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Epílogo
Fui apenas uma bicicleta. Uma entre tantas. Mas este Caminho fez de mim mais do que ferro, borracha e corrente: fez de mim testemunha de um coração em travessia.
Comecei esta viagem sem saber o que me esperava. Eu era apenas uma máquina. Mas passo a passo, pedal a pedal, tornei-me mais do que rodas e engrenagens. Tornei-me uma companheira. Uma testemunha. Uma embarcação de transformação.
Levei o peso da tua mochila e do teu silêncio. Vibrei contigo nas descidas e segurei contigo nas subidas. Fui barro, fui suor, fui impulso e fui contigo.
Vi-te enfrentar o inesperado: a granizada brutal nos montes de Cebreiro, sem abrigo, apenas com a palavra Ultreia como proteção. Estivemos juntos no vento, no granizo e no sol escaldante. Foste ciclista, peregrino, sobrevivente. E eu, tua aliada.
Ao longo do caminho, fui conhecendo outros, tantos outros. Frank, que uma vez disse que eu era apenas decoração e depois caminhou ao nosso lado com um sorriso e uma cerveja. As irmãs Agostinhas, com quem partilhamos canções e emoções. João e o pai, de Santa Catarina, e Carlos, o amigo português que cozinhou um arroz de marisco que alimentou corações e corpos. Dário, do México, que falava da luz ou dos comboios ao fundo dos túneis. Jesus, o peregrino valenciano, que caiu uma vez e se levantou de novo. Luciana e os seus companheiros de bicicleta elétrica. O francês anónimo que deixou Paris para trás. Nildo e Aline, os belgas, os jovens de Pamplona que te recuperaram o drone, quando a tecnologia falhou. Ângelo, que distribuia comida e sorrisos. Heitor, heróico mesmo na bicicleta dos anos 60, com tenda e camping gas. O alemão que vivia fora da rede a vender fruta. Lil em Estella, que nos fez partilhar o jantar em família.
Cada um falou. Cada um deu algo. Cada um carregou a sua própria estrada. E o meu cavaleiro, ele ouviu. Ele riu. Ele lutou. Ele cresceu.
E eu, apenas uma bicicleta, vivi uma vida. Através dele. Com todos vós.
Ouvi-te cantar “One Day More” a caminho de Arzúa, e senti em cada pedalada o peso dos dias e a leveza da chegada. Levei-te até à Catedral de Santiago. Cansados, sim. Magoados, talvez. Mas triunfantes.
A catedral ergueu-se como uma promessa cumprida. O último empurrão na subida. A curva final. E lá estávamos nós. Não apenas no fim, mas no início da compreensão.
Agora, vamos de comboio, uma fera de metal silenciosa. Tu no banco, eu na bagagem. Mas levo comigo cada curva, cada reencontro, cada lágrima contida e cada grito de superação que o Caminho te arrancou.
E quando repousarmos, sei que olharás para mim, esta bicicleta enlameada, cansada, mas viva e lembrarás que foste longe. Muito mais longe do que a Compostela e que O Camino... O Camino nunca nos abandonará.









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Dia 15 – Dedicado a Santiago (Tiago)
Virtude: Destino, entrega, plenitude do caminho
Este dia é dedicado ao Apóstolo Santiago (Tiago), patrono da peregrinação. A sua presença em Compostela é o destino físico e simbólico de milhões de passos, promessas e orações. É ele que representa a plenitude do caminho — aquele que começa no exterior e termina no mais profundo do nosso ser. Hoje é o dia da entrega total.
O relógio marcava 6h30 quando comecei a pedalar. Esperava um percurso simbólico, quase cerimonial mas o Caminho nunca é previsível. Ainda na escuridão da madrugada, um pneu furado foi o primeiro desafio. Felizmente, uma Repsol próxima salvou-me do atraso.
O caminho manteve a toada do dia anterior: subidas e descidas intermináveis, uma espécie de dança final entre o corpo e a estrada. Numa dessas descidas, perdi o controlo da bicicleta e embati numa barreira lateral. Sem ferimentos, sem danos materiais mas o orgulho ficou marcado. Respirei fundo, como tantas outras vezes, e segui em frente.
No topo de uma colina, avistei o Monte do Gozo. Lá em baixo, no horizonte envolto em luz difusa, a Catedral de Santiago — o destino tantas vezes sonhado, agora tão perto.
Entrei na cidade com o coração a bater forte. As ruas ganhavam vida com peregrinos, turistas, sinos e gaitas de foles.
E então... cheguei à Catedral.
Cansado.
Com o corpo desgastado e o espírito leve.
Mas triunfante.
Olhei para o templo, deixei cair a bicicleta suavemente e, por um instante, não disse nada. Apenas fechei os olhos e deixei a emoção falar.
Este foi o dia da entrega e do destino.
Cada tropeço, cada reencontro, cada gota de suor e lágrima conduziu-me até aqui.
E agora percebo: o Caminho não era apenas um percurso. Era uma transformação.
E ao chegar a Santiago, não é o fim que se encontra.
É o reencontro com o que sempre esteve dentro de nós.
Hoje terminei algo imenso.
E amanhã, começa tudo outra vez com outros olhos, outra alma.
Com mais fé.
Com mais verdade.
Dados do dia:
Distância: 41,49 km
Elevação total : 718 m
Duração: 4h06




