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Subir é solitário
Subir é solitário. Você precisa aprender a conversar sozinho, a rir sozinho, a comemorar sozinho, como um esquisofrênico dentro de sua própria cabeça e manter uma máscara que fingi costume contudo pois quem está embaixo as vezes nem sabe o que é degrau e quem está em cima, muitas vezes chegou lá voando. Eu estou sozinha no meio da trilha. A vista é linda. Mas eu me sinto tão inegável, óbvio e inevitavelmente sozinha, que as vezes me questiono se valerá a pena quando eu chegar ainda mais alto, com a melhor vista. Aqui desse mirante, eu já me sinto insegura, estou sendo pessimista ou mantendo os pés do chão? Porque se eu deixar eles saírem da terra, não vou voar como eles: irei abrir os braços, planar um pouco, minhas asas irão queimar com a alegria da liberadade, queimar até a última pena e cair, lento o suficiente pra apreciar a vista. Estou sendo pessimista? Preciso de óculos ou furar meus próprios olhos? Eu estou sozinha nas trilhas, e nesses anos nunca me perdi sem me achar em pouco tempo. Em casa, parada, já me perdi muito mais vezes entre os cobertores e demorei anos pra me encontrar de novo. O tempo não faz trilha, ele modela a montanha. O tempo está lá esperando pra me devorar aos poucos todo final do dia, não importa se meus pés estão na terra ou estão no colchão. O tapete felpudo que eu sonhei tanto, quase me engoliu várias vezes: ele me abraça frio e confortável, sujo e bagunçado, quando me entrego a ele no final do dia, como uma criança, aguardando a proteção. Eu quero estar com ele enquanto descanso da subida. A câimbra que me afeta me causa uma dor que eu confundo com o prazer de ter vivido. Eu queria ter pulado do penhasco pro mar, aquele meio termo entre a morte e o auge da vida: a liberdade. Como Ícaro, você sabe. Lembra quando te contei, em nosso aquário juvenil, que iria tatuar Ícaro? Era sobre você, e era sobre eu. Nós estávamos amanhecendo pela última vez e seu cabelo estava uma merda. Eu tenho medo de ter asas e estou sempre colando as penas e tentando voar. Eu não sei por onde você anda, mas não confio na sua memória. Eu estou sozinha com as minhas memórias. Mas todos os rostos amados estão lá, em uma fotografia linda. O seu rosto está desbotando, mas as métaforas seguem intactas, porque eu sempre amei sozinha e de mim eu não esqueço. Você esqueceu de mim? O tempo não esquece de mim. Ele me achou aos 20, aos 25, a cada cinco anos ele retorna para renovar nossos votos. Eu estou casada com as horas e fazemos amor no chuveiro, na frente do espelho, no tapete do quarto, dentro das minhas camisas surradas, na ruga recém nascida ao lado do lábio, que agora acompanha todos os meus sorrisos, ali a nossa aliança.
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Decoração
Eu sou um vaso de vidro: Frágil. Você pode ver através dele, você pode quebrá-lo com facilidade, ele pode ser especial, mas não é caro. Meu amor é barato, basta investir nas bases. Coloque uma flor, e eu estarei bela e feliz. Esqueça as rachaduras, são tão poucas. Me coloque em um lugar discreto e eles só verão meu brilho, minha cor, a luz que eu reflito, e as flores que você colocou. Eu estarei esperando você chegar, com água fresca e a maciez das pétalas jovens. Eu estarei esperando no mesmo lugar. Se eu nunca me sentir vazia demais, eu jamais irei embora, eu jamais irei quebrar. Me preencha com o que você tem de amor para me dar. Eu sou um vaso pequeno, não preciso de muito. Uma rosa, eu já estarei completa.
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DNA
Eu acho que ser uma pessoa feliz, talvez não esteja no meu DNA. Uma longa linhagem de fudidos, excêntricos, deslocados, deprimidos, viciados, românticos, pobres, trabalhadores, mães, pais distantes, avós canonizadas, acumuladores, eu não vim sozinha até aqui. Há uma peça que não está faltando, mas que vem trocada, uma linha de produção limitada, dentro do peito um pesado globo de chumbo misturado com melancolia.
