Oi, você me encontrou! Sou João/Pedro, e eu escrevo! Quer ler algo meu? Uau, obrigado! Procure pela tag #coisasrabisgitadas aqui mesmo e você encontrará uma coleção de contos/histórias curtas/crônicas e outras coisas que escrevi. Minha ask-box está aberta à perguntas, então, se quer saber algo que ninguém mais sabe ou simplesmente saber como estou, dê uma passadinha por lá e deixe sua pergunta :)
Don't wanna be here? Send us removal request.
Text
os fatos:
eu sei que você não vai ler isso. é esse pensamento que me traz paz: eu posso falar com você sem precisar revisitar todas aquelas sensações desagradáveis de realmente falar contigo.
precisei silenciar seu nome, afastar sua existência da minha, e ainda assim não consigo parar de pensar que este é mais um 29 de abril, mais um 1º de maio, em como um único dia pode caber entre o fim e o começo.
não sei se sinto sua falta. de vez em quando, ainda penso em você. penso que você está feliz seguindo com a sua vida, fazendo exatamente aquilo que queria fazer. que o fim do nosso relacionamento foi o seu recomeço. é com leveza no coração (e na mente) que digo isso; você fez o que queria fazer e estou feliz por você.
o problema é que estou partindo meu próprio coração. e acho que você é a única pessoa com quem posso ter essa conversa -- você, que já está familiarizado com as minhas cicatrizes, tanto por tê-las cuidado quanto por abrir as antigas e adicionar outras.
estou perdido; sinto como se estivesse procurando pelo vazio. então, recorro à terapia de teclado para tentar entender o que estou fazendo. para onde estou indo. quem sou -- depois de você, depois que passei a ter outro nome, depois que "consegui o que sempre quis", depois que o mundo mudou.
eis algumas verdades:
o que eu sempre quis não é como eu imaginava. todo mundo me avisou, incluindo eu mesmo. mas, pra ser sincero, me deixei iludir pela versão bonita da coisa, ainda que tivesse uma noção muito próxima da realidade do quão difícil é. poucos conseguem pagar o pedágio do sonho. temo ter descoberto não ser um deles.
estou tentando me agarrar a fiapos do sonho, porque sonhar o sonho de alguém ainda é viver de sonho. no entanto, parasitas de sonhos existem aos montes. hoje mesmo, um desses parasitas disse que não houve sonho o suficiente para ele, você acredita? e se para quem já está acostumado a isso é difícil, quem dirá para mim?
apesar da procura, ainda estou para encontrar um homem que queira ficar. me sinto como uma escolha errada. um desperdício de tempo para uns que arranjam coisa melhor e para outros que desenterram um tesouro falido -- há brilho, há valor, mas em uma moeda estrangeira que eles não podem usar. é uma descoberta mútua, então seguimos nossos caminhos sem guardar rancor. pelo menos é como imagino.
penso em você. não de um jeito romântico, acho bom avisar. não quero que você veja coisa onde não há. mas eu penso. penso em como você está. se está feliz. se encontrou outra pessoa ou não. se está sendo bem-sucedido nos seus projetos como torço para que esteja. achei por bem me afastar e nem ir atrás para descobrir essas coisas por fora. se você quisesse que eu soubesse, me diria; pelo que sei, o único que está recorrendo a subterfúgios aqui sou eu. então, eu penso em você. me pergunto se você sabe o que aconteceu em 29 de abril, se o próximo 1º de maio vai trazer alguma lembrança na sua mente, como acontece comigo. o que me leva ao próximo item:
estou partindo meu próprio coração. não por estar pensando em você, acho normal pensar naqueles que desejamos bem. o que quero dizer é que é algo maior do que um romance que acabou. como lhe disse antes, estou perdido -- e também cansado. estou cansado de seguir caminhos que não levam a lugar algum, de tatear no escuro sem uma lanterna ou um mapa que me indique a direção. algumas pessoas tentam me ajudar no caminho, mas meu medo é que elas cheguem à mesma conclusão que eu mesmo já cheguei algumas vezes: não adianta jogar uma boia salva-vidas para quem se recusa a aceitá-la porque sabe nadar. eis outra verdade: saber nadar não te impede de se afogar. e eu não lembro mais o que é sentir o ar nos pulmões.
então você vê, esses são os fatos. há mais coisas entre o cá e o lá no silêncio dos tuítes do que se supõe.
mas você não se importa. você seguiu em frente, exatamente como disse que faria, exatamente como eu esperava que fizesse. e que bom que o fez. mas, sabe, sinto inveja por você conseguir fazer isso enquanto estou aqui lutando contra uma gripe que me deixa ainda mais sensível às verdades da vida contemporânea.
não tenho mais o que dizer por hora.
obrigado por não me ler.