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Dia 14 – Tiago Maior
Perseverança, coragem até ao fim
Discípulo de confiança de Jesus, Tiago Maior foi o primeiro apóstolo a ser martirizado. É o patrono da Espanha, e a sua presença é sentida em cada pedra do Caminho de Santiago. A sua vida representa a coragem até ao fim, mesmo quando o caminho parece impossível. Dedicamos-lhe este dia, pois ele é o guardião invisível de todos os que aqui caminham, com fé, suor e coração aberto.
Saí de Portomarín às 6h30 com um sentimento agridoce. O corpo estava cansado, mas Santiago chamava e parecia estar já ao alcance da alma. As montanhas, pensava eu, tinham ficado para trás. Mas o Caminho gosta de surpreender.
Logo à saída, a floresta envolveu-me numa subida contínua. Sinuosa, silenciosa, desafiante. A determinada altura, a luz rompeu entre as árvores, lembrei um pensamento antigo: "Será um comboio ou a salvação?". Não era um comboio. A salvação ainda não se avistava.
Atingido o ponto mais alto, uma descida abrupta antecedeu... nova subida. E assim foi, como se pedalasse sobre uma onda infinita. Uma verdadeira batalha de pernas e mente.
Num desses momentos, cruzei-me com um francês. Cabelos brancos, olhar sereno, fôlego pesado. Disse-me que tinha começado em Paris. Não soube o seu nome, mas senti nele a história viva do Caminho, cansado, mas invencível.
O plano era parar em Palas de Rei, nome que remonta a um lendário palácio do rei visigodo Witiza. Hoje, é uma vila de acolhimento milenar, ponto de descanso e passagem para milhares de peregrinos. O seu nome e história evocam realeza e transição — como se cada passo ali fosse abençoado pelos antigos reis do norte.
Mas o dia pedia mais, e avancei até Arzúa.
Entre subidas e descidas, fui surpreendido pela Luciana, a brasileira das e-bikes com quem já me tinha cruzado. Trocámos sorrisos. A tecnologia ajuda, mas o esforço, esse, continua. A montanha nivela todos.
E, como presente final, a chuva. Mas desta vez suave — um véu fresco sobre o rosto quente. Lavava o suor, arrefecia o corpo, despertava a alma.
Cheguei a Arzúa, vila conhecida pelo seu queijo DOP e pelo acolhimento dos peregrinos. É aqui que o Caminho do Norte se junta ao Francês, tornando-se um ponto de cruzamento não só de rotas, mas de histórias. Desde a Idade Média que este é lugar de hospitalidade, descanso e partilha. A vila respira caminho.
Hoje foi um dia de perseverança. O corpo pediu pausa, a mente hesitou, mas o espírito seguiu. Dedicado a Tiago Maior, este dia espelhou a sua coragem. A cada subida, um passo mais perto do fim. A cada gota de suor, uma lembrança de quem fui e de quem estou a tornar-me.
No final, dei por mim a cantar One Day More.
Porque é isso mesmo. Falta apenas um dia.
Dados do dia:
Distância: 55, 24 km
Elevação total: 1173 m
Tempo: 6h08 m



