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A Pequena Sereia (Completo)
Bem longe no mar a água é azul como as pétalas da mais linda hortênsia e clara como o vidro mais puro. Mas é muito fundo, mais fundo do que qualquer âncora pode atingir. Seria preciso empilhar muitas torres de igreja, uma em cima da outra, para chegar do fundo do mar até a superfície.
Lá embaixo mora a gente do mar. Mas não pense nem por um instante que não há nada lá além de areia nua, branca. Oh, não! As mais maravilhosas árvores e plantas crescem no fundo do mar. Seus talos e folhas são tão maleáveis que se agitam ao mais ligeiro movimento da água, como se fossem gente. Todos os peixes, grandes e pequenos, deslizam por entre os galhos, tal como os pássaros voejam entre as árvores aqui em cima. Lá embaixo, no ponto mais profundo de todos, fica o castelo do rei do mar. Suas paredes são feitas de coral, e as janelas compridas, pontudas, são feitas do mais claro âmbar.
O telhado é formado de conchas que se abrem e fecham ao sabor da corrente. É uma linda visão, pois cada concha tem uma pérola deslumbrante que seria um esplêndido ornamento para a coroa de uma rainha.
O rei do mar era viúvo havia alguns anos e sua mãe idosa tomava conta da casa para ele. Era uma mulher inteligente, mas orgulhosa no que dizia respeito a seu nobre berço. Era por isso que usava doze ostras em sua cauda, enquanto todos os outros de alta posição tinham de se contentar com seis. Sob outros aspectos, era digna de grande louvor, pois era muito devotada às netas, as princesinhas do mar. Eram seis lindas crianças, e a mais nova era a mais encantadora. Sua pele era clara e delicada como uma pétala de rosa. Os olhos eram azuis como o mar mais profundo. Como todas as outras, porém, não tinha pés e seu corpo terminava numa cauda de peixe.
O dia inteiro as princesas do mar brincavam nos grandes salões do castelo, em que flores cresciam direto das paredes. As grandes janelas de âmbar ficavam abertas, e os peixes entravam por elas nadando, exatamente como andorinhas entram voando nas nossas casas quando deixamos as janelas abertas. Os peixes deslizavam até onde estavam as princesas, comiam em suas mãos e esperavam um afago.
Fora do castelo havia um bonito jardim com árvores de um azul profundo e de um vermelho flamejante. Seus frutos rutilavam como ouro e suas flores eram como labaredas, com folhas e talos que nunca ficavam imóveis. O próprio solo era da mais fina areia, mas azul como uma chama de enxofre.
Um estranho fulgor azulado envolvia tudo que estava à vista. Quando havia uma calmaria, era possível vislumbrar o sol, que parecia uma flor púrpura de cujo cálice jorrava luz.
Cada uma das princesinhas tinha o seu próprio pedaço de terra no jardim, onde podia cavar e plantar a seu bel prazer.
Uma arranjou seu canteiro de flores na forma de uma baleia; outra achou mais interessante moldar o seu como uma pequena sereia; mas a caçula fez o seu bem redondo como o sol, e só quis flores que tivessem um brilho vermelho como o dele.
Era uma criança curiosa, sossegada e pensativa. Enquanto as irmãs decoravam seus jardins com as coisas maravilhosas que conseguiam de navios naufragados, ela não admitia nada além de flores rosa avermelhadas que eram como o sol lá no alto, e uma bela estátua de mármore. A estátua era de um bonito menino, cinzelada na pura pedra branca, e aparecera no fundo do mar depois de um naufrágio. Perto dela a princesinha havia plantado um salgueiro-chorão cor-de-rosa, que deixava sua fresca folhagem cair em dobras sobre a estátua e até o solo azul, arenoso, do oceano. Sua sombra ganhava um matiz violeta e, como os galhos, nunca ficava parada. As raízes e a copa da árvore pareciam estar sempre brincando, tentando se beijar.
Não havia nada de que as princesas gostassem mais do que de ouvir sobre o mundo dos humanos acima do mar. Sua velha avó tinha de lhes contar tudo que sabia sobre navios e cidades, pessoas e animais. Uma coisa em especial as assombrava com sua beleza: saber que as flores tinham uma fragrância – no fundo do mar não tinham nenhuma – e também que as árvores na floresta eram verdes e que os peixes que voavam nas árvores sabiam cantar tão docemente que era um prazer ouvi-los.
- “Quando vocês fizerem quinze anos”, disse-lhes a avó, “vamos deixá-las subir até a superfície e se sentar nos rochedos ao luar, vendo passar os grandes navios. Verão florestas e também cidades.” No ano seguinte uma das irmãs completaria quinze anos, mas as outras – bem, cada uma era um ano mais nova que a outra, de modo que a mais nova de todas teria de esperar nada menos que cinco anos antes de poder subir das profundezas para a superfície. Mas cada uma prometia contar às outras tudo que vira e o que lhe parecera mais interessante naquela primeira visita. Nunca estavam satisfeitas com o que a avó contava. Havia um sem-número de coisas sobre as quais ansiavam por ouvir.
Nenhuma das sereias era mais curiosa que a caçula, e era também ela, tão quieta e pensativa, a que tinha de suportar a mais longa espera. Em muitas noites ela se postava junto à janela aberta e fitava através das águas azul-escuras, onde peixes espadanavam a água com suas nadadeiras e caudas. Podia ver a lua e as estrelas, embora sua luz fosse muito pálida. Através da água, pareciam muito maiores que aos nossos olhos. Se uma nuvem escura passava acima dela, sabia que era ou uma baleia que nadava sobre a sua cabeça ou um navio cheio de passageiros. Aquelas pessoas nem sonhavam que sob eles havia uma linda pequena sereia, estendendo os braços brancos para a quilha do barco.
Assim que fez quinze anos, a mais velha das princesas ganhou permissão para subir à superfície do oceano. Quando voltou, tinha muitas coisas para contar. O mais delicioso, ela disse, foi ficar deitada num banco de areia perto da praia numa noite de lua, com o mar calmo. Então foi possível contemplar a grande cidade onde as luzes tremeluziam como uma centena de estrelas.
Podiam-se ouvir sons de música e o barulho de carros e pessoas. Podiam-se ver todas as torres das igrejas e ouvir os sinos tocando. E exatamente por não ter chegado perto de todas essas maravilhas, ansiava por todas elas ainda mais.
Oh, como a irmã caçula bebia aquelas palavras! E mais tarde naquela noite, quando ficou junto à janela aberta fitando através das águas azul escuras, ela pensou na grande cidade com todo seu ruído, e até imaginou que podia ouvir os sinos das igrejas tocando para ela.
Um ano depois, a segunda irmã teve permissão para subir mar acima e nadar para onde quisesse. Chegou à superfície bem na hora do pôr do sol e essa, ela contou, foi a visão mais bela de todas. Todo o céu parecia ouro, disse, e as nuvens – bem, simplesmente não era capaz de descrever como eram lindas ao passar, em tons de carmesim e violeta, sobre sua cabeça. Mais veloz ainda que as nuvens, um bando de cisnes selvagens voou como um longo e branco véu por sobre a água rumo ao sol poente. Ela nadou nessa direção, mas o sol se pôs, e sua luz rósea foi engolida por mar e nuvem.
Mais um ano se passou, e a terceira irmã foi à tona. Era a mais ousada de todas, e nadou até um rio largo que desaguava no mar. Viu bonitos morros verdes cobertos de parreiras; ouviu os passarinhos cantando; e o sol era tão quente que teve de mergulhar muitas vezes na água para refrescar o rosto abrasado. Numa pequena enseada, topou com um bando de crianças humanas, divertindo-se, completamente nuas, na água. Quis brincar com elas, mas ficaram apavoradas e fugiram. Depois um animalzinho preto foi até a água. Era um cachorro, mas ela nunca tinha visto um. O animal latiu tanto para ela que ela ficou amedrontada e nadou para o mar aberto. Mas disse que nunca esqueceria a magnífica floresta, os morros verdes, e as lindas criancinhas, que eram capazes de nadar, embora não tivessem caudas.
A quarta irmã não foi tão ousada. Permaneceu muito distante da terra, nas vastidões desertas do oceano, mas foi exatamente isso que tornou sua visita tão maravilhosa. Podia ver por quilômetros e quilômetros à sua volta, e o céu pairava sobre ela como um grande sino de vidro. Vira navios, mas tão ao longe que pareciam gaivotas. Os golfinhos brincavam nas ondas e baleias imensas esguichavam água com tanta força que pareciam estar cercadas por uma centena de chafarizes.
Agora era a vez da quinta irmã. Como seu aniversário caía no inverno, ela viu coisas que as outras não tinham visto da primeira vez. O mar parecia inteiramente verde e sobre ele flutuavam grandes icebergs. Cada um parecia uma pérola, mas eram muito altas. Apareciam nas formas mais fantásticas, e brilhavam como diamantes. Ela se sentara num dos maiores, e todos os navios pareciam ter medo dele, pois passavam navegando rapidamente e muito ao largo do lugar onde ela estava sentada, com o vento brincando em seus longos cabelos.
Mais tarde naquela noite o céu se fechou. Trovões estrondeavam, relâmpagos chispavam e as ondas escuras erguiam os enormes blocos de gelo tão alto que os tiravam da água, fazendo-os reluzir na intensa luz vermelha. Todos os navios recolheram as velas, e em meio ao horror e ao alarme geral, a sereia permaneceu sentada tranquilamente no iceberg flutuante, vendo os relâmpagos azuis ziguezaguearem rumo ao mar resplandecente.
Da primeira vez que as irmãs subiram à superfície, ficaram encantadas em ver tantas coisas novas e bonitas. Mais tarde, porém, quando foram ficando mais velhas e podiam emergir sempre que queriam, ficaram menos entusiasmadas. Tinham saudade do fundo do mar. E depois de um mês diziam que, afinal de contas, era muito mais agradável lá embaixo – era tão reconfortante estar em casa. Mesmo assim, muitas vezes, ao entardecer, as cinco irmãs davam-se os braços e emergiam juntas. Suas vozes eram lindas, mais bonitas que a de qualquer ser humano.
Antes da aproximação de uma tempestade, quando esperavam o naufrágio de um navio, as irmãs costumavam nadar diante do barco e cantar docemente as delícias das profundezas do mar. Diziam aos marinheiros para não terem medo de mergulhar até o fundo, mas eles nunca entendiam suas canções. Pensavam estar ouvindo os uivos da tempestade.
Nunca viam, também, nenhuma das delícias que as sereias prometiam, pois se o navio afundava, os homens se afogavam, e era só como homens mortos que alcançavam o palácio do rei do mar.
Quando as irmãs subiam assim de braços dados pela água, a caçula sempre ficava para trás, sozinha, acompanhando-as com os olhos.
- “Oh, se pelo menos eu tivesse quinze anos”, ela dizia. “Sei que vou gostar muito do mundo lá de cima e de todas as pessoas que vivem nele.”
Então finalmente ela fez quinze anos.