1 note
·
View note
Text
vulcão de gelo
Ando sentindo. Sentindo tudo e nada. Sentindo as bordas de um vazio entorpecente como ondas de calor, invisíveis, sencientes, sufocantes. Uma dor que não quero sentir. Eu me arrasto para fora, mãos em garras, estremecendo a cada onda. Não vou cair. Não vou sentir. Me confundo com o caminho e às vezes acho que encontrei uma saída, só para perceber que estava indo em círculos. A cada onda, meu estômago salta. Minha cabeça pesa. E eu quero dormir, ficar inconsciente durante esse processo, esperar tudo isso passar e, talvez, acordar se isso passar. Ou não acordar e viver em suspensão. Eu sinto meu corpo, o sangue fluindo, o gelo nos pés, o suor nas palmas das mãos, o aperto no peito, os olhos de represa que imploram por um pouco de alívio. Me agarro às certezas como se elas pudessem me salvar — só para descobrir que certeza não é um bote salva-vidas no qual você navega para longe do problema, mas uma bola de vôlei no meio do nada, uma companhia, um alento. Enquanto vocês conversam, você quase se esquece do vazio. Não é a primeira vez ali, embora pareça. Uma vez, eu dancei no precipício. Achei que tinha aprendido os passos. Então eu erro e erro e erro e não deixo de me perguntar como alguém memoriza tantos passos, ou se eles evoluíram e eu não os aprendi. Uma mão, pé para frente, outra mão. Suspiro. Posso ficar aqui, deitado para sempre, respirando. Ninguém me disse o que fazer. Ninguém te ensina a navegar, que dirá a sobreviver em ilha deserta ou a escapar de um redemoinho. Ou da borda do mundo. Olho para trás, o vulcão de gelo negro. O frio sobe pelas minhas pernas e está tão difícil continuar hoje. É mais fácil no calor. Mas eu me arrasto, mãos sujas, unhas quebradas, pedra arranhando a pele. Há coisas que eu vi, senti, poucas horas atrás, dias e semanas, meses, dois anos. Os terríveis dois anos, foi como chamaram. Respiro. Choro. Torço o dedo mais fraco e, de repente, há menos frio. Há calor e sol do outro lado. Imagino que seja pra mim, eu quero que seja pra mim. Existe um elemento de cura ali, onde o sol brilha, e os arranhões desaparecem, as unhas crescem, a sujeira, se limpa. Estou otimista de novo; o estômago ainda salta, mas estou. Ainda estou sentindo.
9 notes
·
View notes
Text
caminhos da floresta
Esgotado. Como o corpo seco de um rio por onde não corre água -- perfeito para travessia humana, terrível para ser humano. Sinto os veios se abrir de vez em quando, só percebendo que há muito deixaram de fluir; eles se abrem para evaporar. Quando busco algo dentro de mim, encontro uma caverna: as paredes brancas e calcificadas do crânio ao meu redor. Elas guardam ecos de uma vida inteira, de mapas espaciais inexplorados, de histórias não-contadas. Pinturas rupestres de antes da revolução que nos transformou em máquinas, quando ainda existia humanidade. Para dizer a verdade, eu ainda sinto. Sentimentos cada vez mais suprimidos para dar conta da demanda. Dizem que isso não é uma linha de produção, mas lá no fundo, bem no fundo, sabemos a verdade. Ela derruba, ela tortura, ela massacra. Pequenos peões num tabuleiro de xadrez, girando e girando quando soltam a corda, equilibrados pela meticulosa força física que nos mantém em pé em algo menos do que um milímetro, até cairmos em alguma casa monocromática, desorientados, apenas para sermos girados de novo. Todos os dias, uma nova girada. No fim do turno, desenhamos meias-luas no chão. Tento encontrar minha direção quando paro. Abro os documentos, páginas rascunhadas, e encontro algum vestígio de algo bom ali. Preencho o vazio com algo novo, e descubro que estou me alimentando de gás -- o rio secou, não se bebe mais água, e o gosto da criação é só mais um fantasma ecoando nas cavernas do meu cérebro. Pelas minhas contas, não sei quantas vezes me encontrei encolhido nesse lugar, mirando os sonhos que conjurei em madrugadas mais felizes. Se eu deitar na rua às duas da manhã, ainda há uma chance de ser atingido. Aqui, talvez chegue uma marola, nada forte o bastante para fazer subir a maré e se espalhar pelo teclado ou vazar pelos olhos. Existe uma chance de que seja apenas o inverno me impedindo de cruzar o espelho congelado, mas eu não acredito nisso. Fogo algum pôde abastecer esse corpo. Eu sou/estou este rio seco, implorando por uma catarata, uma queda d’água cair de mim e sobre mim; esperando que chova, que me abasteçam, que tomem pena e me deixem fluir; cavando com unhas sangrentas o leito do rio em busca de alguma fonte secreta e eu veja os veios se encherem novamente com meu próprio segredo porque sinto falta de toda a criação que havia aqui. De quando não existia eco. De quando eu podia. Ainda.
1 note
·
View note
Text
TANGO DO PRECIPÍCIO
Em mais de uma situação, você disse que eu era um bom dançarino. Falou que meus pés grandes, mas menores do que os seus, não se atrapalhavam; pisavam sobre si mesmos para não pisarem fora da linha; que meu corpo escorregadio se movia como o ar, e eu deixei que você acreditasse que isso não tinha nada a ver com o meu ascendente ou meus problemas em confiar nos homens. Quando me movo ao som da música, me encaixando em seus braços a cada giro, espacate, plié, quadradinho, mãos de jazz... e sempre, sempre voltando ao espaço apertado entre um braço e outro... penso que é uma verdade da qual ainda não estou convencido, algum tipo de antibiótico encobrindo, se apossando, penetrando a carne doente e apática dos meus sentimentos, acordando-os aos poucos, queimando-os. Bato os pés três vezes nas arestas do precipício, rolando pedras e terra ladeira abaixo em uma queda que já experimentei outras vezes. Quando você me girou meses atrás, meu medo era que você caísse; hoje, penso em mim também. Cruzo minha perna entre a sua, finco o calcanhar no chão. Se faço do vento meu colchão, sacudindo meus cabelos na imensidão cor de gelo respingado nas nuvens que encobrem o céu por inteiro, é porque confio que não vou cair apesar do ar em minhas costas, da gravidade me puxando para baixo, dos seus braços serem humanos e eu saber que, apesar de não nenhum cientista ter dado seu sobrenome à essa lei, toda força é finita e batível. Eu vou cair, por um motivo ou por outro. Eu deixo que você conduza a dança porque me sinto confortável com você no controle. Passos um, dois três quatro cinco e seis — com minhas linhas bem presas nas suas mãos, sou uma marionete bem fácil de manusear agora que as juntas foram bem lubrificadas. Talvez você tenha perdido o encanto agora que o desafio é menor, e por isso suas acrobacias estão ficando mais perigosas. Meu corpo de madeira é jogado para além da beirada; você se assusta com a distância e me puxa pra perto; em seu abraço, você me imagina sacudindo os membros pelos ares mais uma vez. Sua angústia é a fonte da sua diversão. Em dias como este, é de se pensar que pudesse chover, mas o cinza continua inalterado. Estou cansado de dançar e começo a perceber o quão perto estamos de cair. Eu não gosto de cair, como você bem sabe, mas isso te excita, e você não sabe parar. Você flerta com o perigo sem saber das rochas pontiagudas que podem te perfurar — dentre todos os seus fetiches, empalar sempre foi seu número um; logo, talvez morrer seja até prazeroso. Dançamos com sapatos de ferro agora, sem saber quando os de cristal foram substituídos por estes. Eles até se sentem confortáveis em meio ao sangue e são tão lindos de se ver; quando os derretermos, ficarão tão líquidos quanto este amor; depois de um tempo, quem sabe, a gente os transforme em algum pingente. Ainda que pela dor, dançamos sobre as rochas. As bordas ficam cada vez menores e é possível que estejamos nos dirigindo para a base do penhasco. Imagino que seja onde as fadas e os centauros tomam banho de vinho às quartas-feiras e aos domingos; penso que gostaria dessa rotina com você. Os movimentos são tão rápidos que eu mal posso ver para onde estamos indo, mas ainda deixo você me guiar. Me tire do penhasco, eu lhe peço; mas emudeço e não menciono o precipício.