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Dia 13 - Matias
Escolhido no silêncio, fidelidade discreta
“Por vezes, os caminhos mais difíceis são os que revelam quem caminha connosco em silêncio.”
Hoje foi um dia de emoções e decisões. Iniciei o caminho às 6:30 da manhã, deixando para trás O Cebreiro. A saída não foi apenas geográfica, foi uma montanha-russa de emoções. Subidas e descidas sucediam-se como se o relevo estivesse a brincar com o espírito e as pernas. Quando pensei que o pior tinha passado, surgiu uma parede com 20% de inclinação. A recompensa pela persistência? Um caminho tranquilo, em suave descida.
Pouco depois, chegou o momento de uma escolha: seguir por Samos ou por San Xil.
O caminho por Samos é mais longo, mas permite visitar o majestoso Mosteiro de San Xulián de Samos, um dos mais antigos da Península Ibérica, espiritual, sereno, monumental. Já o caminho por San Xil, mais curto, é famoso pela sua beleza natural: um trilho encantado entre bosques e colinas.
Optei por San Xil, e não me arrependi. O trilho revelou-se exigente, com subidas íngremes em paisagens paradisíacas. Foi aqui que reencontrei um grupo de jovens ciclistas de Pamplona, que já tinha cruzado em outras etapas. Mais à frente voltaria a encontrá-los e aí a alegria seria imensa.
Cheguei a Sarria por volta das 10:40. Era cedo, o corpo ainda tinha energia e o tempo ajudava. Decidi continuar até Portomarín, uma decisão que acabaria por testar a minha resistência.
Sarria é uma localidade emblemática no Caminho de Santiago. É o ponto de partida escolhido por muitos peregrinos, por estar a pouco mais de 100 km de Santiago, a distância mínima para obter a Compostela. A cidade é pequena, mas fervilha de vida peregrina e guarda traços medievais e modernos em harmonia.
Do lado de cá da decisão, vieram novas subidas, descidas, trilhos exigentes que punham à prova não só as minhas pernas, mas também os travões da minha companheira, a bicicleta.
Num desses momentos, quis captar o instante com o drone. Lancei-o. Eu seguia rápido, ele também. À sua frente, uma árvore. Não a vi. Ele também não. A tecnologia, por vezes, também tropeça. O drone perdeu-se nos ramos da árvore, num terreno carregado de espinhos. Lutei para o encontrar e já começava a desesperar quando, como por milagre, chegaram os jovens de Pamplona, montados nas suas bicicletas, para mim eram templários que vinham ajudar um peregrino. Ajudaram-me a recuperar o drone, um gesto simples, mas inesquecível. Fico-lhes eternamente grato.
O resto do percurso decorreu sem sobressaltos. Às 13:40, cheguei a Portomarín.
Portomarín, situada nas margens do rio Miño, é uma das localidades mais emblemáticas do Caminho de Santiago. A vila original foi submersa na década de 1960 com a construção do reservatório de Belesar. Mas a sua história não foi apagada — literalmente, foi reconstruída pedra a pedra. Os edifícios mais importantes, como a Igreja-fortaleza de San Nicolás (dos Cavaleiros de Santiago), foram desmontados e remontados na nova vila, situada em terreno mais elevado.
O traçado urbano mistura o antigo e o moderno, com destaque para a ponte que substituiu a antiga ponte medieval que, em épocas de seca, ainda pode ser parcialmente vista nas águas do rio. Portomarín é conhecida pelo seu espírito acolhedor, e a escadaria que leva os peregrinos da ponte até ao centro simboliza bem o esforço e a ascensão no caminho.
Dados do dia:
Distância: 70,23 km
Tempo: 5h22
Elevação total: 1.129 m
Matias foi o apóstolo escolhido após a queda de Judas. Não o conhecemos por gestos grandiosos, mas pela sua fidelidade constante. No Caminho, também há decisões silenciosas que moldam quem somos, escolhas discretas que mostram a nossa entrega e a beleza da ajuda mútua. Hoje, entre caminhos e reencontros, entendi que nem tudo precisa ser espetacular para ser memorável. Há milagres em árvores, em encontros e em mãos estendidas.





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Dia 12 – Paulo de Tarso
Transformação radical, missão universal
De perseguidor a apóstolo: símbolo de mudança profunda e expansão da fé. Representa a força de recomeçar com propósito.
Hoje pedalo por todos os que enfrentam tempestades interiores, físicas ou espirituais, e mesmo assim seguem em frente. Que encontrem força como Paulo, mesmo quando tudo parece contra eles. Que a coragem de continuar seja maior que o medo de cair.
O dia começou cedo, com a promessa de calor, mas foi o Céu que surpreendeu. A etapa de hoje já se desenhava exigente: uma subida de mais de 750 metros ao longo de 15 km até O Cebreiro, mítica aldeia no alto da serra. Mas nada me tinha preparado para o que aconteceu.
Durante a subida, o tempo virou de forma repentina. Ventos fortes, chuva intensa e granizo do tamanho de berlindes tornaram o caminho hostil e impiedoso, um autêntico cenário bíblico. Sem abrigo à vista, só havia uma escolha: continuar, Ultreia.
Foi, sem dúvida, um momento de superação – Paulo de Tarso não podia ter sido melhor guia espiritual: o que foi derrubado, transformado e enviado. Hoje, senti essa transformação. Cada pedalada foi resistência, fé e missão. O corpo dói, mas a alma cresce.
O Cebreiro – Milagre, montanha e reencontro
A chegada a O Cebreiro foi como atravessar uma fronteira sagrada. Entre casas de pedra, nevoeiro e silêncio, respira-se uma espiritualidade antiga. Aqui aconteceu o famoso milagre eucarístico do século XIV, inspiração para o Santo Graal espanhol. Aqui o Caminho convida à pausa e à contemplação.
E foi nesse cenário que reencontrei o Frank. Agora seguia a pé, tranquilo, sereno. Sentámo-nos e brindámos à vida com duas cervejas, enquanto partilhávamos impressões sobre o Caminho. Foi um daqueles encontros que não se planeiam, mas que o Caminho oferece. Simples, verdadeiro, humano.
Dados do dia
Distância: 56,81 km
Tempo total: 6h 14min
Ganho de elevação: 1.292 m
O Caminho ensina que a transformação nunca acontece no conforto. Paulo caiu do cavalo para ver com outros olhos. Hoje, sob o granizo, também eu fui forçado a confiar mais do que a controlar. Quando tudo falha, resta a fé no caminho, nos outros, em mim.
A subida é dura, mas é lá no alto que se vê mais longe.
Ultreia et suseia
O Milagre do Cebreiro é um dos mais famosos do Caminho de Santiago e está intimamente ligado à tradição cristã da Presença Real de Cristo na Eucaristia. Aconteceu no século XIV, na pequena igreja pré-românica de Santa María la Real do Cebreiro.
O que aconteceu?
Segundo a tradição, um camponês de Barxamaior (uma aldeia próxima), profundamente devoto, subia todos os domingos ao Cebreiro, mesmo com mau tempo, para assistir à missa. Numa manhã de tempestade, com chuva e neve intensa, chegou à igreja quase exausto.
O monge que ia celebrar a missa, ao vê-lo chegar tão molhado e cansado, desvalorizou o sacrifício daquele homem, pensando algo como: “Vir com este tempo só para ver um pouco de pão e vinho...”
Mas, no momento da consagração, a hóstia transformou-se em carne e o vinho em sangue, diante dos seus olhos incrédulos. O milagre revelou a verdade da fé eucarística e a pureza da devoção do camponês.
O que se pode ver hoje?
Na igreja de Santa María la Real do Cebreiro ainda se conserva:
O cálice e a patena usados no milagre.
Um relicário com os restos do pão e vinho milagrosos.
Os túmulos do camponês e do monge.
Um altar com uma inscrição comemorativa do milagre.
Este milagre foi tão impactante que até os Reis Católicos o veneraram. A rainha Isabel de Castela mandou restaurar o santuário e levou o cálice do milagre como inspiração para a lenda do Santo Graal.
Mensagem do milagre:
O que para uns pode parecer um gesto pequeno ou exagerado, como subir uma montanha para comungar, é, aos olhos de Deus, um ato de fé que transforma tudo. É um milagre de humildade, de perseverança e de presença real — no altar e no coração.