- “Bem, agora você logo escapará das nossas mãos”, disse a velha rainha-mãe, sua avó. “Venha, deixe-me vesti-la como suas outras irmãs.” E pôs no seu cabelo uma grinalda de lírios brancos em que cada pétala de flor era metade de uma pérola. Depois a velha senhora mandou trazer oito grandes ostras para prender firmemente na cauda da princesa e mostrar sua alta posição.
- “Ai! Está doendo”, disse a Pequena Sereia.
- “Sim, a beleza tem seu preço”, respondeu a avó.
Como a Pequena Sereia teria gostado de se livrar de todos aqueles enfeites e pôr de lado aquela pesada grinalda! As flores vermelhas de seu jardim assentavam-lhe muito melhor, mas não ousou fazer nenhuma modificação.
- “Adeus”, disse, ao subir pela água tão leve e límpida.
O sol acabara de se pôr quando ela ergueu a cabeça sobre as ondas, mas as nuvens ainda estavam tingidas de carmesim e ouro. No alto do céu pálido, rosado, a estrela vespertina luzia clara e vívida. O ar estava ameno e fresco. Um grande navio de três mastros deslizava na água, com apenas uma vela hasteada porque não soprava nenhuma aragem. Os marinheiros estavam refestelados no cordame ou nas vergas. Havia música e canto a bordo, e quando escureceu uma centena de lanternas foi acesa.
A Pequena Sereia nadou até a vigia da cabine e, cada vez que uma onda a levantava, podia ver uma multidão de pessoas bem-vestidas através do vidro claro. Entre elas estava um jovem príncipe, a mais bonita daquelas pessoas, com grandes olhos escuros. Não podia ter mais de dezesseis anos. Era seu aniversário, e era por isso que havia tanto alvoroço.
Quando o jovem príncipe saiu para o convés, onde os marinheiros estavam dançando, mais de uma centena de foguetes zuniram rumo ao céu e espocaram num esplendor, tornando o céu claro como o dia. A Pequena Sereia ficou tão surpresa que mergulhou, se escondendo sob a água. Mas depressa pôs a cabeça para fora de novo. Parecia que as estrelas lá do céu estavam caindo sobre ela. Nunca vira fogos de artifício. Grandes sóis rodopiavam à sua volta; peixes de fogo refulgentes lançavam-se no ar azul, e todo esse fulgor se refletia nas águas claras e calmas.
O próprio navio estava tão iluminado que se podiam ver não só todas as pessoas que lá estavam. Que garboso parecia o jovem príncipe quando apertava as mãos dos marinheiros! Ele ria e sorria enquanto a música ressoava pelo delicioso ar da noite.
Ficou tarde, mas a Pequena Sereia não conseguia tirar os olhos do navio ou do belo príncipe. As lanternas coloridas haviam sido apagadas; os foguetes não mais subiam no ar; e o canhão cessara de dar tiros. Mas ela estava desassossegada e era possível ouvir um som queixoso, zangado, sob as ondas.
Mesmo assim a Pequena Sereia continuou sobre a água, balançando-se para cima e para baixo para poder olhar a cabine.
O navio ganhou velocidade; uma após outra as suas velas foram desfraldadas. As ondas cresciam, nuvens pesadas escureciam o céu e relâmpagos faiscavam a distância. Uma tempestade pavorosa estava se armando. Por isso os marinheiros recolheram as velas, enquanto o vento sacudia o grande navio e o arrastava pelo mar furioso. As ondas subiam cada vez mais alto, até se assemelharem a enormes montanhas negras, ameaçando derrubar o mastro. Mas o navio mergulhava como um cisne entre elas e voltava a subir em cristas arrogantes e espumosas.
A Pequena Sereia pensou que devia ser divertido para um navio navegar daquele jeito, mas a tripulação pensava diferente. O barco gemia e estalava; suas pranchas sólidas rompiam-se sob as violentas pancadas do mar. Então o mastro partiu-se ruidosamente em dois, como um caniço. O navio adernou quando a água se precipitou no porão.
De repente a Pequena Sereia compreendeu que o navio estava em perigo. Ela mesma tinha de ter cuidado com as vigas e pedaços de destroços à deriva.
Em certos momentos ficava tão escuro que não conseguia ver nada, mas depois o clarão de um relâmpago iluminava todas as pessoas a bordo. Agora era cada um por si. Ela estava à procura do jovem príncipe e, no momento mesmo em que o navio estava se partindo, viu-o desaparecer nas profundezas do mar.
Por um instante, ficou encantada, pois pensou que agora ele viveria na sua parte do mundo. Mas logo se lembrou que criaturas humanas não vivem debaixo d’água e que ele só chegaria ao palácio de seu pai como um homem morto. Não, não, ele não podia morrer. Assim ela nadou entre as vigas e pranchas que o mar arrastava, indiferente ao perigo de ser esmagada. Mergulhava profundamente e emergia das ondas, e finalmente encontrou o jovem príncipe.
Ele mal conseguia seguir nadando no mar tempestuoso. Seus membros fraquejavam; seus olhos bonitos estavam fechados; e teria certamente se afogado se a Pequena Sereia não tivesse ido em seu socorro. Ela segurou sua a cabeça sobre a água e deixou que as ondas a carregassem com ele.
Quando amanheceu, a tempestade cessara e não havia vestígio do navio. O sol despontou da água, vermelho e candente, e pareceu devolver a cor às faces do príncipe; mas os olhos dele continuavam fechados. A sereia beijou-lhe a fronte alta e delicada, e ajeitou seu cabelo molhado para trás. Aos seus olhos, ele parecia a estátua de mármore que tinha em seu jardim. Beijou-o de novo e fez um pedido para que ele pudesse viver.
Logo a sereia viu diante de si terra firme, com suas majestosas montanhas azuis, cobertas de neve branca cintilante, parecendo cisnes aninhados. Perto da costa havia lindas florestas verdes e junto a uma delas erguia-se um prédio alto; se era uma igreja ou um convento ela não sabia dizer. Limoeiros e laranjeiras cresciam no jardim e ao lado da porta havia três palmeiras altas. O mar formava uma angra nesse ponto e a água aí era perfeitamente calma, embora muito profunda. A sereia nadou com o belo príncipe até a praia, coberta de areia fina e branca. Ali deitou o príncipe sob o sol morno, fazendo um travesseiro de areia para sua cabeça.
Sinos repicaram no grande prédio branco, e várias meninas apareceram no jardim. A Pequena Sereia nadou para bem longe da praia e escondeu-se atrás de uns penedos grandes que se elevavam acima da água. Cobriu o cabelo e o peito com espuma do mar para que ninguém a pudesse ver. Depois ficou espiando para ver quem ajudaria o pobre príncipe.
Não demorou muito e surgiu uma menina. Pareceu muito assustada, mas só por um momento, e correu para buscar ajuda de outros. A sereia viu o príncipe voltar a si, e ele sorriu para todos que o cercavam. Mas não houve sorriso para ela, pois ele não tinha a mínima idéia de quem o salvara. Depois que o levaram para o grande prédio, a Pequena Sereia se sentiu tão infeliz que mergulhou de volta para o palácio do pai.
Sempre fora silenciosa e pensativa, mas agora estava mais que nunca. Suas irmãs lhe perguntavam o que vira durante sua visita à superfície, mas ela não lhes contava nada. Em muitas manhãs e entardeceres ela subia até o ponto onde havia deixado o príncipe. Viu as frutas do jardim amadurecerem e observou-as quando foram colhidas. Viu a neve derreter nos picos. Mas nunca via o príncipe e por isso sempre voltava para casa ainda mais cheia de dor do que antes. Seu único consolo era ficar em seu jardinzinho, os braços em torno da bela estátua de mármore, tão parecida com o príncipe. Nunca mais cuidou das suas flores, e elas se espalhavam selvagemente pelas trilhas, enroscando seus longos talos e folhas em torno dos galhos das árvores até barrar completamente a luz.
Por fim ela não conseguiu mais guardar aquilo consigo e contou tudo a uma das irmãs. Logo as outras ficaram sabendo, mas ninguém mais, exceto algumas outras sereias que não diriam nada a ninguém a não ser suas melhores amigas. Uma delas pôde lhe dar notícias do príncipe. Ela também vira os festejos realizados a bordo e contou mais sobre o príncipe e a localização de seu reino.
- “Vamos, irmãzinha”, disseram as outras princesas. E com os braços nos ombros umas das outras, subiram numa longa fileira até a superfície, bem diante do lugar onde se erguia o castelo do príncipe. O castelo, construído de uma pedra amarelo clara brilhante, tinha longos lances de degraus de mármore, que levavam diretamente ao mar. Esplêndidos domos dourados elevavam-se acima do telhado, e entre as colunas que cercavam toda a construção havia esculturas de mármore que pareciam vivas. Através do vidro claro das altas janelas era possível ver salões magníficos ornados com suntuosas cortinas de seda e tapeçarias. As paredes eram cobertas com grandes pinturas, e era um prazer contemplá-las. No centro do maior salão havia uma fonte que lançava suas águas espumantes até o domo de vidro do teto, de onde os raios de sol podiam iluminar a água e as belas plantas que cresciam no grande tanque.
Agora que sabia onde o príncipe vivia, a Pequena Sereia passava muitos ocasos e muitas noites naquele ponto. Nadava até muito mais perto da costa do que as outras ousavam. Chegou a avançar pelo estreito canal para ir até o belo balcão de mármore que projetava suas longas sombras sobre a água. Ali ela se sentava e contemplava o jovem príncipe sob o clarão da lua.
Muitas vezes, à noite, a Pequena Sereia o via sair para o mar em seu esplêndido barco, com bandeiras hasteadas aos acordes de música. Espiava do meio dos juncos verdes, e, quando o vento levantava o longo véu branco e prateado do seu cabelo, e pessoas o viam, imaginavam apenas que era um cisne, estendendo as asas.
Muitas noites, quando os pescadores saíam para o mar com suas tochas, ela os ouvia louvando o jovem príncipe, e suas palavras a deixavam ainda mais feliz por lhe ter salvado a vida. E ela lembrava como aninhara a cabeça dele em seu peito e com que carinho o beijara. Mas ele não sabia de nada e nunca sequer sonhara que ela existia.
A Pequena Sereia foi gostando cada vez mais dos seres humanos e ansiava profundamente pela companhia deles. O mundo em que viviam parecia tão maior que o seu próprio. Eles podiam varar os oceanos em navios, e escalar montanhas íngremes mais altas que as nuvens. E as terras que possuíam, suas matas e seus campos, se estendiam muito além de onde a vista alcançava. Havia uma porção de outras coisas que ela teria gostado de saber, e suas irmãs não eram capazes de responder a todas as suas perguntas. Por isso foi visitar sua velha avó, que sabia tudo sobre o mundo superior.
- “Quando não se afogam”, perguntou a Pequena Sereia, “os seres humanos podem continuar vivendo para sempre? Não morrem como nós, aqui embaixo no mar?”