8 notes
·
View notes
Photo
145K notes
·
View notes
Text
GHOST OF AIR
The bedroom door stiffens and grunts as I open it, inviting him in. The first thing he does is to look around – the white walls with footprints climbing so high it almost touches the irregular ceiling; the wardrobe, worn out and addled by termites years ago by its edges, placed close by the planned bookshelves, crammed with books and opened notebooks in which I’ve drafted my stories.
“I see some Harry Potter books over there,” he comments, shyly pointing with his chin.
I glance at the shelf and then back at him. He keeps on observing and being observed, cautious, steps so light as someone who fears to leave a deeper print that couldn’t be swept away the next clean up.
I take him to bed for the first time. I forget that I’m a man and the men before him, but I remember him and what he likes, so I use that small arsenal until he’s heavy-breathing over my body one, two, three times before he tells me he must go, and so… he goes.
*
His texts keep popping up with the same frequency they did before. More, even. I barely have the time to open another conversation before I get back to his and answer each of his questions. Days are like that until I open the cranky door and invite him into my bedroom again. This time, I remember I’m a man and he claims me as his a bit before the sun burns the sidewalks and traces of his footsteps. Until then, he’s still mine. He’s mine when I put him face-against the blurred green treetops from the forest painted in oil of my wall and clutch his waist; he’s mine when I shampoo his thick hair and ask him to turn to me so that I can wipe the foam out of his eyes, just so he can open them for long enough to leave his mark on my lips, the hot iron whose pain was more immense when it was over than while it burned me and not even the icy water falling over us could ease it out.
*
The neighborhood limits are now the same as the town’s. From the middle of my bed, I analyze the amateur layout of my first published story, and my legs feel empty. Sheets and blankets are as solid as the wind, I can sense them brushing my skin before the blows weaken and they become an unnoticed presence. I proofread the document, instinctively downing my fingers to my stomach and feeling my own hair where his once laid. The warm atmosphere that kept this body attached to this plan, in an open insult to the laws of physics, spreads his heat somewhere else.
I check my phone for his messages. They come spread within the lethargy of time, but they do. I forget that I’m a man who’s been with other men, I’m a virginal nun who met her messiah of love and consummated their love in a one-way, silent agreement.
As the lamp flicks, I pray.
*
M.I.A.
All the eight spider legs my torso have birthed climb on the white walls and my footprints make it look like a monument for the dalmatians. It’s gotten cold in this single-unit bedroom without his presence. He’s air, pure and light; there are no footprints of him on my floors, walls, bed, writing desk, shower or roof – he’s become a ghost only felt within the hairs of my body, for even my skin has forgotten about his touch, and seen inside my mind, since my eyes have gone blind for men at all.
He curls up in the middle of the blankets, too cold alone, and asks me to lend him my heat while singing softly that he wants to love somebody like me. In the middle of the night, he escapes from my embrace, climb out the bed and searches my drawers for toothpaste for himself; I taste it in his tongue and fingers when I wake up. He evaluates and refuses to push a golden button for my wardrobe interior, but smiles and shakes his head while putting on his pants. His fingerprints glow on the spine of my books, and such light would bother me hadn’t I known it was a piece of him, but they’ve faded like dust is blown away.
I forget I’m a man in my room, because he’s made it his.
I forget I’m a man of my own, because he’s marked my lips.
I remember he was alive, and still is.
I was the one who became a ghost.