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Dia 11 – Maria Madalena
Dedicação: Àquela que testemunhou a ressurreição, símbolo de transformação, presença fiel e força interior.
“No silêncio do Caminho, como Maria Madalena junto ao túmulo vazio, procuro o sentido do que deixo para trás e o que ainda tenho de encontrar.”
Comecei a pedalar às 6:30, com o fresco da manhã a envolver as encostas castelhanas. O primeiro quilómetro foi sereno, pedaladas curtas para acompanhar João e o seu pai, vindos de Santa Catarina, Brasil, e Carlos, um português. Conheci-os no dia anterior. Passámos juntos uma tarde com histórias e um delicioso arroz de marisco preparado pelo Carlos, sabor português no coração de Espanha.
Mais à frente, reencontrei Jesus, o peregrino valenciano de 70 anos que havia conhecido no dia anterior. Fiz questão de descer da bicicleta e acompanhá-lo por cerca de 500 metros a pé. Conversámos como velhos conhecidos, partilhando reflexões e sorrisos sobre o Caminho.
Em Rabanal del Camino, conheci Luciana, de Minas Gerais, que viajava com um grupo em e-bikes. Explicou-me as vantagens da pedalada assistida, mas a falta de experiência de alguns do grupo acabou por dispersar-nos e ficaram para trás. Continuei, sozinho, até ao ponto mais desafiante do dia: a Cruz de Ferro.
✝️ A Cruz de Ferro
A Cruz de Ferro (Cruz de Hierro), situada a cerca de 1.500 metros de altitude, é um dos pontos mais simbólicos do Caminho Francês. Peregrinos trazem até aqui uma pedra de casa — símbolo do que desejam deixar para trás. Ao depositá-la aos pés da cruz, aliviam simbolicamente o peso das suas dores, culpas ou promessas. É um momento íntimo e poderoso, que nos recorda que cada passo no Caminho é também um passo interior.
Seguindo o percurso, por recomendação da Proteção Civil local, saí do Caminho e segui pela estrada até Molinaseca, onde então retomei a rota tradicional. Esta alternativa permitiu maior segurança sem perder o espírito do percurso.
O destino final do dia foi Ponferrada.
🏰 Ponferrada: a fortaleza dos Templários
Ponferrada é uma cidade marcada pela história e pelo peso simbólico do Caminho de Santiago. O seu maior ícone é o Castelo dos Templários, uma imponente fortaleza construída no século XII para proteger os peregrinos. A cidade cresceu à sombra desta estrutura militar e religiosa, tornando-se um ponto estratégico no Caminho. Atravessada pelo rio Sil e rodeada por vinhas, Ponferrada acolhe quem chega com charme, história e uma aura de proteção — como se os Templários ainda guardassem os passos dos peregrinos.
Dados do dia:
Distância: 55,57 km
Ganho de elevação: 832 m
Tempo total: 6h09m
Maria Madalena foi a primeira a ver a luz da ressurreição porque permaneceu firme quando tudo parecia perdido. Que eu aprenda com ela a não desistir nos momentos mais duros do Caminho, é aí que renasce o sentido.