- “Sim, sim”, respondeu a velha senhora. “Eles também têm de morrer, e seu tempo de vida é até mais curto que o nosso. Nós por vezes alcançamos a idade de trezentos anos, mas quando nossa vida aqui chega ao fim, simplesmente nos transformamos em espuma na água. Aqui não temos sepultura daqueles que amamos. Não temos uma alma imortal e nunca teremos outra vida. Somos como o junco verde. Uma vez cortado, cessa de crescer. Mas os seres humanos têm almas que vivem para sempre, mesmo depois que seus corpos se transformam em pó. Elas sobem através do ar puro até alcançarem as estrelas brilhantes. Assim como nós subimos à flor da água e contemplamos as terras dos seres humanos, eles atingem reinos belos, desconhecidos – regiões que nunca veremos.”
- “Por que não podemos ter uma alma imortal?” a Pequena Sereia perguntou, pesarosa. “Eu daria de boa vontade todos os trezentos anos que tenho para viver se pudesse me tornar um ser humano por um só dia e partilhar daquele mundo celestial.”
- “Você não deveria se preocupar com isso”, disse a avó. “Somos muito mais felizes e vivemos melhor aqui do que os seres humanos lá em cima.”
- “Então estou condenada a morrer e flutuar como espuma no mar, a nunca ouvir a música das ondas ou ver as lindas flores e o sol vermelho. Não há mesmo nada que eu possa fazer para conseguir uma alma imortal?”
- “Não” disse a velha senhora. “Só se um ser humano a amasse tanto, que você importasse mais para ele que pai e mãe. Se ele a amasse de todo o coração e deixasse o padre pôr a mão direita sobre a sua como uma promessa de ser fiel agora e por toda a eternidade – nesse caso a alma dele deslizaria para dentro do seu corpo e você, também, obteria uma parcela da felicidade humana. Ele lhe daria uma alma, e no entanto conservaria a dele próprio. Mas isso nunca pode acontecer. Sua cauda de peixe, que achamos tão bonita, parece repulsiva à gente da terra. Sabem tão pouco sobre isso que acreditam realmente que as duas desajeitadas escoras que chamam de pernas são bonitas.”
A Pequena Sereia deu um suspiro e olhou pesarosamente para sua cauda de peixe.
- “Devemos ficar satisfeitos com o que temos”, disse a velha senhora. “Vamos dançar e nos alegrar pelos trezentos anos que temos para viver – é bastante tempo, não é? Depois da morte, poderemos descansar e pôr o sono em dia. Hoje teremos um baile na corte.”
Esse baile era esplêndido. As paredes e o teto do grande salão eram feitos de cristal espesso, mas transparente. Várias centenas de conchas enormes, vermelho-rosa e verde-relva, estavam dispostas de cada lado, cada uma com uma chama azul que iluminava o salão inteiro, e, luzindo através das paredes, iluminavam também o mar. Milhares de peixes, grandes e pequenos, podiam ser vistos nadando rumo às paredes de cristal. As escamas de alguns fulgiam com um brilho púrpura avermelhado e as de outros como prata e ouro. Cortando o salão pelo meio corria uma larga torrente, e nela homens e mulheres de cauda dançavam ao seu próprio som dolente. Nenhum ser humano tem voz tão bela. Ninguém cantava mais docemente que a Pequena Sereia, e todos a aplaudiram. Por um instante houve alegria em seu coração, pois ela sabia que ninguém tinha uma voz mais bela que a sua em terra ou no mar. Mas em seguida seus pensamentos se voltaram para o mundo acima dela. Não conseguia esquecer o belo príncipe e a grande dor de não ter a alma imortal que ele possuía. Assim, saiu furtivamente do palácio do pai, e enquanto todos lá dentro cantavam e se divertiam, foi se sentar em seu jardim, desolada.
De repente ouviu o som de uma buzina ecoando através da água, e pensou: - “Ah, lá vai ele, navegando lá em cima – ele que eu amo mais que a meu pai ou a minha mãe, ele que está sempre em meus pensamentos e em cujas mãos eu depositaria alegremente minha felicidade. Arriscaria qualquer coisa para tê-lo e a uma alma imortal. Enquanto minhas irmãs dançam lá no castelo de meu pai, vou à procura da bruxa do mar. Sempre tive um medo terrível dela, mas talvez possa me ajudar e me dizer o que fazer.”
Assim a Pequena Sereia partiu para onde a bruxa morava, no lado mais distante dos remoinhos espumantes. Nunca estivera lá antes, onde a água rodopiava com o estrondo de rodas de moinho e sugava para as profundezas tudo que podia agarrar.
Tinha de passar pelo meio desses furiosos torvelinhos para chegar ao domínio da bruxa do mar. Por um longo trecho não havia outro caminho senão pela lama quente, borbulhante – que a bruxa chamava de seu charco.
A casa da bruxa ficava atrás do charco, no meio de uma floresta fantástica.
Todas as árvores e arbustos eram pólipos, metade animal e metade planta. Pareciam serpentes de cem cabeças crescendo do chão. Tinham ramos que pareciam braços longos e viscosos, com dedos flexíveis semelhantes a vermes. Nó por nó, desde a raiz até a crista, estavam em constante movimento, e se enroscavam com força em torno de qualquer coisa que conseguissem agarrar no mar, e não a soltavam mais.
A Pequena Sereia ficou apavorada e parou à beira da mata. Seu coração saltava de medo e ela estava prestes a dar meia-volta. Mas então lembrou-se do príncipe e da alma humana, e recobrou a coragem. Prendeu firmemente em torno da cabeça seu longo e flutuante cabelo para que os pólipos não o pudessem agarrar. Depois dobrou os braços sobre o peito e arremessou-se para frente como um peixe disparado através da água, por entre os pólipos repelentes, que tentavam agarrá-la com seus braços e dedos ágeis. Notou como cada um deles havia agarrado alguma coisa e a retinha firmemente, com uma centena de pequenos braços que pareciam argolas de ferro.
Esqueletos brancos de seres humanos que haviam morrido no mar e afundado até as águas profundas olhavam dos braços dos pólipos. Lemes e arcas de navios estavam fortemente apertados em seus braços, junto com esqueletos de animais da terra e – o mais horripilante de tudo – uma sereiazinha, que eles haviam agarrado e estrangulado.
Chegou então a um grande charco lodoso na mata, onde grandes e gordas cobras d’água revolviam-se no lamaçal, mostrando suas horrendas barrigas de um amarelo esbranquiçado.
No meio do charco erguia-se uma casa, construída com os ossos de humanos naufragados. Lá estava a bruxa do mar, deixando um sapo comer da sua boca, como as pessoas alimentam às vezes um canário com um torrão de açúcar. Ela chamava as repelentes cobras d’água de seus pintinhos e deixava-as rastejar sobre o seu peito.
- “Sei exatamente o que você procura”, disse a bruxa do mar. “Que idiota você é! Mas sua vontade vai ser atendida, e vai lhe trazer desventura, minha linda princesa. Você quer se livrar de sua cauda de peixe e ter no lugar dela um par de tocos para andar como um ser humano, de modo que o jovem príncipe se apaixone por você e lhe dê uma alma imortal.”
E ao dizer isso a bruxa soltou uma gargalhada tão alta e repulsiva que o sapo e as cobras caíram estatelados no chão.
- “Você veio na hora certa”, disse a bruxa. “A partir de amanhã, assim que o sol se levantar, e por um ano inteiro, eu não seria mais capaz de ajudá-la. Vou preparar uma bebida para você. Terá de nadar para a terra com ela antes do nascer do sol, sentar-se na praia e tomá-la. Sua cauda se dividirá então em duas e encolherá para virar o que os seres humanos chamam de ‘bonitas pernas’. Mas vai doer. Você sentirá como se uma espada afiada a cortasse. Todos que a virem dirão que você é o ser humano mais encantador que já encontraram. Vai conservar seus movimentos graciosos – nenhuma dançarina jamais deslizará com tanta leveza –, mas cada passo que der a fará sentir como se estivesse pisando numa faca afiada, o bastante para fazer seus pés sangrarem. Se estiver disposta a enfrentar tudo isso, posso ajudá-la.”
- “Estou”, disse a pequena princesa, e sua voz tremia. Mas voltou seus pensamentos para o príncipe e o prêmio de uma alma imortal.
- “Pense sobre isso com cuidado”, disse a bruxa. “Depois que assumir a forma de um ser humano, nunca mais poderá ser uma sereia. Não será capaz de descer nadando através da água ao encontro de suas irmãs e do palácio de seu pai. Só conseguirá uma alma imortal se conquistar o amor do príncipe e fizer com que ele se disponha a esquecer o pai e a mãe por amor a você. Ele deve tê-la sempre em seus pensamentos e permitir que o padre junte suas mãos para que se tornem marido e mulher. Se o príncipe se casar com alguma outra pessoa, na manhã seguinte seu coração se partirá, e você virará espuma na crista das ondas.”
- “Estou pronta”, disse a Pequena Sereia, e ficou pálida como a morte.
- “Mas terá que me pagar”, disse a bruxa. “Não vai receber minha ajuda a troco de nada. Você tem a voz mais adorável entre todos que habitam aqui no fundo do mar. Provavelmente pensa que poderá encantar o príncipe com ela, mas terá que dá-la para mim. Vou lhe pedir o que possui de melhor como pagamento por minha poção. Tenho de misturar nela um pouco do meu próprio sangue, para que a bebida seja afiada como uma espada de dois gumes.”
- “Mas se me tira a minha voz”, disse a Pequena Sereia, “o que me sobrará?”
- “Sua linda figura”, disse a bruxa, “seus movimentos graciosos e seus olhos expressivos. Com eles pode encantar facilmente um coração humano... Bem, onde está a sua coragem? Estique a língua e deixe-me cortá-la como meu pagamento. Depois receberá sua poderosa poção.”
- “Assim seja”, disse a Pequena Sereia.
E a bruxa pôs seu caldeirão no fogo para cozinhar a poção mágica. Depois deu uma picada no seio e deixou que o sangue preto caísse no caldeirão. O vapor que se ergueu criava formas estranhas, apavorantes de se ver. A bruxa continuava a jogar mais coisas no caldeirão, e quando a mistura começou a ferver, soava como um crocodilo chorando. Finalmente a poção mágica ficou pronta, e era cristalina como água.
- “Pronto!” disse a bruxa ao cortar a língua da Pequena Sereia.
Agora ela estava muda e não podia falar nem cantar.
- “Se os pólipos a agarrarem quando você voltar pela mata”, disse a bruxa, “basta jogar sobre eles uma única gota desta poção, e os braços e dedos deles se romperão em mil pedaços.”
Mas a Pequena Sereia não precisou disso. Os pólipos se encolheram aterrorizados quando avistaram a poção cintilante que tremeluzia em sua mão como uma estrela. Assim, passou rapidamente pela mata, o charco e os redemoinhos atroadores.
A Pequena Sereia pôde contemplar o palácio do pai. As luzes do salão de baile estavam apagadas. Certamente todos lá estavam dormindo a essa hora. Mas não ousou entrar para vê-los, pois agora estava muda e prestes a deixá-los para sempre. Tinha a impressão de que seu coração ia se partir de tanta dor. Entrou furtivamente no jardim, arrancou uma flor do canteiro de cada uma das irmãs, soprou mil beijos na direção do palácio e depois subiu à superfície através das águas azul escuras.
