oceucontinuaazul
O céu continua azul
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oceucontinuaazul · 5 years ago
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oceucontinuaazul · 7 years ago
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I was always searching for someone
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oceucontinuaazul · 7 years ago
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[Kimi no Na wa.]
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oceucontinuaazul · 7 years ago
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oceucontinuaazul · 7 years ago
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me and you, can we be…friends?
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oceucontinuaazul · 7 years ago
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friendship exists beyond words and logic, you see.
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oceucontinuaazul · 7 years ago
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[Nishimiya Shouko & Ishida Shouya]
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oceucontinuaazul · 7 years ago
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oceucontinuaazul · 7 years ago
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月がきれい / Fireworks 
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oceucontinuaazul · 7 years ago
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Capítulo 7
A luz entrava pela janela, iluminando todo o quarto.
Jim teve que piscar algumas vezes para os olhos se acostumarem. Ainda imóvel, voltou a fechar os olhos e se concentrou nos arredores. A casa estava completamente silenciosa. Nada se ouvia na cozinha, na sala, em lugar algum. Uma mão deslizou, se estendendo em seu peito. Jim olhou para baixo, e encontrou Laura aninhada junto a ele. Não houve tempo para estranhamento, logo que ele se lembrou da noite passada. Ela havia entrado em seu quarto, deitado ao seu lado e o acolheu em seus braços. Agora Laura estava envolta nos braços de James. Em algum momento durante a noite, ele deve ter se virado e abraçado ela. Sentiu a vergonha subindo o rosto, mas a suprimiu. Não tinha nada a se ter vergonha. Laura foi sua amiga quando ele mais precisou. Pensou em se levantar, mas decidiu ficar mais algum tempo ali.
Seguiu com os olhos as curvas do rosto dela, e o cabelo agora castanho balançando suavemente contra o seu respirar. As mãos dele estavam nas costas de Laura, e ele sentiu o batimento do coração dela. Era calmo, mas forte. O olhar de Jim se demorou um pouco nos lábios dela. “O que estou fazendo?” ele se perguntou.
Laura se mexeu um pouco, se afundando mais um pouco no abraço de Jim, onde era mais quente. Ela bocejou e piscou algumas vezes. Olhou para os lados e para cima, fitando os olhos de Jim.
– O que está fazendo? – Laura perguntou, com a voz sonolenta.
– Acordando, assim como você. – Ele respondeu.
– Não. Isso... – Com uma mão, ela bateu no braço dele.
– Ah, me desculpe. Devemos ter acabado assim durante o sono. – Jim começou a retirar lentamente os braços envolta dela.
– Eu não pedi pra tirar.
James olhou para os olhos castanhos de Laura. Ela não tinha o olhar de alguém apaixonado. Apenas queria a comodidade que tinha ao acordar.
– Sabe, as vezes você é muito folgada. – Ele disse pondo os braços junto ao corpo.
– E você sabe ser um chato. – Laura rebateu, aborrecida.
Jim deu um meio sorriso, quase como um deboche.
– Quer me contar o que aconteceu ontem? – Laura novamente o encarava, como se pudesse ver sua alma.
Jim se virou de barriga para cima. Suspirou e engoliu em seco.
– Eu só lembrei-me de uma pessoa com quem eu me importava.
Laura chegou mais perto, colocando sua cabeça sobre o ombro dele, e sua mão sobre o peito.
– Me conta sobre essa pessoa. Pode ajudar se você falar sobre ela.
Jim olhou para Laura, que fitava um canto do quarto. Ele não tinha contado essa história para ninguém, apenas para Roy. E não tinha terminado bem. “O que estou fazendo?”
– Ela era uma Senhora do tempo, que estudou em Arshten com Whelm e eu. Lutamos juntos nas rebeliões nortenhas.
– Ronnie lutou numa guerra? – Laura perguntou.
– Não – Jim sorriu. – Ela ficou na capital, determinada a fazer os Juízes, lideres do Ministério, a aprovarem a proposta dela e trazer a minha legião de volta para casa. Realmente, não precisávamos estar lá. Mas ordens eram ordens.
– O nome dessa pessoa... era Riley Thompson? – Laura desenhava círculos no peito de Jim, nervosa.
Ele segurou a respiração, surpreso.
– Como você...
– Encontrei o perfil dela aqui – Laura tocou o ArcPad logo atrás de sua orelha. – Pertencia a ela?
Jim não falou, apenas assentiu.
– Riley morreu nas rebeliões, não é? – Laura falava como se estivesse com medo da resposta.
Sangue empapava suas roupas, e o machado estava ao seu lado. Segurava Riley nos braços, enquanto sentia as lágrimas quentes descendo pelo seu rosto. Jim piscou e voltou à realidade. Tinha Laura nos braços, mas as lágrimas continuavam lá. Cerrou os dentes e ficou de costas para ela. “Esse não é o momento para chorar feito uma criança” ele pensou. Secou as lágrimas com o braço, e se sentou na beirada da cama. Laura fungou, e se revirou na cama.
– Vou para o meu quarto me trocar. Você vai ficar bem James?
Ele coçou atrás da orelha, assentindo.
Jim ouviu os passos de Laura se aproximando da porta, mas ela parou de repente. O rapaz olhou para Laura, que o fitava melancolicamente. Ele não conseguia suportar aquele olhar. Virou o rosto para outro canto, envergonhado. Laura lembrava Riley em alguns pontos, como a obstinação que as duas compartilhavam. Mas Laura era como um fôlego novo e bem vindo na vida dele. Seu olhar intenso dava arrepios e fazia com que os pelos na nuca de Jim se eriçassem. Ouviu novamente os passos de Laura, eles eram apressados e vinham na direção de Jim. Levantou o rosto e se virou para ver Laura. Ela envolveu o pescoço dele com os braços, jogando-o na cama. Seus rostos estavam muito próximos, e ele sentia sua respiração intensa. Laura segurou o rosto de Jim entre as mãos, não deixando-o olhar para outra coisa que não eram os seus olhos castanhos.
– Laura... – ele começou a falar.
– Cala a boca.
Mordendo o interior da boca, Jim obedeceu.
– Olha, eu sinto muito. Sinto muito mesmo por Riley. A história de vocês deve ter sido linda, eu até poderia ter torcido pela sua felicidade. Mas aqui no presente, ela se foi. Com o tanto que eu sei desse lugar, prezam muita coisa, mas acima de tudo, prezam força. Você começar a chorar com a simples menção de um nome, não vai deixar você mais perto de se tornar um Deus da Guerra e sair daqui. Não estou pedindo que esqueça Riley. Estou pedindo para deixá-la ir.
Jim olhou nos olhos de Laura buscando alguma coisa. Ele não sabia o que procurar, mas sabia que tinha algo ali.
Piscou algumas vezes, sentindo o rosto esquentar e os olhos ficarem úmidos. Apertou os olhos, e na escuridão viu Riley.
O coração pulou um batimento. Sempre tinha aquela imagem na cabeça. Cabelos ondulados castanhos escuros, um vestido de verão, e um sorriso meigo. Se esticasse os braços, talvez pudesse tocá-la.
Engolindo em seco, abriu os olhos. Olhou para a garota que estava em cima dele.
Cabelos castanhos caiam, cobrindo-lhe a face. Um pequeno sorriso tímido. Pequenas sardas pontuavam seu rosto, acima do nariz. Como nunca havia reparado naquelas sardas, Jim se perguntava. Lembrou-se da primeira vez em que a viu. Fez observações secas e frias. Sentiu vergonha por isso. A pele de Jim esquentou e ficou vermelha.
Laura notara isso. O sorriso se expandiu. Era tão bom ver aquele sorriso, mesmo que por pouco tempo. Sentiu as entranhas darem uma cambalhota. Jim queria corresponder aquele sorriso.
– Não quero sair de casa hoje. – Ele disse baixinho.
Laura comprimiu os lábios, e se aproximou do ouvido de Jim. A pele dele arrepiou.
– Fique hoje aqui comigo, então.
Os cabelos dela voltaram a pairar sobre o rosto de Jim. Ele agradeceu a qualquer um que escute por aquele momento e visão que ele tinha daquela garota.
Laura sentiu o coração se aquecer, se permitindo ver possibilidades de um futuro que incluía Jim Graham em sua vida.
...
Faltava duas horas para o encontro com Kingsley, líder de umas das maiores organizações que atuava contra o Ministério. Duas horas e nenhuma noticia de Jim. A falta de comprometimento dele com esse tipo de coisa irritava Ronnie. Havia demorado mais tempo que o necessário para esse tipo de coisa, e custado muitos recursos para conseguir essa reunião. Era de suma importância com que eles convencessem Kingsley a contratá-los. Depois de três tentativas de chamadas, Ronnie desistiu de contatá-lo. Iria até lá sozinha.
A parte baixa da cidade tinha toda a sorte de bandidos e ladrões escondida em seus becos. Gangues que controlavam o comércio ali, e impediam que os estabelecimentos fechassem. Na parte alta da cidade havia esse tipo de coisa também, mas quem fazia esse papel eram os Senhores do tempo. Coletavam dinheiro de comerciantes, em troca de “proteção”. No fim do dia, ninguém era diferente do outro. Ronnie virou numa esquina e entrou num beco. Ao entrar nas sombras, assumiu uma postura ereta, com o rosto impassível, com uma pitada de elitismo e o olhar frio como aço. Uma clássica aristocrata.
Bateu três vezes na porta. Um par de olhos apareceu na abertura da porta, fiscalizando quem era o invasor. Rapidamente a pessoa atrás da porta fechou a abertura, e começou um longo processo de destrancar a porta. A cada batida de trinco e de ferrolhos, Karol olhava para os lados, temerosa que alguém tivesse a seguido. Entrou no esconderijo, e deu uma ultima olhada no beco. A partir dali, poderia nunca mais ver a luz do sol.
Passou por túneis escuros e pouco agradáveis ao olfato. Volta e meia se ouvia um rato correndo nos canos. O homem a sua frente iluminava o caminho com uma lanterna, resmungando que faria alguém por lâmpadas nos túneis. Olhava para a Van Whelm, levantando uma sobrancelha. Talvez se perguntasse por que alguém de lá de cima viria se mancomunar com pessoas como ele. Karol não fazia contato visual com ele. Mantinha o olhar afiado e orgulhoso. Tinha um papel a desempenhar. E pretendia fazer ele com perfeição. Ela percebeu que havia passado quase uma hora que estavam andando. Procedimento padrão para que ela não se lembrasse do caminho, e para que ninguém achasse o corpo dela, se necessário.
Depois de mais duas voltas, pararam numa porta de madeira comum, que poderia facilmente passar despercebida. Luz vazava dos vãos da porta. Destino final. O homem coçou o queixo, e abriu a porta. Deu espaço para Karol, e ela atravessou.
A sala tinha um tamanho descomunal. Pilhas de livros de amontoavam em estantes, todos distribuídos em três andares imensos. Não havia nenhuma estrutura na parte baixa da cidade que pudesse corresponder a esse tamanho.  O sol iluminava todo o espaço, passando por janelas enormes, com toda a sorte de desenhos formando os vitrais.
Karol ouviu passos arrastados no fundo da sala. Um homem apareceu, lendo um livro grande e pesado. Tinha os cabelos grisalhos, quase todos brancos, assim como seu cavanhaque. Sua pele escura parecia castigada pelo tempo, as rugas profundas, assim como suas linhas de expressão. Suas roupas eram de alguém bem-nascido, feitas sob medida. Tinha um ar quase medieval. Karol segurou a respiração surpresa. Ela conhecia aquele sujeito. Bem demais até.
Achava que se encontraria com algum líder de célula, que repassaria sua proposta para o líder da operação. Kingsley era um nome falso, isso era óbvio para Karol.
– Stephen! – Ela exclamou.
O sujeito olhou para a visitante. Arqueou as sobrancelhas, curioso. Endireitou as costas e fechou o livro que estava lendo. Colocou o tomo debaixo da axila, e caminhou em direção a Karol.
– Eu sinceramente não acreditei, quando me disseram que Karol Van Whelm viria conversar sobre uma proposta de rebelião contra o Ministério. – A voz dele era profunda, parecia reverberar nas paredes.
Karol tinha que suprimir o seu lado que queria saudar o velho amigo com um abraço. Lembrava-se das vezes em que Stephen ia até o pai dela, tratar de negócios. Quando esse não era o assunto de sua visita, mas simplesmente visitar a família, ela e seu tio passavam horas a fio conversando com Stephen. Eles sempre tiveram debates agradáveis, que por vezes eram bastante filosóficos. Ela voltou a sua compostura aristocrata, assumindo um olhar frio feito aço.
– Os tempos não estão bondosos com quem é ingênuo. E me surpreende que você faça parte disso, Stephen.
– Ora, minha cara. O que impediria de esse encontro não ter sido orquestrado pelos Juízes, para desmantelar qualquer conspiração que você e seu grupo estejam armando? Quanto tempo acha que demoraria para capturar e matar James Kodlak Graham e a nascida da Terra Mãe? Vocês não são tão discretos quanto acreditam que sejam.
Karol fez esforço para não transparecer qualquer sinal de emoção. Realmente, esse pensamento passou pela mente dela. Mas conhecia seu governo.
– Se isso fosse verdade, nada disso estaria acontecendo. Todos nós estaríamos mortos, e você em sua casa. Sabemos como o Ministério gosta de mostrar força. – Karol caminhou até uma poltrona no canto da sala. – Capturar e executar conspiradores antes mesmo que causem algum estrago. É uma chance imperdível de esmagar qualquer tipo de esperança que venha a brotar no coração do povo.
– E se tentassem levar isso adiante, esperar, até um ponto em que poderiam capturar todo tipo de grupo que almeja o que você almeja?
– Acha mesmo que não teria algum tipo de plano para isso?
Stephen sorriu.
– Você teria dez planos para cada cem tipos de cenários.
Karol suavizou o olhar.
– Conhece-me bem, Stephen. Me desculpe, Kingsley. – Karol se corrigiu.
Ele abanou a mão, dispensando sutilezas.
– Sempre vou ser o Stephen para você, Ronnie.
Ela se permitiu um sorriso.
– Temos muito o que conversar.
– Sim, temos.
Caminhando ao lado de Stephen, Karol falou sobre a sua proposta.
...
– Dá pra você ficar quieto? Desse jeito, vou acabar errando!
– Não é culpa minha se essa coisa dá coceira.