0 notes
Text
A FRÁGIL SUBSTÂNCIA DA CARÊNCIA
Tenho feito um exercício constante de reconhecer, abraçar, e tentar colocar minha carência de lado nos últimos meses e, sem querer me gabar, penso que venho sido bastante bem-sucedido nesse processo. Eu ando sozinho nas ruas; existo em meu quarto sem qualquer companhia, além dos vários livros que ainda não li; respiro na calçada entre os estabelecimentos nos quais sempre quis entrar, alguns em que já entrei, e a rua da vida, com suas verdades motoras tão massivas capazes de me atropelarem e tirarem tudo de mim. Tenho feito um exercício constante de entender como os sentimentos crescem dentro de cada pessoa, se manifestando na chispa de interesse que determinará a razão e as especificidades do relacionamento. Um relacionamento de aparências é tudo o que temos, já que a minha voz você se recusa a ouvir—dá pra ver no modo como minhas mensagens ficam sem resposta e meu perfil, silenciado, esquecido, deletado, longe da sua leitura. Mas os olhos incisivos serpenteando meu corpo a cada foto postada continuam ali, absorvendo os detalhes, estudando os pelos, na expectativa do meu uivo. Somos lobos colocados em espaços diferentes da mesma fila, indo para o mesmo destino, trombando nos mesmos lugares e trocando amenidades com as palavras enquanto os globos oculares têm todo o trabalho—até voltarmos para nossas posições, deixando pegadas na terra macia, ora ou outra desviando do caminho para que a satisfação de voltar à trilha dos sonhos se torne mais e mais uma realidade única. Somos as crianças escolhidas por último para o time da escola, cada uma partindo para um time diferente por conveniência ao invés de formarmos o nosso próprio. O campo é grande, batemos bolas, seguimos nosso caminho. Comemoramos o gol do outro em silêncio, talvez com o mínimo de alarde sem voltarmos a trocar palavras como já fizemos um dia. O que havia de ser já foi preenchido, é para isso que faço um exercício constante de identificar e agradecer pela abundância de palavras nas páginas, murais e feeds que ajudo a ocupar e daquelas que você assina com um nome novo a cada estação. Ainda penso que sou bem-sucedido quando percebo que deixei de ser humano para me tornar um manequim aos seus olhos. Deixo você ser onda sobre a minha praia, debruçando-se sobre mim em um, dois abraços molhados até se unir à maré, ao oceano, por fim tornando-se um com a água ao passo em que eu me desmancho na maresia. Um punho de grãos de cada vez, ela me assopra para longe, as torres de um castelo que já abusou de sua estadia. No fim, eu contemplo o fogo das fogueiras, a imensidão do céu, o brilho da lua, as lágrimas do mar, a solidez da terra abaixo de mim em milhões de grãos de areia, quartos minúsculos onde partes de mim aguardam em um limbo sem razão de existir, por querer mais do que o mundo hoje me entrega. Por isso, faço um exercício constante de me lembrar que sou mais do que pedaços espalhados de qualquer jeito pela praia—sou inteiro. Ainda que, por vezes, me sinta um inteiro pequeno demais, sou grandiosamente inteiro, e estou aprendendo a te deixar para trás.
2 notes
·
View notes
Text
MERIDIANO DE GREENWICH
Na distância entre você e eu, cabem oitenta e quatro milhões de anéis.
Eu pesquisei.
Domingos gelados conseguem ser, ao mesmo tempo, os melhores e mais aterrorizantes dos dias. Isso porque posso me dedicar a apenas existir debaixo das cobertas, alternando entre terminar um dentre uma centena de livros não-lidos da minha estante e um episódio entre tantos de alguma série de TV qualquer. Ao mesmo tempo, existir consiste em lidar com todos os pensamentos velozes e sorrateiros demais para serem impedidos até que eu os reconheça brotar nas ideias.
Este limbo começa a se estender tão logo o relógio marca meio-dia e eu fecho o livro que lia até o momento. Olho para o antigo relógio de parede, comprado numa loja de presentes com valores à partir de R$ 1,99, preso à única parede vermelha da sala de estar. O ponteiro dos segundos avança como de costume, mas não o vejo assim; para mim, demora uma eternidade.
A eternidade é o que eu prometi a você, e não consigo impedir meus pensamentos de derivarem alguns quilômetros até te encontrarem. Ele é muito mais rápido do que eu e te reconstrói aos pouquinhos. Do sorriso branco fácil, às vezes tímido e hesitante, lindo o bastante para manter alguém vivo por mais alguns anos só de olhá-lo, até os cabelos escuros e grossos, salpicados de fios brancos. Nunca vi uma imagem evocada fazer tanto barulho num coração, e meus neurônios tomam coragem e te reconstroem por inteiro. Finjo que já sei tocar violão e te canto a música de sempre quando bate aquela saudade como se fosse a primeira vez.
Na minha imaginação, a única distância que nos separa é a do anel que deslizo pelo seu anelar esquerdo, menor e menor, até consolidar-se em presença permanente.
Recorro à rotina para ocupar a mente com coisas sobre as quais tenho controle. Finjo estudar. Finjo reclamar. Finjo comer. No início da noite, estou tão bom em fingir que não tem uma janelinha piscando com seu nome no meu inconsciente, chamando minha atenção, que até acho que sou capaz de produzir alguma coisa até que começo a cantar uma das dezenas de músicas que você me apresentou.
É tão enervante! Tem uma infinidade de amenidades das quais quero saber, mas não pergunto. Nem mesmo as verdades absolutas tenho a coragem de reafirmar. Porque nenhum de nós dois sabe o que o outro está sentindo agora. Nenhum de nós dois sabe o que o outro está vivendo agora, como se estivéssemos morando de lados opostos desse Muro de Berlim e nossa comunicação acontecesse somente longas horas após o primeiro contato, caso nossas cartas não sejam interceptadas e, então, fiquemos sem respostas.
Queria eu ter oitenta e quatro milhões de anéis para marcar a distância entre nós. Isso significaria que ela seria cruzada, e quem sabe eu pudesse te ver, por um minuto que fosse, cruzando a rua por cima do Muro. A verdade é que eu não sou de usar anéis, pulseiras, correntes... nunca comprei aquele anel do qual te falei certa vez -- mesmo ele sendo de graça. Queria dizer a razão de eu não tê-lo comprado, mas a razão de não dizer é a mesma.
Tem sentimento que vem feito raio em meio à uma tempestade de trovões: acerta a gente em cheio e faz cada átomo de nosso corpo pulsar, vivos como jamais estiveram, e entramos em combustão. Eu queimo. Queimo engolindo e remastigando as mesmas três palavras. E talvez eu continue mascando-as até o dia de te encontrar novamente, sabe-se lá quantas horas ou anéis de distância.
3 notes
·
View notes
Text
SOL EM CÂNCER
“Fulano colocou nosso nome na lista. Vamos?”