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Dia 10 – Judas Tadeu
Ao apóstolo das causas perdidas, patrono da esperança em momentos difíceis.
"Nas subidas mais duras, nas pedras soltas do caminho, é onde mais precisamos de fé. Judas Tadeu caminha comigo."
O caminho começou às 7:00 e foi, na sua maioria, suave e fluido. O corpo já se adapta à rotina, e a bicicleta parece entender a missão. Porém, os últimos 12 km testaram a paciência e o equilíbrio: terra batida, pedras soltas, vibração constante e algum desconforto físico.
Foi nesse trecho que conheci Jesus, um valenciano de 70 anos. O encontro teve algo de simbólico: Jesus e eu, Pedro, como se o Caminho nos colocasse numa parábola viva. Jesus contou que esta era a segunda tentativa de completar o Caminho. Na primeira, há dois anos, de bicicleta, caiu antes de chegar a Burgos e partiu a tíbia. Agora, volta mais lento, mas determinado, a pé.
Falámos de muitas coisas, mas o entusiasmo dele ao mencionar Portugal e o bacalhau ficou na memória. Riu-se ao dizer que em Portugal se pode comer bacalhau todos os dias sem repetir o prato, tal a variedade. E é verdade, só quem nos conhece sabe disso.
À chegada a Astorga, decidi parar. O corpo pedia repouso e o espírito, contemplação.
Astorga tem raízes profundas na história da Península Ibérica. Foi fundada como assentamento romano no século I a.C., com o nome de Asturica Augusta, em honra do imperador César Augusto. Tornou-se um ponto estratégico da via romana Via de la Plata e serviu como capital administrativa da região dos astures.
A presença romana ainda se faz sentir nas muralhas e ruínas que rodeiam a cidade. Astorga também é conhecida pela sua importância no Caminho de Santiago e pela bela Catedral de Santa María, e pelo Palácio Episcopal, uma das obras de Gaudí fora da Catalunha.
Dados do dia
Distância: 50,63 km
Ganho de elevação: 445 m
Tempo total: 4h36m
O desconforto ensina a abrandar. E às vezes, o que parece tropeço é só um convite ao encontro. Hoje, Jesus caminhou comigo. E o caminho ganhou um sabor de bacalhau e fé.




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Dia 9 – Lucas
Lucas escreveu para os gentios, para os de fora. Hoje, pedalei para dentro, entre retas que pareciam não acabar, e um céu que não prometia sol.
O dia começou às 6:30, com um céu enublado e um frio que entrava pelas luvas. O caminho apresentou um desafio curioso: retas tão longas que desorientavam a mente. Subidas e descidas confundiam-se no horizonte o que era a subir parecia a descer e vice-versa. Uma metáfora viva para os momentos do Caminho em que o corpo segue, mas a cabeça hesita.
Os peregrinos tornaram-se cada vez mais raros, e o silêncio tomou conta da jornada. Foi só eu, a bicicleta e os pensamentos. A determinada altura, tive a sorte de encontrar uma área de serviço, coisa rara por estas bandas, pude encher os pneus da minha companheira. A diferença foi imediata: a bicicleta ganhou outra alma. Pequenos gestos que fazem grandes jornadas.
Às 11:00, cheguei a León.
A cidade de León é uma das mais importantes do Caminho Francês. Fundada como um acampamento militar romano no século I a.C., o seu nome vem do latim Legio (referente à Legião VI Victrix, que ali estava aquartelada). Com o tempo, Legio evoluiu foneticamente até se tornar León.
É uma cidade vibrante e rica em história. A Catedral de León, com os seus impressionantes vitrais góticos, é considerada uma das mais belas de Espanha. A cidade equilibra modernidade e tradição, oferecendo ao peregrino uma pausa revigorante — e, muitas vezes, emocional — no meio da dureza da meseta.
Dados do dia:
Distância: 54,85 km
Ganho de elevação: 288 m
Tempo total: 4h12m
Há dias em que o caminho se repete como um eco sem fim. Mas até o silêncio tem o que ensinar. Hoje, aprendi que o cansaço é também uma forma de escuta. E que até o ar nos pneus pode devolver a alma à viagem.



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Dia 8 – Mateus
Mateus escreveu para organizar o coração dos primeiros cristãos. Hoje, organizo o meu corpo, depois do esforço, com o dom do repouso.
O dia começou cedo, às 6:25, ainda com as luzes da manhã a desenharem silhuetas suaves nas planícies da Meseta. A paisagem era plana, o caminho sem dificuldade, e às 10:00 já tinha percorrido 39 km. Um verdadeiro contraste com a etapa anterior.
Hoje o foco foi o encontro. Pelo caminho, conheci Nildo e Aline, um casal brasileiro com quem conversei sobre a vida cotidiana. Entre uma pedalada e outra, partilhámos sonhos, rotinas e a forma como o Caminho ressignifica o tempo. Também encontrei um belga, que caminhava há dois meses. No rosto, o cansaço das longas jornadas; nos olhos, a serenidade de quem escolheu andar para dentro.
Decidi terminar a etapa em Sahagún. A escolha não foi apenas física, foi simbólica. O corpo, ainda a recuperar do dia anterior, pedia pausa. E fez-me lembrar de Gênesis: no sétimo dia, Deus descansou. Era sábado. Um sábado para mim também.
Sobre Sahagún:
Sahagún é considerada o "coração geográfico do Caminho Francês" e guarda em si uma herança rica de espiritualidade e cultura. Foi um dos centros monásticos mais importantes da Idade Média na Península Ibérica, com influência da ordem beneditina. Os seus edifícios em estilo mudéjar, como a igreja de San Lorenzo, lembram a convivência histórica entre cristãos e muçulmanos. É uma cidade que acolhe com sobriedade, e cujos muros parecem sussurrar os passos de milhares de peregrinos ao longo dos séculos.
Dados do dia:
Distância: 39,55 km
Ganho de elevação: 240 m
Tempo total: 2h31m
Parar não é desistir. É honrar o corpo que caminha e dar espaço à alma para respirar. Hoje, como Mateus, organizei o essencial: o silêncio, o descanso e o sentido do caminho.






