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24 a 27 de fevereiro
24 de fevereiro
Estava em Pinheiros e encontrei na rua M. Tomamos uma água e conversamos. Ele contou que vai sair em vários blocos, e discorreu sobre as diferenças entre os carnavais do Rio e de São Paulo. Vê o carnaval carioca, mais antigo, como uma espécie de dissolução das identidades num grande coletivo que se espalha pela cidade. Os paulistanos, por sua vez, parece que preservam identidades e cada bloco é específico, sem formar um corpão coletivo, onde, talvez, os foliões percorrem os blocos como compradores em um mercado.
Disse também que Lula prepara um plano B que seria a candidatura de Joaquim Barbosa. João Dória x Barbosa não é um cenário impossível. Pelo menos evita-se o apocalipse Dória x Bolsonaro.
Tomei a linha amarela do metrô em direção à Luz, para checar um bloco que saía na Cracolândia. Saí pela rua Mauá em direção à estação Júlio Prestes às 14h. Passei em frente do pequeno boteco cuja jukebox toca sempre pop amazonense. Um rato vinha pela sarjeta e se enfiou debaixo de um vão de porta. Parecia ter um tumor às costas e isso me perturbou muito.
Uns 10 PMs mais viaturas montavam guarda em frente ao hoje auditório São Paulo. Seguindo pela alameda Cleveland, já se ouvia o batuque na rua Helvétia. Um buquê de odores muito fortes dançava ao vento. Estava muito quente. Dobrei à esquerda e vi que a Cracolândia aumentou muito desde a última vez que vim. Muita barraca nas calçadas.
Logo vi o bloco no meio da rua. A bateria se chamava Coração Valente e vestia abadás laranjas. Além disso, traziam à cabeça capacetes tipo legionário romano, de papel pintado com tinta látex e penachos de nylon. Fiquei feliz que não havia contexto dilmista para o bloco, e me comoveu a valentia desse povo da rua. O ambiente era de alegre desafio, depois dos ataques de ontem.
Tinha umas 200 pessoas no bloco, além de outras tantas mais adiante. A maioria tinha de 20 a 30 anos, mas de outra forma a diversidade era bem grande. Tinha muita população de rua, usuários, alguns universitários, funcionários dos vários programas públicos que atuam no local, travestis... Quase todos fantasiados, todos muito animados. Logo reconheci os fotógrafos A e S.
O carro de som era uma dessas picapes pequenas, com uma casinha montada na garupa. Estavam para sair, e, enquanto isso não acontecia, olhei em volta. Vi um pirata e dois jovens com a roupa antiga de gari, o macacão laranja. Tinham o rosto pintado de branco e boca rasgada do Coringa. Uma outra moça fez um bonecão que tinha os braços abertos, de madeira. Dentro dele, que trazia os dizeres “ADESAF de Braços Abertos”, ela dançava em suas pernas de pau junto ao povo. Uma moça negra de dread segurava um pequeno cartaz “Estou solteira”. Um carroceiro, negro e jovem, trazia o corpo pintado de branco e puxava seu veículo decorado.
Vi um cartaz/pirulito “a melhor tradução entre duas línguas é o beijo”. Outro: “sou sua pessoa amada por três dias”, e atrás “unidos pela separação”. Bandeiras costuradas à mão, feitas de 4 pedaços de tecido branco tosco, traziam mensagens escritas também à mão: “Pela Alegria, é nóis. É tiu”, e “Coração Valente”.
A rua de São Paulo têm uma energia muito louca, especialmente aquela da população de rua. É muito fácil romantizar o diferente de fora, mas chorei ali sob o sol forte. No meio da euforia pirante do forte batuque que embalava aqueles corpos magros e morenos, no rodopio dos travestis, no passinho do jovem tímido, na alegria alucinada do descamisado, pisando o lixo e a serpentina sobre o asfalto quente, senti-me seguro e acolhido. Que BRICs que nada, quando o sonho desaba, somos essa gente, e eles são eu.
Passou um palhaço de branco e de cartola, que, ao ver-me de caderninho na mão, falou: “Vai anotando tudo aí!”.
Saímos pela Helvetia e cortamos o buchicho da esquina com a Alameda Dino Bueno. O cortejo momesco cruzou a densa mistura de mercado com narcódromo. Diversos objetos tristes depositados no chão estavam à venda: tomadas, havaiana quebrada, bijuterias, DVDs, isqueiros e, curiosamente, três livros do Oswald de Andrade, incluindo “O Rei da vela”.
Um plástico publicitário, pendurado na calçada, trazia: “Parcelamos compras até 12x. Entre e confira as condições”. Uma moça veio me falar que só via assombração, “parece halloween”. Achei que deveria dizer que tinha gente legal lá e que ela não corria perigo.
Viramos à direita na Barão de Piracicaba. Muita gente olhava o bloco a partir das janelas de um hotel de fachada rosa. A placa de um estabelecimento: “Pereira. Foto vídeo chaveiro”.
S contou que estivera ontem no local, mas depois do ataque policial. Ele teve seu celular roubado hoje, mas recuperou-o depois de conversar com os locais, a quem conhece por trabalhar na área.
Alcançamos o Largo Coração de Jesus. Um moço distribuía camisinhas, enquanto o carroceiro do corpo branqueado dançava sobre seu veículo empunhado uma tesourona de poda. A moça de shortinho a seu lado trazia uma cabeça masculina de manequim, que brandia como uma sans-culotte purpurinada. Os funcionários do Liceu Sagrado Coração, em frente ao qual passávamos, filmavam tudo com seus celulares, atrás das grossas grades do prédio antigo. Sorriam.
O microfone era meio aberto, já que o batuque dava conta da banda sonora. Então muita gente pegava e cantava para a galera. Este moço usou a voz dos antigos cantores do rádio para entoar um velho samba: “Acorda Maria bonita, levanta e vai fazer o café, que o dia já está raiando e a polícia já está de pé”.
Notei a faixa negra que abria o cortejo: “Contra todas as violências”.
Eram 15:30h quando abandonei o local e a festa, que prosseguiu. No metrô Luz, vi um cartaz onde um segurança vestido igual a um PM, de boina negra, dizia: “Vandalismo é crime”.
Entrei no trem e fui para casa.
Repercute a denúncia de José Yunes, que envolve Padilha em esquema de corrupção, e Temer também. A imprensa petista fica dizendo que o governo Temer está chegando ao fim, e que comentaristas como Noblat e Merval, da Globo já estão rifando o presidente. A queda de Temer daria mais uma reviravolta no cenário institucional.
25 de fevereiro
Li que ontem houve uma manifestação de PMs e suas esposas no Recife. Eles também pedem melhores condições de trabalho e salários. Muitas esposas de PMs presentes à passeata vestiam camiseta de apoio ao deputado federal carioca Jair Bolsonaro (PSC-RJ). No cenário direita x extrema direita poderia estar a se desenhar um confronto PMs estaduais x Exército Nacional? Uma entrevista no Estadão traz que um filho de Bolsonaro atuou intensamente junto aos policiais grevistas no Espírito Santo. Ajudou a organizá-los e a dar suporte para as famílias.
26 de fevereiro
Anonymous vaza documentos sobre Yunes, Temer e Marinho da Globo.
27 de fevereiro
Repercute a aparição carnavalesca da musa do impeachment, a Juliana Isen. Ela ficou famosa em 2016 por comparecer às manifestações coxinhas nua ou semi-nua. No carnaval deste ano, ela se fantasiou com pintura corporal, com as cores da bandeira do Brasil. A repórter a convenceu a dobrar os joelhos e agachar-se, fazendo florir seu ânus verde-amarelo: a cara da direita brasileira.
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20 a 23 de fevereiro
20 de fevereiro
Saí para o ato dos Juristas contra a nomeação de Moraes no Território Livre em frente a Faculdade de Direito da USP, no Largo S. Francisco. Eram 17h quando saí da estação Sé e fui encontrar T. Conversamos e nos despedimos.
Eram 18h quando saí para o ato no Largo.
Cheguei e vi que era ainda cedo e havia poucas pessoas lá, umas 10 , que pareciam estudantes, ao redor de uma mesa de plástico com camisetas Fora Temer!. Saí e tomei uma cerveja num boteco deserto de alguma rua do entorno. Vi na tela do lugar duas propagandas sobre a educação, uma do governo federal e outra de algum FUNASESC ou equivalente. Nas duas, figuravam jovens sorridentes, confiantes e lindos.
Lembrei que M relatou que os blocos este ano apresentam um nível de descontrole e resistência interessantes. Foliões impediram a ação repressora da polícia em cima de camelôs não cadastrados. Depois, E diminuiu este fato, mas R me contou que o bloco do Baixo Augusta preparou uma surpresa aos milhares de corpos dançantes que lá acorreram, descendo a Consolação: um enorme grafite ilegal que cobria uma empena cega foi desvelada com fogos de artifício na chegada da multidão. Li no Estadão que a prefeitura foi “surpreendida” com o grande número de foliões. Isso equivale a admitir que o poder não controla o povo na rua. Eu sempre duvido do poder transformador do carnaval, mas tem sim energias contagiantes eletrizando multidões nas ruas de São Paulo, a mais coxinhas das cidades.
Eram 18:30h quando retornei ao ato dos juristas. Vi um carroceiro que puxava seu veículo pela rua São Francisco na altura em ela se torna a rua Cristóvão Colombo, bem em frente ao Largo. Sua carroça carregava um aparelho sonoro que irradiava um Racionais bem alto, que se espalhava pela noite da Babilônia brasileira.
Já havia umas 150 pessoas, e misturei-me ao povo. Achei que no geral tinha muito estudante de 20-25, mas também pessoas dos dois gêneros entre 40 e 50. Ao final, achei que o número total de manifestantes chegou a 250.
A, filho de JdeA veio me cumprimentar e falamos do seu recente ingresso na faculdade. Busquei valorizar o fato da faculdade estar no centro da cidade e também o fato de que a FADUSP tem um recorte muito mais representativo do Brasil que o Butantã.
Dois de seus recentes amigos se juntaram à conversa, e fiquei bem impressionado com a lucidez de seus diagnósticos. Falamos dos méritos e deméritos da social-democracia. O moço defendia a greve geral como a única forma pauta relevante no contexto atual. Tentei levantar a discussão de que a produção do valor no capitalismo mudou de lugar e agora está na cidade como um todo, e não na só fábrica. Ele até acomodou que a “luta urbana” é importante, mas não pareceu entusiasmado com a formulação. Ela e eles tinham entre 20 e 25 anos.
Contei a eles como eu e JdeA tínhamos estado presentes na votação da emenda Dante de Oliveira que instituía as Diretas em 1984, na praça da Sé. E também como o então Secretário da Segurança de SP, Michel Temer, tinha mandado a polícia invadir o Território Livre da faculdade, o que não ocorria desde os anos da ditadura Vargas, para reprimir o ato na manhã seguinte, também pelas diretas. Fora chamado pelo centro acadêmico XI de Agosto, contra o acordo PMDB/PDS (ditadura/oposição consentida) que resultou em Tancredo Neves.
Contei dos grupos tentavam cooptar calouros como eu em 1984. A Opus Dei era muito ativa e acabei indo estudar num “grupo de estudos” deles, na Joaquim Antunes, em um prédio que ainda existe. Lembro que desconfiei da natureza desse estudo conjunto quando, na entrada do prédio, vi um enorme e muito sangrento crucifixo que guardava o hall de entrada.
Já o hoje juiz S, ultra-direitista, vinha nos azarar com o discurso “veja bem, nós também somos socialistas. Mas somos nacional-socialistas (nazistas)”. Lembro que ele dizia então que “estamos com a luta palestina contra Israel”. Este eu evitei, mas a Atlética, que era totalmente coxinha, tinha outro brilho particular. Eu, calouro de 19 anos, não deixava de notar que certos corpos atléticos desse meio exerciam fascinantes atrações. Depois, vim a enxergar o meu lugar de outra forma, mas, no primeiro ano, tudo era divino maravilhoso.
Notei que a bolinha de luz estava lá, com as mensagens “STF covarde”, “Fora Temer!”, “Alckmin, inimigo da educação” e “A mídia mente”.
O primeiro orador da noite calorenta tinha cabelos compridos e vestia um terno sóbrio. Falou do parlatório de pedra que dá as costas à rua. Apontou como “o golpe é um processo que ainda não se consumou inteiramente” e que a nomeação de Moraes é apenas uma etapa dessa escalada. “Fora golpistas!”, respondeu a multidão.
A próxima oradora foi Ines Ventura, que elogiou o abaixo-assinado promovido pelo XI de Agosto, que fora entregue com mais de 250 mil assinaturas, uma de 5 iniciativas populares contra a nomeação de Moraes. Ela garantiu que ele é objeto do repúdio do meio jurídico, ainda que muitos advogados tenham medo de expressar isso abertamente, pois sabem que podem vir a ser julgados por ele no STF.
Já Lucia Pastore falou que Moraes deveria ser obrigado a copiar na lousa os autores que plagiou. Sublinhou as discrepâncias e inexatidões de seu Currículo Lattes. Ademais, afirmou que se o Lattes foi afinal corrigido, as informações curriculares apresentadas ao Senado contém ainda as incorreções apontadas, o que constitui infração. Ela disse que o Lattes traz a contagem de 69 livros publicados, mas que na verdade são as diferentes edições dos mesmos títulos contabilizados como novas publicações. Para ela, isso é suficiente para seu impedimento já que não tem notório saber jurídico nem reputação ilibada.
O orador seguinte foi um professor da Casa. Só captei o primeiro nome, Sérgio. Lamentou muito a ausência dos outros mestres da faculdade. Falou do currículo de Moraes e dos Jornalistas Livres que detectaram o plágio do ministro. Apontou inverdades e inconsistências no currículo de Moraes, incluindo o seu pós-doutorado inexistente. Disse que enfrentamos um conluio conservador e que vamos no futuro próximo pagar a conta da armação que está ocorrendo agora em nível federal. Apontou também que, como ministro do STF, Moraes vai julgar uma ação contra si mesmo. Afirmou que era “triste que a OAB não esteja aqui”, que já avalizou-o em declaração. Disse que, em termos de saber jurídico, o ministro Moraes, de carreira meteórica, está mais para Paulo Coelho do que para Raduan Nassar.
Tiago, do Sindicato dos Advogados de São Paulo, trouxe a posição oficial da associação, que repudia a nomeação do ministro. Lamentou a ausência dos advogados no ato, mas que entende o seu medo. Disse que daqui a 20 anos o governo Temer será considerado o pior da história do Brasil. Este ato, por outro lado, “será lembrado”, e que o futuro saberá que teve gente que lutou.
A bola de luz agora trazia “Não penso, não existo, só assisto”, “Amor sem temer”, e vi também três bandeiras do Educafro, empunhadas por um grupo de mulheres negras. Vi um jovem com a camiseta preta do Levante Popular da Juventude e um button do Santos.
O Tardelli do site Justificando falou em seguida. Ele propôs uma série de perguntas críticas para que fossem feitas na sabatina de Moraes. Raimundo da Frente Brasil Popular apontou como Moraes foi responsável pela repressão ao movimento social, ao Fora Temer e ao MPL, tendo protegido os coxinhas e seu acampamento.
A moça do CA XI de Agosto leu um manifesto, onde a violência estatal da gestão de Mores era destacada, tendo ele presidido o colapso da segurança pública nacional e as matanças carcerárias. O CA 22 de Agosto, do Direito da PUC, falou em termos correlatos, sublinhando que a PM matou muitos sob seu comando. Em termos similares, o CA do Direito do Mackenzie fez sua declaração.
A bola de luz: “Respeita a rua, a rua tem voz”, e “Cinza não!”. Também “Genocídio gera genocídio”, e “Estado, não se mete no meu útero!”.
A desembargadora Marta, da Unicamp, falou da anti-candidatura de Beatriz Vargas ao STF. Chamou uma frente de esquerdas. Falou Darcy Trigo, dos Advogados Populares de Curitiba, que destacou o papel do Judiciário non golpe. Falou Priscila do DCE-SP. Apontou Moraes como o abafa da Lava Jato.
Uma advogada feminista falou muito bem a seguir, e apontou que, quando Moraes era seu professor, ele já relativizava o uso da tortura na obtenção de informação. Sublinhou como ele estaria no STF até 2043 e que as decisões do STF são de súmula vinculante, isto é, irradiam por todo o sistema jurídico. Destacou o papel das mulheres na luta contra o golpe, saudando a “Primavera Feminista”, que legou ao movimento social a mais importante mobilização de rua contra Cunha em 2016.
Bolinha de luz: “Não pise na democracia”. O moço grande do PT que tinha visto no Sírio-Libanês reconheceu-me e cumprimentou-me.
O orador do Educafro, um moço negro, falou e puxou um “Golpistas, fascistas, não passarão!”. A seguir falou uma moça negra, da mesma organização.
Por vezes eu me confronto com o problema de como traduzir de forma concisa e urgente a situação do Brasil e a realidade do golpe para estrangeiros. Nesta noite, no calor do Largo São Francisco, intuí a agonia da oradora que nos falava, a Ester do Educafro. Percebi como tentava passar que o extermínio e fechamento que outros oradores colocavam no futuro era posto por ela como um presente que já está acontecendo. Eu branco, de classe média, consegui associar sua fala aos impasses do Black Lives Matter, dos EUA. Eles publicaram os vídeos de execuções sumárias incontornavelmente ilegais e cotidianas, e isso sob o mandato de um presidente negro. Mesmo assim, mesmo com a evidência concreta do registros, a mudança estrutural não começou.
Ester falou com muita urgência e força. “Já tive que ver familiar meu morrer, amigo meu morrer”. Falou do genocídio da gente preta agora em andamento, falou das vezes que foram à Secretaria da Segurança de Moraes para exigir a investigação de assassinatos de jovens por policiais. Vê retrocesso em todo o Brasil, e perguntou “o que é que eu digo para minha filha, se os direitos de 1988 não chegaram na periferia?” Distanciar-se das bases é isso aí. “O que as ONGs estão fazendo, o que a Justiça está fazendo?”. Afirmou que “Aqui não teve força para mobilizar os doutores, mas a comunidade está caminhando para a resistência, o sangue vai correr se a situação continuar.”. Disse que era barrada na porta do tribunal, mesmo portando crachá. Ela foi muito aplaudida.
Falaram depois ainda representantes da UNE e GV.
Desta vez perguntei o nome do fotógrafo que sempre vejo, seu nome é R.
Tomei uma no boteco de esquina da João Mendes, tomei o metrô na Sé e fui para casa.
21 de fevereiro
Saí na estação Consolação para uma rápida visita ao acampamento do MTST.
Notícias bem preocupantes de Recife: “Hoje à tarde uma manifestação do MTST na Companhia Estadual de Habitação foi interrompida por uma ação policial sem ordem judicial e terminou com a prisão do advogado do movimento e manifestantes de forma arbitrária.
Participantes idosos, mulheres e crianças foram agredidos/as pela polícia, "balas de borracha" e munição letal foram utilizadas, advogadas/os foram agredidos verbalmente e impedidos de acompanhar a ouvida de testemunhas. Houve pelo menos duas e pessoas atingidas por balas comuns e estão sendo atendidas em hospitais da área.”
Não tive estômago para ver a sabatina de Moraes no Senado. A blindagem do governo está completa. As demandas e denúncias do movimento e da sociedade vão ser canceladas nas instâncias superiores por muitas décadas.
22 de fevereiro
Hoje teve ato dos artistas na frente do Teatro Municipal. Choveu torrencialmente na hora. Lembrei daqueles que dizem às pessoas que nunca saem à rua quando chove: “mas você é feito de açúcar?”. Mesmo assim, não compareci e fui para casa.
23 de fevereiro
Ação repressiva da PM na Cracolândia, inclusive com o uso de munição letal. Parece que o uso de balas de metal está sendo tolerado pelos comandos em todo o Brasil. Vi também em um vídeo das mobilizações contra a venda da CEAD no Rio que a PM d elá também está sacando e disparando pistolas contra manifestantes.
Aliás, esse vídeo é bem interessante, mostra os embates do ponto de vista da linha de frente. Faz muito sucesso no campo autonomista. Mas é indisputável que, para além da adrenalina do confronto, os embates diretos não lograram nada: a venda foi aprovada a revolução não chegou mais perto.
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12 a 19 de fevereiro
12 de fevereiro
Saí na estação Trianon-MASP para ver um ato contra a nomeação de Moraes, chamado no Facebook por um grupo chamado Direita Unida. Tinha umas mil confirmações de presença. Fiquei interessado em saber como a consolidação de Temer e do velho PMDB no poder vem impactando a direita e ver quais as discussões e pautas do momento nesse campo. Eram 10h.
Vi uma fila imensa logo na saída, mas era algum evento no edifício Asahi, acho que ligado a algum youtuber. Em frente ao MASP, ninguém com cara de protesto. Além dos passantes normais de domingo, um grupo de uns 50 moços de bicicleta tinham se reunido lá. Esperava E, que se demorava, e decidi dar uma volta.
Na esquina da Augusta, vi uma concentração carnavalesca, umas 50 pessoas ao redor de um emissor de som. Algumas camisetas do grupo: “Primeiramente, a cidade é nossa”, “Ministério dos Cortes Sociais”, e outra “Ministério das Viagens Sem Volta”. Havia algo de levemente estranho naquele ajuntamento, em contaste com as mensagens políticas. Depois, E apontou o estandarte do grupo e matou a charada: “é um bloco para crianças, veja o nome”. Era o bloco “Baixinho Augusta: apavora mas não assusta. Desde 2017”. De fato, tinha muitos jovens casais com seus bebês.
Ao lado, funcionava a usual ginástica aeróbica do Santander. Tem algo de evangélico nesse tipo de exercício: o sorriso fixo da louvação, a coreografia militarizada e reiteração dos gestos do oficiante. Não é à toa que o Padre Marcelo era instrutor de ginástica antes de ser padre e seu primeiro CD chamar-se precisamente “Aeróbica com Deus”.
Pouco depois chegou E e demos juntos mais um giro, pois nada acontecia em frente ao MASP. Ele apontou que Dória removeu os vendedores ambulantes da avenida, muitos deles hippies que vendiam artesanato.
Certos de que o tal ato não ia ocorrer, agora umas 11h, despedimo-nos e combinamos de nos encontrar lá de novo às 16h. Havia um outro ato anti-Moraes, desta vez chamado pela esquerda. Parece que eram pessoas avulsas e não movimentos ou coletivos.
Li hoje um artigo que sustenta que quem quer o fim da Lava Jato é… a Lava Jato! O autor acha que a escolha de Moraes contempla tanto a Moro quanto a Temer e ao golpe, e que assim será possível direcionar a operação para um único desfecho comum: a prisão de Lula. O tratamento servil que Moro dispensou a FHC em seu testemunho é prova que o PSDB não tem nada a temer e que a operação nunca vai chegar a eles. Melhor para todo mundo se acabar logo.
Moreira foi mantido em seu novo cargo pelo STF, mas sem foro privilegiado. Jeitinho que teria caído bem para Lula também.
Voltei às 16h e caminhei a partir da Consolação em direção ao Museu. A avenida agora bem mais cheia. O bloco na esquina da Augusta já tinha saído, mas a ginástica continuava. Em frente ao MASP, muita gente, mas não identifiquei de pronto os manifestantes.
Vi um hipnotista que, no meio de uma roda de curiosos, hipnotizava duas adolescentes. Olhei um pouco mas logo cansei.
Saí fora e vi, ao lado, um cartaz preso a uma bicicleta: “Um $TF sob medida para o PSDB/PMDB”. Reconheci o homem do chapéu que vi outras vezes em movidas de rua. Eram umas 5 pessoas ao todo naquele momento, alguns com camisetas Fora Temer! Um menino adolescente trazia uma bandeira do PT às costas, por cima de sua camisa da CBF. Cartazes impressos em folhas de A4 traziam mensagens do tipo: “STF com moral, e não com Morais”. Uma senhora tinha uma faixa verde e amarela “Fora Temer!”. Achei que eram na maioria homens e mulheres de 40-50, além de um outro jovem.
Foram chegando mais pessoas, e deu para notar que há certa ressonância diferente hoje na chamada Fora Temer!. Mas logo colou um senhor com camisa de bandeira do Espírito Santo e hostilizou o grupo. Pouco depois um coxinha jovem de camisa azul dentro da calça veio gritar também. O pessoal foi confrontar e teve muito bate-boca. O coxinha jovem cantava a música do “Chora petista, bolivariano, a roubalheira do PT está acabando”. Aos poucos, os coxinhas foram empurrados para a ilha central e depois mais para mais longe. Tudo durou uns 20 minutos e deu uma acendida no protesto. Juntou mais gente e agora éramos uns 50.
Mas não foi edificante. As discussões gritadas eram diálogos de surdos. “O Moro vai prender o Lula”, “Vocês votaram no Temer”, “Comunista!”. “Fora Temer!”, “Golpista!”.
Tive a sensação de que, apesar do noticiário atual, a polarização do ano passado não se reconfigurou em novas pautas. Por um lado está claro que o PT tirou o mico preto e vai ser o único atingido pela Lava Jato. Até o PIG estranha as penas leves dos delatores. Mas, por outro lado, o campo petista parece não ter conseguido ainda evoluir na avaliação e formulação de novas posições. O partido e sua militância são como um tatu enrolado, paralisado em auto-defesa. Está parado no modo reiteração.
Isso tudo me veio como um raio quando um menino de 14 anos, coxinha, discutia com um grupo de senhoras petistas. Ele era muito esperto e seu coleguinha filmava tudo ao celular. Ele conseguia, à maneira Pânico na TV, confundir e driblar os argumentos delas. Ele era muito impertinente e suas pegadinhas era primárias. Ele dizia: “vocês doutrinam as crianças”. Uma senhora respondeu: “mas os seus pais também te doutrinam”. Ele: “Mas eu não tenho pais! Sou adotado!”. E por aí foi. Mas me deu tristeza de ver que nossos argumentos estão tão gastos e previsíveis que até um pré-adolescente dá olé na militância. O menino certamente postou os vídeos que fez.
Desejo muito que essa fase passe logo, está insuportável.
Em frente ao MASP, reunidas as pessoas de novo, tentaram queimar uma bandeira dos EUA, mas o tecido não ardeu.
Chegou E e fomos tomar uma Seleta e água com gás num boteco da Pamplona. Eram 17h. Na esquina, um grupo militarista tinha um microfone e irradiavam um locutor que pregava a intervenção militar. Ele defendia a “intervenção popular”, que era um conceito proposto por um jurista X, que citou. Esta ação popular deveria preparar a intervenção militar propriamente dita. Mas ele mesmo lamentou que o exército “não se mexe”. Outro locutor dizia que só há uma religião verdadeira, que é o cristianismo. Dizia também “que está tudo arrebentado pela corrupção”.
Retornamos ao MASP às 18h havia novas pessoas. Reconheci o médico J, que esteve em frente ao Sírio Libanês. Conversei um pouco com as pessoas lá. Uma delas era C, que trabalha na indústria do telemarketing. Contava das condições insalubres e cruéis desse tipo de trabalho. Dizia que o assédio moral era intenso, a força de trabalho muito jovem e precarizada. Contou que há mais de um milhão de empregados no telemarketing e uma rotatividade muito grande. Ela era do sindicato que tentava proteger esses trabalhadores e trabalhadoras. O sindicato, SITETEL, reúne empregados de 19 empresas. Ela afirma que Trump é proprietário de 20 empresas de call-center no Brasil. Falava da dificuldade de organizar nesse ramo. Perguntei como era organizar gente tão jovem e atomizada pelo trabalho. Ela, que tinha uns 40 anos, dizia que era difícil, e que a meninada tem poucas referências fora de sua bolha de consumo. Contou também que trabalhou muitos anos com o Hélio Bicudo e que mais de 3.500 ONGs fecharam no Brasil devido à crise na Europa e nos EUA.
Fizemos uma roda final e decidimos não mais voltar à Paulista e marcar de reunir na Praça da Sé, no domingo próximo. Parece que o PT está chamando paralisação geral nos dias 8 e 9 de março.
Saímos pela avenida em direção ao metrô. Despedi-me de E caminhei um pouco mais em direção à Consolação. Um manifestante solitário empunhava uma faixa, sozinho na via, com os misteriosos dizeres:
“O coronel Osires da aeronáutica orientou na TV: não investigar o incêndio da Kiss”.