“Trabalho pra fazer :(“
“Vem diplomaaaa”
Volto a encarar a tela do computador por mais algumas horas. Leio e releio artigos e discursos, selecionando trechos e digitando comentários nas laterais. Quando a visão embaça, tiro os óculos e massageio os olhos. Respiro fundo e ponho os óculos de novo; mais uma hora e pouco coletando material e relacionando tudo com os cinco anos de graduação.
Na minha imaginação, estou na fila da balada com meus amigos, bebendo de uma garrafa de algum alcoólico que jurei nunca mais por na boca. Com a mente suficientemente inebriada, esqueço da quadratura dos astros. Nada importa, só aquela música, aquele gole, aquelas pessoas.
Estou decididamente me deixando escapar do objetivo do dia, mas já que as letras começaram a se embaralhar e meus olhos não servem de muito mais ajuda, fecho os arquivos.
As paredes brancas do quarto estão pontilhadas aqui e ali com o resíduo de alguns mosquitos espalmados. Olho ao redor, para a pilha de livros não lidos, as anotações no caderno, o apanhador de sonhos. Não há sinal de vida.
Fecho os olhos de novo. Estou na pista de dança, cortando a multidão ao som de Florence and the Machine. Estou na cama, com um corpo quente entre as pernas, cujo peito sobe e desce acompanhando a respiração tranquila ao som de Rubel.
A lembrança do real e a possibilidade do irreal são mais atrativas do que este quarto, cada vez mais gelado.
Estendo uma coberta no chão e medito. Ao mesmo tempo em que sinto o maremoto se acalmar, ondas geladas rastejam do solo feito veneno e me vejo desesperado em busca de um calor que eu sozinho não consigo produzir o bastante. Preciso de um polo quente, um corpo ou uma centena, para afastar esse frio que congela as pontinhas de fogo que me mantém de pé.
Sol em câncer é sol de menos.
Eu vivo de mil sóis.
A baixa temporada de calor me faz agarrar às beiradinhas da pele e da consciência. Com sorte, a manhã logo vem. Com sorte, o calor será o suficiente para que eu não me atenha às memórias do que foi ou do que poderia ser.
Com sorte, amanhã estarei são.
4 notes
·
View notes
Link
Nothing makes me happier than being able to share this with you. I SEE FIRE is a short-story I wrote for my Creative Writing class in college and it got published at the school’s magazine. If you like YA contemporary drama, please check out my story on page 55 (and btw, all stories in this issue are great and you should definitely read them too!). Oh, and if you feel like sharing your thoughts about it afterwards, leave me a message! I’ll be super-duper-happy to hear from you! XO
—Pedro (aka João)
2 notes
·
View notes
Text
NEUROSE
Eu não consigo dormir.
Tem alguma coisa no fundo da minha mente, alguma teoria sem fundamento que não se comprova nem para sim, nem para o não. É uma mistura de pequenas coisas e as forças cósmicas do universo regendo algo sobre o qual eu nem sei se acredito ou se não posso deixar de acreditar. É um medo que não imaginei ter e a segurança daquilo que continua.
Puxo o celular, coloco uma meditação para tocar e me aconchego embaixo das cobertas. Vou me deixando deslizar para o relaxamento, embora não sinta meu corpo como sentia nas primeiras meditações. Eu não sou o mesmo, ninguém é o mesmo, e promessas podem ou não valer então eu abro os olhos e cedo à uma parte de mim que detesto, detesto, detesto.
A meditação não funciona mais.
Ainda bem que mantenho um livro por perto.
O primeiro parágrafo não me prende. Onde estou com a cabeça? Por que ela vai tão longe? Não gosto de onde ela está indo porque não quero que isso seja real, e a lei da atração é real. Ao mesmo tempo, sei que não consigo me teletransportar, logo, apelo para o que restou do meu racional.
Meu cérebro precisa de provas; a pura e inquestionável crença não tem mais espaço dentro de mim, aquela parte que eu detesto, detesto, detesto se assegurou disso. Eu olho, fuço, procuro e não acho. Ou será que acho? Talvez eu devesse pesquisar mais um pouco, mas tenho a sensação de que isso saiu de controle e que a realidade está distorcida, com certeza está.
Eis a minha brecha.
Salto da cama, puxo o edredom, enrolando-me para manter o corpo aquecido. Abro o computador, ignoro os sites de compra abertos e a guia para o site de filmes. A música não está certa -- troco por algo grave, profundo, calmo --, então começo a esmurrar as teclas. Há algo de artístico na minha terapia ou algo de terapêutico na minha arte? Continuo pressionando as teclas até não pensar mais: eu vejo uma tela, eu ouço palavras, e não quero parar, pois meu cérebro está finalmente, finalmente preenchido por algo que não me faz querer rasgar o peito em dois.
O motor da garagem ronrona. Minha mãe estaciona o carro, bate a porta com um baque tão cansado quanto ela. A casa se enche de tilintares e batidas. O fósforo entrando em combustão, o suspiro de alivio da primeira tragada do cigarro. Ela vai fumar dois cigarros antes de apagar completamente, mas eu continuarei aqui, funcionando, funcionando, funcionando.
Estou tão cansado.
Eu realmente só preciso de um abraço forte o bastante para calar as sinapses do meu cérebro.
Eu preciso de uma certeza.
RSVP antes do fim.
8 notes
·
View notes
Text
ODEIO VER SEU CORAÇÃO SE PARTIR
Tem mesmo uma cidade aqui em baixo. E eu vou protegê-la com meus super-poderes de super-herói. Vou usar os poderes especiais da minha capa voadora e vou proteger essa cidade dos caras malvados.
Tchum, tchum, tchum!
Preciso da minha visão de raio laser.
Bzzzzzzzzzzzzzzz.
Pronto. Salvei o dia. Agora, o que eu vou ser? Já sei! Com dois ou quatro nós no meu lençol, a minha capa voadora agora são duas asas, e eu sou uma fada da floresta. É engraçado como mesmo olhando de cima, as plantinhas do jardim da minha mãe se parecem com aquelas árvores imensas da Amazônia.