Laura segurou a cabeça de Jim com as mãos firmemente.
– Quer que eu termine logo com isso ou não?
Jim apoiou a cabeça na mão, entediado. Com a mão livre, fez um gesto para ela prosseguir.
Laura deu um tapa na cabeça dele.
– Sem condescendência.
– Sim mamãe. – ele disse.
– Às vezes eu te odeio.
Jim se virou e olhou para Laura.
– Não, não odeia.
Laura estava seriamente reconsiderando toda aquela situação.
Havia concordado em ajudar Jim em tingir o cabelo dele. Mas desde o momento em que começaram o processo, ele não parava quieto e reclamava feito um velho.
Nem mesmo Jessie reclamava tanto assim.
O preto realmente acentuava os olhos de Jim. Ele veio do banheiro com a toalha em volta do pescoço, secando o cabelo com ela. Laura se afastou um pouco para ver melhor o trabalho que fizera. Era estranho para ela. Jim dissera que o cabelo dele era daquela maneira antes de ficar branco. Ele olhou Laura, curioso, franzindo as sobrancelhas. A nova intensidade dos olhos verdes dele fez Laura dar um suspiro. Jim agora tinha um ar quase... perigoso.
Ele segurou o dedo anelar com o polegar e o estralou.
– Vai ficar babando ai, ou vamos fazer o almoço?
Laura sentiu o rosto esquentar e ficar vermelho.
– Eu não estava babando.
– Estava sim. Não te culpo. É meu charme natural. – Jim falou entrando na cozinha.
Laura revirou os olhos, estupefata.
– Pouco convencido você, não é, Graham?
– Apenas quando me devoram com os olhos. – Ele tinha um sorriso torto nos lábios.
– E com isso, você perdeu direito de opinar sobre o que vamos comer.
– O quê?
– É para te ensinar a ser mais humilde, seu idiota.
A escolha de Laura foi lasanha. Jim não tentou se opor.
Os dois dividiram a cozinha, sem quase trocar uma palavra. O silêncio era apenas quebrado pelo som dos talheres. Aquilo irritava Laura. Olhava de canto de olho para Jim. Ele estava focado em sua tarefa, com algumas gotículas de suor escorrendo pela lateral do rosto. Usava uma camiseta branca, e uma calça jeans. Laura começou a reparar nos pequenos detalhes de Jim. Em como os músculos retesavam e trabalhavam debaixo da pele dele. O olhar contido e centrado. Em como os lábios dele se moviam.
Laura se flagrou pensando coisas que não eram próprias. Sacudiu a cabeça, tentando dissipar os pensamentos.
– Jim, pode pegar o molho para mim?
– Aqui está. – Ele disse, colocando o pote de vidro ao lado dela.
Ela sentiu o calor da pele dele próximo dela. Laura se arrepiou.
“É apenas o idiota do Jim. Não um deus grego. Se controle”.
Os dois aprontaram a mesa e se sentaram para comer. Dessa vez, sentaram-se mais próximos um do outro.
A conversa veio naturalmente. Aquilo era um alivio para Laura. Não suportaria outra dose de silêncio.
Depois que terminaram de comer, Jim recolheu os pratos e os levou para a pia.
– Eu te ajudo a lavar. – Laura falou um pouco tímida.
– Claro, tudo bem. – Jim falou se atrapalhando um pouco com as palavras.
“Por que diabos eu me ofereci para lavar a louça?”, Laura se repreendeu.
Os dois colaram na borda da pia, prontos para o trabalho. Antes de começar, Jim estralou todos os dedos da mão esquerda. Laura olhou para ele. Jim parecia um pouco... nervoso.
Ele esfregava e enxaguava a louça, enquanto Laura secava e guardava no armário. Cotovelos grudados, mãos desatentas se encontravam. A cada toque, Laura sentia seu rosto esquentar. Jim tinha o olhar longe, se esforçando para não olhar para a garota ao seu lado.
Aquilo era novo entre eles. Laura nunca se sentiu assim antes, quando estavam perto um do outro. Uma energia nova que fluía entre eles. Pensou na manhã daquele dia. Jim queria passar aquele dia com Laura. Ela havia convidado ele a isso. Então por que queria correr para qualquer lugar que não fosse perto dele, e enterrar a cabeça no chão?
Ao terminar de lavar a louça, Laura começou a caminhar para a sala de estar. Tinha que deitar no sofá e relaxar. Sentia uma tensão nos ombros, que não tinha ao acordar.
Apoiou a cabeça no braço do sofá, contemplando o teto branco. Pegou os óculos de armação preta que havia comprado com Ronnie na noite passada, e pôs sobre os olhos. Fechou os olhos por um minuto, e se permitiu relaxar. Estava quase dormindo, quando ouviu Jim se deitar no sofá maior.
“Cara barulhento”.
– Você adora acabar com a minha paz, não é? – Laura deitou com a barriga para baixo, encarando Jim.
– Só quando vale a pena. – Ele respondeu colocando um braço debaixo da cabeça.
Laura deu uma risada.
– O que pra você, é basicamente a cada minuto do dia.
– Tenho mais o que fazer. – Jim grunhiu.
Laura se irritou um pouco. Queria tirá-lo do serio. Deixá-lo envergonhado ou nervoso. Dava nos nervos aquele sorriso torto de deboche de Jim.
Num impulso, Laura se levantou do sofá. Caminhou até Jim, e deitou-se ao seu lado.
...
Ele se assustou, dando um pulo do lugar onde estava.
Jim não ficou de frente com Laura, deitado de lado, tentando evitar contato visual. Sentia os músculos tensos, e a pele ficando vermelha. Jim ficou paralisado, quando as pontas dos dedos de Laura começaram a deslizar pelas curvas das costas dele.
“Por que estou agindo feito uma criança?”
Estralou o dedo indicador com o polegar. Ouviu Laura rindo baixinho, se divertindo com as reações dele.
Laura conseguia ser irritante quando queria.
Mas havia outra coisa. Uma coisa clara para ele era que algo entre eles havia mudado. Sempre houve tensão entre Laura e Jim, mas quase sempre era hostil. Mas quando Laura havia entrado no quarto dele na noite anterior, e o envolveu em seus braços, uma sensação de segurança havia preenchido o peito dele.
E ele não sentia isso desde Riley.
“O que você tem, Laura? Por que você?”
Jim apoiou a mão no sofá e virou o corpo, para ficar de frente com Laura.
As mãos dela pararam imediatamente, recuando. James olhou nos olhos dela, buscando significado. Voltou a reparar nas pequenas sardas, acima do nariz. Os olhos eram um misto de confusão e curiosidade. A boca estava comprimida, insegura.
Nunca havia reparado em como os lábios de Laura eram convidativos.
Fechou os olhos e respirou profundamente.
“O que estou fazendo?”
Sentiu uma mão quente deslizar pela bochecha. Jim abriu os olhos. Ela estava de olhos fechados. O polegar dela se movia da esquerda para a direita, acariciando a pele dele. Jim arregalou os olhos.
“O que estamos fazendo?”
Aquilo não podia acontecer. Simplesmente não podia. Alguém sem nada a perder, se entregava de corpo e alma a uma causa. Quando se tinha algo que o segurasse, não poderia haver foco total.
“Não temos espaço para romances. Muito menos corações partidos”.
Essas foram as palavras de Jim para si mesmo.
Mas aquilo...
Jim se permitiu um sorriso. Puxou a cintura de Laura contra si, encostando a testa na dela.
O sorriso de Laura se alargou.
Os olhos dela se abriram, fitando os olhos verdes de Jim. Ele sentiu os músculos ficando rígidos, como se aquele olhar estivesse petrificando-o. Laura segurou o rosto dele com as duas mãos, como havia feito mais cedo.
Não foi preciso palavras.
Ajudou-a, e Laura ficou por cima do corpo de Jim, com um joelho em cada lado. As mãos dele continuavam em sua cintura, firmes.
“Eu quero isso?”
Laura se inclinou. Os cabelos castanhos dela roçavam o rosto de Jim, que agradecia aquela vista silenciosamente.
– Isso não vai poder acontecer de novo, não é? – Laura perguntou, receosa.
– Eu não sei. Teremos que estar vivos para descobrir.
Ela riu.
– Então eu vou te proteger para descobrirmos. O que acha?
Jim estralou o dedo anelar da mão esquerda.
– Estarei ansioso por esse dia.
Laura se inclinou mais, e beijou os lábios de Jim.
Tinha um gosto doce, inebriante.
Sem interromper o beijo, Jim se sentou e abraçou Laura, passando os braços por debaixo dos dela. Os dedos dela brincavam com os cabelos de Jim. Ele sentiu os lábios dela formarem um sorriso.
– Por quê isso me parece um finalmente? – ela sussurrou no ouvido dele.
Dessa vez, Jim tinha a resposta.
– Porque precisamos de um.
O sorriso se intensificou. Com agilidade, Laura enlaçou a cintura de Jim com as pernas.
Ele não perdeu tempo.
Segurou-a e se levantou do sofá, levando Laura consigo. Trocando longos beijos, caminhou até o quarto.
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oceucontinuaazul · 7 years ago
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What have you got for me this time?
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oceucontinuaazul · 7 years ago
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Capítulo 6
A cidade sob a luz do sol era algo a se lembrar, mas não por coisas boas.
Mendigos se escondiam em becos junto aos ratos, e a maior parte das ruas da parte baixa da cidade exalava o cheiro de bebida, prostituição e lascívia. Ali era a morada de ladrões e daqueles que viviam sob montes de lixo e chamavam aquilo de casa. Laura queria ir embora dali, mas se forçou a permanecer, continuando a caminhar com a cabeça baixa. “Você vai mudar tudo isso um dia, Laura” ela quase ouvia Jim sussurrando isso em seus pensamentos. Mesmo Laura concordando com o plano suicida de Jim de derrubar o governo, achava que ele exagerava na descrição das coisas. Pois se enganara. Não havia esperança ali. A parte alta era onde os mais abastados viviam, gozando de confortos e prazeres além da imaginação da população mais pobre. Ronnie vivia lá. Laura se perguntou o por quê da amiga querer ser parte dessa rebelião. Tudo o que ela conhecia iria acabar, sua família seria devorada pelas traças e tudo o que conquistou se desfaria em suas mãos. O pensamento a perturbou. Se falhassem, todos seriam mortos. Jim não teria sua liberdade, Ronnie seria privada de uma vida cheia de possibilidades, e Laura nunca mais veria sua irmã mais nova. Pensar em Jessie fez seu coração palpitar. Jessie estava sozinha naquele exato momento, conforme o tempo fluía nas duas Terras. Se Laura estivesse acompanhando o calendário da Terra Mãe corretamente, dali quatro semanas seria o aniversário de quinze anos da irmã. O primeiro que elas não comemoravam juntas. Laura esfregou os olhos para afastar as lágrimas, sentindo os empurrões dos pedestres esbarrando nela. Prometeu a si mesma que comemoraria o aniversário da irmã junto da mesma. Se tudo desse certo, Laura voltaria para casa, no exato momento em que deixou sua Terra. Nem mesmo um segundo teria se passado para Jessie, a irmã mais velha nunca teria desaparecido, e estariam juntas como sempre.
Voltando a levantar a cabeça, percebeu que saiu da avenida principal, entrando num beco sem saída. Olhou para os cortiços, com suas sombras se assomando sobre ela. Suspirou e deu meia volta, mas bateu o rosto no peito de alguém, se desequilibrando e caindo sobre as mãos. Apertou os olhos e ajeitou a mochila nos ombros, encarando a pessoa a sua frente. A pessoa se agachou, segurando o queixo de Laura com os dedos, e enquanto encostava o fio gelado de uma faca em seu pescoço.
– Grite e corto seu pescoço, garota – falou o agressor de modo arrastado. – Me entregue a mochila e todo o dinheiro que tiver. Será uma contribuição sua para o Ministério.
A visão de Laura focalizou e ela olhou dos pés a cabeça o assaltante. Alto e musculoso, tinha um cabelo de cor vermelho ferrugem. Usava o mesmo uniforme que Jim usava para ir ao trabalho, que era fabricado com um tecido vermelho muito maleável, mas também agia como uma armadura caso necessário, enrijecendo nas áreas de impacto de projéteis e lâminas. Feito para não atrapalhar quaisquer atividades físicas, que são vitais para o cumprimento do dever, mas tinha um toque de elegância. “Um Senhor do tempo!” ela pensou. Eles eram a polícia por ali, mas parecia que agentes corruptos eram algo universal em todas as Terras habitadas. Laura não obedeceu, e o Senhor do tempo aumentou a pressão da lâmina contra o seu pescoço.
– Não dificulte as coisas. Gosto que me obedeçam. Se fizer qualquer coisa suspeita, vou fazer muito mais do que apenas levar a mochila. – O agressor avisou, tirando a mão do queixo de Laura, pondo-a sobre a coxa dela, deslizando entre as pernas.
Laura sufocou o pânico. Respirou fundo e devagar, pondo os pensamentos em ordem. Não iria deixar que levassem a mochila, muito menos ser violada. Engoliu em seco e pensou em tudo o que aprendera nas últimas duas semanas. James era um excelente professor, combate era a sua vida, e era necessário ele repassar o que sabia a Laura. Para ele, socar era tão natural quanto respirar. Laura torceu para o Senhor do tempo corrupto não ser um mestiço ou um nascido da Terra Mãe, ou do contrário, não teria a mínima chance.