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Dia 7 – Tomé
Tomé não foi fraco na fé. Foi honesto com as suas perguntas. Hoje, dedico-lhe um caminho silencioso, onde o esforço físico deu espaço à escuta interior.
Comecei o dia cedo, às 7h00, com o corpo ainda a carregar a memória da subida aos Montes de Oca. O sol mal nascia, e eu já pedalava rumo a mais uma jornada longa e exigente. O percurso de hoje foi cansativo, não tanto pelas subidas, mas pela extensão e monotonia dos últimos quilómetros. Os últimos 15 km, em particular, foram uma reta interminável, onde só o som do vento e o ranger da bicicleta me acompanhavam.
O maior desafio foi o Alto de Mostelares. A subida impôs respeito, obrigando-me a descer e empurrar a minha companheira de viagem. A descida, ao contrário, fluiu com facilidade, como uma recompensa silenciosa por cada passo dado anteriormente.
Carrión de los Condes foi o ponto final do dia. Uma vila tranquila, que me acolheu com a simplicidade característica do Caminho. A paisagem mudou ligeiramente, mas o que mais mudou foi o silêncio. Os encontros com outros peregrinos foram raros. Foi um percurso solitário, daqueles em que o pensamento caminha ao teu lado e não te deixa fugir de ti mesmo.
Dados do dia:
Distância: 85,21 km
Ganho de elevação: 706 m
Tempo total: 7h18m
Às vezes, o que mais pesa não é a bicicleta, é o silêncio. Mas é nele que a fé se revela não como certeza absoluta, mas como caminho possível.




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Dia 6 – Bartolomeu
Bartolomeu quase não deixou palavras, mas a sua presença marcou o caminho de Cristo. Hoje, dedico-lhe um dia feito de silêncios que falam, sorrisos inesperados e encontros que renovam.
O dia começou cedo e sereno, mas logo se transformou numa verdadeira jornada de encontros e contrastes. Em Grañón, parei para tomar um café, um momento simples, mas essencial para fazer o upload da alma. Foi uma pausa curta, mas carregada de significado, como se o corpo pedisse silêncio para processar tudo o que o espírito vinha vivendo.
Já em Redecilla del Camino, depois de gravar com o drone, fui surpreendido por um pequeno gato curioso. Pensou que o drone era um pássaro e, num gesto quase poético, subiu para cima da bicicleta e recusava-se a sair, dificultando-me a arrumação do aparelho. Um instante de ternura inesperada no meio da estrada.
Mais à frente, o dia ganhou cor humana: conheci Luciana e a sua amiga, vindas de São Paulo, entusiasmadas com o Caminho e já a planear fazer o Caminho Português no próximo ano. Conversas breves, mas que aquecem o coração e dão sentido ao esforço.
No alto dos Montes de Oca, surgiu Ângelo, uma figura carismática que se autointitulou "um equívoco da sua mãe". Com humor e generosidade, fornecia comida e sorrisos a quem passava. Uma daquelas almas que parecem estar ali só para lembrar que há beleza até nas subidas mais difíceis.
Aliás, Montes de Oca foi o grande desafio do dia. Um percurso de forte inclinação e cheio de pedras, onde a única opção foi descer e empurrar a bicicleta. Um esforço duro, físico e mental. Mas, como em tudo no Caminho, a paisagem e o sentido de conquista compensam.
Depois da travessia, o trajeto tornou-se mais fácil: estradões largos de terra batida facilitaram os últimos quilómetros. E assim cheguei a Burgos, uma cidade moderna, vibrante, cheia de movimento. Mas, entre tudo isso, nada se compara ao impacto visual e espiritual da catedral, que se impõe como uma obra-prima gótica e como símbolo da fé e da persistência de quem por ali passa.
Dados do dia:
Distância: 74 km
Ganho de elevação: 1.071 m
Tempo total: 5h35m
Há dias em que os pés se cansam, mas o coração caminha leve. São os encontros, os gatos, os sorrisos e até os empurrões que fazem o Caminho valer a pena.