Ouço a chave no trinco do portão e levanto os olhos. O moço chegou. Ele entra em casa com a bolsa marrom dividindo seu corpo feito um sanduíche quente, que forma um V, sabe? Ele sempre chega cansado, o moço. Mas desta vez, ele não entra em casa, não. Ele larga a bolsa no chão, senta no degrau que leva para dentro de casa e olha por cima de mim. Até parece que não estou aqui.
Deve ser a segunda ou terceira vez na semana que ele faz isso, que finge que não me vê. Ele fica olhando pra rua, os olhos parados, embaçando o vidro dos óculos redondos. Eu encaro de volta. Esqueço que sou fada da floresta e que preciso dar água pras plantinhas. Esqueço até que o lençol é um par de asas, e agora só me sinto meio bobo de estar no quintal da frente de casa, brincando com o lençol porque não tenho ninguém para brincar comigo.
O moço se dobra e eu me dobro junto. O corpo dele treme, e o cabelo loiro tem um brilho bonito no sol. Fico de joelhos e ergo a cabeça para ver se consigo ver seu rosto. Por que é que ele está chorando? Acho que caiu e se machucou. Ou vai ver ele também está com saudade da mãe, que nem eu. Ela quase nunca está em casa porque precisa me dar o que ela não teve, e deve ser muito difícil conseguir isso, porque ela sai bem cedinho e volta quando eu já tô dormindo.
Eu engatinho até o moço e faço carinho no cabelo dele. É o que a mãe faria se eu estivesse chorando. Mas devo estar fazendo errado, porque agora ele está soluçando também. Tento abraçar o moço, esfregar a mão no braço dele e dizer que logo, logo passa.
Não tem jeito. Ele continua chorando. É tão doído ver o moço assim que eu começo a chorar também. Será que quebraram o moço? Será que eu quebrei o moço? Eu não gosto disso. Odeio, na verdade. Odeio ver ele vazar, odeio ouvir o som que ele faz quando está sendo partido, odeio não conseguir ajudar. Odeio, odeio, odeio.
O corpo dele para de tremer enquanto o meu não se mexe nem um pouquinho. Ele tira os óculos e, quando põe a cabeça pra cima, dá pra ver o vermelho do choro nos verde dos olhos. O moço e eu fungamos uma, duas, três vezes até acalmar e o choro parar. Desta vez, quando olha na minha direção, posso jurar que ele consegue me ver.
Sinto meus olhos ficarem grandões de tão arregalados. Eu falo “oi” só mexendo a boca, sem fazer um som, e espero. E espero mais um tiquinho, mas ele não responde. Acho que ele não me viu. Eu sempre dou “oi” para todo mundo que vejo, então o moço teria respondido se tivesse visto.
Ele limpa a garganta, põe o óculos de novo e respira fundo. A mão do moço procura dentro da bolsa, tirando um monte de folhas de lá. Ele olha as folhas um tempão antes de guardá-las de volta na bolsa, se levantar e entrar em casa.
Eu prefiro ficar do lado de fora.
Acho que estou cansado de ser uma fada da floresta. Deito no chão do quintal e jogo o lençol em cima de mim. Agora, eu estou dentro de uma tenda acampando no meio da floresta. Da minha cabana, eu posso ver o céu cheio de estrelas. Ele é lindo e me deixa mais feliz.
Espero que o moço consiga ver as estrelas.
4 notes
·
View notes
Text
EU QUERO QUE VOCÊ ME QUEIRA
Num sábado concebido unicamente para você, eu te peguei no metrô e te levei para num barzinho diferente daqueles que você e eu já tínhamos ido. Tinha vibes de fim dos anos 1970 com decoração de início dos anos 1960, um lugar onde as manchas amareladas pelo tabaco eram mais limpas do que a minha camiseta branca e o estofado tinha cheiro de jaqueta de couro e spray de cabelo.
A cabine com janela que dava para a rua movimentada quase cinco andares abaixo de nós acabara de desocupar, e você e eu trocamos um olhar cúmplice no qual não podíamos acreditar na nossa sorte. Colocamos os restos de comida e papeis amassados na mesa vazia ao lado, mas mantivemos a cestinha aparentemente intocada de peixe com batata frita, torcendo para o garçom não perceber nossa pequena travessura e colocar na conta.
Uma garçonete metida em um par de patins quatro rodas branco e rosa derrapou até parar em frente à nossa mesa. Um crachá onde se lia “Jane” indicava que aquele não era seu nome verdadeiro. Você fez uma brincadeira de como todas as minhas personagens favoritas se chamavam Jane, eu te dei uma das minhas explicações que não te convenciam em nada, e você riu, dizendo que talvez a gente devesse considerar aquele nome para o futuro.
Um pedido grande demais para duas pessoas depois, você e eu jogávamos batatas um no outro. Eu sacudia os ombros e mordia os lábios, sorrindo, ao som de uma música dos Cheap Trick que você não conhecia. Quando você abriu a boca e só ar saía, eu me virei para ver que metade do restaurante estava de pé, sacudindo-se sincronizadamente à mesma música que eu.
O convite foi silencioso; estava no calor dos meus olhos, na sobrancelha erguida e no sorriso torto que nunca me importei de abrir para você. Com um sacudir de cabeça, você sorriu sem mostrar os dentes, o olhar nervoso indo de lado para o outro.
Você sabia que eu me levantaria, tomaria sua mão e te puxaria para a pista de dança. É o tipo de coisa que eu faço.
Então, você e eu arriscávamos uns passinhos estereotipados de rock. Relanceávamos os outros dançarinos, todos os garçons e garçonetes e mais alguns entusiastas, e os imitávamos. Depois do primeiro refrão, você se soltou, e era como se a pista de dança fosse apenas sua, mas ninguém além de mim percebia isso. Você me pegou cantando a letra em silêncio e me pediu para cantar mais alto. Àquela altura, no ápice do refrão, eu cantava com os olhos fixos nos seus, e a música não era mais música, mas um pedido. Eu quero que você me queira, eu pedia. Eu preciso que você precise de mim. Eu adoraria... eu adoraria que você...