Tomei o metrô e fui embora.
13 de fevereiro
Vi na TV do boteco Temer afirmar que afastará ministros denunciados na Lava Jato. A manchete escondia os provisos: não vale delação e só a denúncia formal dos acusados.
Parte da PM volta ao trabalho no Espírito Santo. A crise em si não sumirá. Avaliações narram que o estado é um laboratório do projeto Temer: usar a crise para desmontar o estado. O governador do estado é de feitio privatista e pró-empresário, punitivista em relação a demandas sociais (reprimidas inclusive pela mesmíssima PM).
No Rio, continua o bloqueio de quartéis e o governo acaba de enviar tropas do exército para fazer a segurança.
Repercute a duvidosa proibição pelo governo da publicação pela imprensa de detalhes do processo movido por Marcela Temer contra um hacker. Parece que haveria mensagem comprometedora a Temer no celular de sua esposa. Caiu muito mal o que equivale a censura. Mas o apoio da Folha e do Globo a Temer não diminui.
Saiu no Valor uma pesquisa que acusa a presença daquilo que chama de “saudade” dos tempos de Lula. Nas chamadas classes D e E, existe a lembrança de dias melhores em termos econômicos associado à figura do ex-presidente, mesmo quando a imensa maioria não se opôs ao impeachment.
15 de fevereiro
A Folha de São Paulo publicou editorial onde diz que Gilmar Mendes errou ao barrar Lula de ser alçado ao ministério por Dilma, e que a presente decisão de Celso Mello é correta, preservando Moreira Franco. É de dar muita raiva esse descaramento, pois o começo do fim foi justamente esse episódio, quando os coxinhas saíram às ruas (a Paulista fechada pela PM de ponta a ponta), instados pelas gravações ilegais das conversas telefônicas de Lula e Dilma.
16 de fevereiro
O MTST ocupou a frente da Secretaria da Presidência de República em São Paulo, em frente a estação Consolação do metrô. Muita gente estava lá e eles querem permanecer no local por tempo indeterminado. Boulos foi preso recentemente por Moraes, e o movimento teme ser alvo de repressão. Achei legal eles ocuparem um lugar público.
17 de fevereiro
Saí na estação Consolação para uma visita ao acampamento do MTST. Levei umas garrafas de água e pacotes de biscoito para doar. Eles precisam muito de apoio: água, qualquer alimento, papel higiênico, colchões e cobertores.
Dei um giro pelo lugar. Difícil avaliar quantas pessoas eram sem-teto, já que o número de passantes era muito grande às 16h. Achei que umas 150 pessoas do movimento estavam lá, com barracas na Paulista e também gente nas calçadas da Augusta e em frente ao Conjunto Nacional.
Achei a presença boa, incontornável para o tráfego o local. Muita lona preta, viga de bambu, ambulantes e transeuntes, amontados da Augusta até em frente ao Hotel Meliã.
Uma bandeirona vermelha do MTST cobria a estrutura de vidro que protege a saída do metrô: “Aqui é a periferia revolucionária: fogo no pavio. MTST”. Tinha uma cozinha na esquina com a Augusta, onde deixei a água e biscoitos. Notei que havia 7 pessoas cozinhando, e 3 delas eram homens. No geral, muitas famílias, com jovens mas não crianças. Recorte clássico da militância do MTST. Vi camisetas e bonés da CUT, MST e do próprio MTST. Também uma camisa azul do Corínthians.
Um batuque meio improvisado cantava palavras de ordem quando cheguei: “Temer jamais, estamos nas ruas por direitos sociais”. “A periferia chegou, ôôôô”, “Não tem arrego, ou vem a nossa casa não vai ter sossego”. Além do clássico “Pisa ligeiro, pisa ligeiro, SNPCAFNAOF!”. Cantaram também um versão do Trem das Onze, de Adoniran, além do “Aqui é tudo louco, louco por moradia, quem não conhece a noite fria?”.
Encontrei E, que me falou que ontem teve encontro dos artistas, que planejam marcar uma manifestação para o Teatro Municipal para a semana.
Presença policial discreta do lado, com uma viaturas da Polícia Comunitária, mas forte na entrada da Secretaria.
Ao lado da faixa “MTST Moradia Já”, uma roda de capoeira se formou com umas 50 pessoas, e assistíamos às evoluções daqueles que vinham participar ao centro. Todos batiam palmas e um maluco tinha virado uma lixeira que percutia como tambor. “Levanta povo, cativeiro já acabou”, cantavam.
Uma pequena fanfarra de uns 10 secundaristas se aglomerava na esquina em frente ao Conjunto Nacional. Pareciam ser militantes de partidos e não autonomistas.
Dei um último giro antes de sair ao som de uma cumbia que era irradiada pelo DJ no acampamento. Sorri, tomei um ônibus e fui para casa.
Repercute a decisão da Justiça: usar balas de borracha contra protestos dependerá do “bom critério” da PM de SP. Também o discurso anti-Moraes na outorga do Prêmio Camões, de Raduan Nassar. Houver certo tumulto durante a réplica do Ministro Freire, que ainda soltou um nota muito escrota. STF estuda libertar Cunha para proteger Temer. Revelado que o Planalto pagou youtubers para elogiar a reforma do ensino, inclusive um jovem de discurso ofensivo e anti-democrático.
19 de fevereiro
Estive com T no acampamento do MTST na Paulista. Esta ocupação por tempo indeterminado pode ser a mais significativa ação política do movimento social. Estar na rua em ocupação permanente deveria mobilizar toda a esquerda, ela pode ser uma cabeça de ponte importante nas mobilizações de 2017. No meio da presente incerteza, senti-me seguro ali. Teve assembléia de tarde, mas só fui mais de noite. Tinha muita gente, disse E, que acompanhou pelo streaming.
Deixamos as doações que trouxéramos e desejamos a eles “boa luta”. Notei que hoje tinha muito espaguete empilhado.
Na cozinha acabei conversando com um moço da Zona Leste. Disse que estava passando e veio dar uma olhada. No geral era simpático aos movimentos populares, mas não à política. No correr da conversa, entendi que ele via a imprensa como transparente e portanto aceitava os “indícios” de culpa como suficientes: repetia que o sítio de Atibaia é do Lula, que Dilma foi deposta por corrupção etc.
Saí fora meio desanimado da conversa e olhei em volta. O som do rap tomava o ambiente. Estimei umas 200 pessoas. Jovens e muitas senhoras se misturavam no acampamento. Vi novas barracas, umas 20. Havia um certo ar de carnaval já no ar, muitos adolescentes passando fantasiados.
Vi vários cartazes: “Quer conhecer o nosso movimento e luta? Colabore com a nossa luta e venha lutar conosco”. “Acampamento 001 Temer”, “Residencial no000 Minha Casa Minha Vida. Apoio: Temer MTST”, “Ocupação Anastácio”, “Aceitamos doações MTST”, “Ocupação Esperança Vermelha”. Vi uma bandeira “Copa do Povo” e outra “Faixa de Gaza. Revolucionários do Brasil”..
Vi que o Boulos estava lá, e também L dos JL. Uma mulher falava ao microfone como parte de um debate sobre o feminismo e movimento. Falava da divisão do trabalho e da invisibilização da opressão.
A seguir, no mesmo local, teve uma oficina de dança com várias militantes, incluindo dois homens. Camisetas estavam à venda numa mesa, sob uma faixa que dizia: “Ser intelectual de esquerda é lutar para mudar esta realidade. Frente de Intelectuais de Esquerda, lutando pela democracia no Brasil”.
Vi pessoas com camisetas do PCB, da Frente Povo Sem Medo e do Botafogo. Uma bandeira da UJS. Uma outra camiseta amarela com o desenho de uma galinha: “Frango é meu ovo!”
Um batuque ao lado se formou e várias cirandas e palavras de ordem foram entoadas por ums 60 pessoas.
Eram 18h quando tomamos o metrô e fomos para casa.
Repercute a pesquisa que dá vantagem significativa de Lula em todos os cenários. O PIG não deu grande atenção, mas apareceu de outras formas. Uma delas é a briga entre Reinaldo Azevedo e Joice Hasselman. Mais ou menos representam a briga da direita com a extrema direita. A primeira está numas de normalização e aceitação da blindagem de Temer, chamando seus colegas de “direita xucra”. A segunda segue radicalizada e Morista. As trocas de agressões são constrangedoras e fortes.
Trump /Lula: li sobre essa comparação no Estadão. Os dois descritos como “populistas”, um termo muito em voga nos veículos liberais e de centro. O fenômeno Trump está embaralhando a direita, que fica dividida entre repúdio e apoio, pois ele encerrou o consenso neoliberal e é mais nacionalista, isolacionista e interventor na economia. Para a esquerda, ele claramente é filho da hegemonia neoliberal colapsada. Sanders teria barrado Trump, a esquerda teria barrado o fascismo, mas ela foi atacada como movimento social e partidário. Os movimentos occupy, os sindicatos, ocupações e protestos anti-globalização, que eram os mensageiros da insatisfação que Trump hoje capitaliza, foram duramente reprimidos e dizimados com políticas de flexibilização do trabalho e erosão da solidariedade como valor de organização social.
A revista Veja traz Humberto Costa, deputado do PT que demanda auto-crítica do partido, dizendo que este tem que abandonar a narrativa do golpe e apresentar propostas concretas para ajudar o Brasil. De amargar. O PT e mesmo Lula têm emitido sinais bem ambíguos, ora contra o golpe, ora na linha conciliação e aprovação das reformas. A candidatura do Lula pode bem vir a ser um conchavão-abafa. Deprimente.
O jogo de futebol entre o Atlético e o Coritiba não se realizou. Eles haviam recusado os termos da transmissão da Globo e acertado uma outra transmissão por Youtube. A Federação Paranaense de Futebol não autorizou o juiz a iniciar a partida, e só jogadores se deram as mãos e saíram apludidos pela torcida.
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8 a 11 de fevereiro
8 de fevereiro
Um juiz sustou a nomeação de Moreira Franco ao cargo de Ministro. Ficou na garganta a desnomeação de Lula em 2016 e o auê que se fez ao redor do fato. Gilmar Mendes então afirmou que seria o mesmo que nomear um prisioneiro da Papuda. Disse em sessão que era uma barbárie admitir uma nomeação assim, e todo mundo tomou as gravações ilegais (que nada provavam) como evidência de obstrução de justiça. As forças do golpe mobilizaram suas bases, e o governador estadual fechou toda a Paulista para os coxinhas, que vieram acorrer encorajados pela Globo. Se não me engano, foi nessa noite que surgiu o acampamento da FIESP que durou meses. Hoje, nem um ai, nem uma panela, nem um grito indignado. Como disse Juca Kfouri, “aveludaram-se as panelas”.
Moro marcou audiência com Lula no dia da missa de sétimo dia de Marisa. Ontem vi Arnaldo Azevedo xingando muito quem postava mensagem de ódio contra Marisa. Poucas semanas atrás ele lamentava que a demonização de Lula tenha levado à elevação de seus índices de popularidade. Então não dá para saber se é um respeito genuíno (e muito hipócrita) ou apenas um aviso tático.
Cunha envolveu Temer na corrupção em seus depoimentos. Gilmar já pediu que as prisões preventivas sejam desescaladas. O mesmo Reinaldo Azevedo desacreditou a necessidade de manter Cunha preso. O Congresso tenta tirar poder do TSE de cassar partidos. A nomeação de Moraes para ao STF repercute mal na imprensa de oposição, mas os jornalões que já pediram sua renúncia hoje se calam e avalizam a indicação. Há um abaixo-assinado que chega a mais de 100 mil assinaturas, lançado pelo centro Acadêmico XI de Agosto, contra a condução de Moraes ao STF. Para os blogs petistas, há um claro movimento de abafar a Lava Jato tal como ela está.
Vi hoje uns vídeos no youtube afirmando que Marisa está viva e teria fugido do Brasil. Há análises de fotos do caixão “provando” que trata-se de uma sósia ou de um manequim. Villa frisou em áudio que o exército foi ovacionado no Espírito Santo, como um aviso a ministro Jungmann. Tem muito vídeo de policiais e direitistas falando contra a imprensa vendida e chamando um levante nacional.
Vi agora que a polícia civil invadiu a Câmara dos Deputados em Brasília contra a PEC da Previdência: uns 170 manifestantes, contados do vídeo, cantando “Se a PEC passar, a polícia vai parar!”. Piro com cenários que articulam um levante prisional geral e as greves das polícias.
Intuí agora que a continuação ou fechamento da Lava Jato necessita da prisão de Lula. Cunha ser solto e tucanos e Temer se safar seria inaceitável sem Lula pelo menos inabilitado, e no auê se safam todos. Se o Judiciário ganha e consegue indiciar Aécio, Temer, Cunha, Serra e Alckmin, nenhuma prisão destes será possível sem a contrapartida na prisão de Lula. Mas o processo contra o ex-presidente, o do triplex, vai mal. Nenhuma das 27 testemunhas de acusação implicou Lula, inclusive aquelas cujas delações vazadas afirmavam o contrário. FHC, testemunha da defesa, inocentou Lula de recebimento de favores na gerência de seu acervo presidencial e do recebimento de propina na forma de reformas no triplex do Guarujá.
9 de fevereiro
Um editorial do Estadão quer por fim aos abusos da Lava Jato, estranhando que aqueles que deveriam ter levantado a voz contra os excessos não o fizeram. Continua dizendo que a operação é boa e necessária, mas que as tiranias nascem assim. Criticou as 10 medidas contra a corrupção e o Dallagnol pessoalmente. Diz que nem todas as doações empresariais devem ser consideradas propina.
Essa guinada é incrível e só pode ser a operação Abafa Jato. Acho que parte do golpe decidiu manter Temer, que está passando as reformas, e terminar ou pelo menos controlar a Lava Jato. O editorial critica o Judiciário como um todo e defende o Congresso. Esse reposicionamento de elites contra os procuradores e juízes pode radicalizar o judiciário. Imagino agora que se acenda o embate final entre Direita x Extrema Direita. Cunha ataca Moro em artigo publicado pela Folha e parece jogar o tudo ou nada para sair da cadeia: ou me soltam ou ponho o governo abaixo. Outros comentaristas que operaram o golpe estão a desacreditar o governo (incluindo o Noblat, que sublinhou a beleza e elegância do Temer no passado recente. A validação de Temer na época do impeachment incluiu a infame coletiva do presidente Golpisto a repórteres selecionados do PIG). Janot, por sua vez, inicia investigação da obstrução de Justiça contra Jucá, Machado e Sarney, meses depois da divulgação dos áudios, onde o golpe e o fim da Lava Jato (e até o assassinato de Teori) estão desenhados.
Tanto o artigo de Cunha quanto o editorial do Estadão contém defesas da legalidade e do devido processo legal que poderiam ter saído da defesa de Lula.
Mônica Bérgamo dá que o Vem Pra Rua está indignado com a corrupção do governo Temer e discute chamar protestos. Vai ver muito interessante ver como as pautas serão formuladas e as divisões e rachas desse campo. Quero ver ele e o MBL e ROL resolverem suas contradições em público.
PHA traz a notícia que a sede da Rede Gazeta, afiliada da TV Globo, na Ilha de Monte Belo, em Vitória, foi atingida por quatro tiros durante a madrugada. Também o mesmo site noticia:
“Vendo kit contra a corrupção: Camisa da CBF, pato inflável, máscara do japonês da PF, uma colher de madeira e uma panela pra bater a massa de coxinhas idiotas que foram pra Paulista dizer que eram milhões de Cunhas, que agora apoiam Temer, e que agora estão decepcionados!
Obs: As vendas estão fracas! Preço: 1,99"
Uma juíza sustou a nomeação de Moreira Franco. Efeito sanfona.
Em Vitória, o presidente de sindicato dos Rodoviários, que trabalhava de cobrador, foi morto a tiros. O Rio de Janeiro também está tenso com protestos e com a batalha jurídica envolvendo o governador Pezão. O TRE ordenou novas eleições no estado, mas o governador recorreu. Parece que no Rio o movimento social está mais próximo das lutas de resistência. No ES eu não sei e temo a formação da frente fim-do-mundo: policiais e procuradores e evangélicos
Saí na estação São Bento do metrô e encontrei JdeA, que é professor. Bebemos uma e outra no Centro Velho e conversamos sobre o Brasil atual. Falamos um monte de tudo, mas retive alguns pontos, que escrevi horas depois: o Brasil está de novo na periferia, e as lutas principais estarão em outros palcos (e torcer para que a bola não caia no nosso campo). Trump é o herói, o indivíduo ideal de Ayn Rand. A Alemanha está a repatriar sua reserva de ouro, que estava nos EUA. Isso só pode significar que se prepara para a guerra. O investidor Soros faz o mesmo, e também a China. As tradições cooperativas da Itália do pós-guerra organizadas pelo Partido Comunista redundaram em ganhos de nível de vida ainda atuantes no país hoje. A esquerda precisa de projeto econômico para o país. Defender o público é a resistência possível no contexto atual. O capitalismo parece evoluir para um estado automatizado pós-trabalho onde o pobre nem é trabalhador nem consumidor, isto é, o pobre é totalmente dispensável e deve ser exterminado. Amigos coxinhas de JdeA afirmam que a nomeação de Moraes para o STF foi a gota d’água e que estão a se rebelar. Lembramos que nós avisamos sobre o caráter real da Lava Jato, avisamos muito. E coxinha não acreditou, e também parte da esquerda que surfou suposto “caráter republicano” da operação. Avisamos, avisamos, avisamos, avisamos... Teve quem ficou em casa trolando petista e teve quem saiu na rua e resistiu.
Andei até a Sé, tomei o metrô e fui para casa.
10 de fevereiro
Repercutem as reações contra a nomeação de Moraes. A imprensa de esquerda fica bombando o episódio da “sabatina informal” no Love Boat como o fim da picada. A notícia no Estadão impresso do mesmo fato foi anódina. O plágio de Moraes teria sido reportado pelos Jornalistas Livres antes da Folha, que não informou a origem.
O clima está super tenso e é difícil analisar. Acho ainda que tem um embate geral do Judiciário+Polícias+Evangélicos contra Executivo+Legislativo. Janot/Moro/Dallagnol lutando contra o abafamento da Lava Jato urdido por Temer/Moraes/Maia/PIG. Tem gente dizendo que o caos é só um pretexto para intervenção militar.
Recordo-me quando da não-nomeação de Lula, quando os coxinha tomaram a Paulista. A PF tinha ameaçado renúncias em massa contra uma substituição de sua chefia pelo ministro da justiça que não fosse orgânica. Temi nesse dia que contingentes da PF se demitissem, pegassem armas e viaturas e fossem à Paulista, onde seriam recebidos em festa.
Imagino agora um chamado geral de levante contra os executivos estaduais e a corrupção dos legislativos, onde coxinhas vão às portas dos batalhões formar milícias pró-Moro. O exército será o fiel da balança: poderá reprimir os grevistas ou poderá se juntar a eles.
O MBL invadiu um gabinete de uma vereadora do PT de São Paulo com celulares e agressões, pois lá estava em reunião particular o Lindbergh Farias. Depois, o MBL chamou a GCM para averiguar uma “ocorrência” no dito gabinete.
11 de fevereiro
Mistura do previsível e do imprevisível. O script dos fatos de hoje foi anunciado pelo Jucá nos famosos áudios vazados.
Festa da M: muito legal, super recepção e muitos amigos. Vário são da área jurídica e falamos muito do Moraes, do Dória e das coisas.
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5 e 6 de fevereiro
5 de fevereiro
Hoje de manhã eu me envolvi em um bate-boca no ônibus que descia a Cardeal Arcoverde. Ia tranquilo para a casa de minha mãe e nem ouvia as conversas dos passageiros na curta viagem entre a Dr. Arnaldo e a Joaquim Antunes.
Mas aí o motorista do coletivo interferiu na conversa de duas senhoras, perguntando se elas se referiam à ex-primeira dama. Os três passaram a injuriá-la, afirmando que ela “roubou muito”. Já tinha me prometido não interferir em discussões desse tipo, mas não me contive. Depois de ver o corpo de Marisa no caixão, e sabendo que ela nunca se envolveu em política institucional, doeu muito testemunhar um ódio genérico e malicioso colocá-la como criminosa. Disse que “ela ficou em casa cuidando dos filhos” e que não tinha ocupado nenhum cargo. A discussão escalou e gritei muito com as senhoras e o motorista, apontando o dedo: “você vai morrer amanhã numa cama de hospital, de boca aberta, e eu vou respeitar. Mas vocês vão arder no inferno”. Desci eventualmente, mas ficou marcado em mim que queixar-se do ódio recorrente hoje em dia não é mumunha de petralha. Fiquei péssimo o dia todo, esperando o pior para Brasil.
Lembrei do stress de 2016 e de estar na mira da máquina conservadora. Dá muito medo de estar sozinho, pois a maior parte da esquerda não está junta e parte dela vai ficar de lado achando que vai se safar do massacre se ficar quietinha ou calada quando o Estado destruir o partido. Um erro estratégico enorme é negar apoio à via da representação (legislativo e partidos). A crítica da representação hoje é crucial e tem que ser feita, mas ficar de lado enquanto concurseiros evangélicos se aliam à polícia para destruir o que afinal é uma arena reciclável (o Congresso), além do maior partido de esquerda das Américas, parece-me que equivale a permitir a formação do estado de exceção permanente que vai sufocar a todos.
O ano de 2018 vai demandar uma definição das contradições do tabuleiro atual, e a anulação de Lula é condição primeira. Inabilitado eleitoralmente, preso ou morto, é condição necessária para 2018, com eleição ou não. O golpe não criou índices econômicos favoráveis e nem vai, já que o neoliberalismo global já completou quase uma década de austeridade sem induzir crescimento, e muito menos crescimento com emprego. Os mesmos 10 anos seriam necessários aqui, mas o novo contexto Trump (desregulamentação + repressão ao dissenso) vai ganhar força contra os liberais “moderados” (PSDB), que apostaram que apenas a remoção e destruição do PT bastaria para um retorno aos tempos áureos do neoliberalismo. Eles legitimaram e bombaram forças radicais marginais que agora vieram ao centro: Revoltados Online. Lava Jato, Militaristas, carecas e Bolsonaro. Todos vieram à Paulista e ganharam respeitabilidade.
6 de fevereiro
Moraes parece que vai ser mesmo indicado ao STF. Ele é o revisor da Lava Jato. Especula-se que ele foi escalado para “estancar a sangria” e domar o processo. Blogs petistas colocam as restrições que Dallagnol teria a ele. A esquerda espera recrudescimento. Alguns vão defender Lula como trincheira da resistência de toda a esquerda. Outros vão ficar em casa comendo pipoca. Nesta noite úmida, acho que todos vamos acabar na prisão.
Vi na tela do boteco, quase sem som, as chamadas do Jornal Nacional: a confirmação de Moraes para o STF e a situação dramática do Espírito Santo. As famílias continuam a bloquear delegacias e quartéis, e a violência, tiroteios e saques nas cidades aparecem animadas em vídeo. Fala-se em mais de 70 mortes na cidade e na mobilização de tropas federais e do exército. É difícil julgar as consequências políticas desses protestos. No passado, a esquerda (Partido Comunista) tinha acumulado militância entre os militares e marinheiros, especialmente os de baixa patente. Movimentações basistas de segmentos armados radicalizados, nos anos 60, tiveram ressonância no embate político geral para o lado da esquerda. A revolta dos marinheiros em 1964 não tem paralelo hoje: homens do mar de baixa patente se revoltaram. Os fuzileiros navais enviados para reprimir os revoltados, reunidos dentro de um sindicato no Rio de Janeiro, depuseram suas armas na rua e se juntaram aos amotinados. Nenhum deles foi punido pelo chefe supremo das forças armadas que era Jango Goularte. Isso fez tremer todo o oficialato das FFAA, que declararam que o presidente quebrara a espinha dorsal do corpo militar, a hierarquia, e que, assim, estavam autorizados a restaurar a ordem institucional com um golpe contra seu chefe constitucional.
Por um lado, esses policiais de hoje são funcionários públicos indignados com a má qualidade da administração. Mas, por outro, são os agentes que reprimem e agridem movimentos sociais que pedem exatamente o que estão a pedir agora. Há a questão do governo federal que nega ajuda aos estados insolventes, o que poderia dar um caráter “Fora Temer!” ao movimento. Mas, no atual clima de polarização e ódio, creio que estes agentes de segurança sejam presa fácil de demagogos que constroem a frente policial/judicial/evangélica. Isto é, o precariado da indústria da violência, pública e privada, vai encontrar alinhamento com a extrema direita no embate contra a direita.
Se estiver correta a avaliação de que o embate que define o Brasil hoje é a direita contra a extrema direita, dentro do cenário definido pela polarização Judiciário/Polícias contra Legislativo/Neoliberalismo, a receita neoliberal de sucatização dos serviços públicos vai gerar reação de forças de segurança institucional que poderão se aliar aos procuradores e juízes concursados (irados com a desativação da Lava Jato pelo cons��rcio PMDB/PSDB) e ativistas evangélicos em todos os níveis – além do exército radicalizado. Nada disso é certo ainda, mas positivamente nas cartas.
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2 a 4 de fevereiro
2 de fevereiro
T deu a dica e fui checar a concentração em frente ao hospital Sirio Libanês, onde Dona Marisa estava internada.
Saí na estação Trianon-MASP e desci a Peixoto Gomide em direção ao Hospital. Apesar de ter olhado o mapa antes de sair, tive que perguntar na banca onde era. A moça riu e disse que centenas de pessoas hoje tinham feito a mesma pergunta. Eram 17:45h.
A imprensa tinha noticiado a morte de Marisa e que havia militantes petistas na porta. Dias antes, fora noticiado que duas ou três mulheres vieram hostilizar, cobrando que Marisa tinha que ser tratada no SUS. Elas ficaram na frente com cartazes e gritavam contra a esposa de Lula.
Recentemente busquei as fotos dos protestos durante a Copa em 2014. Baixei várias imagens onde pessoas portavam cartazes com os dizeres “Saúde padrão FIFA”, ou “Eu quero educação padrão FIFA”. Parte da esquerda não petista se fiou na premissa de que havia um grande contingente que defendia o serviço público mas que era sensível ao discurso anti-corrupção. Em suma, havia um número grande de pessoas que saíram em 2013 mas que não haviam saído ainda para o Fora Temer nem para o Fora Dilma. Houve furioso zumzum quando autonomistas sugeriram conversar com esse contingente na chave de um discurso anti-corrupção, mesmo que isso significasse tolerar o anti-petismo, configurando uma maneira de atingir grupos que o Fora Temer não conseguia tocar.
Mas as recentes reformas da Previdência, das leis trabalhistas e da Saúde mostraram que ninguém fora da esquerda veio defender os serviços públicos. Os cartazes então eram mentira, não existe coxinha pró-serviço público. Por isso a hipocrisia das manifestantes anti-Marisa.
Descendo a rua, ouvi alguém que gritava “Vai, Lula ladrão!”. Virei a cabeça e vi um homem da rua, de boné, barba cerrada e duas sacolas plásticas nas mãos. Vínhamos caminhando no mesmo passo e segui perto dele. “Vai, Lula bandido! Vai acabar, Lula, acabou!”.
Seguimos a Peixoto Gomide abaixo, e ele continuava a gritar. Não era uma raiva doída, era mais uma ira santa de profeta descalço. “Viva São Bernardo! Vai São Bernardo! Morreu de manhã, né? Fora, São Bernardo! Vai, Lula ladrão”.
Dobrei à direita na Barata Ribeiro e ele seguiu em frente. Já na primeira à direita ficava a entrada do hospital. Cheguei e olhei em volta.
Tinha ao todo umas 100 pessoas, mais ou menos 50 militantes e curiosos, além de 50 homens e mulheres da imprensa. Contei umas 15 câmeras de todas as emissoras e vários holofotes iluminavam a entrada do hospital. Vi um moço que depois me apontaram como dos Jornalistas livres.
Vários militantes estavam de pé no local, ou sentados em um banco de 5 assentos do lado de fora do hospital. Alguns vieram de camisa vermelha, uma delas da CUT, outros portavam buttons. A maioria era de mulheres. Quase todas conectadas, checando as notícias em suas telinhas luminosas. Notei que a maior parte era bem da minha geração, entre 50 e 60 anos. Tínhamos uns 15-25 no ano da fundação do PT, e a construção do partido mais ou menos dominou a nossa geração. Ver o Brasil de hoje regredir aproximadamente para o ano de 1954 é destruidor para quem militou no período pós-ditadura.