Quando a mão do agressor estava perto o suficiente para Laura não perder a pegada, ela atacou. Usando os braços, usou um braço para se impulsionar para frente, ficando de pé, enquanto agarrava o colarinho do uniforme com a outra mão. Utilizando-se do empurrão criado pela força extra que usara, Laura preparou um soco com toda a potência que conseguia juntar. O Senhor do tempo assustara-se com a investida repentina, tropeçando nos próprios pés. “Ótimo, agora é só encaixar um bom golpe”. Foi mais que um bom golpe. O punho de Laura aterrissou sem problemas no rosto do ruivo, e com a força acumulada, ela o mandou voando até o lado oposto da avenida, cobrindo quase 15 metros de distância. Por sorte, o soldado não atingiu nenhum pedestre, apenas um pobre carro novo estacionado, que fora amassado sem chance de recuperação. De olhos arregalados, assim como todas as pessoas presentes, Laura viu o Senhor do tempo desacordado, com múltiplos ossos quebrados e mal respirando, com cortes profundos e uma mandíbula destruída. Um aglomerado de pessoas agora entrava no beco, curiosos para saber o que havia ocorrido. O burburinho de vozes foi aumentando, dedos foram apontados para Laura. “Hora de ir embora” ela pensou. Olhou para cima, e se preparou. Agarrando as alças da mochila, saltou sem esforço para o telhado mais próximo dela. Pousou sem muitos problemas e esquadrinhou a paisagem à frente. Teria que dar mais alguns saltos para sair da área. Percebeu que estava segurando a respiração até aquele momento e exalou ar. Olhou para as próprias mãos, percebendo o que tinha acabado de fazer. Sentia-se bem, muito melhor do que se sentia em muitos anos. Deixou escapar uma risada, relaxou os músculos e começou a correr. Sentiu o sol em sua pele e fez outro salto, deixando o vento deslizar e bagunçar os cabelos loiros. Outro pouso realizado com sucesso. Sentiu um largo sorriso se formando em seus lábios. A cidade era grande, e ninguém, a não ser o tráfego aéreo, iria perceber uma garota pulando de telhado em telhado. Ainda havia muito tempo até o jantar.
...
O plano de Ronnie parecia bom.
Esse espião que ela queria infiltrar poderia ter acesso a coisas que um Van Whelm não teria. Posições dentro do ministério. Todo o plano começava a ter uma forma definitiva, e Jim gostava disso. E a idéia do espião ser alguém completamente de fora dos círculos sociais mais altos era excepcional. Pessoas que se acostumaram a ter poucas coisas, mas lutaram por cada uma delas, era algo valioso. Em Blacksteel, essas pessoas viam a podridão do Ministério, e seriam ótimas adições na luta contra o sistema. Em segundo plano, Jim conversou com Ronnie sobre alguém com esse mesmo perfil, juntando um exército dentro da cidade. Pessoas que estariam dispostas a serem livres. Isso lhe seria útil, com o direcionamento correto. Ela concordou com essa idéia. Teriam que dar algo para os grupos rebeldes, quando fossem negociar com eles. E o que melhor do que um exército treinado por um Senhor do tempo? De uma arma na mão de alguém disposto, e a pessoa atirará. Jim, Laura e Ronnie precisavam de mais do que dois exércitos. O terceiro seria o bastante. Nem mesmo o Ministério poderia bater de frente com três forças atacando de dentro da sua própria cidade.
Olhou para o relógio, já eram quase quatro horas. Laura já devia estar com Roy. Fazia meses desde que Jim viu Roy. Era um Senhor do tempo dispensado um pouco antes das rebeliões nortenhas, um dos sortudos, Jim dizia. Havia se especializado em armas, assim como compra e venda das mesmas. Tinham que armar seu exército de alguma forma, e Roy era a melhor opção de longe. Mas as coisas não andavam muito bem entre ele e Jim desde as rebeliões. Uma morte que afetara ambos. Em público, Jim aparentava já ter tido seu tempo de luto, mas ainda guardava suas lágrimas bem fundo em seu ser. Roy era outra história. Tinha virado um alcoólatra e quase não saia de casa. Volta e meia, Jim ia visitá-lo, mas na última vez, haviam se desentendido duma forma que talvez não houvesse reparação. Mandar Laura seria como ter um intermediário. E Jim precisava dessa ponte para tudo dar certo. Precisava do antigo amigo.
O som de bip soou nos dois ArcPads de Ronnie e Jim. Era um boletim de ocorrência, que dizia que um Senhor do tempo fora atacado em uma das avenidas mais movimentadas da cidade. Relatos contavam que a vítima havia sido agredida num beco perigoso da área, sendo aparentemente espancada, saindo voando em alta velocidade do beco e se chocando contra um carro, deixando a vitima a beira da morte. Testemunhas dizem que foi obra de ladrões, que tinham o objetivo de assaltar o Senhor do tempo, que saíram correndo logo após o ocorrido. Outras testemunhas dizem que fora obra de uma só pessoa, um mestiço, algumas investigações apontam. Logo após mandar o guarda voando, pulou para o topo do prédio mais próximo. “Isso não vai acabar bem para o louco que atacou um Senhor do tempo” Jim pensou. Atacar um Senhor do tempo, tinha como pena a sentença de morte, sem direito a um julgamento. Uma atualização da noticia apareceu, mostrando uma foto do possível atacante, tirada por umas das testemunhas. Ronnie, que estava à frente de Jim, gritou desesperada. A pessoa na foto era Laura.
...
Achar o lugar que Roy morava não havia sido difícil para Laura.
Viajar saltando de um telhado para o outro era divertido e poupava muito tempo. Ela poderia se acostumar com isso. Roy morava num apartamento no décimo quarto andar, numa área urbana e movimentada da cidade. Os prédios da Terra Mãe e da Terra Convergente não eram muito diferentes, apenas em sua arquitetura, então Laura não achou dificuldades de subir até o andar de Roy. Apertou o botão da campainha ao lado da porta e esperou. Nenhum som vinha de dentro do apartamento. Tentou outra vez e nada. Laura encostou o ouvido na porta para ouvir melhor lá dentro. Fechou os olhos e se concentrou. Fora uma lição muito útil de Jim para ela. “Se atente aos arredores, conheça seu campo de batalha” ela o escutou em seus pensamentos. Isso já estava assustando-a. Desde quando James Graham começara a ocupar seus pensamentos? Segurou a respiração e então escutou. Seus batimentos cardíacos, assim como a respiração baixa de alguém logo atrás da porta. Arreganhou os dentes e bateu com o punho fechado na porta.
– Escuta aqui! É melhor você abrir essa porta ou vou pô-la abaixo. Você escolhe! – Laura rosnou. Não tinha paciência para esse tipo de gente.
Passados três segundos, Laura se preparava para chutar a porta abaixo, mas a pessoa lá dentro girou a maçaneta. Era um homem loiro alguns anos mais velho que ela, olhos azuis, com uma barba por fazer e cheirava a bebida. Laura cobriu o nariz com a mão.
– Sabe, não é assim que você visita uma pessoa. – Ele falou coçando a barba. – Muito menos alguém que tem armas em casa. – Rapidamente ele sacou uma pistola das costas, apontando para o rosto de Laura.
Ela levantou as mãos, em sinal de rendição. O homem tinha razão. Ela não causara uma boa primeira impressão. Tentaria ir mais devagar agora.
– Quem diabos é você? – ele perguntou com a arma ainda apontada.
– Meu nome é Laura. Vim aqui querendo falar com o senhor – ela respondeu o mais cordialmente possível.
– E você acha que quero falar com você depois de você querer invadir minha casa?
– Venho também em nome de James Graham, além de mim própria e dos meus interesses – ela levantou ainda mais as mãos, um pouco desesperada. Não queria levar um tiro. Talvez mencionar Jim faria ele reconsiderar.
– O quê? Aquele pedaço de merda mandou você? – Não era a reação que Laura esperava.
– Ele não me mandou. Ele não manda em mim, nem em dois milhões de anos ele mandaria em mim. Estou aqui por que você pode me ajudar, e Jim apenas me recomendou você. – Laura agora encostava o dedo indicador no peito do homem, empurrando-o.
– E por que você acha que vou ajudá-la se está trabalhando junto ao Graham? Aquele moleque por acaso se lembra que eu ainda estou puto com ele? – O homem havia relaxado a postura. Laura se permitiu recuar e respirar fundo. Queria matar Jim por enganá-la e fazê-la ir remendar suas relações instáveis.
– Porque se eu não precisasse de armas, não me incomodaria em quebrar cada osso do corpo daquele garoto com minhas próprias mãos. E não estaria aqui, conversando com você. – Talvez ter uma raiva mútua por James Graham os fizesse chegar a um acordo.
O homem a olhou novamente da cabeça aos pés, estudando-a. Laura realmente não gostava dessa inspeção. Com a mão livre, esfregou a barba. Recolheu a arma, e guardou-a.
– Você teria que entrar na fila. Estou esperando a minha vez para quebrar a cara do James. – O homem estendeu a mão – Sou Roy.
– Eu sou Laura – ela respondeu apertando a mão dele.
– Entre e vamos ver o que posso fazer por você.
...
Ronnie apenas queria que o carro fosse mais rápido.
– Ei, cuidado nessa curva! – Jim gritou por cima do barulho do pneu cantando no asfalto. – Sabe, eu ficaria muito mais aliviado se você mudasse para a forma aérea. Chegaríamos mais rápido.
– Muito tráfego lá em cima. – Ronnie falou sem tirar os olhos da rua. – E desde quando você superou seus enjôos de viagens aéreas?
– Não superei... – ele respondeu fitando pela janela. – Só temos que chegar lá.
– Sabe, para quem quer se tornar um Deus da guerra, ter enjôo com uma coisa dessas é desconcertante – Ronnie comentou, tentando suavizar a situação. Os dois estavam preocupados com o que Roy faria com uma suspeita de crime. As palmas das mãos dela suavam segurando o volante. “Temos que chegar mais rápido, droga” ela praguejou em seus pensamentos.
– Apenas dirija, Whelm. – a voz de Jim saiu seca.
Quatro minutos depois, deram de cara com um bloqueio na rua, forçando-a a estacionar. O desespero subiu a garganta de Ronnie. Iriam demorar ainda mais a pé. Ao lado dela, Jim analisava a situação. Impaciente e frustrado, socou o painel do carro. O airbag abriu imediatamente, mas ele não deixou inflar, segurando-o com a mão. Ronnie poderia dar uma gritar com Jim, mas ela entendia e sentia o mesmo que o amigo.
– Já sei. Vamos – ele disse abrindo a porta do carro.
– Ei, aonde vamos? – Ronnie saiu e acompanhou Jim. – Vai demorar muito se formos caminhando, mesmo correndo!
– Não vamos pela rua, vamos por cima – ele disse apontando para o topo das construções.
A aristocrata recusou veementemente.
– É o único jeito, Ronnie – James esticou uma mão para ela.
– Vai ter força para levar a nós dois? – ela perguntou cruzando os braços.
– Talvez. Nunca tentei isso antes.
Ronnie bufou frustrada.
– Se morrermos, a culpa é toda sua. E veja se não vomita entre os saltos – Ronnie falou, enquanto Jim segurava suas pernas e tronco.
– Sim senhora, capitã – e com um forte impulso, eles saltaram.
Viajar saltando era bom. A sensação do ventos na pele e nos cabelos fazia a adrenalina fluir. Ronnie se agarrava mais a Jim em cada salto. Ela podia ouvir o ritmo acelerado do coração dele, bombeando sangue feito louco. Também podia ouvir quando ele engolia em seco, com medo de deixá-la cair. Pousaram numa esquina, a alguns metros do apartamento onde Roy morava. Alguns pedestres se assustaram com a aterrissagem súbita, correndo para todos os lados. Ronnie largou da pegada em Jim, observando os arredores. Ao seu lado, ele arfava, tentando sugar a maior quantidade de ar possível. Ele estava prestes a vomitar e não seria nada bonito.
– Vomite em outro canto, por favor – Ronnie pediu.
– Temos que achar Laura. Para de graça e vamos logo – ele falou exausto, caminhando para o prédio de Roy.
Jim realmente estava determinado a encontrar Laura.
...
Era amedrontador encarar aquela porta novamente.
Jim estralou o dedo indicador com o polegar e reuniu coragem. Ele e Roy não estavam no melhores dos termos. Olharia naqueles olhos azuis gélidos e colocaria um fim naquela desavença dos dois. De um jeito ou de outro. Ergueu o punho e bateu a porta. Whelm se posicionou ao lado dele, com uma face de coragem. Mas Jim sabia que ela se preocupava com Laura. Possivelmente também já bolava um plano se tudo descambasse. Ele também fazia sua parte, pensando em uma maneira de proteger Laura depois de saírem dali. Ela era suspeita de um crime. Não deixaria ela morrer. Mesmo que significasse colocar sua cabeça a prêmio.
– Quem é? – Ouviu a voz de Roy do outro lado da porta. Parecia cansada e irritadiça.
Jim respirou fundo.
– Alguém que você está louco pra matar – James respondeu, se preparando para o pior.
Momentos depois, a porta se abriu. Laura apareceu calmamente, balbuciando alguma coisa para Roy que estava um pouco mais atrás. Empurrando Jim para o lado, Whelm envolveu o pescoço de Laura num abraço desesperado, agradecendo por ela estar bem. Jim não pode deixar de sorrir aliviado. Seu coração pareceu bem mais leve. “Compostura, Graham!” ele se repreendeu. A visita ainda não tinha acabado.
– Roy, temos que conversar – Jim disse para o dono da casa.
– Sim, nós temos. A começar por vocês dois estarem ajudando nossa cara fugitiva aqui – ele atraiu a atenção das duas amigas que continuavam a se abraçar.
– Isso é uma longa história – Jim se encostou no batente da porta.
– Tenho a noite inteira, Graham – Jim não deixou se intimidar. – Loirinha, não se esqueça. Use a configuração apenas daqui à doze horas. É o tempo que leva para ela se ajustar ao seu padrão cerebral.
Laura assentiu, enquanto era puxada para fora por Whelm.
– Sente-se em algum lugar, quero saber de tudo.
...
Saltar distâncias enormes era a coisa mais excitante que Laura já tinha feito na vida.
Ronnie parecia já estar acostumada com a sensação, mas não a impediu de dar alguns gritos de animação. Ela era leve, e o calor do corpo dela contra o de Laura fazia parecer que os saltos eram mais suaves. Chegaram aonde estava o carro de Ronnie, e entraram nele em silêncio. Apesar da euforia dos saltos, a cabeça de Laura estava em outro assunto. O incidente de mais cedo fizera dela uma pessoa procurada. E esse mesmo pensamento rondava a cabeça da amiga.
– Eu entendo que, o que aconteceu, estava além do seu controle. Mas não precisava mandar o cara para a UTI – Ronnie ligou o carro, e ativou o modo aéreo.
– Ele ia me atacar, só o que pensei foi em revidar. Mas bem... – Laura deu uma risada fraca – ainda não sei controlar a força.
– Tá, eu entendi isso. Mas agora, você não pode mais ir para a seleção de Senhores do tempo. Vão te deter e te executar na hora – Ronnie apertou mais o volante.
Laura sabia o que era ser caçada. Grande parte da sua vida fora resumida a sobrevivência dela e da irmã. Tudo porque estava no lugar errado na hora errada. Mas sabia como resolver essa situação.