O sol ainda não raiara quando ela avistou o palácio do príncipe e subiu os degraus de mármore. O luar era claro e vívido. A Pequena Sereia tomou a poção cortante, causticante, e teve a impressão de que uma espada estava trespassando seu corpo delicado. Desmaiou e tombou, como morta.
O sol se levantou e, luzindo através do mar, acordou-a. Ela sentiu uma dor aguda. Mas bem ali, na sua frente, estava o belo príncipe. Os olhos dele, negros como carvão, a fitavam tão intensamente que ela baixou os seus, e percebeu que sua cauda de peixe desaparecera e que tinha um bonito par de pernas brancas como as que qualquer menina desejaria ter.
Mas estava inteiramente nua e por isso envolveu-se em seu longo cabelo, que caía delicadamente. O príncipe perguntou-lhe quem era e como chegara até ali, e ela só pôde olhar de volta para ele com seus olhos de um azul profundo, doce e tristemente, pois, é claro, não podia falar. Então ele a tomou pela mão e a levou para o palácio. Cada passo que ela dava, como a bruxa havia dito, a fazia sentir como se estivesse pisando em facas e agulhas afiadas, mas suportou isso firmemente. Caminhou com a leveza de uma bolha ao lado do príncipe.
O príncipe e todos que a viram ficaram maravilhados ante a graça de seus movimentos.
Deram-lhe vestidos suntuosos de seda. Ela era a mais bela criatura no palácio, mas era muda, não podia falar nem cantar. Lindas moças vestidas de seda e ouro apareceram e dançaram diante do príncipe e de seus parentes reais. Uma cantou mais lindamente que todas as outras, e o príncipe bateu palmas e sorriu para ela. Isso deixou triste a Pequena Sereia, que sabia que ela própria podia cantar ainda mais lindamente. E pensou: - “Oh, se pelo menos ele soubesse que abri mão de minha voz para sempre para estar com ele.”
As moças dançaram uma dança graciosa, deslizando ao som da mais encantadora das músicas. E a Pequena Sereia ergueu seus belos braços brancos, ficou na ponta dos pés e deslizou pelo piso, dançando como ninguém dançara antes. A cada passo, parecia mais e mais encantadora, e seus olhos falavam mais profundamente ao coração que o canto das outras moças.
Todos ficaram encantados, especialmente o príncipe, que a chamou de sua criancinha enjeitada. Ela continuou dançando, apesar da sensação de estar pisando em facas afiadas cada vez que seu pé tocava o chão. O príncipe disse que ela nunca deveria deixá-lo, e ela ganhou permissão para dormir do lado de fora de sua porta, numa almofada de veludo.
O príncipe mandou fazer para ela um traje de pajem para que pudesse sair a cavalo com ele. Cavalgavam juntos pelas matas, onde os ramos verdes roçavam seus ombros e os passarinhos cantavam em meio às folhas frescas.
Ela subia com o príncipe ao topo de montanhas altas e, embora seus pés delicados sangrassem e todos pudessem ver o sangue, ela apenas ria e acompanhava o príncipe até onde podiam ver as nuvens abaixo deles, parecendo um bando de aves a viajar para terras distantes.
No palácio do príncipe, quando todos na casa dormiam, ela costumava ir para os largos degraus de mármore e refrescar os pés ferventes na água fria do mar. E naqueles momentos, pensava nos que estavam lá embaixo nas profundezas.
Uma noite suas irmãs subiram de braços dados, cantando melancolicamente enquanto flutuavam na água. A Pequena Sereia acenou para elas e elas a reconheceram e lhe disseram o quanto as fizera, a todas, infelizes. Depois disso, passaram a visitá-la todas as noites, e uma vez ela viu a distância sua velha avó, que não vinha à superfície havia muitos anos, e também o velho rei do mar com sua coroa na cabeça. Ambos estenderam as mãos para ela, mas não se aventuraram tão perto da costa quanto as irmãs.
Com o tempo, ela foi se tornando mais preciosa para o príncipe. Ele a amava como se ama uma criancinha, mas jamais lhe passara pela cabeça fazer dela sua rainha. E no entanto ela precisava se tornar sua esposa, pois do contrário nunca receberia uma alma imortal e, na manhã do casamento dele, se dissolveria em espuma no mar.
- “É de mim que você gosta mais?”, os olhos da Pequena Sereia pareciam perguntar quando ele a tomava nos braços e beijava sua linda testa.
- “Sim, você é muito preciosa para mim”, dizia o príncipe, “pois ninguém tem um coração tão bondoso. E você é mais devotada a mim que qualquer outra pessoa. Você me lembra uma menina que conheci uma vez, mas que provavelmente nunca verei de novo. O navio em que eu viajava naufragou, e as ondas me jogaram na costa, perto de um templo sagrado, onde várias meninas estavam cumprindo suas obrigações. A mais nova delas me encontrou na praia e salvou minha vida. Só a vi duas vezes. Ela é a única no mundo que eu poderia amar. Mas você é tão parecida com ela que quase tirei a imagem dela da minha mente. Ela pertence ao templo sagrado, e minha boa fortuna enviou você para mim. Nunca nos separaremos.”
- “Ah, mal sabe ele que fui eu que lhe salvei a vida”, pensou a Pequena Sereia. “Carreguei-o pelo mar até o templo na mata e esperei na espuma que alguém viesse socorrê-lo. Vi a menininha que ele ama mais do que a mim” – e a Pequena Sereia suspirou profundamente, pois não sabia derramar lágrimas. “Ele diz que a menina pertence ao templo sagrado e que por isso nunca retornará ao mundo. Eles nunca voltarão a se encontrar. Eu estou ao lado dele, vejo-o todo dia. Vou cuidar dele e amá-lo e dar minha vida por ele.”
Não muito tempo depois, correu o rumor de que o príncipe iria se casar, que a esposa seria a bonita filha de um rei vizinho e que era por isso que ele estava equipando um navio tão esplêndido.
A roda que o cercava era grande, mas a Pequena Sereia sacudia a cabeça e ria. Conhecia os pensamentos do príncipe muito melhor que qualquer outra pessoa.
- “Tenho que ir”, ele disse a ela. “Tenho de visitar essa bonita princesa porque meus pais insistem nisso. Mas eles não podem me forçar a trazê-la para cá como minha esposa. Nunca fui capaz de amá-la. Ela não tem nenhuma semelhança com a menina bonita do templo, com quem você se parece. Se eu fosse obrigado a escolher uma noiva, preferiria escolher você, minha mudinha rejeitada, com seus olhos expressivos.” E beijava a boca rosada da sereia, brincava com o longo cabelo dela, e pousava a cabeça contra o peito dela de tal maneira que o coração da sereia sonhava com a felicidade humana e uma alma imortal.
- “Você não tem medo do mar, não é, minha mudinha?” ele perguntou quando se viram no convés do esplêndido navio que iria transportá-los ao reino vizinho. E ele lhe falou de tempestades violentas e de calmarias, dos estranhos peixes que nadam nas profundezas e do que os mergulhadores tinham visto lá.
Ela sorria das histórias dele, pois sabia mais do que ninguém das maravilhas do fundo do mar.
À noite, quando havia lua num céu sem nuvens e todos estavam dormindo, exceto pelo timoneiro em seu leme, a Pequena Sereia sentava-se junto à amurada, os olhos espreitando a água clara. Tinha a impressão de poder ver o palácio do pai, com sua velha avó postada no alto dele com a coroa de prata na cabeça, tentando enxergar por entre a rápida corrente na quilha do navio. Depois suas irmãs surgiam das ondas e a fitavam com olhos cheios de aflição, torcendo as mãos brancas. Acenava e sorria para elas, para lhes dizer que estava feliz e que tudo ia bem.
Na manhã seguinte o navio entrou no porto da magnífica capital do rei vizinho. Os sinos das igrejas estavam tocando e podia-se ouvir um som de clarim, vindo das torres. Soldados faziam continência, com suas baionetas e bandeiras. Cada dia houve um festejo. Bailes e entretenimentos se seguiam uns aos outros, mas a princesa ainda não havia aparecido. As pessoas diziam que ela estava sendo criada e educada num templo sagrado, onde estava aprendendo todas as virtudes régias. Finalmente ela chegou.
A Pequena Sereia, que estava ansiosa para ver a beleza dela, teve de admitir que nunca vira pessoa mais encantadora. Sua pele era clara e delicada e, por trás de cílios longos e escuros, seus olhos azuis sorridentes brilhavam com profunda sinceridade.
- “É você”, disse o príncipe. “Você é aquela que me salvou quando eu estava estendido na praia, semimorto.” E estreitou nos braços sua noiva, de faces afogueadas.
- “Oh, estou tão feliz”, ele disse à Pequena Sereia. “Meu desejo mais caro – mais do que eu ousava esperar – foi satisfeito. Minha felicidade lhe dará prazer, porque você é mais devotada a mim do que ninguém.” A Pequena Sereia beijou a mão dele e sentiu como se seu coração já estivesse partido. O dia do casamento dele significaria a sua morte, e ela se transformaria em espuma nas ondas do oceano.
Todos os sinos das igrejas repicavam enquanto os arautos percorriam as ruas para proclamar o noivado. Óleo perfumado queimava em preciosas lâmpadas de prata em cada altar. O padre balançava o incensário enquanto o noivo e a noiva se davam as mãos e recebiam a bênção do bispo.
Vestida de seda e ouro, a Pequena Sereia segurava a cauda da noiva, mas seus ouvidos nunca tinham ouvido aquela música festiva, e seus olhos nunca tinham visto os santos ritos.
Ela pensava sobre sua última noite na terra e sobre tudo que havia perdido neste mundo.
Na mesma noite noivo e noiva embarcaram no navio. O canhão troava, as bandeiras tremulavam, e no centro do navio fora erguida uma suntuosa tenda de púrpura e ouro. Estava recoberta de ricas almofadas, pois os recém-casados deveriam dormir ali naquela noite calma, fresca. As velas se enfunaram com a brisa e o navio singrou leve e suavemente os mares claros.
Quando escureceu, acenderam-se lanternas coloridas e os marinheiros dançaram alegremente no convés. A Pequena Sereia não pôde deixar de pensar naquela primeira vez em que tinha emergido e contemplado uma cena de festejos jubilosos igual a esta. E agora ela entrou na dança, volteando e precipitando-se com a leveza de uma andorinha acuada. Brados de admiração a saudaram de todos os cantos. Nunca antes ela dançara com tanta elegância. Era como se facas afiadas estivessem cortando seus pés delicados, mas ela não sentia nada, pois a ferida em seu coração era muito mais dolorida. Sabia que aquela era a última noite em que poderia ver o príncipe, por quem abandonara sua família e seu lar, abrira mão de sua linda voz e sofrera horas de agonia sem que ele de nada suspeitasse. Era a última noite em que podia respirar com ele ou contemplar o mar profundo e o céu estrelado. Uma noite eterna, sem pensamentos ou sonhos, a esperava, a ela que não tinha alma e nunca ganharia uma. Tudo foi alegria e regozijo a bordo até muito depois da meia-noite. Ela dançou e riu com os outros enquanto em seu coração pensava na morte. O príncipe beijava sua noiva encantadora, que brincava com seu cabelo escuro, e de braços dados os dois se retiraram para a tenda.