Na rede, o PIG sugeria que as mazelas de Lula tinham matado Marisa de estresse, enquanto nos blogs petistas a Lava Jato e o golpe eram os culpados. Sobe depois que as sedes do STF, PGR e embaixada dos EUA foram pichados com a palavra “assassinos”. Mas uma onda de ódio e malvadeza escoou pelas cloacas da direita, o que fez da navegação pela rede algo doloroso. Lembrei que estava no velho Brasil de 2016 e que o golpe está em curso. Este ano de 2017 vai ser longo.
A militância recebia a notícia de que o velório de Marisa seria no sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo, começando às 20h. Alguns checavam pela internet as rotas mais convenientes para lá.
Uma das mulheres contava como ela tinha estado na posse de Dilma em Brasília e que seu grupo tinha sido escalado para proteger o Palácio do Planalto. Contava que sabia de um grupo de uma igreja, vestidos todos de branco, que tinha ido lá provocar confusão e que, quando o MST chegou e desceram do ônibus seus militantes, esses evangélicos saíram de fininho e sumiram. Outra mulher contava como o delegado que tinha denunciado Aécio Neves foi encontrado enforcado em sua casa. Ela garantia que ele fora executado. De noite, em casa, li que o Jornal Nacional ignorou a delação vazada onde Aécio teria recebido da Odebrecht uma propina por uma obra de 2.1 bilhões. Um outro moço contava como o site Sensacionalista foi comprado pela Veja e agora faz parte de seu time editorial, e que o humorista Danilo Gentili também agora faz parte da equipe.
Notei nessa hora que uma das mulheres trazia nas costas nuas tatuagem que dizia: “Victor, Vinícius, Gabriel, Rafael. Presentes de Deus”.
Já eram umas 19h e muitos funcionários saíam do hospital, certamente uma troca de turno. A segurança estava de prontidão e impedia o acesso ao lobby, mas de outra forma não havia presença policial ostensiva. Muita gente parecia transmitir ao vivo por meio de seus celulares.
Fui dar uma olhada do lado da imprensa. Todo mundo esperando algum fato noticiável. Chegou o Mercadante e isso criou um mini frisson. Já no horário dos noticiários da noite, algumas emissoras transmitiam suas reportagens. Um repórter da Band explicava à câmera o caráter do fluxo de sangue no cérebro de Marisa. A seu lado, fora do alcance da filmagem, uma mulher da Globo que eu já vira na coletiva do Lula que infiltrei e também na estação Pedro II, onde ela foi escorraçada pelos manifestantes. Uma outra moça do SBT vestia uma calça jeans apertada, camiseta branca e blazer preto. Muito maquiada, usava sapatos de salto agulha, e também estava de pé em cima de uma caixa. Ela entrou no ar e relatou como Marisa tinha doado seus órgãos, e que isso era um procedimento demorado, o que explicava a delonga na liberação do corpo e seguimento para o velório. Ela relatou também que, mais cedo, durante a tarde, teria havido um confronto entre militantes petistas e manifestantes coxinhas.
Nessa hora notei que o homem da rua, com suas sacolas e boné, assistia à transmissão ao vivo também. Ele falava muito alto: “ó a imprensa! A Marisa está no céu, mas ele continua!”. Retornei ao lado dos militantes e vi Jandira Feghali chegar. Ela foi muito festejada pelo pessoal e a imprensa logo formou um bololô. Ela entrou no hospital.
Tinha um zumzum que Temer viria ao hospital pagar seus respeitos. A militância se dividiu entre aqueles que achavam que não deveriam vaiar, dada a sobriedade da ocasião, e aqueles que favoreciam o apupo. Nessa hora notei um homem de minha idade portando uma bandeira negra, de pé, meio de fora. Estranhei.
Conversei com P e J, militantes que estavam lá. Eram agora umas 19h. Contaram um pouco de suas trajetórias desde os anos 80. J fora médico em São Bernardo. Contou que trabalhou na COSIPA e que atendia os trabalhadores do ABC, muitos deles vivendo em alojamentos precários e que desenvolviam sarna por causa disso. P foi metalúrgico, da Marinha e depois bancário, e agora estuda jornalismo. Defendi a reforma do PT, com o que concordaram, mas insisti que tinha que ser pela pressão da militância. P cacifou o Suplicy como pivô de renovação partidária. Tentei colocar a diferença entre cooptar a meninada que está a fazer politica hoje e deixar que eles renovassem a vida do partido. Falamos também da médica do Sírio Libanês que vazou dados confidenciais da saúde de Marisa em um grupo de Whatsapp. Parece que há comentários bem escrotos nesse grupo de mensagens.
Uma militante veio dizer que a assessoria do ex-presidente, dentro do hospital, tinha revelado que o coração de Marisa ainda batia por conta própria, e que Lula havia ordenado que enquanto isso acontecesse, nenhum aparelho seria desligado. A mulher rogou que ninguém de nós divulgasse isso ainda. Pouco depois, desceu uma médica do hospital e deu um informe, provavelmente de conteúdo idêntico.
Jandira saiu acompanhada de outros políticos, entre eles a Maria do Rosário. Foram muito festejadas. “Lula, guerreiro, do povo brasileiro!”. Pouco depois saiu a caminho de um táxi o Aldo Rabelo, antigo militante o PT, que é reconhecido e tietado.
Ouço as conversas ao meu lado, e três militantes se queixavam dos secundaristas e do PSOL. Uma delas, ruiva de longos cabelos, dizia que “o Nassif, o 247, o DCM, a Maria Flor e o Conversa Afiada falam tudo o que tem pra saber”.
Por sua vez, o homem da bandeira negra, de óculos e uns 50 anos, dizia que “o MPL é a quinta coluna do imperialismo”. Dizia que reconhecera no quarto ato contra o aumento de 2013 a presença de vários coxinhas, dentre eles o Xico Graziano do PSDB e a “amante do Aécio, aquela bonita de olhos azuis”. Afirmou ainda que vira o “PSTU tentando dominar tudo, o que não podia ser bom”. Estranhei muito aquela figura lá no meio, e afirmei que o MPL era de esquerda e que quem não abraçou a pauta radical foi o Haddad.
Depois de algum tempo de conversa entendi de onde ele vinha, mas isso demandou a paciência de lidar com uma pessoa que não ouvia muito e abusava dos imperativos. Declarou-se anarquista, e contou que fora punk nos anos 80 e que já brigava com carecas, defendendo o que hoje é o LGBT. Lembrava-se de Perseu e Fúlvio Abramo, e ainda de Edgar Leuenroth. Foi bancário e atuou na luta sindical dos anos 80-90. Mas, para ele, o MPL é entreguista, assim como o companheiro P, que citou nominalmente. Elogiou a Ação Antifascista e os Black Blocks, que definiu como a periferia radicalizada. Quando apontei que a AA sempre vai aos atos do MPL, ele disse “tamo junto, mas sempre sai faísca”. Apesar de certa arrogância na denúncia de praticamente toda a esquerda exceto sua pessoa, afirmou que era preciso unir o campo popular em geral e sair de posições isolacionistas. Entendia que algum tipo de partido popular é necessário, apesar de excluir de todo diálogo o PSTU e o Território Livre (“mas respeito o PCO”). Ele cobrava do movimento em geral, e especialmente dos autonomistas, ganhos de organização em cima das mobilizações.
Chegou o deputado Chico Vigilante, e o boato era que viriam juntos mais tarde Temer, Serra, Jucá e Sarney. Uma militante duvidava que Temer tivesse a coragem de vir ao hospital. “O Dória saiu com o carro todo macetado da Praça da Sé. Eu estava lá, eu vi”. Eram mais de 20:30h quando saí rapidinho para comer em algum lugar. Pedi um beirute e me arrependi na hora: muita gordura, a batata frita pálida e triste. Uma Seleta ajudou a descer. Voltei.
Lá pelas 22h ficou claro que a comitiva de Brasília ia chegar. Alguns militantes tinham ido embora, e a imprensa formou um corredor na frente do portão de entrada. A segurança do hospital trouxe várias daquelas grades auto-portantes e fez um corta-gado. Ficamos uns 20 minutos assim, sem saber direito o que ia ocorrer. Um repórter saiu correndo de repente para o outro portão de entrada, o do prédio antigo ao estilo eclético, e a tropa toda saiu atrás dele. Não era nada, e todos retornamos para atrás das grades, entre divertidos e humilhados.
Nessa hora reparei em um moço negro que comia uma pizza que trazia na tradicional caixa hexagonal de papelão. Ele estava sentado, de camisa verde, no canteiro central em frente ao hospital, portanto bem na boca do corredor de repórteres e câmeras. Ele gritava e apontava muito, mas era difícil entender o que dizia.
As mulheres militantes tensionaram a linha separatória, falando muito alto “Temer tem medo de três mulheres, é um assassino”. Bombeiros e seguranças continham o povo atrás das grades. Chegaram os batedores de motocicleta e a van onde estavam os políticos. A multidão acendeu e houve muita gritaria. Os câmeras ficaram desesperados com os colegas que subiam na grade para obter melhores ângulos. Alguns gritavam chorosos: “baixa o celular, gente!”. A porta do veículo se abriu e foram saindo os personagens: Serra, Temer, Jucá, Sarney, Renan e outros.
A galera gritava muito: “assassinos! Golpistas!”. Vi pelo menos uma bolinha de papel cortar os ares e atingir alguma cabeça da comitiva. O homem da camisa verde estava radiante e gritava muito com o povo. Os políticos rapidamente passaram pelo corredor, espremidos pelo abraço sério dos seguranças.
Ao fim da passagem, a militância estava muito feliz e se cumprimentava. Uma moça veio dizer “que vocês são exemplares. Vim desanimada mas agora estou contente”. Uma das mulheres veio dizer que tinha três coxinhas no local e que eles estiveram envolvidos na hostilização de Marisa dias antes, e que estava preocupada com a nossa segurança. Ela apontou os três. Dois deles estavam lá perto, de pé, e um deles olhou nos meus olhos quando eu o fitei. Mas o terceiro era o homem da bandeira negra. Assegurei a companheira que ele era de esquerda e a favor dos trabalhadores. Apenas que ele era anticapitalista e que o socialismo para ele não é possível dentro do capitalismo, mesmo como etapa.
Chegou o ator Sérgio Mamberti, que foi reconhecido e devidamente aplaudido. “Mamberti, tira os assassinos de perto do Lula!”. Chegou depois o Guilherme Boulos com o Bartoré, e também foram saudados: “o nosso herói!”.
Já o moço de verde ainda estava em seu transe, e xingava muito e gesticulava enquanto rodava pelo local. Ninguém dava muita bola, mesmo o jovem bombeiro que ele alugou por um bom tempo. “Morreu tarde! Lula ladrão!”. Depois de um tempo, foi saindo fora, cuspiu na direção do portão do hospital e sumiu.
Nessa hora chegou o fotógrafo de quem sempre falo. Disse que morava lá perto e que viera dar uma checada depois que leu notícias do confronto. Esperamos um pouco a saída da comitiva, mas ela deu um chapéu na imprensa e saiu por outro portão.
Ele contou que está vendo grupos de extrema direita crescer, e também grupos anarquistas. Acha que o confronto entre eles, na rua, será inevitável. Falamos da organicidade entre grupos de direita e as forças de segurança, que ou recrutam carecas diretamente (tropa do braço e segurança do metrô) ou encorajam a formação de turmas para desocupar escolas. Lembrou dos meninos e meninas que foram infiltrados pelo Exército, que são agora alvo de processo político, e também dos supostos “terroristas” das Olimpíadas. Um deles morreu na prisão. Ele acha que 2018 é o tudo ou nada na luta pelo poder. Apontou o contraste entre da repercussão da nomeação de Lula para um ministério de Dilma em 2016 e a criação de três novos ministérios para três investigados da Lava Jato por Temer: o PIG nada diz, nenhuma panela bate e nenhuma palavra do Gilmar Mendes.
Despedimo-nos, saí fora, subi até a Paulista. Eram 23:30h, tomei um ônibus e fui para casa.
4 de fevereiro
Peguei a linha azul do metrô para ir ao Jabaquara tomar um ônibus para São Bernardo e checar o velório de Dona Marisa.
No caminho lembrei de ter lido sobre o filme “Polícia Federal - A Lei é para Todos”, que está sendo rodado e retrata os bastidores das investigações da Operação Lava Jato. A fita teve as suas gravações canceladas poucos dias após a prisão do empresário Eike Batista, pela Polícia Federal. Eike era um dos investidores do longa!
Sem luz de manhã, não pude checar o mapa do transporte a partir do terminal Jabaquara, mas fui assim mesmo e perguntei pelo caminho. Tomei o tróleibus 288 e segui em direção ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Eram 12h. Demorou quase uma hora até o terminal São Bernardo.
Percorrer a periferia sempre nos faz relembrar sua imensidão. Passamos por Diadema, e, no terminal Piraporinha, entrou um vendedor ambulante no coletivo meio cheio. Ele se declarou um obreiro da Clínica Leão de Judá e que estava vendendo um CD com a coletânea “Louvores ao Rei”. Ele deixava um CD na mão de cada um dos passageiros, enquanto os ditos louvores tocavam a partir de um som dentro de sua mochila. Falou um pouco de sua vida, mas minha simpatia por sua atitude guerreira foi temperada pelos dizeres de sua camiseta: “Para internação ligue 9xxxxxx”.
Coincidentemente, nesse momento cruzávamos a rodovia e entrávamos em São Bernardo, visivelmente mais rica que suas vizinhas. Muito prédio novo, muro alto e grade de vidro. Claramente domínio da classe média. Desci equivocadamente no terminal São Bernardo ao invés do seguinte, em Ferrazópolis, e decidi tomar um táxi até meu destino. O taxista me deu um jornal que o PSDB estava a distribuir pela cidade naquele dia. Era um documento de 10 páginas atacando a administração do PT em São Bernardo. O rádio tocava “Chega de Saudade”, na versão samba acho que de Beth Carvalho.
Desci na esquina da rua João Basso, na altura da padaria Assembleia II. Tinha muita gente chegando e dei uma olhada em volta. Eram 13:15h.
Vi uma fila muito longa descendo a Travessa Monteiro Lobato e, dado que a hora já era meio avançada, decidi pegar o fim da fila para conseguir entrar. A espera ia ser longa, deu para ver pela quantidade de gente. Era notável a diversidade de rostos e corpos, muitas famílias, gente de toda a idade. Estava lá sim a minha geração e aquela cujas lutam redundaram no PT, mas todas as outras também. Vi muitas camisas vermelhas, de todas as tinturas, várias da CUT, uma do Palmeiras, uma dos Santos, outra da APEOSP. Um grupo de moços tinha um bandeirão do PT, e vi também camisetas da FLM. No geral poucos militantes e muitos locais. Muitas rodas de conversa. O clima geral era de certa sobriedade, mas com marcada descontração.
Ao fim da fila, uma equipe da Agência PT entrevistava pessoas. Um grupo de mulheres negras na minha frente deram seu depoimento. Uma delas contou que encontrara Lula em sua segunda eleição, quando ele veio à cidade para votar. Disse que levava sua filha no colo aos comícios sindicais dos anos 80, e a dita filha estava na minha frente, uma moça de uns 30 anos. Esta filha tinha cursado uma faculdade graças ao ProUni. “O Lula é povão. Guardo ainda uma toalhinha branca do Lula”, disse. Revelou ainda que a mãe de Marisa era benzedeira e que já tinha se benzido com ela.
Caminhando com a fila, vi que uma casa ao lado trazia a placa “Casa de Umbanda Sete Flechas. Artigos religiosos em geral”. Vi passar o L dos Jornalista Livres e uma outra fotógrafa veio registrar o grupo à minha frente, além de vários outros. Muita gente mesmo registrava as cenas com seus celulares, e devem ter postado um monte nas redes.
Fiquei impressionado com o caráter territorial do evento. As pessoas apontavam e cumprimentavam vizinhos e conhecidos. Visivelmente, morar perto e lutar nos mesmos locais de trabalho forjou um tipo de sociabilidade muito importante. Hoje debate-se que a regra não é mais trabalhar junto no mesmo chão de fábrica, e que a rede separou os produtores e os isolou. O que será o sindicalismo do precariado e dos trabalhadores autônomos ainda está em aberto, e a coincidência com comunidades territorializadas no mesmo lugar geográfico pode não estar disponível.
“Não vou dar carteirada para entrar não, vou ficar aqui na fila” disse a certa altura a moça que trabalhara no sindicato. Chega uma amiga e, no decorrer da conversa, ela revela ser do Movimento Negro. Dizia que o prefeito Grana de Diadema era o “branco mais negro que eu já vi, nos apoiou muito em Diadema”. Falaram muito dos médicos que trocaram mensagens de ódio desejando a morte de Marisa. Li hoje que um deles foi despedido pela Unimed onde trabalhava, mas a imprensa petista pede mais. Um procurador de Minas Gerais também postou mensagem, desta vez no Facebook, cobrando pressa na morte de Marisa. Curiosamente, uma das mulheres disse que um dos médicos envolvidos era judeu, e que ela não confiava em judeus.
A fila chegou à esquina e lá tinha um agito ao redor do ex-ministro José Eduardo Cardozo, entrevistado pela TVT. “Sempre achei esse homem lindo!”, exclamou uma das mulheres. Vi na mesma esquina o fotógrafo Ricardo Stuckert com seu assistente. Dobramos a esquina na João Basso e lentamente evoluímos para a frente do Sindicato, e acabamos por atravessar a grade do portão. A moça à minha frente identificou e cumprimentou de longe o prefeito Grana de Diadema, para quem já tinha trabalhado, ela me contou. Também revelou que trabalhou em várias gestões do sindicato e que se lembrava de Lula ainda como diretor da associação.
Eram 13:30 e conversamos um pouco mais. A fila serpenteava debaixo do prédio antes do ingresso no saguão do térreo. Como as voltas da serpente humana estavam bem rentes, deu para ver de perto os rostos das pessoas muitas vezes. Lembrei da queixa da ausência “do povo” das manifestações do Não Vai Ter Golpe e Fora Temer. De alguma formas as dores do parto da industrialização do Brasil vieram dar aqui. Em termos estritos de renda, acho que a maior parte desta comunidade entra e sai da classe média ao sabor dos índices e planos econômicos. Mas a transição do imigrante pobre dos rincões do Brasil em trabalhador urbano sindicalizado perfaz um esforço enorme de auto-transformação testemunhado pela história deste sindicato e pelas pessoas desta fila.
Por fim entramos no saguão e subimos de escada até o terceiro andar. Antes de entrar no salão principal, vi muitas coroas de flores encostadas às paredes, com mensagens: “Homenagem do governo do México”, “Homenagem da Revolução Socialista (Posadista)” e muitas outras. Passou a fotógrafa A e nos cumprimentamos rapidamente.
Entramos no salão lotado, e o calor e cheiro de flores atingiu-me em cheio. Uma enorme imagem dominava o ambiente, que era uma foto noturna de Marisa e Lula. Ao lado, uma tela de projeção com imagens das greves dos anos 1980. Uma barreira de câmeras servia de cerca para um espaço no meio do salão, onde havia muita gente parada conversando. A fila mesmo contornava esse quadrado central e passava ao lado do caixão. No total, avaliei umas 600 pessoas lá dentro.
Reconheci várias pessoas, algumas delas militantes de ontem, da frente do hospital. Tinha também diversas personalidades do PT. Vi nessa hora uma coroa com a mensagem: “Nossos sentimentos. Movimento Toda Poderosa Corinthiana”. Eram 14:30h.
Passei do lado do corpo, que estava deitado embaixo do véu costumeiro nessas situações, e adornado pela bandeira do Brasil e outra do PT. Muita gente tocava as mãos e testa de Marisa. Eu não. A fila andava rápida, instada pelos organizadores: havia muita gente lá fora. Virando logo depois do caixão à direita encontrei S dos Jornalistas Livres, com crachá de imprensa. Saí da fila de saída e encostei para conversar. Ele contou que o movimento era intenso desde as 7 horas da manhã. Lamentou a fragmentação atual da esquerda e colocou a urgência do diálogo. Contou de seu trabalho na CdL e do potencial do envolvimento de artistas no movimento. Falou de trabalho que realizaram na Cracolândia. Cobrei de nós artistas a ocupação da Bienal ao invés de fazer trabalho artístico sobre as ocupações secundaristas.
Chegou Lula e foi muito aplaudido. Visivelmente emocionado, tomou seu lugar ao lado do caixão. O povo puxa “Lula, guerreiro, do povo brasileiro!”, e “Marisa, guerreira, da pátria brasileira!”. Muitos gritos “Força, Lula!” e alguns “Assassinos!”. Li depois que uma equipe da Globo fora expulsa do evento. “Marisa, presente, na luta hoje e sempre!”, gritava a multidão. Vi uma bandeira do PT e outra da Frente Brasil Popular. A canção “Segura na mão de deus” foi cantada por uns bons 5 minutos. É um clássico do cancioneiro cristão. Muito celular ao alto nessa hora.
Falou o atual diretor do sindicato, o Vagner. Depois passou um vídeo sobre Marisa, com depoimentos e trechos de entrevistas passadas. Aí falou o bispo D. Angélico. Sua fala foi muito combativa, dando boas-vindas a todas as religiões e também aos ateus. Falou da crise do capitalismo liberal e condenou a concentração de renda mundial que faz de 8 homens detentores de 90% da renda mundial. Alertou para as ameaças das reformas trabalhistas e da previdência. Foi corrigido pelo povo quando disse “atrás de todo grande homem tem uma grande mulher”. A galera gritava “ao lado! Ao lado”. O bispo acatou a correção e refez a frase. Ao final, puxou um “o povo, unido, jamais será vencido!”. A multidão engatou e fez coro.
Nessa hora reparei numa coroa de flores lá na frente: “Homenagem do Zeca Pagodinho”. Vi a seu pé o hoje rabino que estudou comigo na universidade, nos idos dos anos 80. Acho que ele se chama Leoni. Vi um grupo do Coletivo Democracia Corinthiana.
Uma moça, católica, declamou um poema de homenagem. Há certa impostação da voz muito peculiar de certos sacerdotes do catolicismo. Os pastores evangélicos são muito mais fluídos em seu domínio das ferramentas de comunicação. Curiosa essa persistência.
Depois rolou um pai nosso, liderado pelo bispo. Ele pediu às pessoas que erguessem as mão em oração. Todo mundo atendeu. Eu, meio constrangido, ergui o punho esquerdo. Aí falou brevemente uma mãe de santo, a Vera de Oxum. Ela estava muito emocionada e falou pouco, mas puxou vigoroso canto afro-brasileiro, creio que em iorubá. Chorou ao final, foi emocionante. O padre Lancelote foi o orador seguinte, mas foi super breve e na mosca. Chamou “Quem luta vive sempre! Marisa sempre”, o povo abraçou e ele encerrou assim sua intervenção. Rui Falcão falou em seguida, e, se não foi empolgante, ao menos foi correto e breve.
Por fim, Lula falou. Disse que tinha vindo decidido a não discursar, pois achou que não ia conseguir não chorar. Falou primeiro do salão onde estávamos. Disse que fez muita reunião e assembleia no local, “aqui casei com Dona Marisa”. “Aqui aprendi a falar e a não ter medo do microfone”.
“Tenho consciência de que minha trajetória só foi possível por causa deste sindicato”. “Eu sou consequência da consciência dos trabalhadores. Quando ela sobre, eu subo. Quando ela está fraca, eu fico fraco”.
É um velho truque populista se colocar em relação orgânica com uma audiência que de outra forma é atomizada e massificada. Mas, na tradição populista latinoamericana, me parece, é mais prevalente a figura do caudilho, do estancieiro ou do militar populistas. De alguma forma, a fala, cadência e vocabulário do Lula era idênticos aos daqueles que estiveram na fila comigo. Recordei-me de T, ativista espanhol do 15M e hoje ligado à administração municipal de Barcelona. Falava-me da emoção de testemunhar o carisma da prefeita Ada Colau, que “fala com a voz de quem vem de baixo”. Essa diferença dela com o político tradicional aparecia no seu discurso e em sua maneira de tratar as pessoas e, finalmente, na maneira de tratar com o poder. Compreendi o que ele dizia, mas tive que pensar nas ambiguidades do poder popular face às estruturas do poder institucional, assim como nas coruscantes críticas que ouço atualmente em relação aos limites de Lula e do PT. O companheiro T descrevia o momento campanha, e não o momento administração. Quero muito ouvir os companheiros podemistas daqui a 10 anos, e pago uma cerveja a cada vez que eu ouvir a frase “veja bem companheiro, fizemos o que foi possível”.
Ciro Gomes, nesse sentido, é mais ou menos o oposto de Lula. Um amigo petista já apontara como ele “é loiro no nordeste, e tem uma confiança e segurança de seu privilégio que nunca vai aceitar que um juiz subalterno de primeira instância da província ou um escroto fazendeiro do STF lhe venha intimidar”. Ciro é o populista de esquerda latinoamericano clássico.
Mesmo se fizermos pouco de uma classe trabalhadora industrial que aceitou ver seu sindicato apelegar-se e se distanciar das bases, mesmo se comprarmos a tese de que a conquista de posições de consumo dentro do capitalismo afastou a classe trabalhadora de sua vocação revolucionária, o fenômeno PT foi notável. Hoje encontra-se em lamentável posição, descolado do que já foi sua maior força e muito vulnerável.
Preciso dizer que Lula enalteceu Marisa por seu papel como esposa “que me liberou para ser o que eu sou”. Ele reiterou essa posição de várias maneiras, e, se ele e o partido acatam hoje as posições de igualdade de gênero em todas as situações, foi e é ainda um longo caminho a percorrer na esquerda. A relação deles, aqui de longe onde eu estou, parece ter se baseado em diferença bem tradicional.
De qualquer forma, Lula é um mestre da comunicação ao microfone. Ele joga mil figuras de intimidade dentro de um discurso politico de grandes pinceladas. Me peguei saboreando ainda horas depois uma imagem que me agarrou: ele contou que, por causa da luta, acabou não estando presente nos partos de Marisa. Disse que lhe contaram do nascimento de seu último filho quando estava em um congresso de petroleiros em Salvador. Foi avisado às 9 da manhã. Contou que foi ao bar do hotel onde estava, de manhã mesmo, e tomou um Dreher sozinho ao balcão em celebração do nascimento. Eu, que já me embriaguei do mesmo conhaque com coca-cola em incontáveis muquifos solitários de São Paulo, fiquei tocado com a singeleza da confissão de Lula. O mesmo Dreher. Eis a relação populista estabelecida.
Notei que dois dos seguranças do sindicato que impediam o acesso à área do caixão tinham atitudes distintas. Um era negro de uns 40 anos, e o outro um bojudo branco de 30 anos. Um deles se emocionava e chorava com a fala de Lula por trás de seus óculos escuros. Ergueu o punho várias vezes e fitou muito o chão. O outro era mais pragmático e ficava a checar seu celular.
Lula disse que o “casamento é o maior exercício de democracia”, dadas as negociações e cessões envolvidas. Lembrou de Regineta, a mãe de Marisa e quem, como a filha, se levantava sempre às 5 da manhã. Disse que Marisa sempre lhe dizia: “Lembra de onde você vem e para onde você vai voltar”. Contou ainda que tinha certeza que os cozinheiros e garçons dos palácios de Brasília nunca tinham recebido pedidos como os de Marisa, que ordenava pé de frango cozido para a janta. Ela, que começou a trabalhar aos 11 anos de idade como doméstica, como babá. Vi a plateia vibrar em aplauso com a menção do pé de frango.
Contou que escolhera um vestido vermelho para Marisa no seu enterro, “para mostrar que não tenho medo de vermelho enquanto estiver vivo e não vou ter medo de vermelho quando estiver morto”. Disse também que tinha posto uma estrelinha vermelha do PT na roupa dela.
Contou ainda que Marisa morreu triste e perseguida: “Os facínoras ainda vão ter que ter a humildade de um dia lhe pedir desculpas pelo o que fizeram a ela”. “Companheira Marisa, adeus, o seu Lulinha Paz e Amor vai ficar aqui para brigar por você ”. Acabou chorando muito e a galera toda levantou a voz num “Marisa, guerreira, da pátria brasileira!”, e, ainda, “Olê, Olê, Olê, Olá, Lula, Lula!”. O bispo tomou a palavra e pediu “Lula, descanse, pois o Brasil precisa muito de você”. A multidão pira e aplaude.
