olambiscodeprosa
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O Lambisco
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Bem vindo ao umbral. Tem sorvete.
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olambiscodeprosa · 7 months ago
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Sweeney Todd e o horror das multidões no espaço urbano
E aí, pessoal, suavidade? Faz um tempo que essa resenha tá guardada no armário, mas hoje ela sai. HOJE VAI.
Antes de qualquer coisa, vamos contextualizar um pouquinho?
Década de 1820, Era Vitoriana. As migrações de populações camponesas para as grandes cidades da Inglaterra trouxeram uma massa de trabalhadores - que, como qualquer ser humano, eram ávidos por entretenimento. Algumas dessas pessoas ainda estavam em processo de alfabetização, ou sabiam ler há pouco tempo; em 1820, pouco mais de 57% da população britânica era alfabetizada. Esse número salta para 76% até 1870. Só que ainda tinha um probleminha: o preço dos livros ainda era CARÍSSIMO. Ter uma coleção vasta de livros é, até hoje, praticamente um demarcador de classe, principalmente pras gerações mais antigas. Quantos de nós tivemos a experiência de visitar nossos avós e dar de cara com uma estante cheinha de clássicos?
A solução da época foram os penny bloods, ou penny dreadfuls. Eles eram folhetins bem baratinhos, que custavam à época 1 centavo de libra. Voltados para as classes operárias, que amavam um pinga-sangue, os penny bloods eram vistos como de péssimo gosto pelas classes mais abastadas, que viam nos contos de terror e descrições sangrentas uma "violência gratuita". Em plena era vitoriana, a moda era livros de romance água com açúcar pras damas e relatos de exploração do Novo Mundo, pros cavalheiros. Geralmente, os penny bloods republicavam contos góticos clássicos do século 17 - mas a mágica acontecia quando, dentre essas reimpressões, vinha algo novo, de autores pouco conhecidos. E é daí que vem a resenha.
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Capa original de Varney o Vampiro, também pelo Malcolm Rymer.
Sweeney Todd é uma coletânea de contos publicada entre 1846 e 1847, por James Malcolm Rymer e Thomas Peckett Prest. Compilada, traduzida e publicada pela editora Wish no Brasil (posteriormente agregada pela Darkside), a coletânea traz a história do "barbeiro demônio de Fleet Street", que, em sua ganância, atrai clientes ricos para sua barbearia e os mata para roubar seus pertences.
Todd é descrito como um homem corpulento, com aspecto monstruoso, esquisito não somente na sua aparência descuidada e grotesca, como também nos modos e trato social. Um cara grosseiro, ganancioso, nojento e muito, mas MUITO diferente da versão melancólica e bonitinha do (assumidamente fodástico) musical do Sondheim, com um Johnny Depp bem mais novo e ainda longe de polêmicas, rs.
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Sabe essa versão lindinha, sem uma corcunda, sem um pelo na cara, com as mãozinhas de fada? Mentiiiiiiira. Da braba.
Só que em uma dessas, Todd se encontra com Thornhill, um capitão de polícia que diz estar à procura de uma tal Johanna Oakley, a noiva de um amigo próximo que acabou falecendo em um naufrágio. Thornhill leva consigo um colar de pérolas caríssimo e obviamente Todd cresce os olhos na joia - que dá nome ao título da obra compilada original, "The String of Pearls". Não é exatamente dar spoiler se eu contar aqui que o Thornhill vira presunto pois é tão óbvio quanto 2+2 são 4, mas o interessante é acompanhar o desenrolar da história. Como o Todd vai conseguir vender o colar sem chamar atenção? A Johanna vai descobrir o que aconteceu com o noivo dela? O que o coitado do Toby, aprendiz dele, vai descobrir quando finalmente abrir a porta que Todd proíbe o menino de abrir? Como diabos esse cara despacha tanto cadáver? E mais importante ainda, eu pre-ci-so da receita de torta de carne da Srta. Lovett, porque isso aqui tá uma delícia.
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Fala sério, olha na minha cara e diz que não encarava.
Assim como muitas outras obras que hoje consideramos parte do panteão da literatura gótica, Sweeney Todd é fruto de uma ansiedade particular aos meados do século 19, vinda principalmente das mudanças causadas pela revolução industrial; em especial, a ansiedade causada pela mudança do meio rural para o urbano.
Com as migrações de trabalhadores entre 1800 e 1850, boa parte da população rural que chegava na cidade de Londres se assentava em empregos na indústria e tinha que se adaptar ao ritmo urbano. Sweeney Todd, em particular, me traduziu essa ansiedade no impacto que as vítimas do barbeiro demônio causam - ou seja, nenhum. Zero. Nada. Nothing.
Até duvido que isso tenha sido intencional da parte dos autores; talvez seja somente uma falta de detalhe por conta do tipo de publicação, de rápida impressão e leitura simplificada. Mas a parte mais mórbida pra mim é que, apesar da predileção do Todd por matar ricaços, nenhum deles causa comoção especial quando desaparece.
Pouco se faz menção às vítimas por meio de personagens de vizinhos, policiais ou colegas de trabalho. As únicas pessoas a sentirem falta do pobre diabo que tem o desprazer de sentar na cadeira da barbearia são as de seu convívio direto. Mas em geral, o resto da cidade pouco sabe das pessoas que circulam nas ruas. E, por mais que se crie uma certa suspeita (a exemplo do trecho onde uma mulher vê o barbeiro calçando os sapatos de seu falecido marido), qualquer dúvida é sufocada - afinal, cadê as provas?