Engasguei. Você tentou a manobra de Heimlich, mas se estivesse prestando atenção, saberia que era você quem estava engasgado, quem eu queria salvar, quem eu queria que terminasse a frase.
Contudo, em meio aos aplausos e uivos de satisfação dos fregueses quando a performance chegou ao fim, você me pediu para tomar um pouco de milkshake “pra ajudar a desentalar a garganta”.
O restante da noite foi de praxe. Eu perguntei se você queria vir para casa comigo. Você disse que sim. Rimos enquanto esperávamos o metrô, e depois o trem, e caminhávamos as ruas escuras à uma da manhã para a minha casa. Eu estava feliz além do que as palavras poderiam colocar, mas aquele monstrinho verde, aquela pontada de tristeza permanecia. Até que durante o filme você se aninhou no vão entre meu braço e meu peito, a cabeça apoiada no meu ombro.
Talvez você não seja do tipo que vá me responder com canções, mesmo quando eu as deixo que falem por mim. Sempre há um showstopper em todo relacionamento, e talvez a influência dos astros me faça querer assumir essa posição, o herói do seu próprio longa-metragem musical. Talvez você vá responder às minhas canções com sua linguagem única, como quando me impede de morrer aplicando manobras salva-vidas ou se abriga no meu peito e chora assistindo um filme. Você é um ser visual, eu sou um ser linguístico. Talvez seja hora de fazermos um vídeo clipe de nós dois. E eu já tenho a música perfeita para isso.
9 notes
·
View notes
Text
LOJA DE CONVENIÊNCIA
Todas as vezes antes de fazermos uma viagem de carro, minha família pratica o mesmo ritual: arrumamos as malas de manhãzinha, tomamos café na padaria e abastecemos o carro no posto de sempre. Minha mãe nunca enche o tanque com medo de que roubem o carro em algum momento ao longo do trajeto, então toda vez que ela se sente insegura (seja pelo trânsito ou pela distância), paramos em outro posto de gasolina e ela abastece o carro mais um pouquinho.
Eu particularmente sempre gostei de parar. Não consigo ficar tanto tempo enfurnado dentro de um carro. Os músculos ficam rijos, o suor toma conta de cada centímetro da sua pele e parece que o carro fica menor a cada quilômetro rodado, fechando-se cada vez mais ao meu redor. Então, se me perguntam se quero parar, eu digo sim sem pensar.
Sair do carro exige outro ritual: estalar o pescoço, a coluna, alongar os músculos e caminhar feito equilibrista bêbado até a loja de conveniência.
Lojas de conveniência são sempre muito agradáveis, eu percebi. Têm ar-condicionado, mesinhas para um cafezinho rápido e às vezes até televisão. Em qualquer que seja a ocasião, eu me dirijo até o balcão onde a máquina de café está, peço um capuccino e um pão de queijo—talvez um chocolate, se a viagem estiver matando meu humor mais rápido do que o de costume. É uma ação rápida, que me permite observar enquanto motoristas de todos os tipos vêm e vão em seus carros, mas não pensar em quem são ou aonde estão indo.
Lojas de conveniência são o que são: feitas para pessoas com pressa em busca de algo que precisam—um banheiro, um café, ar-condicionado...
Antes de pagar pelo meu pequeno luxo, sinto que posso prolongar a sensação gostosa de paz provocada pelo estômago cheio e a pele mais fresca se comprar mais alguns itens. Então ando pelas prateleiras, franzindo o cenho para os preços abusivos e sacudindo a cabeça ao aceitar os valores ligeiramente mais caros. Posso até fazer uma lista mental do que pego: salgadinho, check; doces, check; bebida, check.
Se eu tivesse um pouco mais de tempo, eu poderia perceber que o mundo é uma grande loja de conveniência às vezes. Se eu me permitisse sentir algo além da ansiedade em entrar no carro de novo, poderia encontrar uma relação entre eu e aquela barra de chocolate na prateleira ou o café na máquina.
Se eu não tivesse minhas próprias certezas, diria que você sou eu dentro dessa loja de conveniência: um estranho conhecido que vem visitar minha morada em busca de algo que precisa—meu abraço, minha cama, meu café—, quando precisa; e que logo voltará para seu carro seguir o seu caminho enquanto eu fico aqui, entre o seu vai e vem até que você sinta vontade de voltar.
Entretando, não tenho tempo. O carro está estacionado em frente à saída da loja, buzinando. Vamos chegar atrasados se eu não me apressar.
Pago por tudo. Digo adeus ao ar-condicionado ainda sentindo o gosto do café e do chocolate na língua.
Lojas de conveniência são muito atenciosas com seus clientes; todas fazem com que você se sinta bem-vindo ao entrar e querido o bastante para voltar ali algum dia, com aqueles seus tapetes coloridos que têm todos a mesma frase.
Volte sempre.
2 notes
·
View notes
Text
ESPELHOS E FUMAÇA
Alguns meses atrás, eu estava bêbado com as minhas amigas em um bar.
Eu gosto muito de ficar bêbado. Porque durante aqueles preciosos minutos, é como se os véus que aprofundam a vida em níveis de intensidade se achatassem em um único simples plano, um plano mais leve e inocente.
Além disso, cerveja e frango à passarinho combinam muito bem, então eu realmente não tinha motivo para parar.
O bar, escondidinho numa dessas cidadezinhas na margem da cidade, pulsava com uma música qualquer e luzes alaranjadas, como se tudo tivesse sido pintado de cerveja neon. As pessoas riam, alto, comparando opiniões que me faziam rir sem motivo aparente.
“A gente tem o mesmo celular!” uma das minhas amigas riu, apontando para os três telefones sobre a mesa.