O ato foi concluído e o locutor pediu a todos que saíssem e deixassem a família conseguir um momento sozinha com o corpo. Parte do povo de fato foi escoando em direção à saída, mas muita gente ficava e se aproximava do caixão. Eram 15:30h e estava muito quente. Acabei escorrendo para fora, descendo a escada lentamente com o povo. Lá em baixo, umas 200 pessoas esperavam a saída do féretro, junto à saída de veículos. O locutor final tinha pedido muitas vezes que as pessoas e imprensa não fossem ao cemitério, ocasião reservada à família, mas vi muita gente indo para lá. Reparei que o portão de saída, onde o povo se aglomerava, era em frente a um prédio chamado “The Place”, com grades altas e guarita.
Demorei-me um pouco na frente da entrada principal do sindicato, e vi o Haddad dando entrevista e tietado por muitas pessoas. Eram uns 500 corpos no total. Muitos gritos “Fora Temer!” e “Assassinos!”. Fiquei uns 20 minutos e encontrei uma moça que estivera no hospital ontem. Ela disse que tinha medo da falta de segurança do pessoal do PT. Contou que temia pela segurança do Lula, já que a sua morte, mesmo que pela mão de um maluco sem filiação, resolveria todos os problemas da direita e do golpe. Concordei e saí para dar um giro final.
Tinha fome e buscava um restaurante popular com tomada elétrica para que pudesse também escrever. Achei uns três, mas todos com fila. Aí fui ao terminal Ferrazópolis e tomei um tróleibus para Jabaquara. Embarquei o trem do metrô e escrevi estas linhas num boteco da rua Paraíso.
Tomei uma ou duas Seletas e fui para casa.
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22 a 31 de janeiro
22 de janeiro
Repercute a bomba da morte de Teori Zavaski, do STF. Ele era relator da Lava Jato. A imprensa fez pouco das avaliações de assassinato, mas a rede ficou em chamas.
MBL lança nota de “respeito” à memória de Teori, a quem já escracharam, cercando sua casa e o insultando. Nos sites coxinhas, a campanha “Moro no STF” é forte, mas parece que é ilegal. Alguns memes buscam envolver o PT na suposta queima de arquivo, apesar do ministro ter sido nomeado por Dilma. Vi também uma campanha para nomear Janaína Paschoal no STF! Outro meme relembra algumas decisões contrárias ao golpe de Teori.
Coluna na Folha sugere que a disputa presente estaria entre Moraes, preferido do Planalto, e Moro. Não consigo antecipar cenário pior do que esse [tem sim: agora Ives Gandra filho é candidato].
23 de janeiro
Tenho lido reações dentro dos quadros do PT e em sua militância contra a composição com o PMDB no Congresso, em troca de posições nas mesas. Foi a primeira vez que vi desde o mensalão um posicionamento claro de desobediência à direção e censura de suas posições. Quiçá um começo de transformação do PT.
Dória eleva o embate com os pichadores. Apesar dos protestos deles serem totalmente legítimos, eles também alimentam a polêmica midiática que o prefeito deseja. Ele vai se manter na mídia sempre que possível e se candidatara a governador, tudo passado a impressão de que fez muito. Já ouvi coxinha dizendo que ele já fez mais que o Haddad em toda a sua gestão. A substituição de ação administrativa pela foto na imprensa é o tom geral da estratégia de Dória.
Trump confirma que não vai ser domado pela máquina estatal e continua a ser superficial, truculento e despreparado. Está a desfazer o Obamacare através de canetada. Não é difícil fazer comparações com as conquistas sociais obtidas pelo governo do PT. Parece que muito pouco está inscrito na arquitetura institucional do Estado de maneira permanente e pode ser varrido por decreto de um governo não eleito.
A grande imprensa diminui a possibilidade de atentado na morte de Zavaski, mas essa versão bomba nas redes. Muitas análises refeitas para contemplar esse novo cenário. Foi um evento que mexeu no cerne do embate Judiciário x Legislativo/Executivo.
LR já tinha dito anos atrás que a Mãos Limpas da Itália só acabou quando os juízes começaram a morrer assassinados.
A crise prisional persiste, mas já saiu das manchetes.
25 de janeiro
Eu ia a dois atos de resistência no aniversário de São Paulo, mas E foi a um deles de manhã e ficou desanimado. Parece que teve protesto contra Dória na Sé e vi nas redes que também houve um protesto contra o aumento da velocidade na Marginal. Acabou que não fui a nenhum evento hoje.
26 de janeiro
Vi, descendo a Cardeal Arcoverde de ônibus, a seguinte pichação: “Dória, meu pau te ama”! Soube que o prefeito declarou que vai recrutar taxistas para reprimir grafiteiros e pichadores. A frase se refere a uma canção, hit deste verão, cujo refrão é igual.
Havia escrito que só vejo rastros de resistência ao golpe pelas ruas, na forma de pichações e cartazes rotos. Mas vi uma faixa amarela na Consolação, onde era a pizzaria Michelluccio, se não me engano: “Vem Pra Rua 4/12”.
Blogs petistas ficam criticando os deputados do PT e noticiando pela primeira que há revolta na militância contra o acordo da bancada com o PMDB. Lindbergh Farias é contra o acordo que garante certas mesas para o partido, assim como Gleisi e outros. A direção do PT é abertamente questionada e há indícios de recuo.
27 de janeiro
Dona Marisa ainda está no hospital e em coma. Duas mulheres protestam em frente ao hospital e exigem que ela se trate no SUS, que dizem defender.
Trump já começou a realizar várias de suas promessas, incluindo a construção do muro na fronteira com o México e também o recuo de tratados internacionais (TTP). Ele também entrou na polêmica do relato de quantas pessoas tinha em sua posse e nos protestos. Hoje ele recuou nas acusações judicias que fez a três jornalistas por causa do conteúdo destes em seus relatos sobre a posse de Trump.
Vi agora nas redes um vídeo da chuva de cadeiras atiradas contra policiais de escudo em Florianópolis… incrível!
https://www.facebook.com/aburguesiafede/videos/976216265864249/
28 de janeiro
Teve almoço em casa e conversamos um monte. Todos preocupados, mas novas formulações apareceram. V tinha me emprestado o livro de Paul Mason, que tenta traçar um programa mínimo de transição a partir das forças e estruturas existentes hoje. Achei bom. B veio de BH. Ele estuda, acho, a arquitetura cognitiva construída pela comunicação ativista em rede. Falamos muito de 3D. HP é da tecnopolítica e busca, entre outras coisas, tecnologias de ação coletiva e conhecimento cidadão. R continua atuando nas fronteiras criptográficas e explora a dança salsa. GM é da minha geração mas tem uma presença importante na internet. Escreve fanfiction e trabalha com tradução. Veio E também, com sua longa memória política. T é atuante artista gráfica.
Mas todos reconhecem a gravidade do momento e alguns até pensam em planos B. Tive essa conversa com LR outro dia, que busca, à miúda, alternativas de lugares onde viver. Sua aposentadoria não está longe e ele tem um filho. Discutimos um pouco sobre para onde ir, já que a turbulência está geral e é difícil acertar um lugar tolerante com estrangeiros e que permaneça em paz.
29 de janeiro
Carmen Lúcia vai conseguir homologar as delações em tempo mas resta a questão do sigilo. Se permanecem secretas, propicia o jogo dos vazamentos seletivos. Faz-se certo alarde quanto à viabilidade de Temer no governo, já que é citado muitas vezes.
Cresce a concentração de manifestantes no aeroporto de São Francisco, eles podem fechar o local. As reações à proibição de entrada tiveram enorme repercussão negativa, e as corporações de imprensa divulgaram muito, mas não aqui no Brasil. Vi muito vídeo e notícia de vários pontos da América, muitos aeroportos e locais do país estão tomados de gente. Alguns apontam que as restrições de alguma forma já tinham sido decididas ou implementadas pela gestão Obama. Mas o tema de fato acendeu o ativismo americano. Já um teste para Trump. Se os protestos aumentarem e aeroportos forem fechados teremos uma bela crise formada.
30 de janeiro
Os protestos em aeroportos de todo o mundo cresceram bastante. Achei interessante que estão a fechar hubs de transporte, isso é bem mais decisivo que uma passeata na rua principal. Vários aeroportos do mundo foram também ocupados. É notável que parte da grande imprensa americana e internacional esteja a favor dos protestos, a repercussão é muito maior. É interessante observar quem vai apostar na normalização de Trump e quem vai conspirar para derrubá-lo. O fiel da balança deve ser as corporações financeiras. Até agora nenhuma mobilização pró-Trump, apesar de “fatos alternativos” postados em apoio, em sites de direita.
Mas por outro lado tem a conta da hipocrisia centrista-esquerdista: o muro contra mexicanos já foi iniciado por Obama, a Europa já constrói seus muros contra refugiados, Guantánamo e a rede de “black sites” não foram desmontados pela democracia liberal.
A imprensa americana e centrista internacional dão a impressão de que a revolta contra o Trump é iminente e que há determinação em resistir. Mas pode ser que na real esse barco já tenha passado e a resistência vai miar e ninguém fora da militância vai se animar - e vai normalizar depois que todo mundo entender que ele não vai sair. Tipo Brasil. Tem também que as elites politicas de todo o mundo agora estão a se reposicionar para navegar esta onda Trump.
Li um comentarista americano que afirma que está em curso um golpe de estado dado por Trump. O bloqueio da entrada de muçulmanos foi um teste. Achei interessante, pois toda essa beligerância não parece buscar um consenso trabalhável, e está queimando pontes. O ponto central é a construção de um aparato de segurança ao largo da burocracia federal e fazer com que as várias forças policiais obedeçam à Casa Branca e não os tribunais.
Não há manifestações visíveis de apoio ou resistência a Trump no Brasil agora. Temos nossos problemas no momento.
Carmen Lúcia homologou as delações, mas manteve o sigilo. Isso dá um refresco ao Planalto e permite a votação da mesa diretora do Congresso. Além de bombar a imprensa que vai ter o privilégio de dar o tom de cada delação e sua repercussão.
Estava escrevendo na padaria quando vi a chegada e prisão de Eike Batista no Rio, de manhã.
A voz do moço gritando “golpista” ressoou de novo na noite da Aclimação. Eram 20:30h.
31 de janeiro
As repercussões das decisões de Trump continuam a reverberar. Sua retórica de campanha não amansou e o extremismo é a regra. Ele pode estar construindo um aparato de segurança privado fora da burocracia federal. FBI parece seu aliado, mas não a CIA. Apesar da confusão da ordem de impedir o ingresso de certos estrangeiros, ele pode ter criado jurisprudência para que forças de segurança não acatem decisões de tribunais mas só obedeçam à presidência.
Não deixa de ser interessante sua estratégia leninista. Avalia que se deixar vencer e normalizar pela burocracia significa não mudar nada, tipo Lula. Mas criar uma esfera indestrutível e inacessível aos contrapesos de costume, a partir da qual Trump aciona um aparato já meio abusivo de medidas de exceção contra o terrorismo equivale a um golpe de estado.
Acho que no pior cenário a sociedade vai aceitar a repressão a grupos minoritários e viajar no crescimento econômico que possa rolar, bombado por grandes obras públicas e pelos empregos gerados pelas vagas abertas pelas expulsões e fugas de latinos, negros, gays, acadêmicos e trans.
Se me recordo da ditadura no Brasil, faz parte de um golpe de estado construir uma estrutura de segurança e repressão que seja para-legal, de modo a esconder o pior da repressão e poupar o cidadão médio de se posicionar. Com o ativismo demonizado, vai demorar para que relatos de abusos repressivos ganhem repercussão.
Destruir parte importante da imprensa será um passo inevitável, mas pode demorar mais. Mas a imprensa impressa não está bem economicamente.
Interessante a resistência do Google, Starbucks e outras corporações, mas o silêncio de Wall Street é ensurdecedor. Quem vai decidir a parada é o grande capital financeiro. Acho que as corporações do mundo vão guerrear entre si através dos estados.
Dória teria apagado os tweets onde elogia o agora preso Eike Batista. Circulou na rede uma entrevista em vídeo onde o prefeito canta altas loas ao empresário.
A expectativa das delações é grande.
A bancada do PT não vai apoiar o candidato do PMDB para a presidência da mesa.
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2 a 20 de janeiro 2017
2 de janeiro
Repercute nas redes mas não na grande imprensa o massacre do ano novo em Campinas. Um homem matou sua ex-esposa, filho e mais 10 pessoas em uma festa de réveillon. O caráter hodiento do crime é claro pela carta que deixou, abertamente misógina. Até para a Dilma sobrou. O Sensacionalista destacou 14 reações na rede, genuínas, que fazem troça das vítimas ou que apoiam o crime. Tem uma cultura do ódio viva no Brasil.
Dória iniciou o ano com eventos de propaganda, tal como posar de gari (seu uniforme foi ajustado por um alfaiate). A Paulista está tomada de anúncios da campanha “Cidade Linda”, uma suposta iniciativa de recuperação da cidade. Mas é evidente que não há a possibilidade de limpeza e recuperação de todos os bairros da cidade. Não apenas essa iniciativa se restringe às áreas ditas nobres da cidade, mas claramente, arrisco, seu objetivo não é limpar a cidade. O objetivo real da campanha é criar um ambiente moral de repressão moral destinada a acalmar e empoderar uma classe média autoritária. As mensagens são imperativos morais que, sem nenhuma fiscalização ou real trabalho público além da varrição por uma estrutura pública enxugada, é apenas uma fantasia: “é lindo não jogar lixo na rua”. A idéia parece ser dar condições de culpar os pobres pela degradação do ambiente urbano, sem nem tentar realmente produzir uma cidade habitável. Oferecer uma posição de separação e poder onde o cidadão de classe médio pode pensar “agora sim as autoridades estão a pressionar essa sujeira que o pobre faz”.
repercussão dos massacres na prisão, Min da justiça cambaleia e governo não tem plano viável. Fala-se muito em novas prisões e mais força contra o tráfico, e nenhuma discussão na grande imprensa sobre os 40% de presos provisórios, isto é, aqueles que aguardam julgamento. A ministra Carmen Lúcia falou em mutirão da Justiça, mas os noticiosos ignoraram. Alguns membros do governo e muita gente na direita clama por mais violência oficial como controle social.
Candidatura Lula parece ter sido lançada de verdade e acende debate de qual a melhor alternativa no momento. Existe um movimento pela anulação dos impeachment. Acho a volta de Dilma impossível e equivocada.
Reparei que não há praticamente nenhum rastro nas ruas e muros da cidade do Fora Dilma. O Fora Temer ainda persiste por aí, inclusive nas costas do banco do ônibus, onde reconheci minha própria letra, quase apagada.
No cinema, ao fim do filme “Eu, Daniel Blake”, alguém chamou Fora Temer! Gritamos também.
Repercute o posicionamento do PT em relação à ocupação de cargos nas mesas do congresso. Como tem a segunda maior bancada, o partido tem direito a várias posições importantes (como a vice-presidência do Senado). Mas, para obtê-las, tem que se entender com o PMDB, que tem a maior bancada. Simbolicamente pega muito mal, a bancada do PSOL é contra, e a imprensa joga lenha nessa fogueira.
A imprensa internacional pira com Trump e a transição americana. Olhando assim de longe, dá para pensar questões que no Brasil são muito mais emocionais e que impedem ponderações mais tranquilas: como é que a liberal democracia (os Democratas) legaram um aparato altamente autoritário para livre uso de Trump? O novo presidente vai ter Guantánamo, a rede que prisões secretas, polícias racistas e assassinas e legislação de exceção. Vai ter um aparato repressivo onde o suposto “sistema de pesos e contrapesos” não vai funcionar. AA repressão que ele desencadear vai ser estritamente legal.
Lula foi a Salvador e discursou no encontro do MST.
12 de janeiro
Saí na estação Consolação do metrô para o primeiro ato do ano do MPL contra o aumento na tarifa. Apesar da tarifa unitária não ter aumentado,, aumentou a integração (a segunda viagem combinada metrô/ônibus). Em outras palavras, aumentou a tarifa para quem mora longe, na periferia. Várias mobilizações já foram feitas em outras partes da cidade e no entorno de São Paulo. A Justiça Paulista tem revertido os aumentos de Alckmin, o que dá um gás moral para o movimento mas também esvazia um pouco as mobilizações de rua.
Na estação da Consolação da Linha Verde tinha polícia perto da catraca, e parece que na estação Paulista tinha revista de pertences.
Tinha feito um boneco do Alckmin para o MPL e o trouxe a partir da Vergueiro. Cheguei na Praça do Ciclista às 17h e tinha umas 250 pessoas. A Fanfarra do MAL já estava lá, com seus tambores e metais. Notei que eles ensaiavam palavras de ordem inéditas, o que me deu alegria: “Cansado de pegar busão? Então vem pra rua, pra manifestação!”. Vi 4 jovens do Faísca, ao pé de uma faixa grandona: “Contra o golpe tucano”. Um homem quase todo de vermelho trazia mensagens em sua camiseta e máscara de boca: “Fora Temer, Moro, PMDB e PSDB, traidores”. O faixão preto do MPL estava no chão e lia “Contra os aumentos”. Pirulitos do mesmo movimento traziam as mensagens “Aumento da integração não!”. Vi um jovem com uma camiseta do Groucho Marx, e muitas camisetas negras. Havia também muitos fotógrafos, o L dos Jornalistas Livres e aquele de quem sempre falo. Um jovem recostado à grade lia um livro de Jorge Amado.
No geral achei que naquele momento tinha uma maioria de jovens de 20-30. Achei que quase todos eram de coletivos ou movimento. Havia também secundaristas, além de vários homens e mulheres de uns 40-50 anos, como eu. Tive a impressão, confirmada ao correr da manifestação, que, se por um lado havia muito militante (e não muitos avulsos ou ‘populares’), por outro lado havia uma diversidade notável de agremiações e movimentos, mais do que no fechamentos das mobilizações do Passe Livre do fim de 2016.
Entreguei o boneco para R do MPL e dei um giro. Vi chegar E e M. Acenei e conversamos um pouco. Demos eu e E uma volta no quarteirão contornando pela Santos, só para checar a presença policial. No total, parecia que uns 500 soldados cercavam o local, incluindo as motos da ROCAM, escudeiros e atiradores. Eram 17:30h.
Notei nessa hora que o prédio na Consolação com um grande grafiti colorido em sua empena tinha uma janela onde se lia “Fora Temer!” Não à PEC 55”. Vi moças e moços da Liberdade e Luta (depois vi a faixa deles: “Tarifa Zero, Passe Livre estudantil, transporte público, gratuito e para todos”), além de camisetas da UJC e do Juntos: “Organização e integração”. A faixa destes moças e moços dizia: “Para eles: + salário. Para nós: + tarifa. #ocuparasruas”. Notei a presença da UJR e do PCR, além de uma camiseta da UNE. Vi também uns 5 moças e moços da Batucada 13, que são da Juventude do PT. Estavam ativos e à vontade. Tinha bandeiras da CSP Conlutas, do PSTU e MRT. Estes também traziam uma faixa: “Estatização dos transportes sob o controle dos trabalhadores”. Vi a companheira A e nos cumprimentamos.
Às 18h fui com E dar um giro pela estação Paulista e vimos muitos seguranças e PMs acintosamente posicionados na entrada. Ele me contou que havia também um ato no Largo de Pinheiros, em memória dos mortos da cratera. Durante as obras de construção da estação Faria Lima, alguns anos atrás, abriu um buracão de repente e engoliu 7 pessoas, incluindo operários, um motoboy e uma senhorinha que morava no local e caminhava em direção à sua casa. Namorei J que trabalhava no prédio em frente, chamado Passareli. Ela contou que lembrava desse dia, quando temiam o desabamento deste edifício de uns 30 andares, logo na boca da cratera. Olhavam tudo de cima, a partir do prédio.
O trânsito na Paulista corria normal, apesar do inchamento do ato. Vi uma bandeira verde da ANEL, uma do PSOL. Confirmei a presença de muitas camisetas negras, além de uma vermelha soviética CCCP. Vi a Esquerda Marxista, um jovem do PCB, uma camisa do Corinthians e outra da UEE, e as moças e moços da Unidade Vermelha, muito jovens ao pé de sua bandeira e faixa: “Fora o aumento e a corrupção. Viva a revolução!”
O ato tomou a avenida e se fez um jogral, às 18:30h. Foi lido um manifesto: “o prefeito é um mentiroso. Prometeu que ia congelar a tarifa e não o fez”. Disseram que íamos à sua casa entregar um prêmio ao Dória. Vi nessa hora uma bandeira negra agitada ao vento, além de outra do MAIS. Notei uma camisa do Juventus e também o fotógrafo A. Vi um moço com a bandeira do arco-íris LGBT nos ombros.
Saímos em direção à Rebouças, que alcançamos virando à esquerda no fim da Paulista. Achei que tinha pelo menos 2 mil pessoas, possivelmente mais. Deixei para contar melhor na avenida. Passamos pelo túnel embaixo do viaduto e ganhamos a Rebouças na altura das Clínicas.
“Vem, vem pra rua em contra o aumento!”.
Caminhava com E e vimos E, que circulava ente os manifestantes, conversando com um e com outro. Anotei a presença de duas batucadas, a Fanfarra do MAL, autonomista, e a 13, das moças e moços do PT.
“Se a tarifa não baixar, a cidade vai parar!”.
Estávamos à frente do ato e vimos a passarela cheia de gente e de fotógrafos, umas 100 pessoas. Vi o pessoal do GAPP dos primeiros socorros. Vi um cartaz “R$6,80 é osso!”. Vi uma camiseta “Presidente Allende”. Havia muitos skatistas e vários ciclistas no ato. Encontramos cumprimentamos o companheiro N. Uma camiseta dizia “Lutar sempre, Temer jamais”.
Uma vendedora ambulante carregava um isopor com cervejas e gritava, na cadência da palavra de ordem: “Vem, vem comprar cerveja, aqui comigo!”. Ouvi um “Fora Temer!” coletivo, mas não era todo mundo e não durou muito.
A via de subida da Rebouças estava desimpedida e com trânsito normal, incluindo o intenso fluxo de ônibus na faixa exclusiva. A galera gritou: “Ô cobrador, me diz aí, se o seu salário aumentou!”, em outra rima só possível no falar brasileiro. Tanto o SBT quanto repórteres independentes entrevistavam motoristas. Dois moços passageiros, sentados no banco de trás do ônibus, gritavam aos manifestantes: “A favela precisa de ajuda!”.
E nos contou, divertida, que um dos 3 PMs da equipe de filmagem tinha vindo fazer um selfie na frente da faixa do ato!
“Dória patrão, aumenta a integração!”
“Lutar, criar, o poder popular!”
E e eu contamos os manifestantes e achamos que tinha sim umas 3 mil pessoas. Nada mal para o começo do ano, onde a justiça tinha revertido o aumento. Muito melhor do que o final do ano de 2016. E também achou que tinha uma presença muito variada de organizações e coletivos, bastante significativo.
Tendo ficado para trás do ato, vimos a presença policial que acompanhava a manifestação. Na hora achei super modesta, já que via apenas umas 5 viaturas atrás da multidão, nenhuma tropa à frente ou dos lados. Mas logo vi que o contingente era forte: todas as travessas tinham fileiras de escudos e atiradores.
Vi uma camiseta “Contra o futebol moderno”, e também um casal jovem que tinha pintado o rosto de branco, ela de gatinha e ele de dândi oitocentista. Olhei para a direita e vi a fachada do CREA-SP. No muro, ainda estava a pichação do “House of Caraglio”. Sorri.
“A nossa luta, é todo dia, pois transporte não é mercadoria!”
Dentro do restaurante Bovinus, uma família de turistas acho que chineses fotografavam a manifestação, sorrindo nervosamente. Encontrei M a seguimos junto um pouco. Notamos incomodados os dois helicópteros que acintosamente sobrevoavam a manifestação. A galera firme: “Não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da polícia militar!”
A tensão aumentava conforme nos aproximávamos do cruzamento da Brasil com a Rebouças. Muita viatura descendo pela via da esquerda com sirene apitando, motos nervosas acumulando no encontro das avenidas. Parece que o MPL queria seguir pela Faria Lima, mas a PM (ilegalmente) exigiu que virássemos à esquerda na Brasil e parássemos em frente a igreja de Nossa Senhora do Brasil, na esquina da cidade Jardim. Não permitiam seguir em frente para alcançar a rua Colômbia (ou Venezuela?) onde mora Dória.
Conforme chegávamos perto do cruzamento a tensão aumentava. Um grupo grande de avulsos e jornalistas caminhavam à frente da faixa e do corpo principal da manifestação. Duas linhas de PMs, com escudos e atiradores, impediam o avanço ou acesso às vias que não fosse em direção à Cidade Jardim pela Brasil. Apesar da tensão, um casal de jovens negros passou por mim cantando. Ele tocando um mini atabaque, ela sorrindo.
O povo chegou e sentou para um jogral, com os dois helicópteros voando baixo. “A PM não deixa fazer o trajeto que queremos”.
Reconheci nessa hora a bandeira da Ação Antifascista – SP. Vi também uma camiseta negra do St. Pauli, com uma caveira. E me conta que se trata de um time de futebol de Hamburgo, anarquista.
Viramos à esquerda na Brasil e caminhamos em direção à Nossa Senhora do Brasil. Deu para ver que todas as travessas tinham colunas de PMs, de escudos mais atiradores. A avenida fora esvaziada e estávamos isolados, cercados por todos os lados. R do MPL passou dizendo que “nos cercaram e estamos no meio do Caldeirão de Hamburgo”. Este é o notório cercamento de manifestações, onde a multidão é cercada e confinada dentro de um perímetro de tiro. De fato, estávamos totalmente à mercê da tropa. Chequei os muros da rua e vi que eram todas grades altas: não haveria alternativa se não correr de uma linha de tiro em direção a outra linha de tiro, que é exatamente o objetivo do Caldeirão.
“Vem, vem pra rua vem, contra o aumento!”. Seguíamos. Eram 20h.
Apesar da animação, achei que a manifestação caminhava bem lentamente. Um ciclista tentava argumentar com uma coluna de atiradores em uma travessa: “Não tem bandido, é tudo estusante contra o aumento”. Os helicópteros ainda sobre nós.
Já escurecia e uma fina garoa fria caiu sobre a multidão. Foi chato mas durou pouco. Nessa hora tem um corre-corre e um moço de camiseta cinza passa correndo perto e se refugia entre os PMs de uma travessa. Perguntei e me disseram que se tratava de um líder o MBL que se infiltrara na manifestação e transmitia de lá.
Vi isso de coxinha buscar refúgio atrás de PM acontecer muitas vezes, entre elas na Barra Funda. É muito covarde e provoca muita indignação isso de buscar a saia do Estado armado quando a coisa aperta. O MBL busca se posicionar como quem vai desocupar as escolas, mas na real eles sabem apenas correr para a PM quando vão apanhar. São eles que vão defender e legitimar a tortura. O maluco é que eles e outros militaristas sempre atacam a Venezuela, onde a polícia bate em coxinha e o exército reprime a direita. O que vale aqui não vale lá.
Apesar do enorme buxixo, o ato seguiu. Passávamos exatamente pela travessa rua Venezuela quando vi a bolinha de luz projetado nas fachadas: “Craco resiste!”.
Chegamos ao cruzamento da rua Colômbia com a Brasil, em frente a igreja nossa Senhora do Brasil. Estávamos à frente do ato e fomos checar o aparato policial. Dois caveirões do Choque impediam o avanço pela Brasil, com duas colunas em cada via. A rua Colômbia, que depois se torna avenida Europa e depois Cidade Jardim, estava fechada à esquerda, e também à direita, subindo em direção à Paulista. Em poucas palavras, estávamos cercados e não sabíamos bem o que ia acontecer. Um confronto ocasionaria um massacre: estávamos totalmente cercados e sem e nenhum lugar para correr.
Busco um lugar razoável de estar, de modo a acompanhar o que se passa mas de alguma forma não me expor demais.