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Fome
As vezes eu sinto que o mundo vai me devorar. Não eventualmente, não aos poucos, pelas beiradas. Eu sinto uma urgência em fugir, eu me sinto ameaçada de ser abocanhada por inteira de uma vez só, e nessa urgência, nesse terror, eu penso em uma bifurcação, que me desvie desse ponto e me leve para bem longe, de volta ao começo dos meus sonhos mais infantis. Há quem tenha o privilégio de ser imatura pela vida inteira, há quem tenha o privilégio de não precisar dar uma finalidade prática e rentável ao seus castelos de areia, há quem possa construí-los na beira da praia mais agitada e morar nele por muito tempo. Eu não consegui identificar se me tiraram isso ou se eu acordei cedo demais e não me permiti sonhar por mais tempo, até calcificar as paredes de areia em paredes de realidade. Eu não sei como poderia saber se não voltando no tempo em que eu era menor, me permitindo andar para trás, sem olhar para frente com medo do que há no horizonte. Eu sinto a fome desse algo mais que impulsiona os sonhos, mas não sinto a segurança de correr atrás. Porém acho que ninguém que corra se sinta seguro, acho que correm do horror de serem devorados, e talvez o medo que eu sinta seja o começo da força que impulsiona a corrida, talvez eu esteja começando a correr, já sentindo a brisa leve que sopra da curva que faço, o vento que passa por baixo das minhas solas dos pés e sobre meus ouvidos é uma canção violenta que debocha do tempo. E isso não é uma fuga, é um retorno, eu sinto os braços do meu próprio tempo se abrindo novamente para mim, e quem chega não é uma criança mas uma mulher gigante que brilha um brilho intenso desse algo mais ao qual todos nós somos feitos mas poucos de nós conseguimos manter.
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Distante
Quando eu digo que estou mal, que estou afundando em meu espiral negativo e a sua primeira resposta é dizer que me ama, essa frase me atravessa. Ela passa da tua boca, atravessa o espaço entre nós, diante dos meus olhos castanhos molhados, roça nos meus cílios pesados do chorar, cai sobre meu rosto como um manto leve e transparente, se torna líquida e refrescante e entra pelos meus poros, se espalhando pelo meu corpo, atravessando meu coração simbólico. Quando eu digo que estou mal e você diz "eu te amo", meu coração simbólico suga as tuas palavras e bebe delas com sede, com ânsia de sobreviver, ele mesmo me pergunta, "por que isso não é o suficiente pra você?".
Há um um buraco negro entre o coração e a cabeça, a anatomia deformada de uma alma perturbada. O véu, o líquido refrescante do teu amor sincero, em algum momento muito breve, será sugado para dentro e pertencerá ao meu vazio. E eu não sei dizer o que isso significa agora. Eu estou tão distante. Não há lógica nessa equação, nada chega no andar de cima, tudo é sugado antes do tempo.
Eu não sei que horas são, o dia passa em minutos repetidos do dia anterior e todas as semanas são iguais. Eu ouço você como um eco distante, mesmo que você esteja tão perto ainda me tocando. Eu não sinto que eu precise correr pra te alcançar, eu posso gritar de longe e fazer minha voz chegar nos teus ouvidos como um sussurro choroso dizendo um "eu te amo também". E meu grito não será suficiente, porque de longe eu não sinto o efeito que isso causa.
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Soundtrack
Deixo que ressoe calmo O toque do teu piano na atmosfera da minha calma. Teus violinos, nem sempre mansos, inundam minha tarde E pintam nas paredes, bailarinas de cores pastéis
Belas ninfas, Dançam inertes em sua própria delicadeza E ignoram minha presença
Na ponta dos pés sob a relva úmida da aurora Elas não se cansam
Eu também não:
Martelo minhas teclas e mato os segundos Enquanto as notas Sobem descem e bailam no fundo de minha mente Alcançando as arestas da alma que descubro ter Por meio do ápice da tua arte santa e imortal
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Mais Uma
O pesadelo desconexo indica que que ainda não passou: continuo assombrada por esse amor abortado.
Não temos o que fazer e não podemos dormir.
Vamos chorar até que as lágrimas não nos permitam ver o reflexo de nossa alma miserável.
Será que um dia acharei normal teu beijos serem incomparáveis ou todos os encontros continuarão a ser nossos pequenos (e invariavelmente belos) Apocalipses?