Agora o navio estava silencioso e calmo. Só o timoneiro estava lá junto a seu leme. A pequena princesa recostou-se com seus braços brancos na amurada e olhou para o leste em busca de sinal da rósea aurora. O primeiro raio do sol, ela sabia, traria a sua morte. De repente viu suas irmãs emergindo. Estavam pálidas como ela própria, mas seus longos e belos cabelos não mais ondulavam ao vento – haviam sido cortados.
- “Demos nossos cabelos à bruxa”, disseram, “para que nos ajudasse a salvá-la da morte que a espera esta noite. Ela nos deu uma faca – veja, aqui está. Vê como é afiada? Antes do nascer do sol você tem de cravá-la no coração do príncipe. Então, quando o sangue morno dele borrifar seus pés, eles voltarão a crescer juntos e formar uma cauda de peixe, e você será sereia de novo. Poderá voltar conosco para a água e viver seus trezentos anos antes de ser transformada na espuma do mar salgado. Apresse-se! Ou ele ou você morrerá antes do nascer do sol. Nossa velha avó tem sofrido tanto que seu cabelo branco tem caído, como os nossos sob a tesoura da bruxa. Mate o príncipe e volte para nós! Mas vá depressa – veja as faixas vermelhas no céu. Em alguns minutos o sol despontará e então você morrerá.”
Com um suspiro profundo e estranho, elas submergiram.
A Pequena Sereia afastou a cortina púrpura da tenda e viu o belo noivo dormindo com a cabeça no peito da princesa. Inclinando-se, ela beijou a nobre fronte dele e depois olhou para o céu, onde o rubor da aurora se tornava cada vez mais luminoso. Fitou a faca afiada em sua mão e novamente fixou os olhos no príncipe, que sussurrou o nome da noiva em seus sonhos – só ela estava em seus pensamentos. Quando a Pequena Sereia empunhou a faca sua mão tremeu – e então ela a arremessou longe nas ondas. A água ficou vermelha no lugar em que caiu, e algo parecido com gotas de sangue ressumou dela. Com um último olhar para o príncipe, seus olhos anuviados pela morte, ela saltou do navio no mar e sentiu seu corpo se dissolver em espuma.
E logo o sol começou a nascer do mar. Seus raios cálidos e suaves caíram sobre a espuma fria como a morte, mas a Pequena Sereia não tinha a sensação de estar morrendo. Viu o sol esplendoroso e, pairando à sua volta, centenas de formosas criaturas – podia ver perfeitamente através delas, ver as velas brancas do navio e as nuvens rosadas no céu. E a voz delas era a voz da melodia, embora etérea demais para ser ouvida por ouvidos mortais, assim como nenhum olho mortal as podia ver. Não tinham asas, mas sua leveza as fazia flutuar no ar.
A Pequena Sereia viu que tinha um corpo como o delas e que estava se elevando cada vez mais acima da espuma.
- “Onde estou?” perguntou, e sua voz soou como a dos outros seres, mais etérea que qualquer música terrena podia soar.
- “Entre as irmãs do ar”, responderam as outras. “Uma sereia não tem alma imortal, e jamais pode ter uma a menos que conquiste o amor de um ser humano. A eternidade de uma sereia depende de um poder que independe dela. As filhas do ar tampouco têm uma alma eterna, mas podem conseguir uma através de suas boas ações. Devemos voar para os países quentes, onde o ar abafado da pestilência significa morte para os seres humanos. Devemos levar brisas frescas. Devemos transportar a fragrância das flores através do ar e enviar consolo e cura. Depois que tivermos tentado fazer todo o bem que podemos em trezentos anos, conquistaremos uma alma imortal e teremos uma parcela da felicidade eterna da humanidade. Você, Pequena Sereia, tentou com todo o seu coração fazer como estamos fazendo. Você sofreu e perseverou e se elevou ao mundo dos espíritos do ar. Agora, com trezentos anos de boas ações, você também pode conquistar uma alma imortal.”
A Pequena Sereia ergueu seus braços de cristal para o sol de Deus, e pela primeira vez conheceu o gosto das lágrimas.
No navio havia alvoroço e sons de vida por todo lado. A Pequena Sereia viu o príncipe e a bela noiva dele à sua procura. Com grande tristeza, eles fitavam a espuma perolada, como se soubessem que ela se jogara nas ondas.
Invisível, ela beijou a testa da noiva, sorriu para o príncipe e em seguida, com as outras filhas do ar, subiu para uma nuvem rosa avermelhada que navegava para o céu.
- “Assim flutuaremos por trezentos anos, até finalmente chegarmos ao reino celeste.”
- “E podemos atingi-lo ainda mais cedo”, sussurrou uma das suas companheiras. “Invisíveis, flutuamos para dentro de lares humanos em que há crianças, e para cada dia em que encontramos uma boa criança, Deus abrevia nosso tempo de sofrimento. A criança nunca percebe nada quando voamos em seu quarto e sorrimos com alegria, e assim um ano é subtraído dos trezentos. Mas quando vemos uma criança travessa ou maldosa, derramamos lágrimas de dor, e cada lágrima acrescenta mais um dia ao nosso tempo de provação.”
Hans Christian Andersen
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O Patinho Feio
Manhã de verão! O campo estava esplendoroso, com o milho dourado, a aveia verde e as medas de feno espalhadas nos prados atapetados de capim. Lá estava uma cegonha, com suas compridas pernas vermelhas, tagarelando em egípcio, língua que aprendera com a mãe. Os campos e os prados eram cercados por vastas matas, pontilhadas por lagos profundos.
Ah, sem dúvida era adorável andar pelo campo. Uma velha casa de fazenda perto de um rio caudaloso estava banhada de sol, e enormes folhas de bardana cobriam o trecho entre a casa e a água. As maiores eram tão grandes que crianças pequenas podiam ficar de pé debaixo delas. A folhagem era tão emaranhada e retorcida como uma densa floresta. Era ali que uma pata estava instalada em seu ninho. Chegara a hora, tinha de chocar seus patinhos, mas era um trabalho tão lento que ela estava à beira da exaustão. Praticamente nunca recebia uma visita. Os outros patos preferiam nadar para cá e para lá no rio a subir a ladeira escorregadia para ir até o ninho e se sentar sob uma bardana só pelo prazer de um “quen” com ela.
Finalmente os ovos racharam, um a um – crec, crec – e todas as gemas tinham ganhado vida e estavam apontando a cabeça para fora.
- “Quen, quen!” disse a mãe pata.
E os pequeninos saíram a toda pressa com seus passinhos curtos, para bisbilhotar sob as folhas verdes. A mãe deixou que olhassem à vontade, pois o verde é sempre bom para os olhos.
- “Oh, como o mundo é grande!” disseram os patinhos, percebendo que agora tinham muito mais espaço do que quando estavam enroscados num ovo.
- “Estão pensando que este lugar é o mundo inteiro?” Disse a mãe. “Ah, ele vai muito além do outro lado do jardim, até o campo do vigário. Mas nunca me aventurei tão longe. Bem, agora estão todos chocados, eu espero...” – e levantou-se do ninho – “não, não todos. O maior ovo ainda está aqui. Gostaria de saber quanto tempo isto vai levar. Não posso ficar aqui a vida toda.” E voltou a se acomodar no ninho.
- “Olá, como vai passando?” perguntou uma pata velha que viera fazer uma visita.
- “Um ovo ainda não rachou”, disse a pata. “Simplesmente não quer se abrir. Mas dê uma olhada nos outros – os patinhos mais encantadores que já vi. Todos puxaram ao pai – o patife! Não aparece nem para fazer uma visita.”
- “Deixe-me dar uma olhada nesse ovo que não quer rachar”, disse a pata velha. “Aposto que é um ovo de peru. Foi assim que me enganei uma vez. Os filhotinhos me deram uma trabalheira sem fim, porque tinham medo da água – imagine você! Eu simplesmente não conseguia fazê-los entrar. Por mais quens e quacs que eu fizesse, não adiantava nada. Deixe-me dar uma espiada nesse ovo. Ah, mas isto é um ovo de peru, pode ter certeza! Deixe-o de lado e vá ensinar os outros a nadar.
- “Acho que vou chocá-lo só mais um pouco”, disse a pata. “Já o choquei por tanto tempo que não custa chocar mais um bocadinho.”
- “Como queira!” disse a pata velha, e foi-se embora gingando.
Finalmente o ovo grande começou a rachar. Ouviu-se um piadinho vindo do filhote quando levou um trambolhão, parecendo muito feio e muito grande.
A pata deu uma olhada e disse: “Misericórdia! Mas que patinho enorme! Nenhum dos outros se parece nada com ele. Mesmo assim, filhote de peru ele não é, disto eu tenho certeza... Bem, veremos daqui a pouco. Ele vai entrar na água, nem que eu mesma tenha de empurrá-lo!”
No dia seguinte o tempo estava glorioso e o sol resplandecia sobre todas as folhas verdes de bardana. A mãe pata desceu com a família toda até a água e saltou, espadanando água. “Quac, quac”, ela disse e, um depois do outro, os patinhos saltaram atrás dela. Eles afundavam mas num instante vinham à tona de novo e avançavam flutuando lindamente. Suas patas iam batendo por si mesmas e agora todo o grupo estava na água – até o patinho cinzento e feio participava daquele exercício de natação.
- “Não é um peru, disto não resta dúvida”, disse a pata. “Veja como usa as patas com perfeição e como se mantém aprumado. É meu filhotinho, sim senhor, e, reparando bem, até que é bem jeitoso. Quen, quen! Agora venham comigo e deixem que eu mostre o mundo para vocês e os apresente a todos no terreiro. Mas prestem atenção e fiquem bem junto de mim, ou alguém pode pisar em vocês. E fiquem de olho no gato.”
Foram todos para o terreiro. Havia uma algazarra medonha lá, porque duas famílias estavam disputando uma cabeça de enguia. No fim, foi o gato que ficou com ela.
- “Vocês estão vendo? É assim que são as coisas no mundo”, disse a mãe pata, e ficou com o bico cheio d’água porque também tivera a esperança de abocanhar a cabeça de enguia. “Vamos, usem as pernas e façam cara de espertos”, ela disse. “Façam uma mesura gentil para aquela pata velha ali. Ela é mais distinta que qualquer um por aqui. Tem sangue espanhol; é por isso que é tão rechonchuda. Estão vendo aquela bandeira carmesim que está usando numa pata? É coisa finíssima. É a mais alta distinção que qualquer pato pode ganhar. Significa praticamente que ninguém pensa em se ver livre dela. Isso vale para homens e animais! Façam uma cara alegre e não andem com as patas para dentro! Um patinho bem-educado anda com as patas para fora, como o papai e a mamãe... Muito bem. Agora abaixem a cabeça e digam ‘quac’.”
Todos obedeceram. Mas os outros patos que estavam por lá olhavam para eles e diziam, alto: - “Vejam só! Agora vamos ter essa corja por aqui também – como se já não bastássemos nós. Que figura é aquele patinho! Não vamos conseguir suportá-lo.” E um dos patos imediatamente voou para cima dele e lhe bicou o pescoço.