Tem um lugar canalha de ficar que é o da imprensa, tipo atrás da linha policial. De lá se vê toda a violência com segurança. No passado, eu ficava dividido entre me proteger e relatar ou compor a multidão e ser solidário na hora da porrada. Mas com o tempo compreendi que a decisão de ter confronto ou não é da liderança ou organização, não passando pelo jogral ou outra instância de decisão coletiva. Então o Black Block sabe que vai ter violência, a liderança sabe, quem é de dentro sabe, menos eu e todos aqueles que somos corpos avulsos da multidão. Desde então eu não mais fico na linha de frente quando periga de ter confronto.
A manifestação chegou e se concentrou no cruzamento das avenidas. Enorme tensão. Sentamos e fizemos um jogral. Já estava escuro e os helicópteros impediam o entendimento pleno das palavras, mas ficou a mensagem de resistência: “amanhã vai ser maior!”. Depois disso parece que houve algum tipo de negociação com a PM. De qualquer forma, o acesso à esquerda, subindo em direção à Paulista foi aberto. O ato lentamente se dispersou, mas ainda se cantava “Ei, cuzão, tira a farda e vem na mão!”, e “Não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da polícia militar!”.
Um moço afixou um dos pirulitos do MPL no poste da avenida: “Aumento na integração não!”.
E e eu decidimos seguir de volta para a Rebouças, já que não haveria ônibus pela Augusta. Tomamos uma Seleta e dividimos um beirute na rua Pinheiros.
Tomei um ônibus na Consolação e fui para casa.
13 de janeiro
Quando caminhava de noite para casa na rua Vergueiro, parei de novo para escrever um Fora Temer! no painel publicitário luminoso, na frente e atrás. Um jovem casal passava por lá e a moça aplaudiu.
Tudo está em suspenso e ninguém arrisca previsão. O golpe vai fazendo passar o que consegue ao mesmo tempo que o governo pode cair em breve. As futuras e iminentes delações da Odebrecht e Camargo Correia, mas a de Eduardo Cunha, potencialmente poriam quase todo o atual cenário parlamentar a perder. Não se fala muito se Lula apareceria nas delações, e nunca Dilma. Teve uma história ridícula das câmeras de segurança do Palácio do Planalto, desativadas faz anos. O general Egoyen e a PF, amplamente divulgados pela Globo, tentaram vincular as figuras de Lula e Dilma a esse fato como se fosse uma forma proposital de evitar o registro de “coisas erradas”.
14 de janeiro
Repercute o tweet de Janaína Paschoal a respeito dos banheiros do Ibirapuera. Ela diz que está a controlar o estado de conservação e limpeza dessas instalações e que vai ajudar o prefeito na fiscalização. Em declaração separada, afirmou que não é impichadora oficial e não tem obrigação de impedir Temer. Um amigo de GP disse que, nas aulas que dá na FADUSP, Janaína enfrenta hostilidade de alunos, que escrevem “golpista” na lousa antes dela entrar.
16 de janeiro
O frenesi Trump continua. Apesar de todas as previsões de possível normalização do futuro presidente, tudo é ainda uma incógnita. Parece que vai haver grande mobilização contra ele no dia de sua posse. A imprensa liberal e de esquerda fica bombando os protestos e rogando praga na cerimônia de Trump.
As rebeliões prisionais continuam. É impressionante como quase nunca se discute na imprensa como solução para o caso a redução dos “presos provisórios”, que é gente que está presa sem ter culpa formada (sem contar aqueles que já cumpriram suas penas e continuam presos).
O PIG fica bombando o nome da ministra Carmen Lúcia, provavelmente como um nome para um mandato tampão pós-Temer. O Ayres Brito aparece como futuro ministro da Justiça.
17 de janeiro
O Boulos do MTST foi detido hoje tentando intermediar uma desocupação. O Secretário de Segurança Pública firmou que ele lançara um rojão contra policiais, oque foi repetido em nota da Secretaria. Os policiais que o detiveram fizeram lembrar que ele já vinha participando de outras manifestações e que isso justificava a detenção. Deu um medão de ser ou um aviso contra a resistência e mobilização ou um descontrole institucional onde forças subalternas estão cada vez mais à vontade de emplacar agenda própria.
As previsões de recuperação econômica continuam ruins, apesar de certo controle da inflação e do corte de juros.
Junto com os números da concentração de riqueza no mundo, os do Brasil: 6 homens detêm a metade da riqueza nacional, isto é, tem o mesmo dinheiro que os quase 50% mais pobres. A lista dos mais ricos: o sócio da Ambev, Jorge Paulo Lemann, o dono do banco Safra, Joseph Safra, outros dois sócios da Ambev Marcel Hemann Telles e Carlos Alberto Sicupira, o cofundador do Facebook, Eduardo Saverin, além do herdeiro das Organizações Globo João Roberto Marinho.
Repercute o perdão de Obama a Chelsea Manning. Ela vai ser solta em maio.
18 de janeiro
Dória continua suas ações publicitárias e já teve resposta dos pichadores. A tentativa do prefeito de erradicar a pichação levou pichadores e pichar a ponte estaiada. Bem no alto. Perto do Terminal Bandeira, “Doria, pixo é arte”, diz a intervenção, ao lado de um “Fora Temer”, também pixado.
Temer planeja enviar exército a presídios como parte de plano de contenção das rebeliões prisionais.
Num lance de novela mexicana, o juiz Sérgio Moro escolheu a própria esposa, Rosangela Wolff Moro, para defendê-lo no processo movido pelo ex-presidente Lula contra si, por abuso de autoridade.
19 de janeiro
Saí da estação Luz em direção ao segundo ato do MPL contra o aumento das passagens. O governo continua perdendo na Justiça e o aumento mesmo está barrado. Mas decidiu-se fazer o ato assim mesmo, ainda que os secundaristas, grandes apoiadores do MPL, estejam de férias.
Chovera bastante durante a tarde e pediram que o boneco que eu tinha feito ficasse em casa, para não estragar. Adicionei a figura do Dória marionete nas mão do Alckmin de papel e cola. Saí pela saída da Linha Amarela às 17:30h e encontrei E na rua. Caminhamos pela estação da CPTM até a rua entre a Estação e o Parque da Luz. Olhei ]á minha volta. Tinha umas 100 pessoas, muitos PMs e bastante gente passando pela estação. A via ainda estava livre, os manifestantes na calçada.
Achei que tinha dois grupos principais, um mais de autonomistas, de preto, e outros mais coloridos, de coletivos e partidos: PSTU, ANEL e Faísca. Vi um moço com uma camiseta Fora Temer!. A Fanfarra do MAL já estava lá, do lado negro, tocando seus metais e tambores. O MPL trouxe a sua faixona negra de frente de ato: “Contra os aumentos”. A faixa do PSTU trazia: “Não ao aumento da tarifa”. A faixa verde era da ANEL: “Não ao aumento da tarifa” mais outras mensagens pela estatização do transporte público. Achei que a idade média era de 20 anos, talvez um pouquinho mais.
A presença policial era muito numerosa, contei ao longo da passeata pelo menos uns 250 policias, incluindo a Força Tática e a cavalaria. Completamente desproporcional.
Vi o fotógrafo de quem falo sempre, além de X, I e R do MPL. Também A que veio cumprimentar. Chegou M e conversamos um pouco. Ele corrigiu minhas linhas do relato da manifestação anterior. Disse que não é verdade que a organização sabe sempre se vai ter confronto e que a dinâmica é mais instável do que massa de manobra x direção. Concordei mas tentei insistir que precisa ter um lugar ou instância onde é possível combinar e saber antes, certamente no contexto de compartilhar a rua com forças de esquerda não-autonomistas. Hoje penso que a esquerda precisa de um protocolo mínimo de convivência na rua. Vi ter que discutir confronto.
M também trouxe a notícia da queda do avião que levava Teori Zavaski. Sua morte não fora ainda confirmada. Falamos um pouco sobre a quem cabe nomear o substituto. Os conectados recebiam as notícias em seus aparatos. Chegaram E e R do CMI.
Enquanto a organização discutia se saíamos ou não (tinha pouca gente), a Fanfarra atacava com as canções Bella Ciao e Tequila, bem swingados. Um homem de azul dançava junto e vibrava. Vi nessa hora uma bandeira da Ação Antifascista São Paulo e outra verde da ANEL.
Saíram todos da calçada para a rua, e a faixona foi posicionada à frente da multidão.
Fizemos um jogral: “Estamos aqui hoje...”. Relataram brevemente a situação do aumento na Justiça. “Não vamos permitir o novo aumento. Trinta e sete milhões de brasileiros não podem pagar a tarifa no país”. “Entregamos o prêmio ‘Aumento Inovador’ para o coronel da PM, que era o representante dp prefeito na ocasião.” “O prefeito mentiu, pois sua promessa de campanha foi a de congelar a tarifa”.
Saímos em seguida, já agora umas 18:30. Dobramos à direita na Brigadeiro Tobias e caminhamos. A PM seguia em duas colunas, de escudos, flanqueando a manifestação, mas uns outros 150 atrás.
“Se você paga, não deveria, pois o transporte não é mercadoria!”
“Vem, vem, vem pra rua vem, contra o aumento!”.
Vim conversando com R, que é professora no Estado. Contou como os alunos sabem que o material que usam é sucateado e obsoleto. Mas contou também que é difícil apresentar qualquer material fora do currículo estrito. Muitos pais reclamam se houver conteúdo crítico. Falamos um pouco do mundo da arte e contei como muito me espanta que a Bienal nunca tenha sido ocupada, a despeito de muitos artistas terem por conteúdo de seus trabalhos a ocupação e militância. Parece que ter questões do movimento no portflolio de alguma forma substitui a ação militante concreta por parte dos criadores visuais.
Passamos em frente à sede da Polícia Civil, e muitos funcionários fumavam lá fora. O povo puxou um “Não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da polícia militar!”. Havia uma sutil ironia no ar, já que existe acesa rivalidade entre as polícias civil e militar. Mas não vi muitos sorrisos, não. E contou que o coronel da PM que recebeu o prêmio do MPL em nome do prefeito disse que não ia passar o troféu ao Dória. Ele teria ficado orgulhoso de receber algum tipo de reconhecimento, mesmo do MPL, pois garantiu que ninguém mais tinha feito o mesmo. A companheira E especulou que talvez eles achem que o MPL foi que causou a queda de Dilma e gostem do movimento. Eu acho que pode ser que o comando da PM odeie o Passe Livre, mas a soldadesca (que toma ônibus) simpatize. Vá entender.
Vi nessa hora um moço com a camiseta “Refugiados bem-vindos”. Vi também um grupo de moças e moços do GAPP, dos primeiros socorros. Achei curioso o nome de um estabelecimento à frente do qual passávamos, dada a forte presença policial: “Restaurante Garrote. Self-service à vontade com churrasco”.
Dobramos à direita na rua Pedro Issa e ganhamos a avenida Ipiranga.
“Chega de tarifa e de político babaca, a gente tá lutado por uma vida sem catraca!”.
Avançávamos pela avenida, e conversava com E, que apontou os novos prédios da região (e seus altos muros) e também os antigos cinemas desta rota. Ele notou ainda o pequeno Teatro Santa Ana, que é um teatro pornô, um tipo de arte hoje em decadência.
Notei, na parede à esquerda, um daqueles cartazes muito grandes amarelos com a figura de Jesus. Este tinha sofrido intervenções: o Nazareno ganhou um chapéu azul e teve seus olhos ‘cegados’ com tinta, que escorria um pouco em lágrimas. Alguém fez corar suas bochechas com dois círculos laranjas. Ao lado de seu rosto, a mensagem “Vendo sua memória”. Ao pé da figura, em letra de mão: “Respeita as trava”. Do escrito original do cartaz, só restavam as palavras “nunca estás sozinho”.
Em outra parede mais adiante, escrito com spray: “arrozfeijãoganjah. Enganjado”. Mais adiante, “Foda-se o sistema”.
Cruzamos a Rio Branco e povo começou a gritar “ai,aiaiai,aiaiaiaiaiaiai 3 e 80 é o carai!”. Curiosamente, nesse exato momento passávamos em frente a uma loja cujo nome era “Oitenta Calçados”.
Passamos em frente a uma ocupação da MMU e outra da FLM, que trazia uma faixa ao portão: “Contra a corrupção imobiliária”. Mulheres à janela festejavam a manifestação gritando “Fora Alckmin!”. A galera respondeu.
Cruzamos a São João.
“Pula a catraca gostoso, pular catraca é uma delícia!”
Eram 19:20 e a garoa ia e voltava. Ao chegar perto da Praça da República, as calçadas iam enchendo. Eu e E decidimos nos adiantar um pouco e checar a sede da APEOSP junto à praça, para assistir um ato de desagravo ao Guilherme Boulos, que foi detido faz pouco. Esperávamos que ele falasse, mas só tinha umas 50 pessoas e nada do Boulos. Um discorria ao microfone, analisando as políticas locais de Alckmin como um laboratório para futuros projetos nacionais.
Ficamos algo desapontados com o evento, não era o que esperávamos. Quando a batucada do MPL passou lá fora, muita gente ouviu, levantou e saiu para ver, incluindo a companheira A que reconheci ao se apressar em ganhar a rua. Saímos também.
Pegamos a rabeira do ato, no ponto onde a faixa fechava o cortejo: “Violência é a tarifa”. Dobramos à esquerda na Itapetininga, onde imediatamente o rumor do povo ganhou mais eco. Os clientes do restaurante que tem mesas na calçada não se animaram, nem a banda que tocava um reggae, ao vivo. Notei nessa hora que o homem de azul nos acompanhara desde a Luz e trazia uma lata na mão, onde batia com energia suas duas baquetas, agora parte da Fanfarra do MAL ele também.
“O transporte está uma bosta, cheira e demora? Tarifa Zero já!”
“3,80 é um roubo, tarifa zero para o povo!”
“Mãos ao alto, 3,80 é um assalto!”
“Dança, Dória, dança até o chão, aqui é o povo contra o aumento do busão”.
Passamos em frente ao Teatro Municipal. Na fachada das Casas Bahia, muitos sem-teto deitados em papelões, no chão. Atravessamos o Viaduto do Chá para ganhar a prefeitura, destino final da passeata. A PM se posicionou em frente às grades de proteção em volta da entrada. O ato chegou e depois de um pouco fizemos mais um jogral, que se encerrou com “não vai ter arrego!”. Aí acenderam-se as catracas de papelão, em frente à faixa preta estendida por vários manifestantes.
Vi que o homem de azul, ainda batendo lata, dançava e desafiava os PMs da praça do Patriarca, no meio da Líbero Badaró. A Fanfarra do MAL tocou novamente Tequila.
Chegou O, de bicicleta, e conversamos. Ele contou que poucos movimentos sociais estão atentos à segurança digital. Previmos que no pior cenário a atual geração de jovens militantes vai ser varrida por causa de suas pegadas digitais, e que só uma turma seguinte vai evadir a vigilância contemporânea. Ele se dedica à educação para a segurança nas redes, e dá um curso pelo Whatsup. Ele também avalia que há um golpe contra Trump em andamento, promovido pelas agências de segurança americanas. Disse que Snowden vai voltar aos EUA, o que tinha prometido fazer se Chelsea Manning fosse posta em liberdade.
Desci com E pela rua xxxx e entramos em um pequeno boteco tipo velha escola: iluminação amarela, de gesso no teto e nas sancas, que abrigavam neons esverdeados, mais um balcão preto de apenas 7 lugares e nenhuma mesa. Tomamos umas cachaças, incluindo uma do tio do proprietário. Tentei convencer E a escrever sobre suas vivências militantes, que começaram nos anos 80 no seio da socialdemocracia.
Pagamos, caminhei até a Sé e fui para casa.
20 de janeiro
Caminhei pela Paulista a partir da Consolação em busca da rua Augusta. Estava marcado um ato contra a posse de Trump. Tinha recebido uma convocação no ato do MPL ontem e fui checar. Tinha sido chamado pelo PSTU, então achei que não ia bombar. Mas desconfiei que os direitistas pró-Trump pudessem intervir. Fui ver.
Cheguei na hora marcada (17:30h) e absolutamente ninguém além dos passantes e transeuntes. E também dos meninos e meninas do Greenpeace e da Unicef, que abordavam as pessoas em busca de doações e filiações. Parece que esse método deve funcionar, já que muitas organizações recorrem a esse tipo de marketing. Acho estranhíssimo que o contato com o público seja terceirizado no contexto de organizações que buscam recrutar e mobilizar gente para ações sociais, mas vi com meus olhos uma moça do Greenpeace obter de um jovem seu CPF, endereço e promessa de filiação. Tipo 100% a mais do que o PSTU na mesma tarde e no mesmo lugar.
Fui checar o MASP, às vezes tem coisa lá, e também dar uma olhadela para ver se tinha fascista na área. Nada à vista e retornei pela outra calçada. Quase 18h, vi agora um agito na esquina da Augusta com Paulista, em frente ao Banco Safra. Eram umas 20 pessoas, com uma bandeira do Conlutas CSP, uma do arco-íris LGBT, uma verde da ANEL e outra do MML Mulheres em Luta. Tinham fixado um faixão de plástico às grades em frente ao banco, com os dizeres: “Todos às ruas contra Trump. PSTU LIT QI”. Alguns cartazes feitos à mão: “Todas e todos contra Trump”, “Fora Trump, todos que oprimem – MML” e “Fora Trump racista, machista e xenófobo”. Um moço tinha uma camiseta que trazia: “Antifascista sempre”.
Alguns manifestantes interagiam com os vendedores de rua: “Vocês são contra o Dória? Ele quer tirar a gente daqui”, disse uma moça que vendia adornos. O público em geral reconhecia a pauta e por vezes se posicionavam contra ou a favor, mesmo que grande parte dos passantes fosse de trabalhadores dos bancos e escritórios da avenida, pouco simpáticos à marca do PSTU. Muita gente fazia fotos com o celular. Um moço muito arrumado e bonito veio me perguntar “de que veículo você é?”. Disse que era blogueiro, e ele perguntou: “mas contra ou a favor?”. Falei: “eu sou de esquerda”. Ele saiu andando.
Passou um grupo de jovens com lanças e escudos de EVA. Demorei a entender que eram aficionados da luta medieval, e que iam praticar no vão do MASP. Um homem do PSTU ao megafone fazia pontos gerais contra Trump, analisando sua posse do ponto de vista dos trabalhadores. O PSTU faz um esforço muito grande de trazer a questão de classe e a de gênero em paridade.
Fiquei um mais pouco e nada acontecia fora o agitar de bandeiras. Olhei o céu carregado e decidi sair fora.
Eram 18:30h, atravessei a rua, tomei um ônibus e fui para casa.
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27 de dezembro 2016 a 1 de janeiro 2017
27 de dezembro
Aécio Neves foi depor na PF no processo dos Correios, mas aconteceu sem nenhuma fanfarra ou coerção.
Li na rede sobre um vendedor ambulante que foi assassinado por dois homens na estação D. Pedro II. Ele tinha vindo em socorro de um morador de rua, que estava sendo agredido pelos mesmos homens. A imprensa se referiu a esta pessoa da rua tanto como “homossexual” como “travesti”. As imagens da câmera de segurança do metrô captaram o momento quando Índio entra correndo na estação, já machucado, cai no chão em frente à bilheteria e é mais uma vez agredido a chutes e pontapés. Testemunhas e imagem corroboram o uso de soco inglês.
Li nos blogs que ia ter um ato pela memória do Índio, como Luis Carlos Ruas era conhecido. Peguei o metrô e fui à D. Pedro.
O dia estava muito quente e a cidade vazia. Baldeei na Sé e cheguei ao destino às 13h.
Logo vi o ajuntamento de pessoas lá fora, perto de uma árvore. Tinha umas 100 pessoas, que depois chegaram a 250. Tinha umas 3 câmeras de vídeo no tripé, e pareciam ser da grande imprensa. Vi um microfone da TVBrasil. Muita gente captava imagens com seus celulares.
No chão, uma bandeira do arco-íris do LGBT com os dizeres “Não faça de minhas cores um divertimento para seu preconceito. Respeite todas as formas de amar”. Uma faixa, que li de ponta-cabeça, trazia: “Família Stronger contra a homofobia”. Velas acesas ao redor compunham o arranjo. Ao redor da árvore, a bandeira do Brasil.
O clima geral de muita emoção, e um homem indignado falava muito alto contra o governador Alckmin e contra Dória, que “quer acabar com camelô e morador de rua”. Estava lá o padre Lancelote, paramentado de branco, um seu colega do Rio e o negro Franciscano que vi muito nas manifestações do MPL. Achei a composição da multidão bem variada, jovens e velhos, moradores de rua, donas de casa, universitários, travestis, todas as cores. Vi também a fotógrafa A., além de seu colega de profissão de quem sempre falo e cujo nome não sei.
Falou um moço que tinha organizado o ato pelo Facebook e ele disse que o metrô queria abafar o caso, e que o ponto do ato era não deixar o caso ser varrido para debaixo do tapete. Ele contou que o metrô se eximiu de toda a responsabilidade num post em sua página, dizendo que o assassinato tinha ocorrido fora da estação (o que não é verdade) e portanto fora da alçada da companhia.
Alguém na multidão gritou que “quando é estudante ou camelô na estação eles chegam batendo”, mas não fizeram nada nesse caso: “cadê a segurança?”. Falou o padre Lancelote e ele disse que devíamos ir em seguida para dentro da estação, e “se forem pegar que me peguem também”. Disse que o assassinato era inaceitável e chamou um minuto de silêncio em memória de Índio.
A seguir a manifestação caminhou para dentro da estação, e as faixas foram ficar rentes às catracas. Vi nessa hora um cartaz pequeno “Obrigado Índio. Justiça”. Vi também um moço com uma bandeira anarquista negra e vermelha, que vestia uma camiseta “Johni vive”. Três jovens do PSOL tinham camiseta e bandeira amarelas. Vi um button Fora Temer! e uma camiseta com a face de Martin Luther King. Tinha também um bandeirão da Pastoral do Povo da Rua, além de duas bandeiras da Aliança Antifascista de São Paulo.
Achei que as falas lá dentro traziam algumas tensões interessantes quanto ao espaço público e a segurança. Uns pediram mais polícia na rua, outro sublinhou o racismo a homofobismo dos agentes do metrô.
Falou um moço do movimento LGBT e ele manifestou a indignação com o ocorrido e que o “metrô dos mais caros do mundo não oferece segurança às pessoas”. Falou de novo o padre Lancelote e também um diretor do sindicato dos metroviários. Este trouxe a solidariedade do sindicato a Índio e ao movimento LGBT. Falou que o espaço do metrô era público e que o processo de privatização em curso degradava o serviço oferecido aos usuários. Disse que têm cobrado mais funcionários, mas que há um decreto de Alckmin que proíbe novas contratações em empresas públicas. Disse que há sempre ocorrências de agressões e suicídios, mas que os funcionários não conseguem dar conta.
“Alckmin assassino!”, alguém gritou na multidão. “PSDB fascista!”.
Falou outro diretor do sindicato e falou em nome dos agentes de segurança, dizendo que este eram solidários aos movimentos. Um outro moço disse que a área ao redor da estação era insegura e que muitos assaltos vinham acontecendo no entorno. Cobrou presença mais intensa da PM na área. Já uma jovem travesti foi mais radical e disse que “estamos sendo atacadas, existe um transfeminicídio em curso no Brasil” e que também os agentes de segurança do metrô eram preconceituosos e violentos. Cobrou a “imprensa golpista presente”. A multidão explodiu no “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”. Lancelote sublinhou que a presença de moradores de rua não é permitida nas dependências do metrô.
A multidão gritou “Luis Carlos Ruas está presente!”. Notei nessa hora que duas viaturas da PM chegavam, além daquela uma que já estava lá. Dois PMs desceram, falaram com os funcionários do metrô mas não houve tensão. Vi que a janela da bilheteria do metrô estava estilhaçada. Vi também uma última faixa: “Somos um povo que quer viver”.
Eram 14:45h quando o povo começou a dispersar. Tomei o metrô e fui ao centro.
Mais tarde, no ônibus, li escrito a caneta nas costas do banco à minha frente: “se os operários tudo produzem, a eles tudo pertence”.
Desci e fui para casa.
30 de dezembro
Fiquei atento às redes para uma nova manifestação em memória de Índio, o camelô assassinado na estação D. Pedro II. Era às 15h e tomei o metrô.
Desci na estação D. Pedro II minutos depois das 15hs e vi a aglomeração lá fora. Vi uns 10 PMs de prontidão, fora da estação. Vi também uns 5 seguranças do metrô de uniforme. Grades daquelas auto-portantes estavam sendo posicionadas na frente e atrás das catracas.
Saí da estação para o pé da escadaria da passarela e juntei-me ao povo. Achei que naquele momento eram umas 150 pessoas, principalmente jovens de 20-30 anos. Havia uma roda de conversa ao centro da qual falavam várias pessoas, entre elas o Pe. Lancelote, a jovem travesti de terça-feira, vários moradores de rua e a viúva de Luis Carlos Ruas, a Cida.
Muitos cartazes: “500 anos de quê? Índia/os, o “A/O” sendo o A anarquista. “Bolsonaro, Malafaias e afins: suas mãos também estão sujas”; “Segurança do metrô passa pano pra nazi”; “Estação do metrô Luís Ruas”; “Nosso amor está de luto. #Justiça!”. Outro cartaz, feito a mão: “O ‘Santo’ da merenda está sucateando o metrô”.
Notei uma bandeira negra, a única durante toda a manifestação.
Vi o L dos Jornalistas Livres, a fotógrafa A e também aquele fotógrafo de sempre. O padre Lancelote estava lá, assim como o moço negro de hábito franciscano, agora de chapéu.
Achei que o tinha muito mais raiva no ar desde a terça-feira. A mídia e a polícia estão a negar o viés de ódio e racismo. O metrô continua na sua posição de suposta neutralidade. Tinha muito povo da rua, além da viúva e a família de Índio. A energia do povo da rua é muito particular, mais anárquica e indomável, não cabe muito no formato assembleia, é rebelde e incircunscritível. Assim era essa roda.
Um grupo, de uns 50, estava mais destacado dessa roda central, mais perto do portão de entrada. Eles começaram a tensionar e chamar palavras de rodem mais de confronto. A imprensa e manifestantes passaram para lá.
“Você está presente. Luís Carlos Ruas!”. Um jogral começou no calor da coisa: “Atacaram Brasil e Pandora [as travestis que forma agredidas primeiro pelos dois assassinos]”. “O metrô protege as catracas e não as pessoas!”. “Ruas resiste!”, e a multidão respondeu “Ruas resiste!” e “Luís Presente, o metrô é conivente!”.
Nessa hora a multidão entrou na estação e se aproximou das catracas, que estavam guardadas por uma barreira de grades. “Justiça Já!”, gritava o povo, e também “Não tem segurança!”.
Notei que tinha uns 5 funcionários do metrô uniformizados, atrás das catracas. Mas tinha também outros 5 que estavam de roupa civil, uns homens de 45-55 anos. Estavam tanto atrás como na frente da barreira de catracas. No correr da manifestação, notei que estes eram ao todo uns 10, inclusive um moço de barba e camisa fora da calça, que circulava pela manifestação pedindo calma. Ao contrário dos seguranças junto à s grades, ele não confrontava os manifestantes. Achei curioso que ele tinha cara de sindicalista ou de igrejeiro. Não ficou claro para que ele estava com o metrô até o final da manifestação, uma hora depois. Fiquei muito curioso sobre a posição desses homens. Ou eram gerentes mais graduados ou eram mão-de-obra subalterna e muito barata, já que por sua idade já estariam fora do mercado de trabalho.
Vi nessa hora de tensão a E do CMI, twitando em seu aparato. Vi que o Suplicy estava lá, e um cartaz dizia: “O ódio não vence o amor”. Vi uma única camiseta do PSOL. O tensionamento continuava, tinha muita raiva acumulada: “Justiça! Justiça!”; “Metrô, fascista, passa pano ora nazista”; “Defende a catraca!”. Vi nessa hora uma bandeira e uma faixa da Pastoral da Rua.
Dentre as falas no meio da gritaria, tinha a de um diretor do sindicato dos metroviários. Tentava canalizar a manifestação contra o governador Alckmin e seu projeto de privatização do metrô. Foi ele que na terça falou em nome dos agentes de segurança do metrô.