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Dia 5 – Filipe
“Senhor, mostra-nos o Pai”, disse Filipe. No Caminho, cada pergunta profunda nos leva mais perto de casa.
O dia começou com um pequeno contratempo: os meus sapatos tinham ficado do lado de fora do albergue, numa zona sem acesso direto. Acordei às 6h, mas só consegui iniciar o percurso às 8h. Ainda assim, parti sereno, com a confiança renovada de quem sabe que os pequenos obstáculos também fazem parte do Caminho.
A etapa não foi tecnicamente difícil. O terreno apresentava estradões longos e abertos, ladeados por extensos campos de trigo que dançavam ao vento. Um cenário de beleza simples e repetitiva, que permite que a mente divague, pense e, por vezes, se encontre.
Passei por três lugares emblemáticos:
🏘️ Navarrete
Pequena vila de raízes medievais, destacada pela sua ligação ao vinho e ao Caminho. Aqui ainda se sentem os ecos dos antigos peregrinos, especialmente nas ruínas do Hospital de San Juan de Acre, do século XII.
🏰 Nájera
Antiga capital do Reino de Navarra, cheia de história e lendas. O Mosteiro de Santa María la Real, fundado por Garcia Sánchez III, alberga reis sepultados e impressiona pela serenidade do seu claustro.
⛪ Santo Domingo de la Calzada
Cheguei por volta das 12h30 a esta cidade profundamente ligada à história do Caminho. O seu nome homenageia Domingo García, o santo que dedicou a vida a melhorar as condições para os peregrinos: construiu pontes, albergues e até uma estrada.
Mas o que mais fascina aqui é a famosa lenda do galo e da galinha:
Conta-se que um jovem alemão em peregrinação foi falsamente acusado de roubo por uma estalajadeira. Condenado à forca, sobreviveu milagrosamente graças à intercessão de Santo Domingo, após dois diz suspenso, conta a tradição que era o espírito do santo Domingo que o segurava.
Quando os pais do rapaz foram contar ao juiz, que ele estava vivo, ele zombou: “Esse rapaz está tão vivo como este galo e esta galinha assados no meu prato”.
E naquele momento, as aves levantaram voo e cantaram!
Desde então, um galo e uma galinha vivos são mantidos dentro da catedral, como memória viva do milagre, é a única catedral em Espanha quem mantém animais vivos dentro da catedral.
Ao ouvir esta história, não pude deixar de pensar no nosso Galo de Barcelos. Também aí, um peregrino injustamente acusado é salvo milagrosamente por um galo assado que canta para provar a sua inocência.
Ambas as histórias, separadas por países, têm algo em comum: a injustiça evitada por uma intervenção quase divina e um galo que se torna símbolo de fé, justiça e proteção ao peregrino.
São histórias que mostram que, mesmo no absurdo, pode haver verdade e que a fé move mais que montanhas.
🗺️ Dados da etapa:
Distância: 50,19 km
Elevação acumulada: 716 m
Tempo de percurso: 4h09m
Às vezes é preciso perder o rumo logo de manhã para aprender a confiar no Caminho.
E entre campos de trigo, lendas medievais e galos que cantam milagres, reencontramos a fé — mesmo quando ela parece adormecida.






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Dia 4 – João
João, o discípulo amado, permaneceu firme mesmo na dor, e cuidou dos outros com ternura.
Hoje o dia começou cedo e com mais leveza. A lama ainda presente do dia anterior não foi suficiente para dificultar um percurso que se revelou relativamente fácil. A partida foi de Estella, e às 6h40 estava já a pedalar.
Logo pela manhã passei pelas famosas Bodegas Irache, onde se encontra a célebre fonte de vinho para os peregrinos. Um símbolo de hospitalidade, tradição e também de pausa festiva no meio do esforço.
O Caminho trouxe novos encontros. Vou falar do Heitor, nome que imediatamente me fez pensar no herói grego e não foi só o nome: viajava numa bicicleta dos anos 60, com uma tenda e um camping gás para preparar as suas refeições, acampava durante a noite onde as pernas o tinham deixado chegar. Tinha um espírito de resistência e humildade que o tornava verdadeiramente digno da referência homérica.
Mais à frente, cruzei-me com um alemão que escolheu viver à beira do Caminho. Tinha montado uma pequena banca entre árvores e vendia fruta, ovos e sumo de laranja aos peregrinos. Era simples, mas certeiro. Pensei: às vezes a oportunidade está mesmo à nossa frente, só falta olhá-la com olhos de ver.
A viagem de hoje teve:
📏 50,19 km de distância
⛰️ 716 m de elevação acumulada
⏱️ 4h09m de pedalada
Cheguei a Logroño por volta das 12h30. Esta cidade é uma das mais importantes do Caminho Francês. Capital da região de La Rioja, é conhecida não só pelos vinhos, mas também pela vibrante calle Laurel, onde se concentram dezenas de bares que servem pinchos, uma explosão de sabores e convívio. Logroño marca a transição para um novo ritmo, onde o Caminho começa a fundir-se mais com o urbano, sem perder a sua alma.
A simplicidade pode ser heroica.
E o verdadeiro sustento, por vezes, brota do inesperado.




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Dia 3 – Tiago Menor
Tiago Menor seguiu Cristo com simplicidade, sem destaque, mas com presença constante.
Comecei o Caminho hoje às 6h40, debaixo de chuva. Choveu bastante ao longo da manhã, tornando o percurso mais duro. A lama tornou-se um obstáculo físico real: escorregadia, pesada, difícil de ultrapassar, especialmente nas subidas.
Foi numa dessas subidas, numa estrada lamacenta e inclinada, que conheci Dário, um peregrino do México. Enquanto lutávamos contra o terreno, sujos até aos tornozelos, ele comentou com um sorriso: “Já se vê luz ao fundo do túnel ou é um comboio ou é a libertação.” Rimo-nos, mesmo exaustos. E ali, naquela piada partilhada, a dureza do dia pareceu mais leve. Era um riso que vinha da resiliência.
No total, percorri hoje 52 km, com 909 metros de elevação acumulada. Mais um dia intenso, mas com conquistas claras.
Ao chegar a Estella, fiquei no albergue paroquial. A anfitriã, Lil, desafiou-nos a fazer uma refeição comunitária. Aceitei o convite com gosto e preparei o jantar para 12 peregrinos: o prato português bacalhau à Brás. Foi um momento de alegria partilhada. Todos elogiaram o prato e, por instantes, senti-me em casa não por causa do lugar, mas pela comunhão entre pessoas de cantos diferentes do mundo.
Por fim fomos desafiados a cantar uma canção de cada país, eu cantei a Lenda da fonte.
Mesmo com lama até aos joelhos, há sempre espaço para rir e partilhar à mesa.