- “Deixe-o em paz”, disse a mãe. “Não está fazendo mal nenhum.”
- “Pode ser, mas é tão desajeitado e estranho”, disse o pato que o bicara. “Simplesmente vai ter de ser expulso.”
“Que lindos filhos você tem, minha querida!” disse a pata velha com a bandeira na perna. “Menos aquele ali, que parece ter alguma coisa de errado. Só espero que você possa fazer alguma coisa para melhorá-lo.”
- “Isso é impossível, cara senhora”, disse a mãe dos patinhos. “Ele não é atraente, mas tem um gênio ótimo e nada tão bem quanto os outros – eu diria que até melhor. Acho que a aparência dele vai melhorar quando crescer, ou talvez com o tempo ele encolha um pouco. Ficou no ovo tempo demais – é por isso que é um pouco esquisito.”
Então deu uma batidinha no pescoço dele e alisou suas penas.
- “De todo modo, como é um macho, isso não tem muita importância”, ela acrescentou. “Tenho certeza de que vai ficar bastante forte e ser capaz de cuidar de si mesmo.”
- “Os outros patinhos são encantadores”, disse a pata velha. “Sintam-se em casa, meus queridos, e se encontrarem alguma coisa parecida com uma cabeça de enguia, podem trazê-la para mim.”
E assim eles ficaram à vontade, mas o pobre patinho que tinha sido o último a se safar do ovo e parecia tão feio levou bicadas, empurrões e caçoadas tanto de patos quanto de galinhas.
- “O grande paspalhão!” todos cacarejavam.
E o peru, que nascera de esporas e se julgava um imperador, enfunou-se como um navio com todas as velas desfraldadas e rumou direto para ele. Então grugulejou, grugulejou, até ficar com a cabeça bem vermelha.
O pobre patinho não sabia para onde se virar. Estava realmente perturbado por ser tão feio e virar o alvo das chacotas do terreiro. Assim foi o primeiro dia, e a partir de então as coisas só pioraram. Todo o mundo passou a maltratar o pobre patinho. Até seus próprios irmãos e irmãs o tratavam mal e diziam: - “Oh, sua criatura feia, o gato podia pegar você!”
Sua mãe dizia que preferia que ele não existisse. Os patos o mordiam, as galinhas o bicavam e a criada que vinha dar comida às aves o chutava.
Finalmente ele fugiu, assustando as aves pequenas na cerca quando saiu voando.
- “Têm medo de mim porque sou feio”, ele pensou. E fechou os olhos e continuou voando até chegar a uns vastos charcos habitados por patos selvagens.
Passou a noite toda lá, sentindo-se exausto e desanimado. De manhã, ao levantarem vôo, os patos selvagens observaram seu novo companheiro. - “Que espécie de pato você poderia ser?” todos perguntaram, olhando-o de alto a baixo. Ele os cumprimentou e foi o mais polido que pôde, mas não respondeu à pergunta que lhe faziam.
- “Você é extremamente feio”, disseram os patos selvagens, “mas isso não tem importância, desde que não tente se casar com alguém de nossa família.”
Coitadinho! Não estava nem sonhando com casamento. Tudo que queria era uma chance de ficar deitado em paz entre os juncos e desfrutar de um pouco d’água nos charcos.
Quando já tinha passado dois dias inteiros lá, apareceu um par de gansos selvagens, ou melhor, dois gansos machos. Fazia pouco tempo que tinham saído do ovo e eram muito brincalhões.
- “Olhe aqui, meu chapa”, disse um deles ao patinho. “Você é tão feio que vamos com sua cara. Topa ir conosco e virar uma ave migratória? Num outro charco, não muito longe daqui, há umas gansas selvagens muito bem apanhadas, todas são solteiras e todas grasnam lindamente. É uma chance para você fisgar alguém, feio como é.”
Bang! Bang! Tiros ecoaram de repente acima deles, e os dois gansos selvagens tombaram mortos entre os juncos.
A água ficou vermelha com seu sangue.
Bang! Bang! Ouviram- se tiros mais uma vez, e bandos de gansos selvagens saíram dos juncos em revoada. Os sons vinham de todas as direções, pois estava acontecendo uma grande caçada. Os caçadores tinham cercado a área pantanosa. Alguns homens estavam até sentados em galhos de árvores, inspecionando os charcos. A fumaça azul das armas subia como nuvens sobre as árvores escuras e descia sobre a água. Cães de caça passavam espadanando a lama, curvando caniços e juncos ao saltar. Como aterrorizaram o pobre patinho! Ele virou a cabeça e estava prestes a escondê-la debaixo da asa quando, de repente, percebeu um cachorro apavorantemente grande, com a língua pendurada e olhos ferozes, penetrantes.
Ele baixou o focinho bem em cima do patinho, mostrou seus dentes afiados e – chape-chape – foi embora sem tocar nele.
O patinho deu um suspiro de alívio.
- “Sou tão feio que nem o cachorro está interessado em me morder.”
E ficou ali deitado bem quietinho, enquanto balas zuniam entre os caniços e os juncos, um tiro depois do outro.
Quando os barulhos cessaram, o dia já ia longe. Mas o pobre patinho ainda não ousou se levantar. Esperou quieto por várias horas e então, depois de uma olhada cuidadosa à sua volta, levantou vôo do charco o mais depressa que pôde. Voou sobre prados e campos, mas o vento estava tão forte que ele tinha dificuldade em avançar.
Ao anoitecer chegou a uma cabaninha pobre que estava em tão mau estado que só continuava de pé porque não conseguia decidir para que lado cair. O vento soprava com tanta força em volta do patinho que ele teve de se sentar em cima do rabo para não ser levado pelos ares. Logo o vento ficou ainda mais furioso. O patinho notou que a porta saíra de um de seus gonzos e estava pendurada de maneira tão enviesada que ele poderia se enfiar na casa através da fenda. Foi exatamente o que fez.
Na cabana vivia uma velha, com um gato e uma galinha. O gato, que ela chamava de Filhote, sabia arquear as costas e ronronar. Era capaz até de faiscar, se alguém alisasse seu pelo ao contrário. A galinha tinha pernas tão curtas que era chamada Garnisé Cotó. Era uma boa poedeira e a mulher gostava dela como de uma filha.
Mal o dia raiou, o gato e a galinha perceberam o estranho patinho, e o gato pôs-se a ronronar e a galinha a cacarejar.
- “Qual é a razão deste alarido todo?” perguntou a velha, passando os olhos pelo cômodo. Mas, como não tinha a vista muito boa, confundiu o patinho feio com um pato gorducho que se perdera de casa. “Vejam só! Que descoberta!” ela exclamou. “Vou poder ter alguns ovos de pato, contanto que não seja um macho! É só uma questão de esperar e ver.”
Assim o patinho foi admitido em caráter de experiência por três semanas; mas nem sinal de ovo. Acontece que o gato era o dono da casa, e a galinha a dona, e eles sempre diziam, “Nós e o mundo”, porque imaginavam que compunham a metade do mundo, e, mais que isso, a metade melhor. O patinho pensava que isso talvez fosse questão de opinião, mas a galinha não admitia nem discutir esse assunto.
- “Você é capaz de pôr ovos?” ela perguntou.
- “Não.”
- “Então trate de ficar de bico calado!”
O gato perguntou: - “Você é capaz de arquear as costas, de ronronar ou de faiscar?”
- “Não.”
- “Então não meta o bedelho quando pessoas sensatas estão falando.”
O patinho se sentou num canto, sentindo um grande desalento. Então, de repente, lembrou-se do ar fresco e do sol e começou a sentir uma saudade tão imensa de nadar que não conseguiu não falar com a galinha sobre o assunto.
- “Que idéia absurda”, disse a galinha. “Você vive de papo para o ar. É por isso que essas idéias malucas lhe vêm à cabeça. Elas sumiriam se você fosse capaz de pôr ovos ou ronronar.”
- “Mas é tão delicioso nadar para cima e para baixo”, disse o patinho, “e é tão refrescante mergulhar de cabeça e ir até o fundo.”
- “Delicioso, sem dúvida!” disse a galinha. “Ora, você deve estar maluco! Pergunte ao gato; ele é o animal mais inteligente que eu conheço. Pergunte o que ele acha de nadar ou mergulhar. Nem vou dar minha opinião. Pergunte à sua dona, a velha – não há ninguém no mundo mais sensato do que ela. Acha que ela gosta de nadar e mergulhar?”
- “Ah, você não me entende”, disse o patinho.
- “Bem, se nós não o entendemos, gostaria de saber quem entende. Certamente você não vai tentar dizer que é mais sensato que o gato e a dona, para não falar de mim. Não seja tolo, garoto! Seja grato à boa sorte que o trouxe aqui. Não é verdade que encontrou um cômodo agradável, quentinho, com um grupo de amigos com quem pode aprender alguma coisa? Mas você é um burro, e não é nada divertido tê-lo aqui. Acredite-me, se digo coisas desagradáveis, é para o seu próprio bem e como prova de verdadeira amizade. Mas siga o meu conselho. Dê um jeito de pôr ovos ou de aprender a ronronar e soltar faíscas.”
- “Acho que vou voltar para o mundo lá de fora”, disse o patinho.
- “Já vai tarde”, a galinha respondeu.
E assim o patinho partiu. Mergulhou fundo na água e nadou para cá e para lá, mas ninguém queria saber dele, porque era muito feio. O outono chegou, e as folhas na floresta ficaram amarelas e castanhas. Quando caíam no chão, o vento as apanhava e as fazia girar. O céu lá no alto tinha um aspecto gélido. As nuvens pendiam pesadas com granizo e neve, e um corvo empoleirado numa cerca gritava: “Crou! Crou!” Era de dar calafrios. Sim, o pobre patinho estava sem dúvida em apuros.
Certa tarde houve um lindo poente e um majestoso bando de aves emergiu de repente dos arbustos. O patinho nunca vira aves tão bonitas, de um branco deslumbrante e com longos, graciosos pescoços. Eram cisnes. Emitiam gritos extraordinários, abriam suas lindas asas e voavam para longe daquelas regiões frias rumo a países mais quentes do outro lado do mar.
Ao vê-los subirem cada vez mais alto no ar, o patinho teve uma sensação estranha. Deu vários rodopios na água e esticou o pescoço na direção deles, soltando um grito tão estridente e estranho que ele mesmo ficou assustado ao ouvi-lo. Jamais poderia esquecer aquelas belas aves que eram tão felizes! Quando as perdeu de vista, mergulhou até o fundo das águas e, quando emergiu, estava quase fora de si de entusiasmo. Não tinha a menor idéia de que aves eram aquelas, nem sabia coisa alguma sobre o seu destino. No entanto, eram mais preciosas para ele que qualquer ave que já tivesse conhecido. Não sentia nenhuma inveja delas. Afinal, como poderia jamais aspirar a tanta beleza? Ficaria muito satisfeito se os patos pelo menos o tolerassem – criatura infeliz e desajeitada que era.
