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Querido diário,
Os últimos dias têm sido bem preenchidos - da manhã a noite, com muitos afazeres. Melhor dizendo, pra além das minhas obrigações diárias, também tenho me permitido criar outros compromissos, encontros e tarefas. Tenho aprendido que prestar atenção, me dedicar e encontrar beleza nos pequenos afazeres cotidianos é, de fato, viver.
Meu time foi campeão gaúcho - há semanas, e num dos bares em frente ao meu Gigante, uma moça me abordou: teu trampo é muito foda! E eu, como sempre, sem saber reagir a elogios, agradeci com um pouco de vergonha e perguntei qual o nome dela. Ela me respondeu, segui sem lembrar quem ela era, mas fiquei extremamente feliz. Principalmente porque foi uma pessoa completamente fora do meu convívio, da minha região e que conhece a face da Kamille dona do Acervo Killari.
O Killari me salva de ser uma clt ganhando um salário mínimo num caixa de supermercado. Já trabalhei nessa função, por isso falo com propriedade. Com o meu trabalho consigo me expressar através da moda e ser reconhecida por isso. Crio looks a partir de peças que já existem e disponibilizo elas, através da minha curadoria e do meu olhar, prontinhas para usar e viver novas histórias. Quando comecei a me vestir com peças de brechó e encontrar preciosidades acabei adquirindo esse vício que hoje se tornou o meu trabalho. Não sei se me imagino trabalhando com isso para sempre mas, hoje, o Killari é a minha principal fonte de renda e o que me permite imprimir minha personalidade no mundo.
Sabe, que é uma relação de amor e ódio (como tudo na minha vida) que eu tenho com o meu trabalho. Amo criar looks, organizar, separar, embalar, fazer fotos, escrever bilhetes de agradecimento... detesto a parte de cobrar, aturar grosseria e falta de respeito de cliente sem noção, administrar as contas e dar conta de tudo isso sozinha. Às vezes penso em trabalhar para outra empresa e simplesmente abaixar a cabeça e fazer o que me mandam... sem precisar pensar em estoque, em fluxo de caixa, em pró-labore, impostos, materiais. Só bater meu ponto de entrada, trabalhar, bater meu ponto de saída e acabou. Ser empreendedora é um desafio e tanto. Faço o meu salário peça após peça vendida. Saio de casa para garimpar como numa caça ao tesouro. Vou sempre com a esperança de encontrar o que há de melhor para o meu público e entregar qualidade, exclusividade e preço competitivo.
Nessas caçadas às vezes volto cheia de raridades e peças valiosas. Outras vezes, volto de mãos vazias ou com pouquíssimas peças a ponto de não encher uma mão. Isso tudo faz parte e o segredo é não desistir. Não desistir nem de procurar e nem mesmo desistir de mostrar pro mundo tudo o que tenho de valor no meu acervo. A constância, persistência e paciência me ensinam muito nesses dias não tão rentáveis. Nessas horas reflito sobre como é importante termos bases sólidas no nosso modus operandi. Em qualquer trabalho se enfrenta dificuldades, altos e baixos. O que conta nessas horas é como enfrentamos tudo isso.
Refazer as bases do meu modus operandi tem se tornado uma prioridade na minha vida. Dormir bem, comer bem, me movimentar. Eu sempre tive essa vontade mas não tive disciplina nem saúde mental em dia para conseguir fazer com que eu estivesse bem para viver e tocar todas as áreas da minha vida. Demorei para admitir que não estava bem e que precisava de fato me olhar com mais cuidado, me cuidar de verdade, antes de seguir qualquer projeto ou plano adiante. E é clichê, mas certeiro: não existe realização sem nós mesmos saudáveis e conscientes. Eu não posso chegar a nenhum lugar se eu não estiver bem comigo mesma.
Desde então venho mergulhado em novas experiências todos os dias, por mais pequenas que sejam. Existiu uma Kamille que se viciou em se autossabotar e se destruir - intencionalmente ou não. Mas ultimamente eu estou disposta a dar a vida uma Kamille corajosa e que se coloca a prova de aprender algo novo todos os dias. Tenho tido uma ânsia urgente e incontrolável de saber quem eu sou, o que eu quero fazer de fato, o que me espera se eu me superar? Fazer uma comida nova, aprender um exercício novo, ouvir sons novos, fazer novas orações a Deus, traçar novos horizontes. Sonhar e realizar.
"Nueva Vida" do Peso Pluma me resume nos últimos dias. Tenho vivido pelas minhas paixões: minha família, meu trabalho e pasme, eu mesma. Vivo uma vida de luxo. Não sinto falta de nada - a não ser mais dinheiro na conta e mais tempo com os meus.