– Eu vou para essa seleção. Apenas não como Laura Barnes – ela coçou o antebraço, em volta dos pequenos triângulos pretos que agora faziam parte dela.
Ronnie a olhou curiosa.
– O que você tem em mente? – ela perguntou, voltando a olhar para o tráfego a sua frente, cheio de carros no céu.
– Precisamos de tinta de cabelo, um óculos, e novas identidades.
– Sabe, James e você vão me deixar pobre com o tanto de identidades que vão me fazer arrumar – Ronnie disse suspirando.
– Nós sabemos, e agradecemos por sua cooperação – Laura disse, dando um sorriso para a amiga.
Os dois primeiros itens da lista foram fáceis de conseguir. As identidades iriam ter que esperar. Enquanto as duas iam de um lado para o outro, comprando o que precisavam e o que não precisavam, porque simplesmente podiam, Laura estava se divertindo. Ela não tinha isso a muito tempo. Além das duas semanas naquele mundo novo, antes de ir parar ali, ela fora privada disso. Tudo se resumia a cuidar da irmã e manter a casa das duas. Ela não saia com os colegas de trabalho, volta e meia se metia numa briga, não tinha mais contatos dos amigos mais antigos. Laura não tinha tempo para isso. Mas ali estava ela, fazendo compras com Ronnie, se perguntando se as roupas expostas nas vitrines das lojas ficariam bem nela. Olhou para a garota ao seu lado e se perguntou se teriam esses momentos no mundo de onde Laura veio. Na volta para a casa de Jim, olhando pela janela, imaginou como seria viver o resto da vida naquele mundo, com Ronnie e Jim. Imaginou se sua irmã, Jessie, gostaria das coisas ali. Mas então lembrou do que viu mais cedo. Em cada canto e em cada esquina, não havia esperança, apenas a miséria. Olhava para a parte mais alta da cidade, onde lordes e senhores viviam, e via hipocrisia e luxúria. “Vamos acabar com tudo isso” ela pensou. Voltaria para a irmã. Talvez Ronnie viesse junto. A amiga não havia se decidido ainda. Jim com certeza viria. Laura não sabia se isso era bom ou ruim, e riu com a idéia dele sendo soterrado com as perguntas da irmã sobre o cabelo esbranquiçado.
Ouviu o som de um dedo sendo estralado e olhou atrás de si, tentando ver se Jim estava lá. Olhou para as próprias mãos, e se surpreendeu ao ver o polegar sobre o indicador, um pouco dolorido agora. Sentiu as bochechas esquentarem. Desde quando James passara essa mania para ela, Laura se perguntou. Ronnie logo ao lado, deu um sorriso discreto.
– Preciso de todas as cores desse produto, quando voltar para o meu mundo! – Laura disse entusiasmada, enquanto segurava a caixa de tinta para cabelo.
– E o que você vai fazer com isso? Mudar a cor a cada mês? – Ronnie perguntou, passando a tinta no cabelo de Laura.
– Ronnie, você não tá me entendendo. Isso aqui tinge seu cabelo permanentemente! Mesmo que cresça, não vai voltar para a cor original do cabelo.
– E o que tem demais? Você fala como se tivéssemos descoberto a cura do câncer. Coisa que descobrimos faz uns setenta anos.
Laura se virou para Ronnie, incrédula.
– Como é que é? Vocês descobriram a cura do câncer?
– No seu mundo ainda não descobriram isso? – Ronnie segurou a cabeça de Laura com as duas mãos, forçando-a a ficar com as costas retas.
– Não! E por que diabos vocês não compartilharam isso com meu mundo? – Laura perguntou parecendo legitimamente decepcionada.
– Não podemos interferir com a linha do tempo de outros mundos, muito menos revelar coisas que eles ainda não sabem – com a mão livre, Ronnie coçou o topo da cabeça. – Vocês tem que descobrir as coisas por si mesmos. Assim como a existência do multiverso. Apenas pessoas do mais alto escalão do governo de cada mundo sabem que existe tudo isso. Os lados da Freqüência, multiverso, esse tipo de coisa.
– Isso ainda me deixa com dor de cabeça, Ronnie. – Laura disse abanando a cabeça.
– Eu sei.
...
Jim voltara para casa mais tarde do que pretendia.
Ao passar pela porta de entrada, sentiu um cheiro bom vindo da cozinha. Laura. Antes de ir ao seu encontro, tomou banho e colocou roupas limpas. Saltar era uma atividade que ele poderia se acostumar, mas achava muito cansativo e demandava muito de seu corpo. As vezes se sentia um velho.
Como não vira o carro de Ronnie estacionado, imaginou que ela tinha ido embora. Foi para a cozinha, seguindo o cheiro apetitoso de comida.
– Me desculpe, Laura. Eu havia dito que iria cozinhar hoje, mas Roy havia me prendido por mais tempo que eu queira – ele disse se sentando numa cadeira da mesa de jantar.
– Sem problemas. Eu imaginei que você estaria com fome, então fiz o jantar para nós dois – Laura desligou o fogo e levou uma panela para a mesa.
Então Jim olhou para Laura.
De inicio ele se assustou. Pensava estar vendo coisas. A pessoa a sua frente quase não tinha semelhança com Laura. Os cabelos eram castanhos escuros, usava óculos de armação quadrada preta. O óculos fazia a maior parte do trabalho, disfarçando o rosto dela. Seria preciso prestar muita atenção ao rosto para reconhecer Laura.
– James, você tá pálido – ela disse um pouco assustada.
– Você... tá bem diferente. Sabe disso, né? – ele perguntou, gesticulando para ela.
Ela riu alto.
– Bom, essa é a intenção. Não posso mais sair daqui, sem que queiram me matar. Então, precisei de uma nova identidade.
“Esperta” Jim pensou, enquanto um pequeno sorriso se formava em seus lábios.
– Como devo te chamar em público, então? – Jim disse pegando os pratos.
– Lisbeth Faraday. Foi o nome que dei para Ronnie, para ela arrumar os documentos novos – ela respondeu, enquanto pegava os copos.
– É um nome bem diferente, Lisbeth. Honrado em te conhecer – ele brincou.
– Para você, Graham, sempre vou ser Laura Barnes. Então sem graças. Ainda quero te matar por mais cedo. Não sou sua correspondente.
Jim coçou a nuca, desconcertado.
– Me desculpe por isso.
– Aceito suas desculpas – ela praticamente grunhiu a resposta.
Quando terminaram de comer, eles olharam um para o outro, satisfeitos. A troca de olhares os fez rir. Laura percorreu com o olhar todo o rosto de Jim, com curiosidade. Isso fez a cabeça de Jim imaginar todo tipo de piada de mau gosto e suja, mas manteve-os para si mesmo. Não queria acabar com o momento. Imaginou se seria uma boa hora dizer que a conversa com Roy rendeu frutos, apesar da animosidade entre os dois não ter diminuído tanto. Em troca da ajuda que ele ofereceria, Roy solicitou um serviço de Jim. Que conseguisse certos documentos da área mais bem guardada da sessão de arquivos do Ministério. Qualquer um que entrasse ali sem autorização seria passivo de uma punição, no mínimo, dolorosa, para não dizer fatal. E claro que Jim não tinha autorização para conseguir esses documentos. Teria que invadir. Mas decidiu não trazer a tona essa conversa.
– Pretende passar o resto da vida com o cabelo assim, Jim? – Laura perguntou.
Ele puxou alguns fios de cabelos, e riu.
– Não, apenas me esqueço de pintar. É uma droga quando a cada um mês e meio seus cabelos ficam assim, depois de viajar tanto pelo espaço tempo. Chega um momento que nem te incomoda mais.
Olhou para um canto, com os pensamentos indo para o que Roy havia lhe pedido. Com certeza aquilo tinha a ver com Riley, a filha que ele perdera na rebelião nortenha. Jim havia servido com ela. Conhecera-a bem. Sentia sua falta mais do que tudo. Estralou todos os dedos da mão direita um por um.
– Ei, o que houve? Tudo bem com você? – Laura perguntou.
Jim estava tão absorto em seus pensamentos, que não havia visto Laura se aproximar, agachando-se, pondo a costas da mão contra sua testa. Piscou e percebeu que lágrimas rolavam sobre seu rosto e caiam no chão. Ele fungou, e secou os olhos.
– Sim, estou bem – ele respondeu dando um sorriso. – Apenas me lembrei de alguém.
A mão de Laura deslizou da testa para a bochecha dele.
– Quer conversar sobre isso? – os olhos de Laura pareciam enxergar sua alma. Os rostos de Laura e James estavam a centímetros de encostar. Ele engoliu o bolo que estava se formando em sua garganta.
– Talvez outro dia. Acho melhor irmos dormir – Jim falou se levantando da cadeira.
– Sim... – ela concordou, enquanto observava Jim caminhar até o próprio quarto.
...
Ela abriu a porta do quarto de Jim quietamente.
O Senhor do tempo, ainda acordado, se virou para ver quem tinha entrado. Laura estava parada, do lado da cômoda de roupas dele, coçando o braço, se decidindo se era uma boa idéia ou não o que estava fazendo. Suspirando, caminhou para a cama dele.
– Mas o que... – Jim murmurou, enquanto Laura se deitava ao seu lado.
– Cala a boca. Juro pra você que se eu ouvir uma palavra sequer, essa cama vai virar um abatedouro. – ela avisou encarando os olhos dele. – Minha irmã vinha para a minha cama dormir quando estava triste. Mas como você é um cara crescido e muito orgulhoso para fazer uma coisa dessas, estou te quebrando esse galho. Então apenas cala a boca e aceite, porque nunca mais eu vou fazer uma coisa dessas, me ouviu? – ela virou o corpo dele para o outro lado, envolvendo-o com os braços.
Mesmo que sua mente gritasse para ele apartar aquilo, ele deixou as coisas como estavam.
– Ouvi, sim senhora – ele respondeu, deixando-se aquecer por Laura.
Sem dizer uma palavra, ela o apertou mais contra si, ouvindo o batimento do coração de James, que batia num ritmo calmo e suave, acompanhando sua respiração.
Ela achou que esse era o som mais bonito que ouvira em muito tempo.
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oceucontinuaazul · 7 years ago
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Capítulo 5
Aquilo era muito diferente de usar um celular.
Com os dedos deslizando em frente aos seus olhos, Laura brincava com a interface do ArcPad. Logo depois de Dexter ter instalado o dispositivo em seu sistema nervoso, uma tela aparecera diante de seus olhos, saudando-a. Sentindo uma irritação atrás dos olhos, Laura passou pelas etapas de configuração sem problema, selecionando preferências e ajustando o visual ao que mais a agradava. Havia uma configuração anterior, pertencente a outro usuário, mas Laura decidiu não utilizá-la. Não queria xeretar no que era dos outros. Mas aquilo despertou a curiosidade de Laura. A quem mais o ArcPad tinha pertencido? Estava em posse de Jim, mas não poderia ser dele, considerando que ele tinha um próprio. Não havia percebido um dispositivo em Ronnie, mas não duvidava que ela também possuísse um. Quem tinha sido o dono anterior?
Depois de outra rodada de milk shakes e xícaras de café, Laura e Jim foram para casa. Não houve nenhuma troca de palavras significantes enquanto entravam em seus respectivos quartos, apenas um simples "boa noite". Não havia necessidade de intimidade. Chutando os tênis para um canto do quarto e jogando o casaco para outro, Laura se esparramou sobre a cama. Girando a cintura, ela encarou o teto. Com um comando mental para seu ArcPad, a interface apareceu novamente. Selecionou a lista de contatos. Apenas Jim e Ronnie estavam listados. Duas semanas num lugar novo, e conhecia apenas duas pessoas. Aquilo era deprimente. Seus dois contatos tinham permissão de solicitar uma conferência e de fazer ligações emergenciais, exigência de Jim, mas o mesmo valia se ela ligasse para eles. Teriam que trabalhar muito a questão de confiança, aquilo era claro. Principalmente com James. O rapaz de cabelos prata esbranquiçados ainda era uma incógnita para Laura. Duas semanas e não sabia nada sobre ele, a não ser seu costume quase inconsciente de estralar seus dedos. O som seco dava arrepios em Laura. Saiu da lista de contatos e se aventurou na internet. Se adaptar a maneira de navegar via ArcPad não foi difícil para ela. Tudo era muito instintivo e simples. Visualizou alguns sites de vídeos e redes sociais. Nada que já não tenha visto em sua própria Terra. O comportamento das pessoas com esse tipo de coisa era bem parecido em todas as Terras. Desde a obsessão em ser visto como algo relevante entre estranhos e fazer sucesso falando o que vinha a cabeça sobre determinado assunto. Fechou o navegador e começou sua procura por músicas. Laura se impressionou pela vasta biblioteca disponível. Ia desde "Músicas tradicionais do século onze" até "Sonatas para acalmar bebês andróides da Terra-14". Decidiu procurar algo da própria Terra. Cinco séculos de musicas de todos os cantos do planeta se encontravam ali. Demoraria uma vida inteira para escutar todas, e Laura não sabia pronunciar o nome de metade do acervo. "Se mantenha no conhecido" ela pensou. E foi o que fez.
Depois de duas horas, Laura sentia o sono se instalar em seu corpo. Coçou o olho e bocejou. Enquanto encerrava as tarefas, entrou novamente na área designada para as configurações dos usuários. O layout que havia escolhido não havia agradado ela por tanto tempo. Optou por algo mais discreto, e fechou a janela. No canto, ainda havia a configuração do dono anterior. Mordeu o interior da boca e selecionou a configuração. O ArcPad perguntou qual ação tomar, e Laura escolheu "Apenas abrir". Uma janela apareceu diante dos seus olhos, mostrando pastas, contendo contatos, aplicativos, jogos, e perfis. Situada ao lado da pasta "Dia-a-dia" Laura selecionou a pasta "perfis" e uma única pasta apareceu. "Riley Thompson" era o nome da pasta. Riley era o nome do dono ou dona, do ArcPad que Laura usava. Mas quem era Riley Thompson?
                                                      ...
Pesadelos estavam se tornando cada vez mais freqüentes para Jim. E era sempre o mesmo pesadelo.