Trocávamos de capinhas, experimentando as cores de um no outro, quando o meu se acendeu com uma mensagem – e eu sabia que estava ferrado. Não porque estava fugido de casa, bebendo sem a permissão de alguém por ser menor de idade ou coisa parecida. Não… Eu sabia que estava lascado porque eu já tinha cultivado o hábito de me corresponder com as pessoas bêbado, e este é um hábito de difícil manutenção.
Deve existir algum artigo em algum lugar relacionando bebedeira e palavras fáceis que escapam da boca – e das pontas dos dedos –, porque dez mensagens adentro, eu já queria te chamar de “meu amor”. Será que era cedo demais? Talvez. Sequer havia te beijado as mil vezes que me propus a beijá-lo e o álcool planejava sair do meu sistema em forma de declarações de amor.
Por isso, dei uma segurada na cerveja.
“E aí, vai me deixar sozinha, Jão?” outra amiga reclamou.
“Preciso comer um pouquinho. Segura aí.”
Ao passo em que outra amiga narrava sua mais recente aventura amorosa, eu restringia meus dedos de digitarem algo que você talvez atribuísse unicamente ao álcool ou então não estivesse preparado para ouvir. Eu era o autocontrole em forma de Super-Homem, até você me chamar de “amorzinho” e insistir em perguntar se não havia algo que eu gostaria de lhe dizer e, ah, menino, se apenas você soubesse! Se apenas você soubesse que gosto de você muito mais do que o verbo “gostar” exprime. Que eu busco entender essa certeza irrevogável da palavra que começa com aquela letra lá, a primeira, toda vez que penso em você.
E então eu bebo. E não entendo mais de etiqueta social e mando mensagem dizendo que preciso de você.
Porque ainda estou covarde demais para colocar em palavras o sentimento que me arrebata quando a sua presença dança dentro ou nas proximidades dos meus limites. Porque quando você sai desses limites e tudo o que me sobra é névoa refletida em um milhão de espelhos que me impedem de te encontrar, a minha certeza aperta o coração por temer que a sua certeza vacile.
Mais fácil seria beber e não enxergar de novo todas as nuances da vida. Uma pena que nenhum momento possa ser congelado para sempre.
No meio tempo, revisitarei aquela primeira manhã que você acordou do meu lado, sóbrio apenas o bastante.
5 notes
·
View notes
Text
FROSTBITE
Quem sente essas mordidinhas geladas nos dedos do pé não imagina que a tarde foi uma das mais quentes do mês.
É o que acontece quando se esquece de colocar roupas quentes na mala antes de viajar.
Sentado com as pernas cruzadas sobre a cadeira de palha trançada e um livro nas mãos, é como se eu estivesse em uma ilha. Ao meu redor, um mar de piso azulejado e diversas outras ilhas. Minha mãe e avó na ilha da cozinha, checando o andamento da janta de natal, e música sertaneja vaza alta dos fones de ouvido da minha irmã da ilha do balanço. Na ilha mesa, meu celular continua quieto.
Quase todo mundo que veio para o almoço já foi embora, então posso ler um pouco. A cada página, olho de relanço sobre a tela escurecida contra o aparelho branco. A cada capítulo, pego o telefone nas mãos e o coloco de volta a tempo de vê-lo bloquear sozinho.
“Você trouxe alguma blusa” minha irmã pergunta, e eu sacudo a cabeça em negativa. “Vou pegar uma coberta, então.”
De repente, tiro minha meia atenção do romance que estava lendo e percebo minha avó tremer e minha mãe esfregar os braços com as mãos, tentando aquecê-los. A menina volta do quarto, enrolada em uma coberta de pano verde-musgo, e retorna ao seu lugar na rede. Uma a uma, as mulheres ao meu redor buscam maneiras de se aquecer. Logo, a vó está metida num casaquinho prateado da Adidas ao passo em que a mãe veste duas camisas de manga comprida de quando eu era algumas medidas maior.
Enquanto isso, eu continuo levando mordidinhas invisíveis que faz a ponta dos meus dedos do pé ficarem duras e os joelhos doerem. Não me lembro do frio ter me machucado antes; eu só aproveito a sensação e volto a ler.
Outro frio começa a incomodar, no entanto.
Conforme avanço na leitura e o casal principal começa a dar certo, meu estômago esfria, como cubos de água em rápido processo de congelamento. A mão mágica responsável por esse gelo interno estreita seu aperto no meu estômago e me pego pensando que deve estar, de fato, muito frio para que meus órgãos internos estejam congelando.
Roubo um olhar de esguelha no restante das ilhas para ver se mais alguém parece atingido pelo mesmo inverno, mas pareço ser o único.
Anos atrás, um jovem enfermeiro havia me dito que a troca de calor humano era mais eficaz do que se esconder de baixo de vários cobertores. Sendo assim, sem qualquer confirmação científica disso, me propus a navegar entre os azulejos e ir de ilha em ilha coletando calor.
Na ilha da cozinha, minha vó foi capaz de acalmar o frio do meu estômago com um café quente. Ainda ali, aceitei que minha mãe me vestisse com um de seus abraços, e o frio dos braços se foi. Já na apertada ilha da minha irmã, me embrulhei debaixo da sua coberta e dividimos a rede pela duração de um filme de natal; pouco depois, os dedos do pé voltavam a dar sinal de vida.
Totalmente aquecido, voltei à minha ilha, puxei o livro e o celular para o colo e, antes que pudesse evitar, me embrenhei no gelo de novo. Era tempestade de vento frio que nascia dentro de mim, e tinha pouquíssimo a ver com a temperatura do ambiente em comparação ao silêncio angustiante do outro lado.
É tanto vento que trago um pouco para o quarto.
É tanto frio que, quando pego no sono, não sei se estou congelando ou tentando fazer cabaninha com as mãos envolta de mim mesmo, protegendo minha chama de apagar.
6 notes
·
View notes