Que inverno frio foi aquele! O patinho tinha de ficar nadando sem parar para evitar que a água congelasse à sua volta. A cada noite, a área em que nadava ia ficando cada vez menor. Passado algum tempo a água congelou tão solidamente que o gelo rangia quando ele andava, e o patinho tinha de manter as patas em movimento constante para impedir que o espaço se fechasse completamente.
Por fim ele desmaiou de exaustão e tombou totalmente imóvel e desamparado, e acabou ficando profundamente encravado no gelo.
Na manhã do dia seguinte, um camponês que estava passando por ali viu o que acontecera. Quebrou o gelo com seu tamanco de madeira e levou o patinho para sua mulher, em casa. As crianças quiseram brincar com ele, mas o patinho tinha medo de que lhe fizessem mal.
Em pânico, esvoaçou direto para a tigela de leite, borrifando leite pelo cômodo todo. Quando a mulher gritou com ele e bateu palmas, voou para a tina de manteiga e de lá para a cumbuca de farinha e logo escapou de lá. Ai, Senhor, em que estado ele estava! A mulher gritou com ele e lhe bateu com a pá da lareira, e as crianças se atropelavam tentando agarrá-lo. Como riam e gritavam! Por sorte a porta estava aberta. O patinho disparou para os arbustos e se afundou, zonzo, na neve fofa, recém-caída.
Ele continuou abrigado entre os caniços e os juncos. Um dia, o sol voltou a brilhar de novo e as cotovias começaram a cantar. A primavera chegara em toda a sua beleza.
Então, de repente, ele resolveu experimentar as suas asas. Elas ruflaram muito mais alto que antes, e o levaram embora velozmente. Antes que ele desse por si, viu-se num grande jardim.
As macieiras estavam carregadas de flores e os lilases perfumados curvavam seus longos galhos verdes sobre um regato que cortava um gramado macio. Era tão agradável estar ali, em meio a todo o frescor do início da primavera!
De uma moita próxima surgiram três lindos cisnes, levantando as asas e flutuando levemente sobre as águas calmas. O patinho reconheceu as esplêndidas aves e foi dominado por um estranho sentimento de melancolia.
- “Vou voar até aquelas aves. Talvez me matem a bicadas por ousar me aproximar delas, feio como sou. Mas não faz mal. Melhor ser morto por elas que mordido pelos patos, bicado pelas galinhas, chutado pela criada que dá comida às aves, ou sofrer penúria no inverno.”
Voou até a água e nadou em direção aos belos cisnes.
Quando o avistaram, eles foram depressa a seu encontro com as asas estendidas.
- “Sim, matem-me, matem-me”, gritou a pobre ave, e abaixou a cabeça, esperando a morte.
Mas o que descobriu ele na clara superfície da água, sob si? Viu sua própria imagem, e não era mais uma ave desengonçada, cinzenta e desagradável de se ver – não, ele também era um cisne!
Não há nada de errado em nascer num terreiro de patos, contanto que você tenha sido chocado de um ovo de cisne.
Agora ele se sentia realmente satisfeito por ter passado por tanto sofrimento e adversidade. Isso o ajudava a valorizar toda a felicidade e beleza que o envolviam... Os três grandes cisnes nadaram em torno do recém-chegado e lhe deram batidinhas no pescoço com seus bicos.
Algumas criancinhas chegaram ao jardim e jogaram pão e grãos na água. A mais nova exclamou: - “Há um cisne novo!”
As outras crianças ficaram encantadas e gritaram: - “Sim, há um cisne novo!” E todas bateram palmas, dançaram e saíram correndo para buscar seus pais.
Migalhas de pão e bolo foram jogadas na água, e todos diziam: - “O novo é o mais bonito de todos. É tão jovem e elegante.”
E os cisnes velhos faziam mesuras para ele. Ele se sentiu muito humilde, e enfiou a cabeça sob a asa – ele mesmo mal sabia por quê. Estava muito feliz, mas nem um pouquinho orgulhoso, pois um bom coração nunca é orgulhoso.
Pensou no quanto fora desprezado e perseguido, e agora todos diziam que era a mais bonita de todas as aves. E os lilases curvavam seus ramos para ele, baixando-os até a água.
O sol era cálido e resplandecente. Então ele encrespou as penas, ergueu o pescoço esguio e deleitou-se do fundo de seu coração. - “Nunca sonhei com tal felicidade quando era um patinho feio.”
Hans Christian Andersen
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A Pequena Sereia (Resumo)
A Pequena Sereia era a filha caçula do rei Tritão, era uma sereia diferente das outras cinco irmãs. Era muito quieta, não era difícil vê-la distante e pensativa. Desde os dez anos, a Pequena Sereia guardava uma estátua de um jovem príncipe que havia encontrado num navio naufragado.
Passava às vezes horas contemplando a estátua, que aguçava ainda mais sua vontade de conhecer o mundo da superfície. Porém esse seu desejo só poderia ser realizado quando completasse quinze anos, nessa idade é dada a permissão para as sereias nadarem até a superfície do mar. Para a Pequena Sereia esse dia especial parecia nunca chegar. Ela acompanhava a cada ano, os quinze anos de cada uma das suas irmãs, ansiosa para que o seu dia chegasse em breve também, e escutava atenta o relato de cada uma delas sobre tudo aquilo que viram. As irmãs contavam sobre os barulhos da cidade, as luzes, o céu, os pássaros, sobre as pessoas, animais, eram tantas as novidades que só aumentava o desejo da Pequena Sereia de conhecer aquele mundo. A Pequena Sereia queria ver as cores douradas que surgiam no céu, quando o sol de escondia no horizonte. A chuva, com as nuvens cor de chumbo. Conhecer o arco-íris, as flores, as montanhas, as plantas. Às vezes as cinco irmãs subiam juntas à superfície para passear, e a Pequena sereia ficava triste em seu quarto, no castelo, sentia uma enorme angústia e uma coisa estranha, parecia ter vontade de chorar, embora as sereias não chorem, pois não têm lágrimas. Até que o dia tão esperado chegou, o coração da Pequena Sereia saltitava de felicidade. Recebeu de presente da sua avó um colar de pérolas, símbolo da realeza. A pequena sereia chegou à superfície na hora do pôr–do-sol. O céu estava dourado com nuvens rosadas. Ela ficou maravilhada com o que via. Ela avistou um grande navio com três mastros e nadou até ele. O céu escureceu e no navio foram acesas centenas de lanternas coloridas. A sereiazinha nadou contornando o navio e, pela escotilha do salão viu pessoas alegres, dançando. Um rapaz em especial, chamou-lhe atenção. Passadas algumas horas, o vento começou a soprar forte. A lua e as estrelas sumiram do céu e começaram a surgir trovões e relâmpagos. O mar estava revolto, ondas gigantescas atacavam o navio. Os marujos assustados, retiraram as velas do navio. As pessoas gritavam assustadas. O navio balançava muito, até que uma onda gigantesca o tombou para o lado. A escuridão foi total. Um raio iluminou o céu e a Pequena Sereia viu pessoas gritando e tentando se salvar nadando. De repente a sereiazinha viu o príncipe. Ele estava se afogando. Ela sentia que tinha que ajudá-lo. Ela nadou entre os destroços do navio e o alcançou. O jovem príncipe estava desmaiado. Ela segurou firmemente, mantendo a cabeça dele para fora da água, e flutuou com ele até a tempestade passar. Ao raiar do sol, a sereiazinha verificou que o príncipe respirava tranquilamente. Ela ficou aliviada em ver que ele estava bem, ficou tão contente que o beijou. Nadou com ele até uma praia, o dentou na areia e escondeu-se atrás das rochas. Ela viu que existia algumas casinhas por perto, certamente alguém o encontraria. Logo uma jovem apareceu na praia e foi caminhando na direção do rapaz. O, que até então, estava desmaiado acordou e sorriu para a moça. A moça correu para buscar ajuda e em pouco tempo o príncipe foi levado ao vilarejo. A sereiazinha ficou aliviada por ter salvado o jovem, mas ficou triste pois temia não vê-lo novamente. A Pequena Sereia voltou para o seu castelo no fundo do mar. As irmãs a encontraram triste e quieta. Após longa insistência das irmãs, a sereiazinha contou-lhes toda a sua aventura. Uma das irmãs sabia quem era o príncipe e sabia que ele morava em um castelo à beira-mar. As seis sereias nadaram até lá. Esconderam-se atrás de uns rochedos, esperaram até que viram o príncipe e viram que ele estava bem. A pequena sereia pensava muito no jovem príncipe. Ela daria sua vida para ser humana e encontrar-se com o príncipe nem que fosse só por um dia. Seu pai, o rei Tritão estava preocupado com a filha, nem as festas no palácio alegravam a jovem sereia. Ela nem cantava mais nas festas, todos adoravam ouvi-la cantar, sua voz era linda. Numa noite, a Pequena Sereia tomou uma decisão: foi procurar a feiticeira do mar. A feiticeira é uma bruxa, mora no meio dos redemoinhos, cercada de plantas cheias de espinhos e animais peçonhento e perigosos. A sereiazinha acreditava que a única pessoa capaz de ajudá-la a transformar-se em humana, seria a feiticeira. A feiticeira concordou em lhe dar duas pernas, mas a sereiazinha só se tornaria humana se o príncipe se apaixonasse e casasse com ela. Avisou que a sereiazinha sentiria terríveis dores nas pernas par ao resto da vida e nunca mais poderia voltas ao fundo do mar. Caso o príncipe não se apaixonasse por ela e casasse com outra moça, depois da noite do casamento, o primeiro raio de sol transformaria a Pequena Sereia em espuma. A sereiazinha ficou assustada, mas aceitou correr o risco, pois queria estar com o seu amado. Em troca dos serviços da feiticeira, a jovem lhe daria a sua voz. Mesmo assim, a sereiazinha aceitou a proposta, estava decidida a tentar. A feiticeira deu-lhe um frasco contendo a poção que lhe daria as pernas .Em seguida roubou-lhe a voz. A sereiazinha não se despediu de ninguém, nadou em direção ao palácio do príncipe. Foi então, que ela tomou a poção dada pela feiticeira. Imediatamente sentiu terríveis dores como se punhais lhe rasgassem a cauda. A dor foi tamanha que a jovem não aguentou e desmaiou. Quando amanheceu, a princesa acordou, na praia, ao seu lado estava o príncipe, olhando-a curioso e preocupado. A sereiazinha percebeu que estava sem roupa, e possuía duas pernas no lugar de sua cauda. Cobriu-se então com seus longos cabelos. O príncipe quis saber seu nome e o que acontecera. Porém, a jovem não conseguia falar, não tinha mais sua voz. O príncipe a levou para o palácio, onde foi cuidada e alimentada. A sereiazinha passou a viver feliz naquele lugar ao lado do príncipe. Sofria terríveis dores sempre que andava, era como se algo furasse seus pés. Mas nada era superior a sua felicidade em estar com o seu amado. Cada dia que passava, o príncipe gostava mais da pequena sereia, As pessoas do palácio também se encantavam com a pequena sereia. Porém o coração do príncipe e seus pensamentos pertenciam à jovem que o encontrara na praia, ele achava que ela o havia salvo. Um dia a pequena sereia descobriu que o rei planejava casar o príncipe com a filha do rei vizinho. Eles fariam uma viagem de navio para conhecer a futura noiva. A pequena sereia ficou muito triste, se o príncipe se casasse com outra ela morreria. Ficou cheia de esperança quando o jovem príncipe lhe confidenciou que nãos e casaria com a jovem escolhida pelo seu pai, pois já amava outra moça. A sereiazinha acompanhou a família real na viagem. Na hora em que conheceu a futura noiva, o príncipe ficou encantado, era a mesma moça da praia. A pequena sereia viu que o príncipe estava apaixonado. Naquela mesma noite ele casou-se com a jovem princesa, a moça da praia. Enquanto todos festejavam, a princesa sofria de tristeza. Foi então para o convés observar o mar. Nesse momento ela viu suas irmãs, todas de cabelos curtos. Deram seus cabelos à feiticeira em troca de um punhal mágico. A Pequena Sereia precisaria matar seu amado com aquele punhal, antes do amanhecer, assim, poderia voltar a ser sereia e viver no fundo do mar. A sereiazinha muito triste pegou o punhal, foi até o quarto do príncipe e vendo-o dormindo tranqüilo ao lado da sua esposa, saiu correndo dali. A sereiazinha tinha um coração bom, e seu amor era verdadeiro, não poderia jamais matar o seu amado. Sendo assim, ela se dirigiu ao convés do navio, já estava amanhecendo. A sereiazinha, então, atirou-se no mar, no mesmo instante o primeiro raio de sol surgiu no horizonte, e assim o feitiço se realizou, a Pequena Sereia virou espuma branca do mar.