O ar estava carregado, e a terra tingida com sangue. Dois anos combatendo as rebeliões nortenhas, dois anos batalhando em nome do Ministério com seu machado de guerra de duas mãos. Os dedos abriam-se com muito esforço, e a adrenalina ainda fluindo. Ronnie estava na capital, negociando provisões e uma possível volta para casa das legiões de soldados. "Uma garota entre gigantes, que esperança de ir para casa eu poderia ter?" Balançava a cabeça, repudiando a idéia. Ronnie era capaz. Ele sabia disso, conhecia sua capacidade em primeira mão. Seja em batalha ou política. Faltava apenas mais uma área para acabar com a rebelião. Roderick, o líder dessa algazarra toda, estava confinado lá, em sua fortaleza pessoal. O cerco durava meia semana, e a moral dos mil e quinhentos soldados lá dentro permanecia inabalável. Em cada ponto alto da fortaleza, havia um exímio atirador. Mas o Deus da guerra presente, encarregado de acabar com aquela loucura, tinha uma vontade de ferro. Ares queria aquela fortaleza em seu domínio até o final de semana. Então traçou um plano.
A batalha dentro da fortaleza já durava três horas. Jim já não diferenciava inimigos de aliados. Ele tinha sido parte da linha de frente, liderada pelo próprio Ares. Canhões de pulso disparavam no lado de fora da fortaleza, fazendo toda a estrutura balançar e quebrar. O machado negro dilacerava a cada balançar, e o cansaço de Jim aumentava. Mas os defensores não davam sinal de desistência. E ele continuou abrindo caminho por aquela carnificina generalizada.
Jim não acordou arfando ou com as mãos tremendo. Aquilo tudo já era familiar para ele. Limpou os olhos, e suspirou. Fechou os olhos e prestou atenção aos arredores. A casa estava um pouco barulhenta, escutou o batimento do próprio coração, e de óleo fritando na cozinha, Laura provavelmente. Abriu os olhos e encarou o céu além da janela. "Continua azul" pensou consigo mesmo. Riu com o pensamento. O cobertor pinicava a pele desnuda do seu tórax, enquanto deitava novamente com os braços embaixo da cabeça. Era final de semana, então não teria que trabalhar. Explicaria os detalhes de Blacksteel e do Ministério para Laura, e depois analisaria o plano geral novamente. Não iriam bater de frente com os Juízes. Destruiriam todo aquele império de dentro. Uma derrubada de governo. Aquilo fez ele ficar inquieto.
O seu ArcPad fez um som de bip, avisando a chegada de uma ligação. Visualizou quem era, e o nome de Laura aparecera. "Mas ela está aqui do lado!" resmungou baixinho. Não querendo gritar, aceitou a chamada. Jim piscou, e Laura se materializou em seu quarto. "Ela já aprendeu como fazer uma conferência" ele pensou.
Ela olhou em volta, maravilhada, até que viu Jim deitado.
– Isso é muito maneiro! – ela exclamou, estendendo as mãos. – Menos você, claro.
Ele deixou a cabeça pender para o lado onde a imagem dela estava. Parecia mesmo que ela estava mesmo no quarto, a não ser pelo fato que de vez em quando a imagem falhava por um milissegundo.
– Você sabe que ainda esta perto do fogão, não é? – Jim falou esboçando um meio sorriso.
Ela cobriu a boca com a mão, surpresa.
– O que ta acontecendo com o meu corpo?
– Você deve estar parada, encarando o nada. Aprender a estar aqui e lá ao mesmo tempo depende de prática. Por isso ontem eu falei para ir devagar e apenas utilizar ligações normais. A conferencia é algo mais complicado.
Ela olhou para o lado, assentindo com a cabeça. Piscou mais uma vez, e expressão de surpresa voltou.
– Tá, isso é muito esquisito. Eu estou vendo a cozinha, e ao mesmo tempo estou com você, como se eu estivesse assistindo a dois canais de tevê de uma vez. – ela levantou uma mão e fez um gesto para pegar um objeto. Com a mão fechada, virou-se para a direita, e largou o objeto invisível.
Jim gargalhou, e Laura o fuzilou com o olhar.
– Laura, mesmo que você já tenha pegado um pouco da manha, ainda te falta pratica. – Ele se ajeitou mais nos braços, evidenciando o peitoral. Laura foi ficando vermelha, enquanto fitou rapidamente o corpo de Jim. Sacudindo a cabeça, ela olhou para um canto, envergonhada.
– Por favor, veste alguma coisa e vem logo tomar o café da manhã. – Ela respirava rapidamente, e sentiu uma gota de suor escorregando por sua testa.
– Me dê cinco minutos. Já vou para aí. Vou encerrar a conexão. – Ele disse se sentando na cama.
– Ótimo. – Laura respondeu firmemente.
– Ótimo. – Jim levantou as sobrancelhas.
Com um comando mental, a conexão se desfez. Ele piscou novamente e Laura tinha sumido. Outro comando mental, e ativou o sistema de armas, compactado em dois pequenos triângulos, um em cada antebraço. Os triângulos se abriram e se expandiram, indo para as mãos de Jim. Mentalizou a imagem e materializou suas pistolas. Manuseando ambas, fez a inspeção matinal. Havia virado um hábito desde a época em que estudou em Arshten fazer isso. Sentia falta da cerveja de lá. Uma notificação de mensagem apitou, e Jim visualizou-a. Apenas dizia que Ronnie iria ate a casa dele. Estava se tornando um evento muito comum ela ir vê-lo. "Ela está levando tudo isso a serio mesmo?" Jim pensou. Lembrava da época em que ela fazia avanços para cima dele, mas não havia como ficarem juntos. Ele a amava, mas não da forma que ela gostaria. Toda essa situação estava fazendo Ronnie e Jim interagirem ainda mais, levando eles a ter que confiar ainda mais um no outro e como conseqüência, trazendo eles mais perto um do outro. Ronnie poderia não estar completamente focada, distraída pela relação dos dois. Seria um grande problema. Havia também Laura. James preocupava-se que a amizade e a admiração dela por Ronnie crescessem para algo mais. Não que Ronnie não correspondesse os sentimentos de Laura. A aristocrata já teve casos assim em Arshten, mas não passaram de casos. "Não temos espaço para romances".
– E muito menos para corações partidos. – Jim resmungou baixinho para si mesmo.
                                                   ...
Ele parecia ter gostado de sua comida.
Quando James disse cinco minutos, foram exatamente cinco minutos. "Pontos positivos de não precisar ser tão exigente com a própria aparência" Laura pensou consigo mesma. Ele vestia uma camiseta preta simples, uma calça jeans e os pés estavam descalços. Ele mastigava com vigor, aproveitando ao máximo o sabor do café da manhã. Ele não admitia em voz alta, mas passara a amar rápido a comida de Laura. "Muita pratica, talvez" ele pensou. Segurou o dedo indicador com o polegar e estralou. Laura se segurou para não repreende-lo. Tinha vontade de cortar os dedos fora para fazê-lo parar com esse hábito.
– Eu acho que vou para a cidade hoje – Laura disse para Jim.
Ele levantou os olhos da comida e ergueu uma sobrancelha.
– Com que propósito? – ele estralou outro dedo, tentando disfarçar a mudança quase imperceptível na voz para um tom preocupado. – Não precisamos comprar nada.
Em uma das vezes que os dois foram fazer compras juntos, uma simples discussão sobre preços, o mercado quase se transformou num ringue de luta. Laura não ligava se ainda não tinha a mesma força que Jim, e ambos não queriam admitir que achavam a opinião do outro melhor.
– Quero conhecer pessoas. Quero ver pelo o que lutarei.
Jim pegou outra garfada e mastigou silenciosamente.
– Está pedindo permissão? – ele limpou o canto da boca.
– Não sei. – Ela deu de ombros – Só achei que você deveria saber.
James exalou ar pela boca. Passou a língua atrás dos dentes, e ajeitou o cabelo.
– Você não precisa avisar se for sair. No tempo que estiver aqui, essa é a sua casa também. Confiança lembra?
– Bom, você quis saber para onde eu iria. E devo dizer que notei um tom alarmado na sua voz. Não preciso de mais figuras paternais, devo dizer de antemão.
– Alguém está desesperada por aprovação? – Jim esboçou um meio sorriso.
– O quê? Não!
– Então estamos entendidos. – Ele pegou o prato e levou até a pia.
– Sim... – Laura respondeu serrando os dentes.
Depois de lavar a louça, Jim foi para seu quarto. Laura foi para o dela, e pegou algum dinheiro que James tinha dado a ela. Quando saiu do quarto, encontrou-o parado junto à porta, vestindo agora um tênis e uma jaqueta marrom claro. Seus olhos iam de um lado para o outro, e seus dedos dançavam. Percebeu a presença de Laura e desligou o ArcPad. Caminhou em direção a ela, e lhe deu um pequeno papel. Laura ergueu o papel e leu o que estava escrito.
– Para que isso? – ela perguntou.
– É alguém de confiança. Antes de voltar para cá, dê uma passada nesse endereço – Jim apontou para o papel. – O nome dele é Roy. Peça para ele instalar a configuração de defesa em você. Diga que vou ficar devendo um favor a ele.
– Configuração de defesa? – Laura estava confusa.
Jim levantou os braços, evidenciando pequenos triângulos nos antebraços. Torceu o nariz, e os triângulos desfizeram-se e se expandiram, deslizando até as mãos dele. Antes duas massas informes, num piscar de olhos tomaram a forma das duas pistolas de Jim. Laura segurou a respiração.
– Configuração de defesa – ele disse calmamente.
Laura tinha se perguntado no quinto dia de estadia, onde James tinha escondido as armas dele. Mais perguntas respondidas
– Tudo bem. Roy, não é? – Ela perguntou. Jim assentiu. – Provavelmente vou chegar às oito da noite, ok?
Ele esfregou a nuca, e olhou para um canto, embaraçado. Agira um pouco fora dos limites mais cedo e queira arrumar isso.
– Se você chegar mais cedo, faço o jantar para nós. Ronnie também virá. Não sei se ela ficará, mas pode ser bom para todo mundo. Com relação à confiança e tudo o mais. – Ele abria e fechava os punhos, nervoso. Todos sentiam que para haver confiança, teriam que criar algum tipo de laço entre eles. James não se sentia à vontade com mais laços envolvendo sua vida, desde as rebeliões nortenhas. Laços acabaram com ele. Mas ele tinha que criar um novo com Laura. Ele necessitava dela.
Laura percebeu o nervosismo de Jim. Relaxou os músculos, e caminhou em direção a ele. Pôs uma mão tranqüilizadora sobre o ombro dele, e o beijou na bochecha. Jim se segurou para não dar um pulo. Ele fitou Laura, que sorria, mas ela percebeu esse gesto involuntário e logo parou de sorrir.
– Volto assim que eu puder, tudo bem James? – a mão dela deslizou pelo braço dele, e apertou o pulso suavemente.
– Tudo bem Laura. – ele respondeu comprimindo os lábios
Seus olhos se encontraram por um segundo longo demais.
– Nos vemos mais tarde, então – Jim falou, quebrando o silencio.
– Sim.
E Laura saiu com outro sorriso que Jim não notou.
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oceucontinuaazul · 8 years ago
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O Céu Continua Azul - Capítulo 4 (on Wattpad) http://my.w.tt/UiNb/6F6p986LtD "Estava caindo, não sabia como, mas estava. Forçou o braço a frente de seus olhos, uma tez branca, um pouco pálida, mas o que a assustou não era a proximidade do chão. Mas que seus braços, assim como todo seu corpo, eram envolvidos numa dança de chamas e labaredas. E assim ela caiu. Rasgando os céus como uma estrela cadente carmesim."
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oceucontinuaazul · 8 years ago
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Capítulo 3
– Eu já disse! Mais controle nos seus golpes! – Jim exclamou, enquanto se esquivava de um soco.
Laura não queria saber de controle naquele momento. Duas semanas já haviam se passado. Duas semanas se preparando para o teste semestral de Senhores do tempo. Ela já estava farta das explicações de seu anfitrião. Toda aquela coisa de física envolvendo seu corpo e aquele mundo era apenas baboseira para Laura. E ela iria descontar toda essa carga emocional em Jim. Por sorte, ele percebeu isso. Sem o mínimo de esforço, ele agarrou o soco com uma mão, e manteve a mão da garota ali, naquela posição.
– Chega. Se você quer liberar raiva, não vai ser na minha cara. Eu ainda tenho que trabalhar – ele a soltou. – Espere aqui.
Estralando o dedo indicador com o polegar, ele saiu para os fundos da casa. Laura inspirou profundamente e secou o suor da testa. ”Aonde está a Ronnie?” ela pensou. Ronnie acabara se provando uma boa pessoa, e como conseqüência, uma boa amiga. Cada vez mais, Laura a queria ao seu redor, mesmo que não admitisse isso em voz alta. Jim... bem, Jim era outro caso. Por diversas vezes ele se mostrara apático. Ele estava seguindo uma regra que Laura instaurara para ela mesma: não se apegar. Ele só provia o mínimo de interação com ela, apenas o necessário. Ele prometera preparar Laura para ser uma Senhora do tempo. Ele não ia ser seu amigo, muito menos um confidente. Ele seria o que Laura precisava o que ele fosse. Naquele momento, ele era seu saco de pancadas pessoal.
Quase que como mágica, Jim apareceu carregando debaixo das axilas, dois pedaços enormes e pesados de concreto. De onde ele tirava essa força descomunal, Laura não sabia. Jim várias vezes dizia para ela se soltar, que a mesma força viria a ela. Mais fácil falar do que fazer. A conversa com Jim sobre ele ser um mestiço ainda dava dores de cabeça a garota. Ele posicionou os pedaços um do lado do outro. Tirou uma bola de tênis do bolso.
– Esses são seus problemas e pensamentos ruins. Quero que você os reduza a pó usando nada além dos seus punhos. – Ele disse apontando para os pedaços de concreto.
– Você está maluco se acha que vou fazer isso. Minhas mãos vão quebrar – Laura fechou os punhos.
– Não, não vão Loirinha – pela primeira vez, Jim usou algum apelido com Laura. Sempre usava “você” ou “ela” para se referir a ela. Era algum progresso no quesito simpatia. – Física, se lembra? Aqui, você não se machuca tão fácil, vão precisar de uma britadeira para fazer algum estrago em você ou nos seus ossos nesse mundo. Mas se lembre que você não é invulnerável, só tem uma larga vantagem em questão de força em relação aos outros. Não deixe isso subir a cabeça. E convenhamos, você precisa liberar um gás. E nada melhor do que quebrar coisas. Foi assim que treinei com os Van Whelm, vai ser assim com você.