A concentração de populações antes dispersas, somada à inexistência das tecnologias modernas de investigação criminal, trazem um certo desespero à obra que vem do ser invisível no meio urbano. De alçapões e passagens subterrâneas a becos escuros e manicômios, o terror de Sweeney Todd parece estar principalmente no quão fácil é desaparecer sem causar alarde em uma cidade grande.
Entre 1840 e 1901, as áreas rurais britânicas perderam cerca de 4 milhões de pessoas para migrações internas (se eu tive que abrir o artigo no SciHub, vocês também vão, dêem seus pulos). Imagina essa cabeçada toda se engalfinhando por uma nova vida em uma cidade turbulenta, abarrotada de gente, cinza, violenta, e acima de tudo, TEDIOSA. Lembrando que, até a emenda que extinguiu a pena capital em 1868, as execuções públicas na Inglaterra ainda eram uma das poucas formas de entretenimento da massa empobrecida. Tipo um show superfaturado de dupla sertaneja na praça principal de uma cidade de 9 mil habitantes. O que mais se tem pra fazer a não ser assistir essa merda?
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Tchê tchererê tchê tchê.
Enfim, o ponto é que a princípio, Sweeney Todd pode ser uma leitura MUITO divertida e leve (sem zoeira, eu li o livro todo em menos de um mês, e isso porque minha rotina tava AZUCRINADA, na época). Quando compilados, os contos formam uma história coesa, sem muita ponta solta (eu pelo menos não percebi nenhuma); e apesar de muito antigo, a linguagem é simples o suficiente pra que você entenda perfeitamente uma piada feita por dois caras há quase 200 anos atrás, a ponto de você virar uma página e se pegar pensando "HAHAHAH que cara abusado!" quando lê a última estripulia do desqueridíssimo Todd.
MASSSSS pode ser uma leitura muito mais cativante se você tiver alguma ideia do contexto da época, do que estava em voga, etc etc. E bem, agora você sabe. :)
No mais, recomendo bastante. Não sei se começo com um sistema de nota...? Estrela? Sei lá. Sei que o livro é bacana e eu me diverti muito lendo.
Inté.
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olambiscodeprosa · 7 months ago
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Sê bem vindo.
Boa noite, queridos. 
Eu estava há um bom tempo pensando em começar um blog. Em plena era de TikTok e vídeo no YouTube (acima de dez minutos pra dar tempo de monetizar, claro), eu só quis... escrever. Acho que foi o único hobby que eu nunca larguei igual saco de batata quente assim que a primeira dificuldade aparecia. Eu costumava desenhar, mas pra um desenhêro casual, existe uma barreira intransponível (que é até onde você consegue chegar sem estudo e prática constante). Confesso que nunca fui muito boa em terminar o que começo, mas acho que talvez, só talvez, esse blog (dentre várias outras coisas que comecei na virada pra 2025) seja o pontapé inicial pra mudar esse hábito. :D
Eu não tenho a intenção de ter milhares de visualizações ou coisa assim. Essa época já passou há alguns anos, creio eu. Ninguém lê blog atualmente. Acho que o primeiro propósito disso é ter um tipo de arquivo pras doideiras que passam pela minha cabeça e, talvez, encontrar pessoas que não achem elas tão doideira assim. 
O segundo é, sinceramente, pra ajudar na minha memória. Faz uns anos que eu comecei a notar que ela começou a deteriorar um bom bocado; talvez as acusações que nossos pais fazem sobre os celulares estarem corroendo os cérebros da juventude não estejam assim tão erradas. E apesar de eu gostar muito de ler, eu não consigo de jeito nenhum fixar as histórias na minha cabeça - o que eu costumo lembrar, entretanto, é o jeito que elas me fizeram sentir enquanto eu lia. Então tive a ideia de começar a escrever resenhas, porque assim, toda vez que eu esquecer de uma história, eu posso entrar no meu arquivinho pessoal e esquecer que estou esquecendo. rs
O terceiro motivo é que eu tenho uma infinidade de ideias pra contos, histórias curtas e crônicas e eu SEMPRE fico me enrolando pra enfim dar uma forma à elas. Talvez, se tiver gente o suficiente curiosa e me enchendo o saco, eu me sinta pressionada o suficiente pra escrever algo que saia do esqueleto básico de um texto. AUEHAUEHAUEHAUAEUHA
O blog ainda está pavoroso, porque eu ainda não faço ideia de como programar em HTML pra deixar esse hospício um pouco mais aconchegante. Mas a gente chega lá, eventualmente!
E a propósito, não se espantem se no primeiro momento o blog concentrar mais resenhas de HQ e mangá!!! O hábito da leitura, assim como o dom do oráculo, deve ser exercitado pra que não se perca. E quando ele se perde, você começa uma reintrodução alimentar cuidadosa, seja procurando imagens proféticas no fundo da xícara de café, seja lendo quadrinhos porque é a única coisa que seu cérebro processa desde que você assinou carteira pela primeira vez.
De qualquer forma, bem vindo(a), seja lá quem você for. Espero que se divirta! 
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