Um morador de rua chuta a grade e é repreendido por um segurança. A temperatura aumenta e o tensionamento agudiza. O segurança era um homem de barba grisalha que guardava a entrada.
“Luís, presente, o metrô foi conivente!”. Vi um cartaz: “Espancado até a morte”, e outro “-Homofobia, -Violência, +Respeito e +Empatia”; “O esquecimento é o adubo que nutre a impunidade”. Vi uma bandeira LGBTT nas costas de um moço.
Eram 15:45 e muita tensão no ar, umas 300 pessoas em frente das catracas. Nessa hora chegamos a um impasse. Por um lado, esta segunda manifestação não poderia acabar como a primeira, isto é, muita emoção mas nenhum resultado.
Começaram a puxar as grades, gritando “Vamos invadir!”, e o povo todo ficou num cabo-de-guerra com as grades autoportantes, que tinham sico atadas e formavam uma espécie de corrente. Muita gritaria e empurra-empurra. Parte da corrente de grades se rompe. Os seguranças todos , agora uns 15, seguravam o povo. A imprensa toda assanhada com a confusão. O sindicalista confrontava seguranças.
Apesar da tensão inicial, o tumulto foi baixando e passou a comoção. O ato foi voltando para fora. Uma coluna de 7 PMs entra na estação e se posta na frente da barreira de catracas. Atrás deles, pendurado no teto, um luminoso apagado: Boas Festas.
Lá fora, muitas mensagens e flores numa homenagem improvisada ao pé da escada da passarela: “Povo unido causa a revolução”; “Obrigado índio, justiça!”; uma página de jornal com o ocorrido; “Você é um grande herói para todas”; “Descance em paz, te amamos. Cida”; “Aqui morreu um grande herói”; “Trans livres #Antifa”; “Até quando a intolerância vai andar armada?”; “Mexeu com um(a), mexeu com todas. Nós agradecemos”; “Meu irmão, você viveu como um herói, sua morte não foi em vão”; “Meu herói Luis Carlos Ruas”. Tinha um cartaz que era um abandeira do Brasil, com o hina nacional impresso em baixo. Uma mensagem longa foi escrita à mão em cima. “Chega de tanto preconceito, justiça e Paz”.
Encontrei M a arquiteta, que hoje mora em S João del Rey. Conversamos um pouco sobre lá e aqui. Vi no chão uma faixa: “Anarcopunks na rua combatendo o racismo e o preconceito. Força Raissa. Guerreiro Luis Carlos Índio Presente!”. Outra do lado: “Mulheres negras e indígenas nas ruas combatendo a LGBTTfobia e o racismo. Força Raissa! Guerreiro Luis Carlos Índio Presente!”. Vi uma camiseta de um moço negro, de enormes cabelos afro: “Racistas, me deixem em paz”.
Muitas rodas de conversas e entrevistas à imprensa. Mas, a cereta altura, o povo começou a hostilizar uma repórter da Globo, que nunca vi no ar mas vi na coletiva do Lula, que caminhava pelo ato com seu câmera e um segurança. “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo!”, e “Golpistas!”. Eles foram cercados pelo povo, em direção à avenida. Vi de longe, mas parece que, chamado pela equipe da Globo, um carro encostou na calçada e eles entraram correndo, o carro saiu cantando os pneus.
Pouco depois, a equipe da Band também foi hostilizada. A família de Índio mesmo estava conciliadora, mas a raiva geral era difícil de conter. Um moço grande da Band confrontava e dizia que “se a gente não registra ninguém vê”. Mas um moradro de rua dizia “é, mas seu chefe distorce tudo depois”. Ele não soube responder, e no fim todas as esquipes, umas 15 pessoas, saíram de lado aos berros dos presentes. Só a TV dos Trabalhadores ficou. Um dos moradores de rua gritava aos repórteres do PIG: “Seus comédia!”.
Eram 16:15h e chequei o interior. Tinha 15 seguranças do metrô conversando, incluindo um jovem de 30 anos e camisa fora da calça. Ele foi muito ativo no deixa-disso das grades. Achei que ele tinha um jeito de igrejeiro e não dera atenção a ele no empurra-empurra. Agora, com as “Medidas contra a Corrupção”, vai ser legal a polícia fazer “pegadinhas”, isto é, simular uma cooptação criminosa para ver qual servidor público morde a isca. Para quem aposta no colapso do Congresso e de toda a representação, um aviso: o Judiciário está a consolidar uma situação onde o funcionário público (professores universitários federais e estaduais) estão à mercê de alunos do MBL que vão preparar pegadinhas para destruí-los. Entre o Legislativo renovável e o Judiciário concurseiro, sempre o Congresso. Aquele “infiltrado” que vi é um ensaio do que está por vir (vide o oficial do exército “Baltasar”).
No ato, vi um moço com uma camiseta do POEMA, e também outro jovem que distribuía panfletos do MPL, conversando com as pessoas esclarecendo que o governo aumentou a tarifa na integração ônibus-metrô. Vi um outro jovem que vendia a revista Ocas.
Nessa hora um homem fez que me reconheceu, e disse que fora livreiro na USP e que me reconhecia. Tinha a mais distante memória de tê-lo conhecido nos anos 90. Conversamos mesmo assim. Ele tirou uma lata de cerveja da mochila (ainda gelada), ofereceu-ma e conversamos. Ele disse que se sentia acuado e com medo. Disse que também eu tinha medo do futuro imediato. Ele estava numas de “acompanhar os invasores reptilianos”. Não mais mora em São Paulo e teme a configuração política atual do Brasil. Ele tem uns 50 anos, como eu, e trazia consigo uma bicicleta. Tinha tomado uma carona de carro do Rio Grande do Sul e estava de passagem em São Paulo.
Em conversação com o livreiro da bicicleta, E relembrou de outros encontros malucões nos anos 2000, no contexto das lutas anti-Globalização, recolocando personagens hoje conhecidos sob novas luzes. As lutas anti-globalização, hoje, num contexto de implosão do consenso neoliberal/socialdemocrata, têm enorme significado.
Saí com E em direção ao centro para uma cerveja. Antes sair, olhei para trás e vi que, na fachada, o nome da estação D. Pedro II fora mudado por um plástico, de cor e tipografia idênticos ao original: agora líamos “Estação Luis Carlos Ruas”. Muito bom.
Saímos em direção ao centro e tomamos uma cerveja na Quintino Bocaiúva, em frente ao mural de pastilhas do Portinari. E me contou de seu encontro com a comunidade Zapatista no México, em Chiapas, e da enorme grandeza dessa experiência. Falou muito ainda da luta dos Curdos de Rojava, que não apenas derrotaram sozinhos o Estado Islâmico como organizam uma economia matriarcal ao mesmo tempo que conduzem uma guerra exitosa contra o Estado turco e as potências ocidentais. O Estado turco busca a sua destruição.
Paulo Arantes fala da guerra na Síria como uma espécie de Guerra Civil Espanhola: prenúncio de conflito global, laboratório da viabilidade autonomista, playground bélico das potências do dia.
O garçom do estabelecimento soltou um fogo de artifício, cujo talo se rompe e manda o petardo na direção de nossa mesa. Eu me levantei e saí correndo pela calçada temendo a detonação. O estrondo não ocorreu e minha pose pública ridícula fica sublinhada. Paciência, a vida é assim.
Despedi-me, tomei o metrô e fui para casa.
1 de janeiro
Saí no domingo quente a partir de Pinheiros e desci do ônibus na avenida Angélica na altura do kilo chique-grill, quase no fim. Virei à direita na Alameda Barros sob um céu carregado e caminhei em direção à Estação Santa Cecília. Antes de ganhar a rua Martim Francisco, a tormenta me alcançou e refugiei-me sob uma marquise estreita. Ao lado de um moço de uns 20 anos, vi uma árvore tombar sobre a via, com sua raiz moldada pelo cubo de concreto da calçada agora à mostra. Sua folhagem cobria o asfalto e bloqueava a rua. Ver automóveis dar a ré e buscar outras vias, tingidos de um certo pânico, me deu alegria.
Choveu forte por uma meia hora. Busquei a Martim Francisco depois do chuvaréu e suas esquinas acusavam caudalosos riachos. Subi a rua em busca de travessia e achei. Alcancei a estação Santa Cecília agora sem chuva (e sem um boteco remotamente entrável) e caminhei através da praça da República até o Teatro Municipal.
Lá fui surpreendido.
Uma multidão se aglomerava em frente ao antigo Mappin, hoje Casas Bahia. Grades auto-portantes separavam os públicos protestante e atendente. Depois entendi que, no teatro, tinha uma cerimônia do Dória, acho que sua posse. Fora, estavam aquele com queixas.
A multidão segregada pelas grades era composta de taxistas, populares, curiosos e ciclistas. Homens agressivos de terno e à paisana gritavam muito (eram sindicalistas). Demorei-me um pouco e entendi que esse grupo de taxistas hostilizava quem chegava para a cerimônia de posse do prefeito de Uber.
Fiquei um pouco.
A PM é como pernilongo: se você vê um, tem pelo menos 7 no ambiente. Vi na hora uns 10, mas ‘depois contei uns 30. A GCM tinha uns 20 soldados.
As faixas dos manifestantes: “Ex-prefeito Haddad, você destruiu as famílias e a história dos taxistas”; “Prefeito Dória, acreditamos em você: nos ajude a recuperar a dignidade da profissão”.
Tinha uns 5 homens de terno, muito agressivos, muito vocais. Eles gritavam bastante a cada carro que chegava com convidados. Um deles trouxe o secretário municipal dos transportes. A galera ficou transtornada e fez muito barulho..
Tinha um grupo de uns 15 ciclistas na área. Alguns conversavam com os sindicalistas, mas não captei o teor das conversas. Ficaram um pouco, mas saíram fora pouco depois. É sempre difícil avaliar de fora, mas achei que eles (os ciclistas) eram de classe média baixa.
Ao caminhar em direção à estação Sé do metrô, vi um PM de metralhadora em punho em frente ao hoje Shopping Light. Vi muitos pregadores na praça da Sé.
Tomei o trem em direção à Jabaquara e fui para casa.
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19 a 22 de dezembro
19 de dezembro
O senador Lindbergh Farias perdeu sues direitos políticos por um ano por decisão de uma juíza de primeira instância. O STF já tinha julgado o caso e o arquivado.
Parece que as mobilizações contras as mudanças irreversíveis realizadas por quem menos tem legitimidade para fazê-lo (Temer e o Congresso) vão entrar no modo longa duração e abrimos um ciclo de 10 a 30 anos.
A esquerda segue fragmentada e cada campo delimita seu território e defende sua trincheira. Vai demorar para convergir ou para caminhar juntos na diferença. Há muitos recortes possíveis desse campo, mas diria que há certas forças gravitacionais detectáveis, grosso modo: petistas duros, ex-petistas desgarrados, pessolistas e demais agremiações socialistas, do lado da esquerda institucional. De alguma forma acreditam nos partidos e os veem como incontornáveis, mesmo que possam reconhecer defeitos no formato. Há movimentação para um novo partido, que parece que reuniria o PSOL, o MTST e a parte do PT ligada a Tarso Genro. Há também o reconhecimento de que os partidos e burocracias sindicais precisam de renovação e crítica, e que isso só virá de fora. O Quero Prévias contempla exatamente essa vontade, discutir plataformas e propostas antes de selecionar nomes. A esquerda não-institucional, autonomistas, anarquistas e deleuzianos, não priorizam o palco eleitoral e buscam outras formas de organização e luta. A figura da insurreição, ação direta e levante são prevalentes, no geral fiando-se que de alguma forma a luta institucional seja ultrapassada e algum tipo de organização emerja daí. Buscam capitalizar na crise da democracia representativa. Os secundaristas e 2013 são referências importantes. Dentre estes há a discussão mais intensa da busca de novas formas para a esquerda. Os movimentos sociais, notadamente o MTST busca a linha da defesa de direitos, comum à toda a esquerda, e tenta se afastar do PT. O Partido dos Trabalhadores está em uma posição que nem libera a via nem avança. Como superar o PT sem jogá-lo no matadouro do golpe e da direita, assim liberando a criminalização geral da esquerda?
Em um outro recorte, há busca de novas institucionalidades, algo que não nega a necessidade da inscrição social das lutas, mas também não toma o Estado como lugar preferencial disso. Dá para achar aí uma onda “municipalista”, isto é, abandonar por ora o cenário nacional e concentrar esforços na construção mais de longo prazo a partir de baixo, formando maiorias sem necessariamente usar formatos classistas ou laboristas. Esta frequência de onda reúne tanto “basistas” mais institucionais (“fazer novamente o trabalho de base”, “voltar à periferia”) quanto autonomistas que beberam nas experiências de democracia direta e radical das redes. Nesta órbita convergem ideais de democracia radical e direta, e é especialmente valioso o cruzamento de procedimentos da rede eletrônica (evidentemente muito além do facebook) como estruturas de administração e participação.
A real é que nenhum dos campos ou recortes está conseguindo mobilizar e ocupar o vácuo deixado pelo PT. Ainda há muita disputa na esquerda, cada um testando seu diagnóstico. Mas ninguém consegue furar a bolha da militância.
Por outro lado, dá muito medo desse campo autonomista, pois eles não tem pejo de repercutir pautas direitistas e clamar pela “morte de Lula” e “enterrar o cadáver que é o PT”. Até a pauta “Escola sem Partido” é uma formulação autonomista. Em outras palavras, eles têm ficando de lado olhando a Lava Jato destruir a socialdemocracia. Eles aceitam a demonização e condenação sem provas de Lula “por que ele merece” e por que a destruição da esquerda institucional atende sua agenda. A gritante contradição de ser contras as leis Anti-Terror de Dilma (que é legítimo) mas a favor das Medidas Contra a Corrupção do MP (que inclui a validação de confissões sob tortura e a anulação do Habeas Corpus) é uma posição que a dita “nova esquerda” não tem problema em assumir. A agenda de destruição do PT – a “morte do pai” - é claramente enunciada nos fóruns de discussão (taz urucum e também no livro “Para além do PT” (aliás um excelente texto com análises de superação da fase petista).
Tenho sempre defendido as mobilizações de 2013 como uma irrupção de pautas de esquerda dentro de um contexto de paralisação e domesticação das lutas do campo popular. Estive nas manifestações do MPL e defendi-os frente a companheiros petistas.
Mas não posso deixa de notar que o campo autonomista está a perseguir um fantasma estatístico, um contingente que saiu `rua em 2013 e que não saiu para o Fora Temer ou para o Não Vai Ter Golpe. Todas as mobilizações deste campo autonomista em 2016 redundaram em fracassos. Sua pauta não reverbera nesse segmento que foi identificado por pesquisas. Eles também não conseguem mobilizar e acabam isolando-se em formulações de pureza. Como não lhes interessa a inscrição institucional, não há nenhuma provisão entre a quebra de vidraças e a queda do Estado.
Para eles, parece que basta um devir ou uma subjetivação. A teoria e prática da faísca fortemente propagada, mas como a inscrição institucional não lhes interessa, parece que a idéia de êxito os apavora, isto é, nada menos que a destruição do estado vai servir, e eles assim têm um medo atávico do sucesso, como ocorreu em 2013: o povo está sublevado e na rua nacionalmente, clamando por programa, e agora? Nesse momento, o MPL e os autonomistas saíram da rua e ficaram em casa.
Li recentemente sobre a Lava Jato como uma espécie de manifestação análoga ao Tenentismo dos nos 20-30 no Brasil. Achei interessante no sentido de ser uma reação contra o patrimonialismo do Estado mas ao mesmo tempo não ser a República Velha. Isto é, o Tenentismo conseguiu ser Republicano, anti-Café-com-Leite e ao mesmo tempo propiciar a ditadura do Estado Novo. Em outras palavras, ser um Partido do Estado contra o Governo (na época paulista-mineiro e corrupto).
É assombroso testemunhar certa esquerda autonomista assistir aos eventos comendo “pipoca”, o que permite avaliar que esta esquerda tem horror ao êxito, isto é, ela precisa da derrota e esmagamento do campo popular para manter seu diagnóstico que tudo aquilo que é institucional é corrupto.
Em outras palavras, o campo autonomista não enxerga que quem está a esmagar a socialdemocracia é precisamente um partido do Estado, os procuradores. Como esse esmagamento contempla a pauta “matar o pai”, eles escrevem esse lugar “isentão” á parte do FlauxFlu, e assistem em casa a derstruição daquilo que foi a luta possível. O maluco é que não aceitam o seu pífio poder de mobilização como atestado de seus diagnósticos. Eles se fiam em algum devir indeterminado, em algum tipo não descritível de devir como o futuro, negando aquilo que é historicamente dado: nem toda a insurreição, mesmo que legítima, gerou a superação da ditadura do presente.
Assim, por um lado ela festeja o esmagamento do PT, e por outro para ela bastará o “devir”, isto e´, algum evento simbólico de possibilidade ao invés de saída concreta. Ao sabor de uma classe gerencial de administradores, esse campo autonomista pode apenas gerar a substituição de aparatos. Os gerentes de rede assistem à execução dos burocratas
xx Fiquei com o incidente de Fortaleza na cabeça.
20 de dezembro
O assassinato do embaixador russo na Turquia e o atentado em Berlim ficam dando a impressão de um mundo prestes a explodir.
Todas as nomeações de Trump reforçam o mundo das corporações e está claro que promessas de recuperação de emprego não vão ser cumpridas. Meio-ambiente, proteção trabalhista e saúde pública são alguns dos setores que vão sofrer retrocessos históricos. A política exterior ainda é um mistério, mas o confronto com a China já começou. O tipo de sociedade resultante só pode ser um de híper-exploração com super-repressão, provavelmente com guerra externa.
22 de dezembro
Temer baixa um pacote de natal com medidas que flexibilizam o trabalho, enfraquecendo a CLT.
Passei hoje por uma painel publicitário de ponto de ônibus onde, sempre que posso, escrevo Fora Temer! No geral dura uns 3 a 5 dias antes de ser apagado. Mas hoje alguém escreveu muito maior, tomando quase todo o luminoso: Fora Temer!
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15 e 16 de novembro
15 de dezembro
O ministro Fux determinou a devolução, para nova votação, do projeto das tais “10 medidas contra a Corrupção”, já modificado e aprovado por 313 deputados, para que seja novamente votado. Trata-se de uma interferência inédita do Judiciário. O ministro Gilmar Mendes descascou a medida, chamando-a de “AI-5 do Judiciário”, dizendo que era o caso de fechar o Congresso e dara a chave à Lava Jato. Curioso recordar que foi Mendes que impediu Lula de ser nomeado ministro por causa de… vazamentos ilegais.
Panelas bateram no bairro contra Temer, às 20:30h. É o moço que semore grita “golpista” e “FT!”. Acho que ele duela com outra voz que não ouço muito bem.
16 de dezembro
Saí da estação Sé do metrô e olhei a praça. O corpo de D. Paulo Evaristo Arns ainda estava sendo velado na catedral. Antes de fazer outras coisas pelo centro da cidade, fiquei para ver.
A fila era grande, e chegava ao Marco Zero. Tomei meu lugar e imediatamente uma senhora veio ficar atrás de mim. Puxou conversa e desfiou suas memórias dos anos 70 e 80, mencionando D. Paulo, Ulysses Guimarães, José Dirceu e o PT. Mas nem todas as lembranças me pareceram confiáveis, pois ela afirmou categoricamente que D. Paulo era filiado ao Partido Comunista, o que não é verdade. Mas ela falou de algo de que me recordava, que era o comício das Diretas Já de 1984, quando D. Paulo falou do palanque, no exato lugar onde estávamos.
A grande maioria da multidão era de senhores e senhoras, perto dos 60-70. Mas havia também jovens, quase todos parte do que pareciam ser grupos católicos.
Afinal cheguei à porta de entrada e era possível ver o interior. A catedral estava lotada, iluminada de luz suave, e uma missa estava em andamento. Muitos telefones erguidos para registrar o evento em em vídeo. Um coro masculino cantava uma melodia ao estilo gregoriano, mas o texto era em português. A fila onde eu estava avançava lentamente em direção à frente do altar, pelo corredor central. Lá estava o corpo de D. Paulo, deitado no caixão.
O oficiante pediu um aplauso para o D. Paulo. Toda a multidão aplaudiu, e a salva de palmas pousou sobre as cabeças como uma chuva leve.
Enquanto eu avançava lentamente pela nave central, uma lufada de vento lateral fazia a erguer os panos de uma bandeira branca lá na frente, perto do corpo. Por um momento achei que estava louco, mas a bandeira era mesmo do Corínthians! Pirei.
Cheguei perto de D. Paulo e passei do lado – não era possível parar. Paramentado, ele estava também meio amarelo. Dois dos três franciscanos ao seu lado pousaram suas mãos sobre a dele. A fila serpenteou para fora e ganhei as ruas.
Na praça do Patriarca, o grupo de teatro Pombas Urbanas tinha montado seu palco. Dentre a barraca, apetrechos e cenografia, uma placa: “Aki não é komédia”.
Almocei e fui para casa.
Li agora o artigo do general Rômulo Bini Pereira no Estado que alerta para o perigo da ingovernabilidade de um Brasil institucionalmente fraco. Sinaliza que as forças armadas podem intervir se a situação piorar: “um alerta”. Define os ativistas que invadiram o Congresso como pessoas que “Já não se intimidam com o patrulhamento e com o ‘politicamente correto’ tão apregoado no Brasil”. Atribui a crise inteiramente ao PT.
Apesar da clareza da mensagem, não parece ter repercutido muito. Acho que prevalece ainda a noção de que “uma ditadura militar não seria tolerada pela comunidade internacional”. Hoje em dia, eu não sei. O esquema Clinton/Bush de fato não deixaria isso acontecer, mas o que dizer de Trump e seus falcões? Há muito em jogo no futuro governo tampão até 2018.
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13 de dezembro
13 de dezembro
A crise fica inchando e há tensão de todos os lados. Para o campo popular, só uma irrupção incendiária das ruas impediria a aprovação da PEC e os arranjos palacianos de sucessão, acirrando a presente crise.
Dá para ver que a direita está dividida: os movimentos de rua (MBL e Vemprarua) estão a hesitar entre a defesa de Temer e mobilizações jacobinas, e têm que lidar com apoiadores seus putos com as novas regras da aposentadoria e defesa do governo (o arranjo Rena caiu super mal); o empresário Benjamin Steinbruh pede “imediata redução da Selic em pelo menos dois pontos percentuais”, afrontando claramente o sistema financeiro que até agora é o maior ganhador de todos; Reinaldo Azevedo dá bronca no que chama de “direita burra”, que bombou a popularidade de Lula ao criminalizá-lo e mobilizar o aparato policial-judicial (ao mesmo tempo que sugere que só a polícia agora vai pará-lo); a base do governo parece que está a se desintegrar, mas ninguém sabe se as reformas realmente correm perigo.
A imprensa de esquerda fica bombando diretas já, enquanto FHC diz que não é candidato. O PIG tem pressa de aprovar as reformas em pauta, e as eleições diretas são o pior cenário para eles depois de uma eventual renúncia-bomba de Temer.
Li no Nassif que nos últimos dias o Exército ocupou Recife, devido a uma possível greve de soldados. Nas TVs locais, o comandante do Exército fala sobre a quantidade de soldados disponíveis para policiamento ostensivo nas principais capitais, incluindo Brasília.
A PEC foi aprovada agora de tarde.
Saí da estação Sé do metrô em direção ao Tetro Municipal para uma série de manifestações. Tinha uma marcha da Frente Antifascista SP, que a seguir iria seguir para o Parque D. Pedro, onde haveria uma manifestação contra a PEC 55 chamada por autonomistas, como o POEMA, Democracia na Real e Terra Livre. Depois subiria à Praça do Ciclista na Paulista para o ato chamado pela Frente Brasil Sem Medo, também contra a PEC.
É de se lamentar que haja atos separados sobre a mesma pauta na mesma hora. É muito evidente que o momento é da última chance de tentar uma irrupção de mobilização geral contra o governo, que está cambaleando. Cada esquerda está com seu diagnóstico e busca mobilizar a população sem passar por seus colegas de campo. O fato consumado da votação da PEC também não ajudava o ânimo militante.
Cheguei ao Teatro às 17:30h e tinha um pequeno grupo ao pé da escadaria. Contei 40 pessoas, na maioria jovens ao redor de uns 20 anos, de classe média. Vi quatro bandeiras, uma preta com “CAB” e o A anarquista, uma vermelha com a foice e o martelo “1917-2017”, e duas outras pretas e vermelhas.
Sentei na escadaria para esperar E, que se demorava. O centro estava no seu normal, com bastante gente andando pelas ruas, ao som de um cantor popular ali na frente. Ao lado, um moço fazia embaixadas com vários tipos de bola, no meio de uma roda de gente. Na Barão de Itapetininga, tinha um sofá com bonecos dos Simpsons: a idéia era você sentar e tirar uma foto.
Pouco depois de eu me sentar na escadaria, o grupo saiu e segui junto com eles, sem o E. Na esquina do Viaduto do Chá, encontrei o fotógrafo que sempre está presente e ele também não sabia onde íamos. Ele disse que tinha estado no Parque D. Pedro e não havia ninguém lá. O grupo mesmo discutia o que fazer, já que os atos esperados não pareciam ter materializado. Passou A, outro fotógrafo que conheço dos tempos do Prestes Maia. A coisa toda parecia dispersar e discutiam se iam para a Paulista ou não. Desisti de passar no Parque D. Pedro e saí em busca da Praça do Ciclista. Com receio do metrô lotado, fui até a Praça da República para subir a Consolação de ônibus. Logo peguei um Mercado da Lapa vazio e alcancei o topo da avenida.
Eram 18h e vi de longe os balões da APEOESP e CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação). Não havia carro de som (ufa!), e naquele momento tinha umas 100 pessoas. Vi apenas umas 10 motos da PM. Dei um giro e decidi checar o MASP, achei que talvez houvesse alguma coisa lá. Tomei um ônibus e voltei a pé, sem nada ver. Exceto um moço em frente ao Conjunto Nacional, que tocava músicas ao estilo das Guitarradas Paraenses – era o “Retirante Cósmico”. Quando eu voltava pela calçada, ele executava uma do Aldo Sena, e o povo em volta curtia muito. Ouvi um pouco e deixei uma nota de R$2 no seu chapéu. Perto da manifestação, um passante disse alto: “tem que fugir dessa manifestação aí, né?”. Tentei retorquir, mas passou o momento e ele sumiu na multidão. De resto, muito vestido estampado no calorzão paulistano. Passou um ônibus decorado com luzes natalinas.
A manifestação tinha engrossado e as pessoas iam chegando. Vi uma bandeira amarela do CONAM, uma do PT, duas do CMP (Central dos Movimentos Populares), uma do MDM da moradia, outra do Faísca Juventude e Revolução. Vários cartazes Fora Temer!, em diversas configurações, incluindo uma com o logo da Globo. Vi umas duas camisas do Corínthians e mais outras do Coletivo Democracia Corinthiana. O PSOL estava presente em bandeira, camisetas e corpos, além de um faixão de plástico “Fora Temer! Diretas Já!”.
Achei que o recorte era clássico da Frente Brasil Sem Medo: a militância do MTST numerosa, dos assentamentos; muitos jovens organizados em coletivos e batuques, a maior parte universitários; e também velhos esquerdistas avulsos, homens e mulheres como eu, muitas vezes já grisalhos. Curiosamente, tinha um número muito alto de fumantes. As vias da avenida ainda estavam abertas, e vi pouca polícia e nenhum CET.
Dei um giro e vi bandeiras ou camisetas: do ULCM (Unificação das Lutas dos Cortiços por Moradia), Liberdade e Luta, MRT (Movimento Revolucionário dos Trabalhadores), CUT, INTERSINDICAL, MAIS (Movimento por uma Alternativa Independente e Socialista), e um faixão da FBSM no chão. Um senhor com bandeira do PDT tinha uma camiseta com “Brizola Sempre”. Ele procurava conversar com quem quer que estivesse a seu lado: “Fora Temer não adianta, tem que ser contra o golpe!”. O Batuque Popular Carlos Marighella, do Levante Popular da Juventude, começou a tocar e animou o ato. Dois moços negros levantavam uma bandeira do Coletivo Palmarino. Outros jovens tinham bandeira e camiseta da Juventude e Revolução, outros da Juventude Vamos à Luta, que tinham também uma faixa “Fora Temer, Renan, Maia! Fora todos! Não à PEC 55”. Um cartaz do PCO trazia “Não à prisão de Lula”.