Tudo estava tranquilo antes do mar invadir a sala e queimar a televisão . Os móveis no lugar e a cabeça cheia de outras algas. Agora você está por aí, criando mofo nas paredes e me obrigando a sair. Porque eu não quero me afogar de novo, mas todas as malditas baladas são sobre você. Why can I fucking do?
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Nós
Ela não tem nada demais. Toma seu café, e mantém as meias coloridas visíveis não deixando as calças cobrirem os calcanhares. Não se importa com frio, gosta da sensação de poder se aquecer . O que importa é a estampa, ela pensa, sozinha em seu mundo de órbita duvidosa. Tropeça em dez olhares por dia e gosta de cantar quando está sozinha. Os que a observam nunca ouvirão sua voz bonita. Ela dança quando está melancólica e quando se arrisca a ser feliz. Os ventos que sopram em volta de seu corpo são os cantos da liberdade que a dança proporciona. Todos seus amores fazem - ou faziam - arte. Faz amor como que compondo canções de corpo. Aliás, ela é dessas baladas que você escuta até enjoar.
Ela chora sozinha com músicas bonitas e guitarras tristes. Ama a noite e à ela pertence. A lucidez lhe faz mal e a humanidade também, apesar do fascínio.
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Não é uma despedida
E você estava lá, com seus olhos grandes e sorriso assassino. Uma beleza clichè sob o véu da melancolia adolescente. Ainda era o mesmo estranho tentando se manter fora do ninho, blasé; e eu, a mesma tola, tentando entrar em órbita com teu sagrado mundo.
Ainda eram os mesmos sons, cheiros embriaguez. A mesma forma errada de lidar com todos os problemas. O mesmo afogo. Os mesmos desesperos maquiados.
Mas de repente percebi que aquilo já não bastava mais pra mim, que o platonismo e a santidade que pintei em ti já não eram o suficiente pra me fazer ficar.
Sob a luz das estrelas falsas nós desbotamos.
Via você, então, como apenas mais um rosto belo e triste. E nem as cores do vinho - que realçavam maliciosamente teus lábios em carmim - nem a luz prateada da noite - que tranformava teu corpo em mármore, em anjo noturno - me convenciam agora.
“Eu sou mais”, pensei, “Quero mais.”
“Se cuida.” eu disse. E me permiti seguir em frente, dessa vez, sem a angústia de olhar pra trás.
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Manhã
Sinto que esqueci minha alma em algum bule de café.
Sinto falta dela.
Mais uma xícara pra ressuscitar.
Apago os cigarros. Cansei de morrer.
Quatro colheres de açúcar e os olhos que se expandem.
Não há nada melhor.
Foi ela quem me ensinou a gostar dos beijos de fêmea e dos gostos amargos.
Agridoce.
Éramos assim.
Meio litro depois o passado já encerrou sua dança do dia e o hoje começa a se despir. Vejo lá fora todas as possibilidades. Acabo o café. E que venha a tarde bailada e suavemente entediante. De novo. De novo.
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Insônia
Essa noite, na verdade nem dormi. Passei minhas horas ébrias no conforto de um olhar de um vampiro inconsequente, me chapando sob seu olhar de luxúria e curiosidade.
Tudo soa feito um sonho quando não me vejo sóbria, sinto uma vontade duradoura de te beijar e tu, ainda que levemente soe como uma balada de punk patético, faz do som da tua existência, desejo de esperança, e ouço teus lábios, num futuro oculto, desvendar meus cantos e descobrir meus mistérios despropositais.
Sinto tanto a curiosidade sob a flor da pele, que qualquer contato sob meu calor é poesia, e teus lábios de vampiro fogoso atraem-me feito tola. Quero devorar teu ser, ainda que vazio, porém belo, cruelmente belo, sob os olhos da falta de saber que insistem em predominar. O mal do belo sob a pureza da embriaguez. Denomino tua volta em beleza purista e possibilidade nítida.
Basta- me manipular-te, pra ver até que ponto o íman de minha carne te atrai, pra saber se o prazer funciona mesmo feito ar quando te afogar no oceano do meu existir sóbrio, inteiro e sincero; pra ver se te assusto.
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