– Eu... eu não sei se consigo. Por algum motivo não consigo fazer o que você faz. E convenhamos, – o canto da boca do Senhor do tempo se encrespou num meio sorriso – eu realmente não queria estar aqui. Duas semanas já se passaram! A minha família deve estar surtando querendo saber aonde eu me meti. E a única maneira de eu voltar para eles, é servindo como bucha de canhão durante anos para um mundo que nem conheço. Então, me diz novamente, como isso vai me ajudar a voltar pra casa?
Jim segurou a bolinha de tênis entre os dedos e começou a gira-la.
– Você não tem um físico corporal no qual confiar para os testes físicos. Sem a sua força, você é tão útil quanto uma formiga amassada na sola do meu sapato. Do jeito que você descreve sua vida, você deve ser vital para eles. Não quer voltar para sua familia? Então vai ter que se soltar. Ai você vai ter sua força e uma mínima chance de voltar pra casa. Ou você quebra esse concreto ou vai ficar aqui o resto da sua vida. Sinceramente, eu não dou a mínima para nenhum dos dois.
Laura engoliu em seco. Ela nunca tinha visto essa intensidade em Jim.
– Mas...
Num movimento súbito, Jim lançou a bola de tênis na árvore mais próxima deles. O som da fricção do ar nos ouvidos de Laura foi altíssimo, quase como que a bola rompera a barreira do som. Quando olhou novamente para Jim, ele caminhava para dentro da casa. Fitou o local que Jim disparara a bola, para se deparar com a árvore partida ao meio, com a carcaça da bolinha enterrada no muro mais adiante.
Laura encarou o pedaço de concreto e fechou os punhos. Medo a segurava sua mão. A apreensão era quase palpável. Suspirou, girando o corpo no mesmo lugar. Era como se um muro se estendesse a sua frente, um muro que a impedia de alcançar o que queria. E Jim a desafiava a botá-lo a baixo. “Dane-se ele! Esse cara consegue ser irritante até nos meus pensamentos!” a raiva tomou conta. Sem hesitar, Laura esmurrou o concreto, representação de seu muro. Um grande pedaço foi arrancado, esfacelando em pequenas migalhas. Ela olhou a mão, agora cinzenta, incrédula. Jim estava certo no final das contas, ela precisava liberar alguma raiva. Imaginou tudo aquilo que mais odiava naqueles pedaços de concreto. Todo seu sentimento de impotência, que vinha acumulando nas ultimas duas semanas, e levantou seus punhos.
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O som vindo do quintal de Jim era familiar para Ronnie. O som de barreiras sendo quebradas e a satisfação que viria logo após.
Reuniões de família eram sempre tão chatas. A cada tique do relógio, ela ansiava mais por sair dali. As outras famílias importantes aparentemente estavam comprando armas e juntando soldados e mercenários. As coisas sempre foram tensas entre eles, mas Ronnie não achava que iriam querer ir para a guerra agora. Necessitavam de tempo e dinheiro. A economia em Blacksteel não andava bem das pernas. As rebeliões nortenhas haviam exaurido os cofres do Ministério e ele se virou para a aristocracia. Quase metade da fortuna dos Van Whelm tinha ido embora. Mas eles sabiam como disfarçar isso das outras famílias, e sabiam ganhar dinheiro como ninguém. Se houvesse de fato, uma guerra entre casas seria a família de Ronnie que ganharia. O Ministério não era bobo. Sabia que deveria controlar a situação, e para isso usariam os Deuses da Guerra. Os Deuses da Guerra eram o equivalente aos generais da Terra Mãe. Mestiços e nascidos da Terra Mãe que não quiseram voltar, eram os melhores guerreiros e estrategistas do Ministério. Cada um com um exército de Senhores do tempo a sua disposição. Eles eram a vantagem do Ministério sobre as casas aristocratas. Seria um banho de sangue se houvesse guerra dentro dos muros de Blacksteel, e o sangue seria das casas.  Quando o ultimo assunto fora encerrado, ela não se importou de parecer apressada. Para o inferno a compostura. O lugar que ela queria estar era na casa de Jim. Nas duas semanas, sua cabeça sempre esteve ali. Um senso de perigo vinha à tona, toda vez que ela se aproximava daquele lugar. E ela gostava disso. Ronnie abriu a porta de entrada da casa, e se deparou com Jim escovando os dentes ao mesmo tempo em que colocava café numa caneca. Houve o tempo em que ela imaginava essa mesma cena, mas a imaginava presenciando-a todo dia, desejando-lhe um bom dia no trabalho e pedindo para ter cuidado, enquanto ajudava a  arrumar a camisa de Jim , num possível futuro. “Devaneios de uma garota boba”, Ronnie repreendia-se. Era claro para ela que isso nunca ia acontecer.
– Bom dia! – ela o saudou com um sorriso largo.
Jim respondeu saudando-a com a caneca. Ele correu até o banheiro e voltou sem a escova de dente.
– Como está Laura? Pelo visto, conseguiu fazer ela se soltar – Ronnie se apoiou no balcão da cozinha.
– O método Van Whelm nunca falha. – ele bebericou o café – Onde você esteve? Dois dias sem noticias não é do seu feitio.
– Ah, sabe como é essas reuniões gerais familiares. Temos que nos preparar para qualquer “ataque” das famílias rivais – Jim adorava o jeito sarcástico de Ronnie com as palavras, mas sabia mascarar muito bem qualquer traço disso. – Me desculpe por isso. Prometo dar sinais de vida para vocês dois, tudo bem?
– Por mim, você pode fazer o que quiser. Agora, você vai ter que falar isso para Laura. Ela realmente sentiu sua falta – ele tomou outro gole de café.
– Eu estou ouvindo certo? – Ronnie limpou o ouvido com o dedo mindinho – Você chamou ela de Laura? Ou estou escutando coisas?
Jim suspirou. Ele sabia que isso ia acontecer.
– Não deixe isso subir a cabeça, Whelm. Você sabe muito bem o porquê de não me apegar a ela, mas também não posso continuar chamando Laura de “ela” apenas.
– E lá está o nome dela mais uma vez! Será que James Graham está tendo seu coração descongelado, senhoras e senhores?
– De vez em quando você consegue ser tão irritante, sabia? – Jim desviou o olhar, cobrindo a face com a caneca de café.
“E de vez em quando você consegue ser muito fofo, sabia?”, Ronnie pensou.
– Ela está lá atrás? – a aristocrata perguntou.
Jim respondeu afirmativamente com um aceno.
– Eu levo você. – ele completou pondo a caneca na pia.
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Naquele momento, o rosto de Laura não exibia nenhuma emoção, quase que como em transe. Ela batia seus punhos em tudo que via pela frente, quase que como no automático. Suas mãos entraram em um estado de dormência, então não havia dor para sentir que a fizesse parar. Os blocos de concreto a muito já tinham virado pó. Na mente de Laura, apenas imagens e sons se faziam presentes. Lembranças daquela madrugada. O toque frio do revolver em sua mão, o sangue empapando suas roupas, e seu rosto. Ela ouvia as sirenes de longe. O corpo estirado a sua frente. E sua irmã, agarrada a sua perna, tão assustada que não conseguia dizer uma palavra, muito menos um murmúrio. Era demais para assimilar.
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Laura estava demolindo sua casa. Jim assistia enquanto os punhos dela obliteravam a parede de sua casa.
– Laura, pare! – ele correu em direção a ela.
Passou os braços em volta do corpo dela, e a apertou contra si. Ela se debateu, berrando e chorando. Laura estava bem mais forte agora, forte o bastante para escapar da pegada de Jim. Ele se pôs de pé, e Laura o imitou. Estralou o outro dedo indicador, e partiu novamente para cima dela em outra tentativa de segura-la. Num piscar de olhos, ela se abaixou e desferiu um gancho certeiro no queixo de Jim. “Guarda muito aberta, Graham. Ela não esta com a cabeça em ordem” Jim pensou. Contenção não iria funcionar. Teria que derrubá-la. Num canto, Ronnie assistia impotente o embate. Ela sabia que Jim era mais do que capaz de lidar com aquilo, mas sua preocupação se depositava em Laura. A inexperiência em controlar sua força era um problema, com um movimento, ela poderia matar Jim. Esse era o problema de se ter a força equiparável a de deuses. Não havia limites para os perigos que ela podia proporcionar.
Jim ergueu os punhos, em posição ofensiva, e a passos largos, se aproximou de Laura. Inflou os pulmões, e disparou um soco potente na direção do rosto de Laura. Automaticamente, ela o mimetizou, e os dois punhos se encontraram no meio dos lutadores. O ar vibrou em volta deles. Jim teve que fazer um tremendo esforço para o seu braço não voltar para trás com o impacto. Ela ainda não estava utilizando cem por cento de sua força. Isso era assustador. Ele teria que levar aquilo um pouco mais a serio. Não ia perder seu bilhete dourado. Aumentou a velocidade dos golpes, mas ela conseguia acompanhar. Punhos encontravam punhos. O sangue respingava para todos os lados. Os seus olhos vidrados diziam que Laura não estava no controle dos seus movimentos, mas o estupor assumia. Ela poderia nem estar prestando atenção ao momento. Isso irritava Jim. Aquela luta de quintal estava sendo a coisa mais interessante e divertida que ele fez nos últimos meses, e nem mesmo sua desafiante estava plenamente sã. “O que ela poderia fazer com alguns anos de treinamento?” Jim se perguntou, mas logo teve que manter a concentração, pois num vacilo, Laura tinha achado uma brecha e encaixado um soco em suas costelas. Jim cuspiu um pouco de sangue, e o peito se comprimiu, expulsando todo o ar. Ele se encolheu e a sombra da garota se assomou sobre Jim. Ela iria finalizá-lo. Assoviando pelo ar, um pedaço de concreto acertou a cabeça de Laura e a fez cambalear. Jim se aproveitou disso e acertou um gancho certeiro no queixo dela. Laura tombou e caiu inconsciente. Do outro lado do quintal, Ronnie estava com outra pedra em mãos, pronta para outro disparo.
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– O que você acha que aconteceu ali? Aquela não era a Laura – Ronnie passou os dedos pelo cabelo, sentada no sofá, pensativa.
– Ela não sabia o que estava fazendo. Nem um pouco. – respondeu, desligando o ArcPad, seu dispositivo de comunicação. Ele não estava em condições de trabalhar mais. – Quando a deixei, falei pra se soltar e descontar no concreto. Acho que ela se soltou demais.
– Você não ouviu o que ela dizia, entre cada golpe?
– Ela falava algo? – Jim tocou suas costelas machucadas.
– Eu me esqueço que você se desliga do mundo quando começa a trocar socos com alguém. – Ronnie revirou os olhos. – Ela dizia “Não fui eu!”.
– O que você pensa disso? – Jim abriu o armário e tirou de lá um kit de primeiros socorros.
Ronnie se levantou e começou a enfaixar o tronco de Jim. Havia um grande hematoma aonde Laura o acertara. As mãos dele estavam em carne viva, tremendo.
– Deve haver algo que ela não nos contou da vida dela na Terra Mãe. Algo bem ruim. – ela apertou as bandagens, e Jim gemeu de dor em resposta. Quando ela terminou, o ajudou a por a camiseta. Jim levou a mão direita ao topo da cabeça de Ronnie e a afagou.
– Sim. Isso, no presente momento se mostrou ser algo bom.
– Como isso pode ser algo bom? – ela olhou para o quarto de hóspedes, onde Laura estava. O receio e culpa a estavam preenchendo de pouco a pouco.
– Você viu o potencial dela agora pouco. E ela fez isso sem nem estar consciente! Imagine o que ela vai poder fazer daqui alguns anos, com pratica. Eu sabia que nascidos da Terra Mãe tinham vantagem sobre os mestiços. Mas não sabia que era esse abismo! Eu estava chegando no meu limite lá.
– Você realmente está falando serio? Isso deveria ser motivo de preocupação! Você quer deixar ela nas mãos dos Juízes, quanto tempo vai demorar para eles a utilizarem em campanhas militares? E se chegar ainda mais nascidos da Terra Mãe, o que acha que farão? Vão parar de deportar eles! Todos eles terão a mesma vida que você e Laura. Serão deuses a disposição do Ministério. A opressão sobre o populacho vai se tornar absoluta. Você realmente quer isso?
Ronnie sabia como colocar Jim contra a parede. E sabia quais armas usar contra ele. Ele odiava o Ministério mais do que tudo. Mas dessa vez ela lhe deu uma idéia. Foi impossível de conter o sorriso diante de tal possibilidade.
– Tá, esse sorriso está me tirando do sério. Seja o que for, esqueça. Eu não vou te ajudar. – Ronnie conhecia Jim. Aquele sorriso indicava uma péssima idéia, idiota, e possivelmente suicida.
– Você nem me escutou ainda! – Jim sentou-se do lado de Ronnie e chegou mais perto. Ela teve que se esforçar muito para disfarçar o rubor em seu rosto.
– Porque eu já sei que é uma idéia horrível. Vai nos meter num problema maior ainda. E você quer colocar Laura no meio disso. Não, chega! Ela já teve o bastante. Amanhã vamos deportá-la de volta para a Terra Mãe. Mesmo lugar e horário que ela veio para cá. – Laura poderia ser um fator de extremo perigo para Ronnie e seu mundo, mas a aristocrata ainda se importava com a amiga. Amiga. Ronnie já havia desistido de se indagar se podia se intitular de tal coisa.
– Ela vai voltar para casa. Você tem minha palavra quanto a isso. Mas vai ser uma pequena mudança nos planos. Ao invés de eu sair daqui e ela ficar em meu lugar, vamos todos sair juntos. Você pode vir também se quiser.
Aquilo fez Ronnie ficar inquieta. Sair de Blacksteel. Sair da Terra Convergente e viver outra vida na Terra Mãe, junto a James Graham. Aquele lado menina sonhadora voltou, e se pegou imaginando como seriam os dias deles juntos, sem a pressão da família. Imaginou-se visitando Laura em casa, relembrando os melhores momentos de sua amizade e ansiando por mais momentos como aqueles. Ir à faculdade, aprendendo o que mais a fascinava naquele mundo. Ter algo que ela própria construíra, uma vida apenas dela.
– Então me convença desse novo plano – Ronnie fitou Jim, inquisitiva.