Um banca de camisetas trazia mensagens como: “I see god and she is black”; “Eles passarão, eu passarinho”; “Verão da lata”, escrito como rótulo de uma lata mesmo; “Deixe a esquerda livre”; A outra banca de camisetas, do outro lado da praça, tinha peças com os retratos de Pepe Mujica, Frida Khalo, Rosa Luxemburgo, Mafalda, Marx, Che, Simone de Beauvoir e uma que dizia “Lugar de mulher é na revolução!”.
Um senhor tinha uma camiseta que dizia “Grow your own”. Vi um pirulito com “Fora Temer! Ação Petista”, além de uma camiseta da UJS, o estandarte laranja do RUA, uma bandeira da campanha da Dilma (o grupo riu muito quando alguém apontou que a legenda trazia “Vice Temer”). Um cartaz pedia “Auditoria da Dívida Já”. Vi F do teatro e cumprimentei. Uma bandeira do Brasil tinha sido grafitada com “Fora Temer!” e “Fora PEC!”. Vi dois moços do Território Livre, e tentei me recordar se eram eles os autores do cartaz “Prisão para Lula traidor da classe operária!” que ainda tem por aí. Chega o fotógrafo que encontrara lá no centro e trocamos algumas palavras. Vi o L dos Jornalistas Livres, que confirmou que nada aconteceu no Parque D. Pedro.
Cheguei perto dos militantes do MTST, concentrados em frente ao Instituto Cervantes. Muita animação e palavras de ordem: “Pisa ligeiro, pisa ligeiro, quem não pode com a formiga não atiça o formigueiro” e “1 2 3, 4 5 mil, ou chega a nossa casa ou paramos o Brasil”. Notei que tinha muitos homens entre eles, e não as mulheres e senhoras que são usuais no movimento. Achei que alguma coisa poderia rolar. Dois carros passaram buzinando e festejando. Isso aconteceu bastante durante o trajeto da passeata, mais do que eu já tinha visto este ano.
Eram 19h quando o ato saiu em passeata. O MTST abria o cortejo, e havia uns moços atrás da faixa da frente (“Não à PEC do Fim do Mundo”), de escudos feitos de compensado, cada um pintado com um letra: SEM MEDO. Chegaram E e M, que tinham estado no Parque D. Pedro e viram umas 100 pessoas, possivelmente o grupo do Teatro Municipal que lá chegara. Caminhamos juntos e tentei contar o número de manifestantes. Eu e E avaliámos em voz alta os manifestantes em 2 ou 3 mil. Uma mulher que passava na passeata ouviu e disse “3 mil não, mais pra 2 mil”. Apesar disso, fechamos entre nós que tinha 3 mil.
Vi passar uma faixa “Por uma constituinte imposta pela luta! MRT!”, uma bandeira da UNE, um cartaz “Vacine-se contra o Temer gopista”, outro com “Diretas Já para presidente e Congresso”, a moça com o guarda-chuva vermelho onde ela escreveu Fora Temer!, uma faixa de plástico com “Veja os golpistas fascistas, nazistas do Brasil” e os retratos de Temer e outros 7 políticos, uma bandeira do PCB, uma da UJC, e outra do Movimento dos Atingidos por Barragens. Presentes a UP (Unidade Popular e Socialista) e o Partido Operário Revolucionário. Vi o grupo que foi à Casa de Portugal outro dia: “STF Anule o golpe já”. São os dilmistas. Pirulito: “Diretas e Direitos Já!”. A Juventude do PT com seu batuque. Vi alguns companheiros do campo autonomista, avulsos. Um militante do MTST tinha uma camisa da CBF e uma bandeira do Brasil às mãos.
Havia uns três batuques e até tinha mais animação do que eu achava possível naquele momento. As palavras de ordem foram uma espécie de retrospectiva do ano: nenhuma delas nova, mas notei que a esquerda institucional, aqui bem representada, incorporou muitas das chamadas dos secundaristas e autonomistas. Dentre as muitas:
“Aqui está, o povo sem medo, sem medo de lutar”
“Criar, criar, poder popular!”
“Nem recatada, nem é do lar, a mulherada está na rua pra lutar!”
“Ai, aiaiai, aiaiaiaiaiaiai, se empurrar o Temer cai!”
Ao som do funk “Atoladinha”: “Vai apoiar o Temer? Não,não, vou derrubar! Vou derrubar o Temer, vou derrubar o Temer, vou derrubar o Temer!”.
E muito “Fora Temer!”. A avenida estava cheia de gente, e notei vários transeuntes apoiando, além dos já citados carros que passavam em sentido contrário. É difícil extrair significado maior desse tipo de apoio aleatório, mas enfim. Encontramos N, PP e V.
No geral os companheiros acharam ok a mobilização, mas muito mais é preciso. Como a votação já fora, a sensação de estarmos em um desfile de fim de ano era grande. O furamento das tramas institucionais pela rua não ocorreu. “Só quando a água chegar na bunda das pessoas é que vai ter rua forte”, avaliou M.
Lembrei de repente que alguém que estivera na manifestação coxinha de domingo ouviu uma oradora dizer ao microfone: “nós não somos gado! Nós somos os donos do gado!”. Vi antigas pichações anti-golpe no asfalto e nas calçadas. 2016 foi um ano intenso e cansativo.
Tínhamos cruzado a Augusta e passado pelo MASP. Em frente a FIESP, um grupo de destacou da manifestação e começou a forçar as grades da Federação. Alguns jogavam pedras e garrafas contra a longa vidraça que tem na fachada, além de fogos de artifício. A vidraça vem abaixo, igual aos filmes: fica opaca de repente e cai em pedaços. Os seguranças surtam e não sabem o que fazer. Muito rojão explodindo lá dentro, ribombando e faiscando uns clarões no meio do já escuro fim de tarde. As grades tinham cedido e agora o alvo eram os vidos da porta de acesso aos elevadores. Estes vireram abaixo também, e pouco depois os vidros do andar de baixo, onde era a biblioteca. A palavra “golpe” foi escrita com spray na grade branca de fora. Tudo durou uns 10 minutos, sempre ao som das detonações, mas o local não foi ocupado. Na internet depois vi que um segurança lá dentro tinha uma arma em punho.
A passeata tinha se dividido em dois, e aos poucos se recompôs quando acabou a ação e o povo seguiu seu caminho. Ainda em frente a FIESP, os ativistas foram muito aplaudidos pela manifestação. A galera gritou muito “FIESP golpista!”. Notei que o Boulos tinha estado todo o tempo junto, com a faixa, desde o começo.
Seguimos pela avenida sem qualquer reação da PM, que tinha presença pouco numerosa. Passamos pela Gazeta ao som de “Aqui está, o povo sem medo, sem medo de lutar!”. As pessoas deram uma acordada e estavam energizadas com a ação. Esse ano ainda está preso na garganta. Vi nessa hora um cartaz: “A ponte caiu e o Temer nem percebeu”. No céu vi um helicóptero parado no ar.
Logo depois da Brigadeiro paramos e sentamos (“abaixa o cunha! Abaixa o cunha!”) na frente do Bar Domínio, com suas mesas na calçada. Eram 20h e fizemos um jogral, ao som das buzinas distantes, já totalmente escuro. Fizemos promessas de luta e votos de manter as mobilizações. “Diretas Já e FT!”.
A dispersão se deu muito lentamente. Uma coluna de uns 50 PMs, com dois atiradores, guardava a Brigadeiro. Ardia no chão a palavra “Luta”, escrita com lixo. Boulos dava entrevista atacando a FIESP. Vi um cartaz “Virada gourmet não!”. A bolinha de luz com mensagens estava lá de novo, levando mensagens às fachadas dos prédios: “FT!” e “Diretas Já!”.
Saímos E, M e J para uma cerveja lá pertinho. M alertou sobre o pacote de maldades de Temer para os indígenas que vem antes do natal. O presente estado das esquerdas e do capitalismo foi também tema das conversas.
Lá pelas 21:30h chegou a notícia de que uma passeata chegara à frente da FIESP. Achamos que era o pessoal do Parque D. Pedro. Li no jornal depois que houve ataque da PM na Brigadeiro do lado do centro. Em Brasília houve forte repressão aos manifestantes ainda na concentração. Muitas prisões e ameaça de usar a Lei de Segurança Nacional. Foi pesado. Em Recife o exército foi usado na repressão.
Caminhei pela avenida e fui para casa.
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10 a 12 de dezembro
10 de dezembro
Vi hoje um vídeo do Bolsonaro onde ele acusa Miriam Leitão de ser comunista, e o prova com sua filiação, aos tempos do movimento estudantil, de entidade esquerdista. Ele a ataca por ter questionado o fato dos militares estarem de fora da reforma previdenciária.
O site do MBL no FB me parece fraco de postagens e muito forte em comentários divergentes de sua linha principal. Muitos militaristas contra a reforma da previdência, um clima geral anti-Temer/Renan que a direção do movimento não parece conseguir contemplar. Dá a impressão que a liderança não mais cultiva a militância, de quem não precisa mais.
Um placar de votação de usuários no FB diz que com Dilma era melhor do que com Temer.
As delações da Odebrecht estão vazando e atingem Serra, Alckmin, Temer e aliados próximos ao presidente. A operação Zelotes, por outro lado, denuncia Lula e seu filho por tráfico de influência, mesmo sendo fora do mandato do metalúrgico. Há um boato antigo de prisões de alto calibre para o natal (isto é, Lula). Há quem diga que agora não dá para dizer que a Lava Jato não atinge só o PT. Resta saber quem realmente vai para a cadeia – prisão perpétua para Dirceu mas tornozeleira na mansão para Machado. Denúncias há de monte.
Moro teria sofrido um escracho em palestra que deu em Heidelberg, na Alemanha. A ONU condena a PEC 55 por ser contrária aos direitos fundamentais da pessoas humana. Bomba nas redes memes com a foto do Aécio e do Moro juntos na premiação da Istoé.
Fui ver de novo a peça que é a encenação do texto da reunião do Conselho de Segurança Nacional de 1968, que discutiu o AI-5, desta vez no Casarão da rua Pedroso, na Bela Vista. Foi bem legal. Lá estavam E, R, G V e S.
12 de dezembro
O final de semana foi dominado pela lista da Odebrecht. Parece que Temer e aliados vão pedir a anulação das delações, pois estas foram vazadas ilegalmente. O ministro Teori ainda tem que protocolar as delações, então há vários passos antes que os processos realmente comecem.
Repercute a pesquisa Datafolha, que acusa um crescimento de Lula em termos gerais. Ele ganha em todos os cenários de primeiro turno e só Marina o derrota no segundo. Os tucanos declinaram em popularidade, e Temer e suas políticas afundam na rejeição. A PEC e a reforma de Previdência são muito mal avaliadas.
Viralizou nos sites de esquerda o vídeo onde Moro e a defesa de Lula batem boca. Para estes, é um exemplo da parcialidade da investigação, mas tenho certeza que na direita o mesmo vídeo circula com avaliação oposta.
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9 de dezembro
9 de dezembro
Desci a rua Vergueiro a pé em direção à Casa de Portugal. Fui ver o encontro com Cristina Kirchner e Dilma. Nunca tinha ouvido CK falar em pessoa, e achei que poderia ser um contraponto mais leve e divertido à manifestação coxinha do domingo. Apesar de o evento ter tomado o formato de conferência, tratava-se claramente de um encontro militante, de tietagem explícita de lideranças. Mas, na linha do “a última vez”, achei que valia a pena checar.
Eram 17:30h e, caminhado pela avenida vi uma revista na banca, que era uma biografia de Fidel Castro. Havia outras. Recentemente, nos últimos dois anos, tenho notado o crescimento no número de revistas desse tipo, relacionadas a Hitler e ao nazismo, nas bancas da cidade, incluindo publicações como a Super Interessante. Algumas são na linha “Grandes Vilões da História”, outros ainda exploram a linha mística com títulos do tipo “Hitler e o Ocultismo”. Mas várias delas são celebrações pouco disfarçadas. Acho que esse tipo de biografia histórica encontra eco em canais de TV como o History Channel, que entendem a história como o relato de vidas excepcionais. A política como novela é sua irmã-gêmea.
Caminhando para além da estação São Joaquim, lembrei que no metrô tinha visto um jovem casal negro se beijando dentro do vagão, de manhã. Ele vestia uma camisa bonita, de belo desenho ao estilo futebolístico. Nas costas, trazia um punho cerrado e abaixo a inscrição “Carlos Marighela”. Em cima, à altura dos ombros, “1969”.
Cheguei à Casa de Portugal e já tinha uma fila considerável. Fiquei muito admirado da maioria ser esmagadoramente jovem. Eram quase 18h, e tentei dar o golpe do caderninho para obter acesso restrito à imprensa. Conversei na mesa da imprensa, mas a moça disse que os crachás estavam contados, e anotou meu nome e telefone no caso de sobrar um. Conformei-me e peguei um lugar na fila.
Uma moça atrás de mim contava que viera da Assembleia Legislativa onde uma CPI dos Direitos Humanos, que fora chamada pelo Coronel Telhada, estivera em sessão. Uma mesa de camisetas perto da porta trazia retratos de Rosa Luxemburgo, Pepe Mujica e um Fora Temer!. Vi muito adesivo do PT e da Dilma colados nas camisetas das pessoas.
Lá dentro achei lugar nas cadeiras brancas de trás, mas o povo pressionou (“libera a cadeira! Libera a cadeira!”) e abriram o acesso para as cadeiras da frente. Fiquei num lugar bom. Como era cedo, dei um giro pelo salão e dei uma olhada nas pessoas. Meio a meio em relação a homens e mulheres. Muitos jovens de 15 a 25, incluindo muitos secundaristas. Também, vários velhos militantes ao redor dos 50. Faltava ainda mais de meia hora para começar.
Vi uma camiseta com a mensagem “La patria es el otro”, Uma camisa azul e branca da seleção argentina trazia também o logo do patrocinador: “Hipotecario”. Outra trazia “el lugar de un militante es junto al pueblo”, e outra ainda: “I Love Cuba” onde o coração substituía o verbo. Uma moça de rosa vermelha no cabelo vestia a camiseta com a mensagem “Respeite as mina, as mana e as mona”. Vi uma bandeira do PT, duas da campanha da Dilma, e ainda uma outra da Argentina. A UJS estava presente em corpo e bandeira. Não vi nenhum movimento social presente, exceto a CUT na organização do evento.
Uma turma tinha vários cartazes que já vira em manifestações: “STF, anula o impeachment!”. Eles postaram vários cartazes ao pé da mesa e também ficaram de pé com suas mensagens viradas para o público. A bolinha de luz projetada pela bazuca estava lá, levando suas mensagens ao teto do lugar: “Diretas Já”, o rosto de Lula, de Dilma e de Cristina. Ainda: “Lutar é um direito” e “Globo mente”.
Distribuíram um jornal, “Página 13”, que é da tendência petista “Alternativa de Esquerda”. Também recebi um leque simples de papelão, com a figura de Dilma. Achei a estética meio maoísta, o perfil da presidenta ao lado de um sol nascente que na verdade é meia bandeira brasileira, atrás de uma multidão vermelha. Um texto fechava o design. Atrás, um texto mais longo do “Coletivo Unidos Contra o Golpe”.
A bola de luz voltou com as mensagens “#Libertad a Milagro Sola”, “SOS SUS”, “Que os ricos paguem”, “Não à PEC 55”, “Hasta siempre Fidel”.
Um grupo de uns 30 jovens, de pé no corredor, começou a entoar palavras de ordem peronistas. Achei que não eram de fato argentinos, e depois ficou claro que eram um coletivo de estudantes do PT. Foram muito aplaudidos.
Eram 19h e chegaram Dilma e Cristina Kirchner, ovacionadas. Os meninos do PT puxaram “Dilma, Maduro, Evo e Cristina, fora o imperialismo da América Latina!”.
As muitas pessoas com smartphones e similares erguiam seus aparatos para fotografar, o que deixava quem está atrás puto.
Muito “Volta Querida!” e “Fora Temer!”. Difícil a esta altura não formular que o retorno de Dilma não tem nenhum sentido, a despeito da justiça jurídica que a restauração de seu mandato possa implicar. Ela teria o mesmo Congresso contra si, metade da população do Brasil indignada, e deus sabe qual seria o seu programa de governo e as alianças que faria para se manter no poder. Ela já deu uma guinada de 180 graus antes. Os mesmos problemas assombram uma eventual candidatura de Lula.
A mesa era toda de mulheres: Iole Ilíada (um nome formidável) da Fundação Perseu Abramo, Mônica Valente, a secretária das relações exteriores do PT, Dilma e Cristina. Iole falou primeiro e traçou breve histórico dos governos progressistas da América Latina nas últimas décadas. Saudou muitos dos presentes, incluindo o presidente do partido Rui Falcão. Esperava uma vaia ou pelo menos um aplauso diminuído, dada a sua atuação pífia na condução do PT durante a crise, impedindo o partido de honrar a sua história. Mas o aplauso sem reservas me fez cair em mim, entendendo que o evento todo era bem chapa-branca. O partido não vai se renovar por dentro. Mônica falou um tanto e depois cedeu a palavra a Dilma.
Sua fala não foi empolgante, e foi fiel à sua retórica usual: meio atrapalhada, digressiva, certamente um pesadelo para as tradutoras presentes. Defendeu suas políticas sociais mas não traçou nenhuma visão de futuro. Enumerou os seus programas e repetiu o diagnóstico petista: o golpe foi uma reação à inclusão e aos avanços sociais logrados pelo partido. Posicionou a administração do PT como socialdemocrata (não usou este termo) contra o neoliberalismo, que achou maneiras de hoje voltar a ser hegemônico por vias golpistas. Poderia ter sido um discurso da campanha de 2014 (ou 2010). Nada parece ter aprendido com o golpe.
Depois de muitos minutos, Dilma recebeu um papel da mesa alertando-a que seu tempo terminava. Ela concluiu dizendo que era preciso taxar o capital e que isso não foi possível de fazer antes porque o Congresso não aprovaria. Chamou a reforma política e as Diretas Já ao concluir, agora já com um bolo de fotógrafos à sua frente, abaixo do palco.
Cristina tomou o pódio sob intenso aplauso. Ela fala muito bem, e, depois de Dilma, era verdadeiramente um bálsamo ouvir um discurso bem urdido. O cabelo de Cristina, lendariamente impecável, estava belamente arranjado, e era objeto de frequente da atenção de sua mão.
É sempre notável o paradoxo latinoamericano: nós entendemos o espanhol mas eles não entendem o português. Todos os latinoamericanos presentes (alguns deputados e burocratas de países vizinhos) recorriam à tradução simultânea, em vez de encarar o português do Brasil. Mas Cristina falou sem tradutor e era possível entender quase sempre, exceto quando falava rápido ou carregava no portenho.
Apesar de mais articulada e hábil oradora, a exposição de Cristina foi essencialmente a mesma de Dilma: defendeu seus programas de inclusão (pelo consumo), suas políticas compensatórias, o modelo desenvolvimentista industrialista. Contrapôs sua administração à hegemonia neoliberal dos anos 90, sublinhado a inversão de prioridades em um e outro caso. Marcou bastante o contraste com os índices econômicos argentinos de hoje.
Mas ao final fez uma pergunta boa: “se as conquistas em termos de bem-estar e vantagens econômicas para a maioria foram tão marcantes, por que é que o projeto progressista foi derrotado?”. Suas respostas não foram muito boas, e recorreu à ilusão do merecimento pessoal ao invés do reconhecimento da política governamental. Falou do poder do complexo midiático e seu poder de impor narrativas. Mas articulou claramente que é necessário recompor maiorias, criar frentes sociais amplas com aqueles agredidos pelas novas políticas neoliberais (e os “iludidos”), não só de resistência mas também de formulação. Disse que os partidos não são os únicos agentes nessa construção.
Terminou sua fala muito aplaudida, com apelos à militância continuada. Ela e Dilma se abraçaram, em meio a muitos sorrisos. Formou-se uma multidão na frente do palco, e Cristina e depois Dilma fizeram festa com os assistentes.
Saí e subi a Vergueiro lotada de estudantes. Passei pela São Joaquim, virei à esquerda e fui para casa.
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6 a 8 de dezembro
6 de dezembro
Ontem de noite caiu o Renan Calheiros. Ele perdeu seu posto de presidente por ser réu no Supremo. O ministro M Aurélio Mello acatou pedido da Rede. O boato agora de manhã é que seu vice, Jorge Viana do PT, vai barrar todas as pautas de interesse do governo. Renan disse agora que vai esperar a decisão do plenário do STF e segue na posição.
No Rio a votação do pacote de reformas acontece ao mesmo tempo que manifestantes protestavam na frente. Parece que havia muito bombas e gás, que chegavam até o plenário. Vi em um vídeo mascarados com rojões ao lado de homens com a camiseta da Polícia Penal. Vi outro vídeo de uma coluna do Choque, de escudos, seguido de uma multidão de uns 200 manifestantes. Comentários abaixo diziam que, ao contrário das vozes no áudio celebrando a combinação, não era uma deserção ou virada de casaca por parte dos policiais, mas que, quando a coluna chegou ao seu batalhão, virou e atirou sobre os manifestantes… Mas é verdade que muitos policiais estão com seus salários atrasados e a isenção dos militares das novas regras da Previdência teria deixado muito policial civil e federal puto.
Repercute também as imagens de PMs atirando balas de borracha e bombas no primeiro andar de uma igreja que invadiram. No Rio de Janeiro é tudo diferente.
7 de dezembro
Domina o noticiário de manhã um suposto acordo no STF que manteria Renan no Senado. Talvez a percepção de deixar a presidência da Casa com o PT era um risco alto demais para o golpe. A imprensa deixou a sensação de que o PT talvez não se empenhe muito em barrar a PEC do Fim do Mundo. Rolou o boato que Viana renunciaria caso Renan seja afastado.
8 de dezembro
Reverbera forte por todos os lados o arranjo do STF: o Supremo não depôs Renan mas apenas o excluiu da linha sucessória. Ficou mal para todos os lados: o senador desafiou a decisão de Mello e não recebeu intimação sem ser punido. Gilmar Mendes atacou seu colega M Aurélio e pediu seu impeachment. Carmem Lúcia saiu como articuladora do arranjo (telefonemas na manhã do julgamento) e se desabona como presidenta-tampão. Os congressistas ficaram como protetores de um réu corrupto, mesmo que eles se vejam como barreira contra a interferência do Judiciário. O senador do PT Viana saiu como quem não aproveitou a situação para tomar a presidência e barrar a votação da PEC. Os argumentos jurídicos que não valeram para Dilma valeram para Renan.
De todo o lado que se olha, ficou evidente que a decisão foi para preservar Renan, que ainda á útil na condução da votação da pauta governista, ao mesmo tempo que garantiu que a questão dos supersalários do Judiciário fica enterrada.
A repercussão na direita foi de indignação mas também de perplexidade. Os comentários nos jornalões e em sites de direita deixam ver raiva, já que dias atrás a saída do Renan era pedida aos gritos. O que ficou evidente que há uma cumplicidade institucional entre os poderosos, e que na real a pauta Fora Renan! foi uma cortina de fumaça para iludir quem foi às ruas. Mas alguns comentaristas de direita avisaram que havia o perigo real do PT reverter as votações, um “golpe da esquerda”, e que o preço foi a manutenção de Renan. Mas certos movimentos mais próximos do poder, como o MBL, têm dificuldade em se explicar e em se posicionar. Para a direita, a política como um todo é uma farsa e está sujeita a cancelamento. Só o Sérgio Moro está fora disso. O salvacionismo bonapartista fica cada vez mais viável.
Para a dita “pessoa de bem” (para usar a nomenclatura do Tales Ab’Saber) que não é necessariamente anti-petista e que é genuinamente contra a corrupção, ficou sem entender. O derretimento institucional ficou muito evidente para todo mundo (os poderes estão “harmonicamente em crise”), e o Fora Todos! ganha força em todos os campos. Para a esquerda, fica evidente que quem dá as cartas é o setor financeiro, que faz e desfaz instituições conforme necessário.
A esquerda não-petista impaciente e indignada com as hesitações da bancada parlamentar que deixou passar uma chance dourada de bagunçar a votação e forçar uma crise quiçá terminal do governo Temer. Teria sido possível barrar a votação da PEC, como defendeu Lindbergh, ainda que a crise institucional resultante pudesse ter consequências imprevisíveis. O PT teria tomado posição diferente de Viana e preferia ter forçado uma crise.
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4 de dezembro
4 de dezembro
Subi a Teodoro Sampaio para o ato pelas 10 medidas contra a corrupção. Eram 14:45 quando cheguei à esquina das avenidas Consolação e Paulista. Estava quente e ensolarado.
Tinha decidido ficar o máximo que pudesse e se possível detectar diferenças e nuances desse campo. Achei que o consenso do impeachment já não vale e que a unanimidade da Lava Jato pode servir ainda a um ou dois projetos distintos. Parece haver umas 5 conspirações em andamento, e a convergência de todas elas contra Dilma agora se reconfigura em outros embates.
No entorno da esquina, vi uma jovem com uma bandeira verde da Chapecoense aos ombros. Ainda no ponto, reparei uma pichação Fora Temer! que fora emendada para ler BoraTemer!. Notei que não ia dar um milhão de pessoas. Dois caveirões e umas 5 viaturas estavam estacionadas na calçada.
Logo na Praça do Ciclista, tinha um grupo de umas 200 pessoas, uma barraca repleta de bexigas brancas. Era um povo contra a legalização do aborto. Mas até a Augusta, tudo bem vazio.
Chegando ao Conjunto Nacional, ouvi um carro de som irradiar uma canção do Cazuza. Tenho ouvido muito esse cantor nas manifestações coxinhas. Esse era o primeiro carro da avenida, e tinha pouca gente em volta. Uma faixa no carro dizia “Queremos um Brasil ético”. Alguns outros cartazes genéricos contra a corrupção adornavam o carro. Segui até o MASP, este trecho estava bem vazio. Os músicos e performers usuais da avenida estavam lá, e reconheci a banda de carimbó que já tinha visto em algum outro ato. Também o sósia do Roberto Carlos cantava na calçada, de verde e amarelo. Um grupo de jovens negros dançava uma curiosa coreografia que incluía gestos de continência e voz militar. Achei meio bizarro, mas talvez fosse crítico: eles eram do tipo de músico/dançarino que explora as palmas e sons percussivos produzidos em todas as partes do corpo. Uma outra moça equilibrista achava seu prumo numa corda amarrada entre dois postes. Resisti a desenhar metáforas entre sua performance e a situação política. Vi um Papai Noel verde e amarelo, com um cartaz que dizia “Lula na cadeia” escrita com aqueles cordões brilhantes de árvore de natal.
O segundo carro de som estava na esquina do MASP, e era do grupo “NasRuas”. Trazia uma faixa em defesa da Lava Jato. Também lá estavam dois pixulecos, bonecões infláveis, do Renan e do Lula presidiário. Do outro lado um faixão de pvc trazia os dizeres: “Apoio irrestrito à Lava Jato. Fim do foro privilegiado, Veta Temer (as emendas às 10 Propostas), Lula e Renan na cadeia”. Um cartaz emendava “Não abuso de autoridade”. Não lembro se havia orador ou só música. Havia pouca gente em volta.
Caminhei mais pela frente do MASP, agora sim mais cheio de gente, e vi um ajuntamento de pessoas que assediava o Ronaldo Caiado, umas 100 pessoas. Ele era muito solicitado e muitos gritavam seu nome. A dois metros dali, um performer fantasiado de Eddie Kruger exibia sua mão de lâminas e chapéu clássicos. Muitos faziam selfies com ele.
O terceiro carro ficava atravessado na avenida na altura da Casa Branca, pertinho do Museu. O espaço de passagem ficava super reduzido assim, e é sempre difícil passar para o outro lado. Um orador inflamado dizia “Eu não votei no Temer, mas eu não vou falar Fora Temer! Estamos cuidando do Temer, com críticas, mas seria irresponsável derrubar o governo”. Vi nessa hora um moço com uma bandeira do Brasil Imperial – são os monarquistas. Vi depois na manifestação duas outras bandeiras e uma camiseta deles. Vi cartazes “Contra privilégios”, “Fora Tófolli”, “Fora Renan”. Achei que tinha umas três ou quatro mil pessoas ao redor desse carro, pelo menos deste lado.
