginário, na cena do mundo. Mas o mundo humano é uma articulação simbólica como o jogo de futebol com times, torcidas e regras.
Situar o ponto que torna o futebol interessante é impossível de dizer.
Como pode uma coisa tão tola, um jogo de futebol despertar paixões, agressões, mover milhões de pessoas e de dólares pelo mundo afora? Se não pelo que se viu e ouviu? E o que foi? a-minúsculo. uma incógnita. a incógnita do desejo.
Um olhar ou uma voz em um momento que marcou a alma para sempre que se encontra perdido.
O desejo nada mais é do que estratégia para cancelar este perda. A fantasia fundamental a cena original deste encontro.
O sintoma a resposta para o outro que não me da sossego.
FOGO!
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ricardobarcabral · 7 years
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ricardobarcabral · 7 years
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caviar o prazer prazer o porvir porvir o torpor contemporizar
Cassiano Ricardo
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ricardobarcabral · 7 years
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O sentimento de que a verdade está sendo falseada pelos adultos contribui em muito para fazer com que as crianças se sintam sós e desenvolvam sua independência
Sigmund FREUD: Conferencia XX
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ricardobarcabral · 7 years
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Quanto a felicidade: NÃO EXISTE REGRA DE OURO QUE SE APLIQUE A TODOS: cada um deve buscar por si mesmo de que modo específico pode ser salvo
Sig. Freud Mal-estar na civilização
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ricardobarcabral · 7 years
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Relógio
Diante de coisa tão doída
Conservemo-nos serenos
Cada minuto da vida
Nunca é mais, sempre menos
Ser é apenas uma face do não ser
Desde o instante em que se nasce
Já se começa a morrer
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ricardobarcabral · 7 years
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Morremos com os que morrem: Vê, eles partem e nós vamos com eles. Nascemos com os mortos: Vê: eles regressam e trazem-nos com eles.
—T. S. Eliot, Four Quartets
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