Mas ele sabia que já tinha convencido.
– Não vamos mais torná-la uma Senhora do tempo. Vamos levá-la para o ultimo degrau. – ele apontou para cima.
Ronnie prendeu a respiração. Ela sabia aonde isso ia levar.
– Vamos torná-la uma Deusa da Guerra e tomar o controle do Ministério e de Blacksteel.
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oceucontinuaazul · 8 years ago
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Capítulo 2
A pele pinicava ao contato do cobertor felpudo, e sua nuca coçava. Laura estava numa cama, percebera de imediato. Fora tudo um sonho. Ela respirou aliviada, e se sentou. Ajeitou os cabelos e ficou encarando suas mãos numa meditação silenciosa. O garoto de cabelos prateados. Nunca vira alguém como ele, sua destreza e força não eram normais. Sua atitude frente a alguém não era casual, mas a de um soldado. Avaliava e decidia quais os passos a serem tomados. “Mas por que estou me importando com isso?” Laura pensou. Fora um sonho. Em alguns momentos, se esqueceria desses fatos.
Tateou em busca do laço vermelho que usava para prender o cabelo, mas acabou esbarrando em algo metálico. Deslizou os dedos em volta do objeto, e a cada centímetro percorrido, o medo de saber o que era aumentava. Envolveu os dedos em volta do cabo, e puxou para si, tremendo. Ali, nas mãos de Laura, estava uma pistola, bem polida e anormalmente grande para os padrões convencionais. Num pequeno berro, jogou a arma do outro lado do quarto. Quarto. A garota se atentou aos arredores, e se viu num lugar desconhecido. Não era seu quarto, não era sua casa. O mundo girou a sua volta. “Calma”, Laura forçou-se a ficar de pé. Fechou os olhos, com as mãos apertando ainda mais o cobertor ao redor do corpo dela, e contou até dez. Funcionava em quase todas as ocasiões. O som de passos apressados fez a ansiedade voltar.
– Quem está ai? – Laura gritou.
Meio segundo depois, o mesmo rapaz de cabelos prateados de seu sonho aparecera, abrindo a porta do quarto. Ela não pensou duas vezes. Correu para o outro lado do quarto, e agarrou a pistola, apontando-a para o peito de Jim.
– Opa! Calma aí! – Ele levantou os braços num sinal de rendição – Isso é meu!
– Quem é você? O que diabos eu to fazendo aqui? – a pergunta de Laura saíra quase como um choro. A cada balanço da pistola, Jim estremecia, temendo um tiro.
– Você desmaiou na floresta. Você estava sozinha, então te trouxe para a minha casa – Jim arriscou um passo na direção dela. Quase que de imediato, Laura disparou aos pés dele – Mas que...
– Mais um passo, e você ganha um buraco no pé. Quer tentar a sorte, bonitinho? – o medo abandonara Laura e seu rosto exibia traços predatórios.
Jim não sabia se xingava a sua hóspede ou se sorria de euforia. Ela se mostrava algo interessante, ao contrario de quando a encontrara.
– Está bem. Não vou tentar mais nada – Laura se permitiu relaxar. Parecia que tinha a situação sob controle – Enquanto você dormia, eu preparei um café da manhã. Provavelmente você está com fome, não é?
Laura ia dizer que só queria ir embora, mas um ronco de seu estômago a traiu. Ela fitou o rapaz, que exibia aquele sorriso debochado mais uma vez. O dedo dela coçava para atirar naquele rostinho pálido. “Não! Pare de pensar nisso”. Ela passou os olhos pela arma. Mordeu o interior da boca, repreendendo-se. Como ela ainda segurava essa coisa, apesar do que havia passado... “Foco!” Laura ordenou a si mesma.
Jim ainda a fitava, aguardando a resposta da garota. Ainda desconfiada, ela moveu a cabeça e a sua pistola na direção do corredor. Ele realmente não gostava das coisas dele nas mãos de outra pessoa.
Apesar de não ter um pingo de confiança no rapaz, Laura não podia negar que ele sabia cozinhar. Levou mais uma vez o garfo abarrotado de ovos mexidos a boca, sem perder a mira da pistola, que ainda apontava para o Senhor do tempo. “Sem movimentos suspeitos, e ela não aperta o gatilho novamente” Jim pensou. Ela se daria bem, se tudo corresse de acordo com o plano. Laura era a saída de Jim da vida que ele conhecia. Seu bilhete dourado. Se apoiou sobre os cotovelos na bancada da cozinha, e pela quinta vez, esquadrinhou o rosto de sua hóspede. Ele não iria esquecê-la. Devia pelo menos isso a ela. “Realmente, me desculpe por fazer isso com você” Jim se lamentou.
Jackson fora útil para Ronnie. Ele era o único falsificador bom e rápido o suficiente para entregar aqueles documentos no tempo que ela dispunha. Ronnie ficara devendo um favor para ele, mas quem não aceitaria obter favores de Karol Van Whelm, herdeira de uma das mais poderosas famílias de Blacksteel. Esse fato incomodava Ronnie, pois fazia dela um acessório para as mais inteligentes artimanhas. Seja forte ou seja devorado, a lei absoluta da sobrevivência. Aristocracia era algo maçante para ela. Preferia passar o tempo lutando com espadas, do que se meter em jogos de poder. E ela se sobressaia nos dois.
Antes de ir à casa de Jim, Ronnie decidiu passar numa loja de roupas. A garota que Jim trouxera veio para este lado da Freqüência sem roupas, e tinha quase certeza que seu amigo não iria se incomodar em arrumar algo para a intrusa. Na hora de escolher as roupas, Ronnie não se importou muito com gosto, apenas com decência. Em questão de minutos, ela saiu com quatro sacolas grandes da loja. O vendedor nunca tinha feito uma venda tão grande e tão fácil até agora. Ao chegar à casa de Jim, pôs as sacolas no chão, e bateu na porta. Passados trinta segundos e nenhuma resposta. Jim não iria sair, muito menos a garota. Repetiu as batidas na porta, ate que ouviu uma resposta:
– Entre! – era Jim.
Passando de modo desajeitado pela porta, Ronnie se deparou com uma situação totalmente nova para ela. No chão, a garota estava em cima de Jim, segurando-o em baixo de seu corpo. A arma do Senhor do tempo apontada para o rosto do seu dono, engatilhada.
Foi tudo muito rápido. Num momento, Ronnie estava em pé em frente a porta de entrada, em dois outros, ela imobilizava a forasteira. Jim recuperou sua pistola, e verificava se ainda estava em boas condições. Depois da inspeção, levantou a arma e disparou duas vezes pela porta aberta, e o som da pistola mais se assemelhava a uma escopeta, conseguindo a atenção das duas mulheres.
– Vamos parar com essa bagunça! – ele ordenou num tom serio. – Você, sai de cima dela – ele falou para sua amiga.
– Mas ela... – Ronnie protestou.
– Eu sei o que ela estava fazendo. Do mesmo jeito, sai de cima dela. E você... – Dessa vez ele apontou a arma para Laura – Se tentar fazer qualquer coisa, eu atiro, entendeu? Então relaxa!
Ainda debaixo da garota, Laura balançou a cabeça afirmativamente.
Depois de cinco minutos, todos estavam sentados no sofá da sala em silêncio. Ninguém ousava falar uma palavra, mas Laura estava mais preocupada em se cobrir com o cobertor. Esperava não estar tão vermelha quanto achava que estava. Ronnie percebeu isso, e apontou para as sacolas de roupas.
– Eu comprei algumas roupas para você. Não acho que queira ficar pelada nem mais um segundo. Diferente de você, não quero matar quem quer me ajudar.
Laura olhou as sacolas e avançou com cautela em direção a elas. Verificou seu conteúdo e fitou novamente a garota. Deu um breve aceno de cabeça, num agradecimento silencioso. Agarrou as sacolas e correu para o banheiro.
– O que diabos foi aquilo, Jim? – a aristocrata se recostou no sofá com os braços cruzados.
– Você só chegou numa má hora, só isso – ele coçou um olho e bocejou.
– Tá, vamos assumir que eu acredito em você. Como ela conseguiu a sua arma? E como ela conseguiu te imobilizar daquela maneira?
– Eu havia esquecido a pistola do lado da cama em que ela estava. E ela não é fraca aqui, se lembra? Toda aquela conversa de física envolvendo as Freqüências e seus habitantes; tudo o que eu consigo fazer aqui, ela pode fazer. Se der sorte, ela pode até ser mais forte que eu.
Isso era verdade. Mestiços tinham uma força ampliada em Blacksteel, devido a seu corpo mais resistente, força e elasticidade muscular superiores, herdados de seu parente da Terra mãe. Mas ainda tinha o fator do parentesco de Blacksteel. Isso limitava o corpo, cortando sua eficácia pela metade. Então, na teoria, se alguém da Terra mãe viesse para o outro lado da Freqüência, seu corpo que até então, apenas sofria com uma gravidade mais densa e pesada, desfrutaria da gravidade mais leve de Blacksteel. Só que ao contrario dos mestiços, não havia limitações para seus corpos.
Pouco tempo depois, Laura voltou para a sala de estar, vestindo uma camiseta branca e uma calça jeans escura. Ela olhou para seus anfitriões em busca de alguma aprovação. Ronnie assentiu com um pequeno sorriso satisfeito, mas Jim apenas levantou uma sobrancelha e voltou os olhos para sua arma. “Idiota” Laura xingou-o mentalmente. Voltou a se sentar com os outros, e encarou suas próprias mãos. Ela ainda não aceitara o fato que tinha apontado uma arma para o rosto de alguém, que tinha segurado uma arma. O toque frio do metal ainda formigava na mão dela. Era assim que o... Laura sacudiu a cabeça, tentando dissipar o pensamento. Tinha coisas mais importantes no momento.
Jim fitou Ronnie, que devolveu o olhar e assentiu.
– Tudo bem, se já nos acalmamos, o que acham de...
– Que lugar é esse? – Laura disparou, interrompendo Jim.
A pequena consideração que o Senhor do tempo vinha nutrindo pela sua hóspede ia desmoronando, cada vez que Laura o irritava.
– Estamos em Blacksteel – ele respondeu.
– Black o quê? – Laura levantou uma sobrancelha.
– Tudo o que você precisa saber, é que não está perto de casa. Nem um pouco – O Senhor do tempo estralou o dedo indicador, pressionando-o com o polegar.
– Tá e como eu faço para voltar? – Laura já estava montando mentalmente o caminho para casa, e o que iria fazer assim que chegasse.
“Agora vem a parte complicada” Ronnie pensou, entre um suspiro e outro.
– Quando meu amigo aqui diz que você esta longe de casa, ele não quer dizer em outra cidade, mas em outro mundo.
Laura olhou as pessoas em frente a ela, e segurou uma risada. Só podia ser brincadeira.
– Vamos, gente. É uma piada sem graça essa. Onde estamos? Nova Jersey? Queens? Com uma arma daquele tamanho, com certeza esse cara – ela apontou para o garoto – é um traficante.
Ronnie soltou uma risada, e olhou para Jim, divertida.
– Acredite, ele não conseguiria traficar nem doces, mesmo se quisesse. E não, realmente não é uma brincadeira isso. Isso, – a aristocrata gesticulou em volta – é a nossa vida.
Laura notou que ela falava serio. Não era brincadeira. Nada fora um sonho. Era tudo real.
Novamente, Laura levantou do sofá, andando de um lado para o outro sem parar. Mesmo para os mais leigos, o fato de possivelmente nunca mais ir para casa, assim como não ver mais quem se ama, era estarrecedor. E isso, absolutamente, não era uma opção para Laura. “Calma, respire” ela tentou parar quieta num canto. Sem sucesso. Imediatamente, voltou a ziguezaguear na sala.
Aquilo não estava indo bem. Jim notou que o rosto de sua hóspede era uma máscara de horror. Ele a entendia. Mais do que todo mundo, ele a entendia. Assim como ele, era uma prisioneira daquele mundo. Apenas as circunstancias eram diferentes. Ele olhou para Whelm, que encarava as próprias mãos, culpada. A cada minuto, ele se arrependia de sua decisão. Estralou outro dedo, acariciou as mãos da amiga, que o encarou tristemente. Ele lhe deu um pequeno sorriso, e sussurrou um “vai ficar tudo bem”. Jim se levantou, e bloqueou a passagem da garota assustada. Ela, que encarava o chão, esbarrou em Jim. Reunindo alguma coragem, encarou os olhos verdes do Senhor do tempo. Torceu para não estar chorando, seria patético.
– Você não deixou a gente terminar... – Jim levantou um pouco suas mãos.
– Terminar de destruir as minhas esperanças, você quer dizer? – ela ergueu mais um pouco os olhos, se permitindo admirar um pouco o cabelo dele.
– Tem uma maneira de você voltar para casa – Ronnie falou, coçando a nuca.
– Como? Como? – Laura agora agarrava a camiseta de Jim, desesperadamente. Ela percebeu isso, e de imediato o soltou.
Ronnie grunhiu atrás de Jim.
– Você vai ter que se tornar uma Senhora do tempo, como o Jim. – ela pôs a mão no ombro do amigo.
Laura se afastou novamente dos dois, assimilando a idéia. Era tão ridícula que poderia ser possível.
“Ela acha que é loucura” Jim constatou. Mas era mesmo uma loucura. Por isso, seu plano tinha chance de dar certo. Ele contava com a vontade de voltar para casa de Laura. Ela era sua esperança de sair de seu cárcere.
– Antes de qualquer coisa, vocês vão me explicar o que é ser um Senhor do tempo. – Laura os encarava com uma coragem renovada – E depois, me contem como isso vai me ajudar a sair daqui.
Ronnie ia se adiantando para responder, mas Jim a impediu. Ele gostava da garra dessa garota.
– Claro. Vamos começar com nomes. – Ele esticou sua mão para a hóspede – Meu nome é James Graham.
– O meu é Karol Van Whelm, mas pode me chamar de Ronnie – Jim levantou uma sobrancelha para a amiga, que apenas lhe deu um tapa discreto. “Mantenha as aparências” ela queria lhe dizer.
– O meu nome é Laura Barnes – ela cumprimentou os dois.
Aquilo iria se mostrar no mínimo interessante, ou um caos completo.