Deu para notar a essa altura que o tenor geral da manifestação era a de Fora Renan. O Fora Renan! foi muito reiterado, muito cartaz e muita palavra de ordem. Não houve Fora Temer! quase nenhum, e o endeusamento de Moro foi o outro eixo narrativo da manifestação. Claramente os diferentes grupos conseguiram convergir na demonização do Congresso, escolhendo a figura de Renan para malhar, mas preservando Temer, bombando a figura do juiz Moro.
Já dava para arriscar a composição etária da manifestação. O perfil era bem coxinha, isto pe, muitos homens de 40-50, e mulheres idem. Tinha um número razoável de famílias e jovens (20 anos) soltos. A classe média e alta predominavam fortemente, mas, como nos últimos atos contra Dilma, havia sim uma leve diversidade racial e social.
Decidi passar para o outro lado e continuar a caminhada, e me esmaguei na multidão tentando atravessar a Casa Branca. Enquanto negociava passar meu corpo, ouvi a Regina Duarte falar no carro de som. “Tem uma guerra no Brasil”, e que o inimigo é forte e rico de nosso dinheiro. No geral a sua fala era muito radical, fazendo equivaler a esquerda e a corrupção. O orador seguinte lembrou que Regina Duarte foi atacada quando apareceu na campanha televisiva (de Collor, em 1989) dizendo que “tinha medo” do PT ganhar, e que no fim ela estava certa. Aliás, lembrei na hora que o vice do Collor foi justamente o Renan Calheiros. Depois falou um Roberto Levy, não sei quem era.
Consegui passar para o outro lado depois de 15 minutos e vi a multidão ali. Imediatamente notei um cartaz “Igreja Batista Betel. Somos todos Moro”. Um cartaz dizia: “Intervenção Militar: faxina geral e devolução do poder em 90 dias”. “Contra a corrupção e a favor do Brasil” dizia um outro cartaz, e uma faixa trazia “Somos todos Moro”, e outra “Contra os petralhas”. Ainda outra “Ai daqueles que promulgam leis injustas e que escrevem decretos opressores (Isaías 10:1)”. Outras mensagens escritas: “Fim do foro privilegiado”; “Não ao aborto”; “Intervenção Militar Já!”; “SOS Forças Armadas!”. Uma camiseta normal, de marca: “Pursuit of happiness”.
Um enorme faixão de uns 50 x 10 metros dizia “10 medidas da MPF já! Lava Toga urgente!”
Achei que tinha umas 4 mil pessoas deste lado do carro. Caminhei mais em direção ao Paraíso e notei que a via sob a sombra dos prédios estava cheia, mas aquela castigada pelo sol era fácil de caminhar. Passei pela FIESP sem dificuldade e vi como estava meio vazio até a Gazeta. Vi uma barraquinha parca que tinha um orador inflamado mas algo triste, ao rés do chão dentro de uma barraca. Notei camisetas do Revoltados Online penduradas, e parece que essa foi a sua única participação. Fiquei muito admirado que eles não estivessem lá em peso, com carro de som e transmissão ao vivo pela internet. Eles estavam sempre presentes em manifestações passadas. Depois fui informado que este grupo, que agrupava policiais e militares da ativa e da reserva, e tinha em Marcelo Reis sua liderança, está inativo. Foram eles que levavam os pixulecos gigantes de Lula e Dilma não só aos atos coxinhas mas também para a frente do Fórum da Barra Funda, e também para a frente da casa do Lula em São Bernardo. Vi eles enfrentando e se atracando com a linha de combate da CUT. Imagino onde é que seus seguidores acabaram indo aportar.
“Que país é esse? Ladrão pede prisão de juiz”; “Os vampiros agem na calada da noite”; “O STF rasga a Constituição”; ‘A classe política e alguns ministros me enojam”, são alguns cartazes que vi.
Cheguei ao quarto carro de som da avenida, na esquina da Pamplona. Era um ponto de intervencionistas militares, que hoje contavam com dois carros de som em lugares distintos. O Estadão tinha dado que eles tinham sido “promovidos” a lugares centrais (no passado eles eram confinados às margens) depois de negociações com a PM. De fato agora os militaristas estão mais ao centro da pauta, ainda que o VemPraRua fosse o destaque maior. A passagem do endeusamento do herói Moro para o apoio um aventureiro bonapartista salvador da pátria está desenhado.
Dá para dizer que vi na avenida evidência da análise que existe hoje um embate entre a direita e a extrema direita, e que essa luta é a luta central no Brasil. Os militaristas que vi hoje e que vi na manifestação pró-Trump que bateu nos autonomistas (exatamente os mesmos) estão sacando que seu discurso anti-establishment vai reverberar num contexto de colapso da acomodação neoliberalismo/socialdemocracia (no Brasil PSDB/PT). O MBL disputa esse lugar, mas num discurso híper-liberal que no fim é apenas o discurso da globalização/financeirização. Os intervencionistas militares estão melhor posicionados para se alinhar ao justicialismo da Promotoria, mais evangélicos e policiais (e classe média) para se apresentar como arranjo local de a nova ordem mundial, ou pax americana trumpista protecionista, ao invés das elites globalizantes (PSDB).
No carro de som dos intervencionistas, as faixas: “Intervenção” e “Comunismo não”. “Agora é o povo contra a corrupção”, “Não ao Estado islâmico” eram cartazes que vi ao redor. Um senhor de terno e capacete da guerra dita constitucionalista de São Paulo contra Getúlio Vargas fazia selfies com manifestantes. Já o orador no carro de som fazia suas considerações. É fácil desprezar o seu discurso como estapafúrdio e equivocado, e é difícil tentar encadear relações de causa e efeito nas falas deles (eles também tem uma crítica da razão iluminista). Mas, a partir de um ponto de vista bem radical e distante dos consensos e arranjos liberais, democráticos e coronelistas, fora da vontade democrática, talvez uma espécie de positivismo à la Klausewitz, faz algum sentido. Eles não são anticapitalistas mas têm uma crítica da globalização. Parece mais uma espécie de partido da ordem e da hierarquia, não importa muito o modo de produção.
“Não teve impeachment”, afirmou o orador. “A Dilma não sofreu impeachment porque ela teve seus direitos políticos preservados. Por isso houve uma conspiração que impediu seu impeachment”, foi a fala que eu ouvi. “A Lava Jato precisa continuar e atingir os comunistas Lula, FHC e Aécio”, continuava. “O STF realiza a ditadura de esquerda no Brasil”, emendou. “O legislativo e o executivo estão tomados pelos comunistas, e “os militares sempre foram pela democracia. Inclusive o general Figueiredo passou a faixa e tudo, saiu pela porta dos fundos, dizendo: ‘então eu vou embora, mas agora quero ver vocês aguentarem o Partido dos Trabalhadores’”.
Fiquei atento para ver como era a reação dos outros passantes e manifestantes. Um ou outro acharam graça, gritando “vocês estão loucos!”. Já um senhor de chapéu de couro à cabeça indicava com o polegar para baixo a sua reprovação. Mas, no geral, a insistência no bordão “que se vayan todos”, reiterando que toda instância civil é essencialmente corrupta, caía bem entre os manifestantes e passantes. Havia uma reverberação grande no clima salvacionista geral: a matriz bonapartistas (o salvador de fora) era consistente com a manifestação como um todo.
Logo a seguir havia um outro carro de som, também intervencionista militar, mas este com uma faixa “Intervenção cívica constitucional”. Outra faixa identificava o grupo como “UDN – União Democrática Nacional”. Tinha umas 200 pessoas ao redor. Outra faixa no carro trazia: “Fora classe política traidora do Brasil”. Do outro lado do carro, as mensagens “Junta governativa transição democrática”, e “o núbio é nosso: presidente, chega de contrabando”. Um pixuleco grandão parecia personificar o político (corruptos em geral): dentes afiados e jaqueta civil. O orador tinha o mesmo tenor que o outro carro. Dizia que “destituição constitucional não é golpe”. Apesar de ser um evidente sofisma, essa afirmação, que fundamenta toda a atuação dos intervencionistas não é descabida: a constituição foi sim escrita de tal modo que em certas circunstâncias o exército pode garantir a ordem institucional. Como aprendemos com o impeachment, a legalidade e o golpe têm fronteiras tênues. Mas achei que aqui havia nesse carro pelo menos um esboço de programa: defesa das riquezas nacionais, estado nacional desenvolvimentista, uma preocupação com arremedo de legalidade para a tomada do poder.
Vi nessa hora na multidão uma camiseta: “República de Curitiba: aqui se cumpre a lei”, trazendo também efígies de Moro. Um cartaz dizia: “Fora PCC: partido congresso corrupto”, e outro “Dedetização do Congresso já”.
Segui meu caminho e alcancei o carro de som seguinte, do MBL, e tinha então umas mil pessoas em volta. Depois encheu mais. Este coletivo demorou a aderir a esta manifestação e achei sua presença bem acanhada. Não estavam em posição central e o carro era meio pequeno, adornado com umas bandeiras do MBL ABC. Muito curioso para um movimento grande como o deles. Quando cheguei, tinha uns 10 jovens em cima do carro. A Folha afirma que eles recebem dinheiro do DEM, e que o governo Temer os chamou para difundir as reformas do governo. Eles aparecem em uma foto com Cunha na época do impeachment, e de alguma forma se ‘elevaram’ à política institucional. Lançaram vários candidatos por partidos estabelecidos (Holiday se elegeu pelo DEM). Eles hoje têm dinheiro para viagens, cursos e formação de quadros. Sua plataforma é híper-liberal.
O orador, de bermuda e óculos escuros, de uns 25 anos, falava contra Lula. Disse também “a Lava Jato é um meteoro que vai varrer os dinossauros da face do planeta, os dinossauros que querem nos manter na pré-história.” Ele invocou as mobilizações de 2013 e disse que então não havia um pleito claro, colocando as mobilizações de 2014 e do pró-impeachment como suas continuações naturais. “Não viemos com pautas vazias. Apoiamos a Lava Jato, somos contra ao Renan, esse câncer, esse coronel, esse bandido. Apoiamos Moro, que enfrentou os poderosos, o dinheiro, os bancos”. Essa foi a única vez que ouvi, em qualquer manifestação coxinha, alguém falar contra o sistema financeiro. “E resta a PF, que defende o povo”.
Perto, bem ao lado, uma curiosa faixa:
“Mishel Temer, eu até lhe estava apoiando, mas eu estou decepcionada por você ter sansionado a vaqueijada que maltrata os animais. Você gostaria que um monte de peão te puxasse pelas pernas e te jogasse no chão arrastado? Sentindo muita dor sem poder se levantar? Pense nisso e revogue a lei o mais urgente possível pois a maioria da população exige”.
Eram 15:45 e segui adiante. Estava meio vazio até a Gazeta. Cartazes do caminho: “Brasil não será uma república ditatorial comunista” e “Aborto é assassinato de bebês”. Vi um grupo de umas 30 pessoas com duas ou três faixas. Era o SINDIFISCO NACIONAL, diretório São Paulo. Faixas: “Auditores fiscais contra a interferência política na receita federal do Brasil” e “Proteção à Lava Jato”.
Segui e vi um faixão “Parabéns juiz Moro e Polícia Federal”, na altura da Joaquim Eugênio de Lima. Nessa hora passou de novo um grupo intervencionista. Levavam um enorme tecido verde e amarelo com mensagem sobre as cabeças, formando uma espécie de cobra com outra faixa à frente: “Intervenção já”. Um dos manifestantes que segurava o tecido era um moço negro de uns 20 anos, com boina e farda. Assustei achando que ele estava regularmente uniformizado, mas vi que sua calça e calçado eram civis. Ele gritava muito “Viva a PM!”.
Já na Brigadeiro, deu para ver que não tinha mais carro de som, mas muita gente estava chegando. Fui até a praça Oswaldo Cruz e dei meia volta. Eram 16:15.
Na esquina do Instituto Pasteur, reparei nas pichações do muro: “o desemprego é global”, “crise econômica? A economia é da crise” e “Respeita o Nordeste, caralho”. Vi uma moto grande customizada e adornada com bandeiras de São Paulo e do Brasil, conduzida por um homem gordo, grisalho e barbado, cortar a avenida. Chegando pela calçada, um manifestante trazia uma panela que batia. Nela, estava escrito “Fora Temer e Fora Renan”. Foi uma das pouquíssimas menções ao presidente que eu vi.
Parei para ver os tapumes da esquina com a Leôncio de Carvalho. Tinha um daqueles Pelés que abraçam pessoas, e este aqui abraçava a Mona Lisa. Um lambe-lambe contava: “Podemos escolher o que semear, mas somos obrigados a a colher o que plantamos”.
Encontrei os vizinhos C e P. Trocamos impressões e falamos um pouco de diferentes sistemas de representação. Segui pela avenida, agora no sentido Consolação. As sombras dos prédios tinham se alongado e estava mais fresco. Notei que a manifestação engrossara.
Vi uma camiseta amarela com os dizeres “#Vaipracima”. Um homem negro de boina militar arengava o público com seu megafone, enquanto outro moço mais jovem, também negro, segurava um cartaz: “Só a intervenção militar salva”, com um número de telefone para contato. Ninguém dava bola.
Cartazes de manifestantes: “Temer, você é o próximo”, “Contra o foro privilegiado”, “Gilmar Mendes, nós sabemos por quê assinamos as 10 medidas”. O ministro do STF se posicionou contra as medidas, ou pelo menos contra algumas delas. Aliás, o editorial do Estadão da segunda-feira também.
Ainda: “100% Moro”, “Eu sou Moro”, “Somos todo Moro”, “Apoiamos Moro”, “Parabéns Sérgio Moro”, “In Moro We Trust”, “Viva Moro”. Camiseta: ‘Meu partido é o Brasil”.
Mais adiante, em frente à Gazeta, vejo um ajuntamento de pessoas e uma forca com a máscara do Lula por cima das cabeças. Era o jornalista Vila que era tietado pela pequena multidão. “Vila presidente!” gritou um. Muito selfie e sorriso.
Segui. Cheguei ao carro do MBL, e agora toda a sua liderança estava lá: Renan, Kim e os outros. Eles não estavam em cima do carro de som, mas num tablado bem baixo. Tinha mais gente assistindo. Achei que valia a pena ficar e ouvir as orações.
Falava um moço com cara de menino e boné virado. Chamou muito Fora Renan! e se referiu a ele como “coronel”. Disse que viajara pelas cidades mais pobres do Brasil e viu que no país há muitos pequenos Renans, no poder desde as capitanias hereditárias. A tese geral é que o atraso brasileiro, do qual o coronelismo é parte, deve-se ao patrimonialismo do Estado. “É preciso acabar com o privilégio”, e as reformas sozinhas não adiantam nada sem derrotar a corrupção (“Moro, Moro” entoava a multidão). “A quadrilha vermelha destruiu o país”.
Continuou: “As ruas pertenciam ao lado vermelho, mas nós as tomamos de volta”. “Estamos cansados de propostas populistas, eles estão invadindo as escolas e universidades, incluindo a UNIFESP. A gente vai desocupar todas elas!”. A multidão gritava “Desocupa, desocupa!”. “Fizemos um trabalho e desocupamos escolas no Paraná, em Minas, Porto Alegre e um pouco em São Paulo.” “Vamos combater a corrupção na universidade!”.
Depois ele fez uma crítica aos supersalários do Judiciário. Elogiou Moro, mas disse que os juízes que recebem salários acima do limite constitucional precisam ser punidos, e o serviço precisa ser melhorado.
Um menino de 5 anos veio ao microfone e chamou um Fora Renan!
Falou então um líder do MBL, também chamado Renan. Brincou com ser xará de Calheiros. Ele era bem articulado, e ele disse que, no movimento, ele é quem conversa com deputados e faz pressão no Congresso.
Ele começou descascando qualquer aliança ou convergência com a esquerda na pauta anti-corrupção. Analisou que nenhuma esquerda tem legitimidade para falar de corrupção e que o que esta quer é manipular o movimento e produzir um Fora Temer! “Quando a extrema esquerda mandou seus bandos destruir Brasília, não foi contra o estupro das 10 medidas contra a corrupção, mas sim contra a redução do Estado da PEC”. Criticou a afirmação de Alexandre Frota ‘a direita é frouxa’ e disse que eram ordeiros. “Não queremos ser manipulados pelo PT, que quer nos impor o Fora Temer!, para conseguir eleger o lixo da Marina Silva e o escroto do Ciro Gomes”.
Ele também citou um site “de extrema esquerda, com Jean Willys e FHC, o Quebrando Tabus”. Afirmou que o site celebrava as manifestações, querendo “que nós trabalhássemos para eles”. “Eu não saio com bandido na rua, aqui não vi ninguém de vermelho”. “E quando foi na hora de votar as emendas, as maiores parcelas de bancadas que votaram a favor foram do PT e PSDB.”
Incluiu a imprensa na tentativa de cooptação e manipulação. “Esta manifestação é a primeira que não somos chamados de golpistas”, e que “os jornalistinhas vermelhos da GloboNews tiveram que admitir que a manifestação é grande” e “eles querem nos conduzir para o Fora Temer!”. “Quando teve o impeachment, a imprensa era nossa inimiga. Mas vencemos na rua”. Acho difícil dar crédito a esse ataque, já que a Globo e o PIG em geral fizeram bombar a derrubada da Dilma. Mas de fato, no dia seguinte, o Estado não deu números de manifestantes de hoje, e só citou a PM que avaliou em 15 mil, o que é mentira, tinha pelo menos 100 mil. A pauta da imprensa parece ser mais governista e menos movimento. Quando a repórter e câmera da Globo News foram gravar lá na frente, um outro orador disse “olha lá, a Globo está filmando onde tem pouca gente, para parecer que não veio ninguém”. Imediatamente umas 200 pessoas foram cercar a equipe gritando Fora Renan! Ficou meio tenso, e outro líder do MBL pediu para que as pessoas voltassem para perto do palco.
Numa linha mais liberal, ele falou contra os privilégios em geral e contra o judiciário em particular: “Apoiamos o Sérgio Moro, mas o judiciário não funciona”. Disse que as reformas propostas por Temer vão igualar todas as aposentadorias e combater o privilégio. “Precisamos vencer a casta que se instalou em Brasília”. “Defendemos a liberdade que a esquerda nunca defendeu!”.
Para lidar com o fato de que eles atuam na política institucional, afirmou que “nós usamos os políticos, e não o contrário”. Admitiram ter por amigos o deputado Marchezan Jr e também que o deputado Maia é do mesmo DEM do vereador eleito Holiday.
Um ciclista parou e ouviu um pouco, e aí reclamou que “eles nunca falam do PSDB”. Ao lado, vi uma camiseta “Jiu-Jitsu brasileiro”. Cartazes: “Minha bandeira é verde e amarela”, “abuso de autoridade é legislar em causa própria”, mais um “intervenção militar já” e “Somos 200 mil contra poucos ladrões”. Passou uma pessoa com um daqueles bonequinhos infláveis, mas este tinha a imagem do Japonês da Federal conduzindo Lula. Um maluco vestia um boné do Super Mário. Na frente da sua camiseta lia-se: “Mário, que Mário?”. Atrás, na altura dos ombros “aquele que...”.
A seguir falou o vereador Holiday. Não elaborou sobre a situação política, e focou totalmente sobre Cuba. Falou mal de Fidel e da Revolução, de Dilma e de Lula por terem ido ao funeral, de Aécio por não ter atacado o cubano. “O lugar de Lula não é em Cuba, mas nas frias cadeias de Curitiba”. Disse que Dilma merecia ser presa por seus crimes enquanto presidenta e também por sua militância “terrorista”.
Kim Kataguiri falou sem muito brilho ou novidade. “A velha política acabou”. Disse que “não importa qual o partido, político bandido tem que ir pra cadeia, todos eles, cada um deles”. A multidão: “Lula na cadeia!”. Falou outro moço, acho que um youtuber, chamado Artur. Disse que é preciso combater o discurso da esquerda, “que é sedutor e promete um lugar para todo mundo”, “mas eles escondem as limitações às liberdades econômicas. Defendemos as liberdades individuais mas também as econômicas”.
Aí veio um moço que é estudante e líder do MBL. Começou dizendo que existe sim uma empresa estatal que funciona: “a cadeia!”. Começou falando do que chamou da corrupção na universidade. Disse que a “UFRJ é um antro de comunistas, inclusive de todo o mundo. Vem gente do exterior por intercâmbio dizer que o socialismo funciona quando isso é mentira”. Afirmou que a UFRJ “elegeu um sindicalista do PSOL para reitor e ele tem que ir preso por ter dado direito a férias para as pessoas irem à manifestação em Brasília”. Quando foram fazer a “lavagem liberal da FFLCH”, onde ele estuda, “fomos chamados de viados”. “Eles aplaudem a Marilena Chauí que é o papagaio do PT”. A multidão, agora grossa, entoava: “USP livre! USP livre!”. “Eles são contra a PEC porque querem mais dinheiro para os políticos”. “Temos que ter cuidado com o que estão ensinando nas universidades e escolas”, pois lá estão “nossos filhos e nossos netos”. “As crianças estão sendo doutrinados para que se volte a ter um governo de esquerda”. “Fizemos um trabalho de desocupação em todo o Brasil”. “Como Bin Laden, eles se enfiaram no último refúgio que eles tem: a educação, pois perderam todo o resto.” “Tomamos muita porrada juntos, mas fizemos uma limpa”. “Eu sou de guarulhos e prometo ir expulsar os vagabundos da UNIFESP!”.
Eram 17:30 e passou o faixão dos intervencionistas. Um deles começou a gritar para o MBL: “Oportunistas! Oportunistas!”. Achei interessante essa tensão. Em tempos de realinhamento pós-neoliberalismo, deve haver uma disputa pelo protagonismo da nova ordem. Acho que o MBL se aproximou da política institucional e está na frente em termos de organização e capilarização. Mas sua sorte está selada com a sobrevivência do sistema, e o cetro jacobino pode passar aos radicais intervencionistas. Achava que o Vemprarua fosse mais PSDB, mas fui informado que eles são “loucões” e abraçam qualquer proposta que pareça boa. Se o MBL for genuinamente liberal-globalista, o espaço aberto por Trump será tomado por outra agremiação. Em todos os casos a esquerda será o Judas a malhar, os comunistas lato sensu.
Fiquei mais um pouco, só um orador mais. Além da arenga política, uma ou duas pontuações interessantes. Ele condenou o culto personalista e pediu mobilização “sem idolatria”. Afirmou também que “desde 2014 as reformas estão passando, é uma revolução no Brasil”. Disse também que o deputado Onyx teve a coragem de emendar as 10 Propostas do MPF em aspectos que de fato eram exagerados, como o Habeas Corpus. Mas que a lei afinal votada não foi de sua autoria, e “a elite política estuprou as emendas”. Termina com “uma salva de palmas para a PM”.
Saí fora às 18h e continuei a caminhar em direção à Consolação. Vi ainda as mensagens: mais um “Lula na cadeia” e “Quando você se apaixona pelo partido, você acaba traindo o Brasil. Minha luta é contra a corrupção”. Vi os grupos encerrando suas manifestações e recolhendo o material nos carros de som. Um deles irradiava um Pai Nosso final. Uma barraca de intervencionistas recolhia assinaturas de apoio: “Precisamos passar o Brasil a limpo”.
Numa saída da estação Trianon-MASP do metrô vi uns 300 papeizinhos daqueles “post-it” colados no vidro. As pessoas tinham escrito mensagens ao senado e afixado-as lá. Era vistoso. Vi um homem fantasiado de presidiário com a máscara do Lula. Além disso, vestia um colar de latas de cerveja e tinha uma garrafa de pinga nas mãos. Vi o Vila de novo, agora perto do carro da VPR, ainda muito assediado.
Na ilha central em frente ao MASP um jovem de terno mas sem calças, de cueca e chinelos fofinhos com focinho de cachorro, deitado numa cama armada ali ao ar livre. De óculos escuro e gravata, abanava-se com notas de dinheiro. Na cabeceira, um cartaz: “Deitado em berço esplêndido, somente os nossos políticos”. Era muito fotografado.
Um homem na calçada tirava uma selfie com dois policiais. Um outro segurava um cartaz: “Veta Senado, senão o pau come. Renan, seu bostão!”. Já escurecendo, vi ainda um “Fora todos!”. Virei para retornar ao Paraíso no Conjunto Nacional, e pude reparar melhor no “Muro da Vergonha”, à altura da Casa Branca, que era um plástico grande com as figuras dos 15 senadores que votaram a emenda: “Quem votou pela urgência não merece nosso voto”. Vi uma camiseta: “Se o Moro chamar eu vou”, e um cartaz “Quero 513 clones do Moro”. Adiante tinha um bonecão daqueles de Olinda, e era a figura do Sérgio Moro. Muita gente tirando foto junto. Adiante, vi um carroceiro que tem 5 filhos e sempre aparece em manifestação coxinha, vestidos de verde e amarelo e com bandeiras brasileiras na carroça. Desta vez tinha dois cartazes, um “Fora Temer!” e outro “Fora todos eles!”. Nessa hora vi o Marcelo Reis do Revoltados Online, sozinho numa bicicleta com câmera acoplada. Eles parou junto ao carroceiro e interagiu com ele e as crianças, filmando.
Encontrei L dos Jornalistas Livres e avaliamos a manifestação em mais de 100 mil, um número expressivo. Ele me falou um pouco dos bastidores dos movimento envolvidos no ato. Segui adiante e vi à esquerda uma bandeira “Pátria Amada Corínthians”. Logo depois da Brigadeiro vi um senhor com duas bandeiras, penduradas na frente e atrás de seu corpo, do Brasil e da Itália. Tinha ainda um cetro, uma coroa e uma máscara de porco. Gritava: “Sou rei, sou rei, sou rei! Sou rei desta merda de país! Quem votou no PT tem que se fuder: tudo desempregado.”
Deixei-o para trás e no tapume adiante reparei no cartaz: “Amor preso no trânsito”.
Virei na Praça Oswaldo Cruz para alcançar o Monte Carlo e beber alguma coisa. No caminho, na calçada, vi uma família moradora de rua que já tinha visto outras vezes. Um dos pequenos meninos tinha um pixuleco do Lula presidiário e outro do Super Moro.
Eram 18:30. Tomei uma e fui para casa.
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1 a 3 de dezembro
1 de dezembro
Joaquim Barbosa falou contra o impeachment de Dilma e criticou o governo Temer. O funeral de Fidel apareceu na imprensa também.
Tomei uma cachaça com HP e ele contou um pouco das movimentações nas universidades federais. Quem teve acesso a vazamento de documentos oficiais conta que a polícia de Goiás vigia todos os espectros das ocupações estudantis, e que dossiês pessoais de alunos e professores existam (com dados cruzados do Facebook e internet); todas as atividades do movimento são monitoradas e registradas, todos os telefones são grampáveis. Falamos da presente radicalização de setores da esquerda e dos perigos do modo insurrecional. Ao lado da total falta alternativas institucionais de esquerda. O consenso global do neoliberalismo ruiu economicamente em 2008 e agora geopoliticamente com Trump. As elites mundiais vão ter que se realinhar, e no Brasil isso pode se desenhar ao longo das linhas tectônicas locais, tipo PSDB/Temer = esquema Clinton.
2 de dezembro
Saiu que FHC defende eleições diretas. O Vem pra Rua convidou o juiz Moro a participar da manifestação no domingo. Aliás, a ameaça de renúncia e o esperneio todo deve ter sido para bombar o ato coxinha. Acredito que parte da direita deve ter visto a manifestação anti-PEC em Brasília como uma vitória da esquerda, que foi vista confrontando o poder. Foi muito mais forte que os intervencionistas militaristas da semana passada. Já ouvi muito em manifestações ou site de direita reclamações que “somos muito acomodados”, “só saímos no domingo”.
Vi hoje a interpelação de Lindberg Farias ao juiz Moro no Senado. Como já alertara LR, Moro é muito limitado e só soube repetir o mantra que a intenção de abuso de poder por parte dos magistrados é ser contra a Lava Jato.
Joaquim Barbosa troca farpas com colunista Reinaldo Azevedo.
3 de dezembro
Vi na TV do quilo perto de casa o velório do Chapecoense . Chovia muito e Temer foi. Já o enterro de Fidel levou milhões às ruas.
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