Hans Christian Andersen
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A Nova Roupa do Imperador
Há muitos e muitos anos, vivia um imperador que gostava tanto de roupas novas e bonitas que gastava todo o dinheiro que tinha com a sua elegância. Não tinha o menor interesse pelo exército, nem dava importância a ir ao teatro ou fazer passeios de carruagem pelo campo, a menos, é claro, que isso lhe desse oportunidade para exibir roupas novas.
Tinha trajes diferentes para cada hora do dia, e, vivia se admirando no espelho de seu quarto, cada hora com uma roupa diferente. Não faltavam diversões na cidade onde o imperador morava. Estrangeiros estavam sempre chegando e partindo, e um dia lá chegaram dois homens dizendo ser grandes tecelões. Afirmavam saber como tecer o tecido mais deslumbrante que se podia imaginar. Não só as cores e os padrões que criavam eram extraordinariamente atraentes, como as roupas feitas com seus tecidos tinham também a característica singular de se tornarem invisíveis a todos que eram inaptos para sua ocupação ou irremediavelmente burros. - “Mas que ótimo! Devem ser roupas maravilhosas”, pensou o imperador. “Se eu tivesse algumas dessas, poderia dizer quais funcionários não servem para seus cargos, e seria capaz também de distinguir os sensatos dos tolos. Sim, preciso mandar que teçam um pouco desse tecido para mim imediatamente.” E pagou aos novos tecelões uma grande soma de dinheiro para que pudessem iniciar seus trabalhos o mais breve possível. Os novos tecelões montaram um par de teares e começaram seu trabalho. Pediram a mais delicada seda e o mais fino fio de ouro. Depois trabalharam até altas horas em seus teares. - “Como os tecelões estarão se saindo?” pensava o imperador. Mas um detalhe estava começando a deixá-lo aflito. O fato de que toda pessoa estúpida ou inapta para seu cargo jamais seria capaz de ver o que estava sendo tecido. Não que ele tivesse qualquer temor a seu próprio respeito – sentia-se absolutamente confiante sob esses aspectos – mas, mesmo assim, talvez fosse melhor mandar alguém lá para ver como as coisas estavam progredindo. Todos na cidade tinham ouvido falar do misterioso poder do tecido e estavam loucos para determinar a incompetência ou a burrice de seus vizinhos. - “Vou mandar até lá o meu eficiente primeiro-ministro”, pensou o imperador. “Ele é escolha óbvia para inspecionar a fazenda, pois tem bom senso de sobra e ninguém é mais qualificado para seu posto que ele.” Assim lá foi o eficiente ministro para a oficina onde os dois estavam trabalhando com todo afinco junto a seus teares. - “Que o Senhor me abençoe”, pensou o ministro, os olhos esbugalhados. “A verdade é que não estou vendo nada!” Mas teve o cuidado de não deixar isso transparecer. Os tecelões pediram que ele olhasse a fazenda mais de perto – não achava as cores e os padrões atraentes? Apontaram os caixilhos, e, por mais que arregalasse os olhos, o pobre ministro não conseguiu ver nada. - “Misericórdia!” pensou. “Será possível que eu seja um idiota? Nunca desconfiei disso e não posso admitir essa possibilidade. Será então que sou inadequado para o meu cargo? Não, não convém em absoluto confessar que não consigo enxergar o tecido.” - “Oh, mas é encantador! Tão lindamente elaborado!” disse o velho ministro, olhando por sobre os óculos. “Que padrão e que colorido! Comunicarei sem demora ao imperador o quanto ele me agrada.” - “Ah, nós lhe ficaremos muito agradecidos”, disseram os tecelões. E descreveram com detalhes as cores e os extraordinários padrões. O velho ministro escutou atentamente para ser capaz de repetir todos os detalhes para o imperador. Os tecelões pediram mais dinheiro, mais seda e mais fio de ouro, para que pudessem continuar tecendo. E continuaram trabalhando. Passado algum tempo o imperador mandou um segundo alto funcionário para ver como a tecelagem estava caminhando e saber se o tecido ficaria logo pronto. O que tinha acontecido com o primeiro-ministro também aconteceu com este. Por mais que olhasse, não conseguiu ver nada. - “Veja! Não é um trabalho primoroso?” perguntaram os tecelões, apontando a beleza do padrão do tecido. - “Sei que não sou burro”, pensou o homem. “Isto só pode ser que não sou apto para a minha posição. Algumas pessoas vão se divertir com isso, o melhor que eu faço é não demonstrar nada.” E assim elogiou o tecido que não podia enxergar e declarou-se maravilhado com suas nuances fascinantes e o belo padrão. - “Sim, é simplesmente maravilhoso”, disse ao imperador ao retornar. O esplêndido tecido tornou-se o assunto da cidade. E agora o imperador queria vê-lo ele próprio, ainda no tear. Acompanhado de um grupo seleto de pessoas, entre as quais os dois velhos funcionários que já tinham estado lá, saiu para ver o tear, onde os tecelões trabalhavam sem cansar. -“Vejam, não é magnífico?” disseram os dois honrados funcionários apontando para o tear, certos de que todos os outros eram capazes de ver a fazenda. “Vossa Majestade por favor olhe! Que padrão esplêndido! Que cores gloriosas!” - “Mas o que é isto?” pensou o imperador. “Não vejo coisa nenhuma! Isto é assustador. Serei um idiota? Serei incompetente para ser imperador? Essa é a pior coisa que podia me acontecer.” - “Oh, é simplesmente encantador!” disse aos outros. “Tem nossa mais benévola aprovação.” E sacudiu a cabeça com satisfação, enquanto olhava o tear. Nem lhe passava pela cabeça dizer que não estava vendo nada. Os cortesões que o haviam acompanhado olhavam o mais atentamente que podiam, mas foram tão incapazes de ver alguma coisa quanto os outros. Apesar disso, todos repetiram exatamente o que o imperador dissera:- “Oh, é simplesmente encantador!” Aconselharam-no a mandar fazer algumas roupas daquele esplêndido tecido novo e estreá-las na grande parada que estava prestes a se realizar. - “Magnífico!”, “Maravilhoso!”, “Esplêndido!” Foram as palavras pronunciadas. Todos estavam encantadíssimos com a tessitura. O imperador outorgou o título de cavaleiro aos tecelões e deu-lhes insígnias para usarem na lapela, juntamente com o título de “Tecelão Imperial��. Na véspera da parada, os dois homens passaram a noite em claro, trabalhando, à luz de velas. As pessoas puderam ver como estavam atarefados, terminando a roupa nova do imperador. Eles retiraram o tecido do tear, deram tesouradas, depois costuraram e, por fim anunciaram:- “A roupa do imperador está pronta!” O imperador, com seus cortesões mais eminentes, foi em pessoa até os tecelões. Os dois estenderam o braço, e disseram:- “Veja só estas calças! Aqui está o paletó! Este é o manto. São tão leves como teias de aranha. A pessoa veste este maravilhoso traje, tem a impressão de não estar usando nada. Esta é a virtude deste tecido delicado.” - “Realmente”, declararam os cortesões. Mas não conseguiam ver nada. - “Bem, poderia Vossa Majestade Imperial ter a bondade de tirar a roupa? Então poderá experimentar seu novo traje ali diante do espelho alto.” Disseram os tecelões. Assim o imperador tirou as roupas que estava usando e os tecelões lhe entregaram cada uma das peças novas, e suspenderam a sua cauda. E o imperador virou-se e revirou-se diante do espelho. - “Céus! Que esplêndido, o imperador em suas roupas novas. Que caimento perfeito!” todos exclamaram. “Que corte! Que cores! Que traje suntuoso!” O mestre de cerimônias chegou com um aviso:- “O baldaquim para a parada está preparado, à espera de Vossa Majestade.” - “Estou inteiramente pronto”, disse o imperador. “Como estas roupas me assentam bem!”, e deu uma última voltinha diante do espelho, pois precisava realmente fazer todos acreditarem que estava contemplando seu belo traje. Os camareiros que deviam segurar a cauda também não estavam vendo nada e tatearam pelo chão como se a estivessem pegando. Ao andar, mantinham as mãos esticadas, não ousando deixar transparecer que não podiam ver o magnífico traje. O imperador entrou na parada sob o belo dossel e todos nas ruas e nas janelas disseram:- “Céus! A roupa nova do imperador é a mais bela que ele já usou. Que cauda maravilhosa! Que caimento perfeito!” Não admitiam que nada viam, porque isso significaria que eram incapazes ou muito burros. Nunca as roupas do imperador haviam causado tanta impressão. - “Mas o imperador está nu!” uma criancinha falou. - “Valha-me Deus! Você ouviu a voz daquela criança inocente?” exclamou o pai. E a observação da criança foi sendo cochichada de uma pessoa para outra.- “Na verdade ele não está vestindo nada! Há uma criança aqui que diz que ele está nu.”- “Sim, ele não está vestindo nada!” o povo gritou finalmente. E o imperador se sentiu muito embaraçado, pois teve a impressão de que o povo estava certo. Mas, por uma razão ou por outra, pensou:- “Agora tenho de levar isto até o fim, com parada e tudo.” E se empertigou ainda mais altivamente, enquanto seus camareiros caminhavam atrás dele segurando uma cauda que não estava lá. Enquanto isso, os tecelões fugiam da cidade, carregando uma grande quantia em dinheiro, toda a seda e os finos fios de ouro que conseguiram do imperador, para fazer um traje que realmente nunca existiu.
Hans Christian Andersen
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