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Dia 2 – André
André, o irmão que levou outros até Cristo com gestos simples, mas essenciais.
Hoje foi um dia duro, marcado por constantes altos e baixos, tanto no percurso como no próprio corpo. Os trilhos alternaram entre terra batida e zonas com tantas pedras que, por vezes, tive de descer da bicicleta para evitar riscos maiores. Se ontem desmontei para subir, hoje desmontei para conseguir descer. As pedras pareciam dentes de um monstro subterrâneo, prontos para desfazer uma roda ao menor deslize.
Durante uma dessas descidas complicadas, o Frank, com o seu bom humor característico, soltou a frase do dia: “A bicicleta hoje serve para enfeitar.” Rimo-nos os dois, cansados, empurrando mais do que pedalando, mas seguimos em frente.
Pelo caminho conheci o José, um homem de meia-idade que se apresentou como português de Ceuta. Foi amável, ofereceu-me água e uma banana — e só quem faz o Caminho entende a verdadeira importância de uma banana partilhada num momento de esforço. Esse tipo de gesto simples diz mais do que parece.
Pelas 15:00 cheguei a Pamplona, uma cidade cercada por muralhas, mas cheia de vida por dentro. As ruas estavam animadas, repletas de gente a comer pinchos e a beber cañas. Foi bom sentir de novo o ritmo de uma cidade depois de tanto silêncio entre pedras e trilhos.
Terminei o percurso de hoje com uma despedida: o Frank, o peregrino texano com quem comecei o Caminho, seguiu para outra povoação onde já tinha hotel reservado. A despedida foi breve, mas sentida. Sei que fiz um amigo.
Hoje pedalei 42,93 km, durante 7 horas e 8 minutos, com 785 metros de elevação acumulada. Estou cansado, mas mais resistente do que ontem.
Às vezes, o que mais custa não é subir.
É descer sem partir e continuar inteiro.










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Dia 1 – Pedro
Dedicação: Fé vacilante, coragem de recomeçar
“Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja.” (Mt 16,18)
Comecei o Caminho às 6h30 da manhã. A etapa foi dura: 26,77 km com 1344 metros de elevação acumulada, num total de 7 horas e 9 minutos. Os primeiros 21 km foram praticamente sempre a subir — um esforço contínuo e exigente, tanto físico como mental.
Pelo caminho fiz um amigo: Francisco, um peregrino de 63 anos vindo de Houston, Texas. A bicicleta dele já mostrava sinais de fadiga, e por isso tivemos de desmontar e empurrar várias vezes. Apesar das dificuldades, partilhar este primeiro dia com alguém como ele deu-me ânimo. A entreajuda e a conversa fizeram a subida parecer menos longa.
As paisagens compensaram cada gota de suor: montanhas verdes, horizontes amplos, e uma sensação quase sagrada de estar entregue à natureza. Em vários momentos senti-me verdadeiramente feliz por ter escolhido esta aventura.
Agora, no fim do dia, o cansaço é grande, mas é um cansaço bom. Estou satisfeito, com a sensação clara de dever cumprido. O Caminho começou e começou bem.
Começar é sempre o maior passo. O corpo treme, mas o coração avança.








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Dia 0 – Chegada a Saint-Jean
6:40 - Após cerca de 15 horas de viagem, com direito a um micro sono pelo caminho, cheguei a Baiona. A primeira missão do dia foi desembalar a bicicleta e prepará-la. Depois segui direto para a estação de comboios, onde apanhei o comboio rumo a Saint-Jean-Pied-de-Port.
Chegar aqui é quase como entrar noutra época. A cidade é pequena, com edifícios que parecem suspensos no tempo. As casas são, na sua maioria, brancas, com portas e janelas castanhas ou bordeaux, o que lhe dá um aspeto pitoresco e muito próprio. O calor fez-se sentir com intensidade, por isso passei uma boa parte da tarde à sombra num jardim público, a observar, a descansar e a digerir o momento.
No horizonte, vejo a montanha que terei de subir amanhã. É imponente, silenciosa, e parece saber exatamente o que me espera. Toda a cidade está voltada para os peregrinos — há lojas com tudo o que possamos imaginar, inclusive coisas que nem sabíamos que poderíamos precisar.
Já tenho em mãos a credencial do peregrino. Agora, é apenas uma questão de tempo. Esperar que as horas passem, e que o verdadeiro desafio comece.
O corpo já chegou. Agora é a alma que se prepara.






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