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oceucontinuaazul · 8 years ago
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Capítulo 1
O vento assoviava em seus ouvidos. Era estranho. Ela não se lembrava de ter saído, ou não se lembrava de qualquer outra coisa. O frio percorria sua pele como um cobertor, se estendendo, implacável e lentamente. Estava difícil abrir os olhos, a força do vento não deixava. Precisou esfregar os olhos para conseguir realizar essa empreitada. Verde e cinza. Formas não muito nítidas, era tudo o que ela conseguia enxergar. Ela. Não havia lembranças ou um nome a qual recorrer, apenas uma certeza. Sabia que apenas era “ela”. Mas quem realmente se lembra de alguma coisa quando se está caindo. O açoite da ventania em suas pernas e braços não deixava ela se estabilizar em uma posição fixa. Mas realmente, não sabia qual posição deveria tomar naquela situação. Estava caindo, não sabia como, mas estava. Forçou o braço a frente de seus olhos, uma tez branca, um pouco pálida, mas o que a assustou não era a proximidade do chão. Mas que seus braços, assim como todo seu corpo, eram envolvidos numa dança de chamas e labaredas. E assim ela caiu. Rasgando os céus como uma estrela cadente carmesim.
A noite não estava sendo uma das melhores. Eram relatórios atrás de relatórios. Com um pouco de sorte, teria uma advertência disciplinar com o nome de Jim nela. Já havia se tornado comum. Os Juízes não gostavam muito de como Jim exercia sua função como Senhor do Tempo. E ele não atribuía nenhum afeto ou respeito ao modo que os Juízes tratavam seus assuntos. O homem que Jim trombou era apenas mais um qualquer em meio a sua crise de meia-idade, ninguém se importaria se ele chegasse 30 minutos atrasado para o trabalho. Uma bala no pé não iria matá-lo. Jim era um dos Senhores do Tempo mais jovens já recrutados e aprovados, coisa que para ele, era no mínimo desagradável. Atraía olhares demais e perguntas demais. Achava que os Juízes o importunavam por algum tipo de inveja.
Ele remexeu mais um pouco nos papeis, e lá estava. Azul e cheio de assinaturas. Jim não deu muita atenção à advertência. Uma olhada rápida nas assinaturas e ele estacou. O Juiz-Mor Valladar também assinara a advertência. Era um mal sinal. Se até a autoridade máxima prestara atenção em Jim, estava na hora de começar a dançar conforme a musica, pelo menos até a poeira abaixar. Nada de incidentes ou qualquer coisa que chamasse a atenção de Valladar. Afastou a cadeira em que estava sentado da mesa, e caminhou até a porta, bocejando. O vento estava bom, fazia o cabelo do rapaz voar suavemente, e o céu límpido, sem estrelas. Esticou os braços para cima. Ele teria o dia seguinte de folga, isso era bom. Sem relatórios, ou qualquer outra coisa que o aborrecesse. Tocou a cicatriz na palma da mão direita, e sentiu um leve arrepio. Três anos já haviam se passado. Machados nunca mais. Aprendera a usar as suas pistolas por isso.
Conforme se aproximava do chão, percebia que sua velocidade diminuía. Isso estava errado. Se ela seguisse as leis da física, deveria se transformar em uma massa disforme de carne, sangue e ossos no solo. Mas estava desacelerando. As chamas acompanhavam o ritmo e lentamente iam se extinguindo. Seu corpo se enrijeceu, e assumiu uma forma ereta, como uma flecha. De uma queda desengonçada, ela mergulhava em um rasante. Ela não tinha mais controle sobre seu corpo. Se esforçou para movimentar os braços, e quando conseguiu, os colocou em posição para proteger o rosto. Não que aquilo fosse adiantar alguma coisa. Sua visão ficou aguçada, e ao longe, avistou uma casa solitária no campo. Mais adiante uma cidade, que não se parecia com nada com que já tenha visto.
Algo assoviava no ar, Jim notou. Em alta velocidade, mas gradualmente ia diminuindo. Era estranho. Ele vasculhou a sua volta, mas o brilho das estrelas ocultavam o que ele procurava. Demorou cerca de um minuto, para que ele a avistasse. Chamas que logo iam se extinguindo rodopiavam em volta dela, seus braços nus, bem como seu corpo, estavam numa posição defensiva contra um impacto vindouro. Jim fez cálculos rápidos, e determinou o local da queda. De súbito, disparou pelo campo verdejante, correndo a passadas largas. Ele queria chegar lá antes que qualquer um perceba que houve uma queda. Se aquilo que estava caindo era realmente uma pessoa, ele sabia exatamente de onde estava vindo. Ele tinha que chegar lá antes, a qualquer custo.
Por sorte, ela havia caído num monte fofo de folhas e gravetos. Estava difícil de se manter a respiração compassada. O ar ia e vinha num ritmo errático. Tudo o que ela enxergava era o céu escuro, pontilhado de estrelas. Constelações. Ela conhecia constelações. Vasculhou o céu, mas não havia achado nenhuma constelação que conhecesse. “Calma. Respire. Organize as idéias”, ela pensou. Nome, primeiro o nome. Laura, o seu nome era Laura Barnes. Puxou mais um pouco de ar. Tinha 19 anos. Tinha um pai, uma mãe, mas estavam separados. Lugar. Num impulso com os cotovelos, ela sentou e soltou uma golfada de ar. Olhou em volta, estalando a língua. Árvores logo as suas costas, uma pequena casa estava no limite de sua visão. Não fazia a mínima idéia de onde estava. Como. Ela estava no banho. Isso explicava a sua nudez. Um escorregão e depois, nada. Simplesmente nada. Enquanto tentava determinar a ultima data que conseguia se lembrar, Laura ouviu passos. Alguém vinha correndo para aquela direção. Olhou em volta, pensou em sair em disparada pelas árvores, e despistar quem quer que seja. Péssima idéia. Melhor o conhecido do que o desconhecido. Os passos estavam mais próximos, ela tateou o chão em busca de algo com que se defender, e esbarrou num pequeno pedaço de madeira. “Pesadinho, mas vai ter que servir”, ela pensou. Achando que estava ridícula, numa pose de defesa tosca, segurando um pedaço de madeira com as duas mãos, como se fosse um bastão de baseball. Sem contar que estava sem roupas. Era o cúmulo do absurdo para Laura.
Ela estava esperando qualquer coisa, menos um rapaz de cabelos prateados e olhos verde claros. Jim a olhou da cabeça aos pés, e não se impressionou. Ela era apenas mais uma garota comum, sem graça, que ele se habituara a ver.  Ela segurava um pedaço de madeira como se fosse um porrete, e seu corpo estava em uma posição de defesa desengonçada. Jim nem se esforçou para disfarçar o sorriso. Dois movimentos bastavam para derrubá-la. Era automático para ele imaginar maneiras de neutralizar possíveis adversários. Ele a estudava, Laura percebeu. Aquele sorrisinho debochado dele apenas a irritava. Arrastou a perna direita para trás. Seria um arremesso certeiro, se tudo colaborasse com ela. Um golpe certeiro no meio da face. Laura fez menção de retesar os músculos, em preparação para o lançamento. Em questão de meio segundo, Jim já estava sobre a garota. Ele imobilizava Laura segurando seus dois braços com as mãos, e suas pernas se debatiam debaixo do peso do corpo do rapaz. Dois movimentos foi superestimar ela. “Nem todos são soldados, Graham” ele pensou. Os olhos castanhos escuros de Laura encontraram os cinzas de Jim. Ele era de uma calma pura, leveza e controle. Ele não era nem dez centímetros mais alto que ela, e mesmo assim, ele não podia acreditar que ele estava exercendo tanta força. E aquela velocidade de reação foi fora do comum. Parecia ser resultado de varias repetições desta mesma situação, até atingir a perfeição.
– Me solta! – ordenou Laura a Jim.
– Só se ficar quieta. Eu não vou te machucar – ele tentou acalmá-la.
Jim sentiu os pulmões da garota se expandirem, adquirindo oxigênio, e seus lábios se abrindo para um grito. Ele realmente estava gostando menos dela. Em outro movimento rápido, segurou os dois pulsos de Laura com uma mão e com a outra, abafou o grito.
– Eu falei para ficar quieta! Ou você não me entendeu?
Se debater e gritar não ia dar certo com ele, Laura percebeu. Ela semicerrou os olhos, escrutinando o rapaz. Se ele fosse fazer algo, já teria feito. Laura acenou positivamente para Jim.
– Ok, vou te soltar agora, está bem?
Cumprindo a promessa, Jim saiu de cima dela e se levantou. Estendeu a mão para ajudar ela a se levantar, num gesto amigável, mas ela o dispensou. Laura posicionou as mãos em volta das partes intimas, e olhou para o lado, embaraçada. Uma situação adversa. A única frase que vinha a sua mente.
– Onde eu estou? – Laura perguntou.
– Hm? Ah, estamos na divi... – não houve tempo de responder, pois Laura estava caindo, por conta de um desmaio. Antes do corpo cair no chão, Jim a encaixou entre os braços – Agora vou ter que te carregar – resmungou.
Whelm não perdoaria Jim por acordá-la no meio da madrugada. “Extrema urgência uma ova”, ela pensou. Não importava para ela se eram amigos de infância, simplesmente não se acorda alguém no meio da madrugada. Deu duas batidas rápidas na porta de Jim, e esperou ele atende-la. O rapaz continuava com a mesma seriedade no rosto de sempre. Quando ele iria relaxar, para variar? Ele transformava o trabalho em sua única vida. Vez ou outra, ela sentia falta de sair e passar um tempo com ele. Sempre apreciara as conversas entre eles. Jim não falou nada, apenas apontou para dentro da casa, requisitando sua entrada. “Grosso”, Whelm pensou. Sem pensar muito, a aristocrata entrou na casa. Deixaria ele explicar tudo, ou também seria grossa e o repreenderia sendo o mais rude o possível? Ponderou rapidamente. Escolheu a segunda opção.
– É melhor ser um motivo muito bom pra me acordar, seu idiota. Sabe, ao contrario de você, amanhã tenho o dia cheio... – Jim levou um dedo a boca, solicitando silencio  – quieta o cacete, Graham!
– Faça o favor de calar a boca! – o senhor do tempo ordenou – Tem outra pessoa na casa, se não notou.
Whelm enrijeceu e examinou o lugar. Realmente, eles não estavam sozinhos. Uma garota, provavelmente um ano mais nova que Jim, estava desacordada na cama dele. A aristocrata virou-se para o senhor do tempo, com o olhar assustado, mordendo o lábio inferior.
– Olha, eu sei que isso parece estranho, mas você tem que me ouvir! – Jim se aproximou de Whelm com as mãos levantadas.
– Por que tem uma menina na sua cama? E por que eu to aqui?
– Whelm, ela veio do outro lado da Freqüência. Encontrei ela na floresta – ele explicou.
– Ela ta morta? – o tom de voz da aristocrata oscilava. – Você me chamou pra ajudar a enterrar o corpo dela?!
– Não! Por que eu iria colocar um morto na minha cama? – Jim balançou a cabeça tentando achar algum sentido nas palavras da amiga.
Whelm tentou achar algum argumento, mas não encontrou. Caminhou para um canto, e desabou em cima de uma cadeira. Esfregou as têmporas e deixou escapar um suspiro. Fitou mais uma vez a garota, e notou a respiração lenta e padronizada dela. Isso era bom. Jim se pôs ao lado de Whelm, e estralou o dedo indicador da mão direita com o polegar. Ele queria ajuda, isso era o obvio para ela. Não era incomum pessoas do outro lado da Freqüência virem para este lado. Só que na maioria das vezes o sistema de pouso de emergência desses viajantes, não cumpria muito o seu papel. A maioria terminava como um monte confuso de carne no solo. Os que sobreviviam eram mandados imediatamente de volta, mesmo lugar, mesmo horário em que entraram pela brecha. Essa ultima parte incomodava Whelm. Jim sabia desse protocolo, então era apenas trazer a garota para o ministério, que eles assumiam o caso e a deportavam. Ela nem lembraria que veio para aquele lugar.
– Por que você quer manter ela aqui em Blacksteel, Jim? – a aristocrata quis saber.
– Ela talvez seja a minha passagem para o outro lado, Whelm.
Ela lançou um olhar triste para o amigo, que observava a moça deitada.
– Mais uma vez essa historia, Graham? Você sabe que o seu tempo de serviço está terminando. Mais um ano e meio e só. Os Juízes vão manter a promessa – Whelm apelou para a razão de Jim.
Ele ainda observava Laura, com uma expressão impassível.
– E eu ainda não acredito que eles vão cumprir tal coisa, Ronnie. – Jim fitou a amiga.
Ronnie. Ele só a chamava assim quando achava que a sua causa era a certa. Ele sabia quais botões apertar, para ter a cooperação dela. Passando as mãos por sobre o rosto, Whelm suspirou.
Jim era um mestiço, filho de alguém de Blacksteel e de outra pessoa do outro lado da Freqüência. Isso garantia a ele certas peculiaridades. Basicamente, ele era um super soldado nas mãos do ministério. Agilidade e força ampliadas. Tudo isso lhe era garantido enquanto estivesse no lado da Freqüência, nomeada Blacksteel, onde a intensidade de ondas gravitacionais eram relativamente baixas. Se ele estivesse no outro lado, na Terra mãe, ele seria como qualquer outra pessoa, pois as ondas gravitacionais eram mais densas. Não é muito complicado entender o problema de Jim.
– Escute, eu entendo essa sua paranóia, que você é valioso demais para eles te deixarem ir. Mas Jim, confie mais nas pessoas. Confie em mim. Eu posso fazer eles cumprirem a promessa – Whelm tentou alcançar a mão de Jim, que percebeu o gesto e a afastou com um movimento. Ela recolheu a dela, magoada.
– Eu não posso pedir algo assim para você, Ronnie. Sujar seu nome por mim? Um mestiço? A sociedade vai pisar em você e sua família. Lembre-se, você é uma aristocrata, imagem e força é tudo.
Whelm queria dar uma replica para o amigo, mas se viu sem argumentos. Ele era bom. Não deixava furos.
– E como você quer que eu te ajude, Jim? Você não me chamou aqui apenas para ser sua confidente – a aristocrata lançou-lhe um olhar penetrante.
– Documentos. Não deve ser muito difícil você arrumar algo para ela. Não posso manter ela aqui contra a vontade, então vamos ter que fazer ela confiar em nós. Confiar no que cerca ela. Vamos transformá-la numa cidadã de Blacksteel.
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