"El viejo, en el cielo, siempre ha de guiarme
Para que, en la vida, salgan bien los planes."
KGN - 05/04/25
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Russ, Jack Harlow e Central Cee: minha cota de brancos gringos que simpatizo.
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Eu também já precisei um dia
Querido - e jamais esquecido, diário
Há umas duas semanas precisei enviar meu notebook para o conserto. Comprei ele em agosto de 2024, usei em torno de 7 meses e repentinamente ele parou de funcionar: num belo dia enquanto eu estava numa reunião por chamada de vídeo, ele simplesmente apagou. A bateria estava fraca, nisso ele piscou, piscou e: já era, não ligou mais. Naquele momento experimentei um frio na espinha descomunal, mas fiquei tranquila: sabia que tudo se resolveria.
Eu estava enganada, porque ele realmente havia estragado, não ligou mais. Entrei em contato com o fabricante para resolver, afinal, estava na garantia e me disseram que o problema poderia ser o carregador. Eu fiquei feliz num primeiro momento, aliviada também. O carregador chegou uns dias depois e ao testá-lo: surpresa! Não resolveu nada. Mais algumas horas no telefone com o suporte e o meu temor se concretizava, ter que enviar ele para a matriz da Acer em São Paulo, onde ele seria consertado... e obviamente demoraria dias para voltar. Um problemão a mais, o tempo, porque precisava dele para trabalhar. Mas não tinha jeito, era isso ou pagar uma assistência, ou ficar com ele pifado. Então, lá fui eu atrás de todos os documentos e da embalagem para que ele chegasse em São Paulo são e salvo.
Cheguei na agência dos Correios certa de que todo meu pacote estava pronto e eu tinha preparado tudo perfeitamente pro envio. Quando me dou conta de que havia colocado a nota fiscal dentro da caixa mas esqueci da nota fiscal por fora da caixa - conforme foi exigido num documento em que eu assinei descrevendo todas as informações do problema do notebook e aceitando os termos e condições que eu precisava cumprir para que ele fosse consertado. Por sorte a agência estava vazia, peguei o pacote e corri até o xerox ao lado da agência sabendo que a única coisa que me impedia de enviar o pacote era a bendita da cópia da nota fiscal.
Lá segui mais uma vez e ao entrar no xerox - que também era uma lotérica, que também era um pouco flora pois vendia itens religiosos, que também vendia bebidas geladas e cigarros, que também não duvido que não fizesse um jogo do bicho - me deparei com uma fila imensa. Por sorte, de novo, a fila das cópias tinha somente uma senhora na minha frente, parecia já estar de saída. A atendente, uma senhora também, me perguntou: "e pra ti, moça?" "boa tarde, tudo bem? preciso de uma cópia!". Prontamente ela pegou a nota fiscal e colocou na fotocopiadora. Segundos depois, me perguntou de novo: "e pra ti, o que é mesmo?", eu ri e respondi que era só a cópia. Ela colocou a mão na cabeça, como sinal de "ai, que cabeça!", e me trouxe o papel.
Perguntei quanto devia a ela, me respondeu que R$ 1. Pedi pra que ela me dissesse a chave Pix pra que eu fizesse o pagamento - e aqui quero pedir pra que não me venha com julgamentos, eu quase nunca ando com dinheiro físico na carteira. E então veio a surpresa: "ah! Tu quer pagar com Pix? O mínimo pra pagar no Pix é R$ 5." Eu não entendi, até porque para pagar com Pix nunca me cobraram taxa alguma - e que ironia, tinha gente dizendo que era o Luly que ia taxar o Pix, né?! Mas como eu estava num dia em que não tinha motivos para estar em pé de guerra com o mundo, me conformei que ia pagar cincão por uma cópia, um mísero xerox. Para não sair em tanta desvantagem, perguntei: posso pagar, então, uma água com gás e a cópia? E ela: sim, pode sim!
Mas nenhuma de nós estava preparada para o que ia acontecer a seguir. Lembra da senhora que estava na minha frente na fila? Ainda estava lá, não sei porque até porque já tinha sido atendida, mas ouviu e viu tudo. Disse pra mim: "minha filha, toma aqui, eu tenho R$ 1!". E eu recusei, disse pra ela: bem capaz, senhora. Eu pago a cópia e a água. Mas ela insistiu: "não precisa, eu tenho aqui!". E eu: a senhora tem Pix? Eu posso lhe pagar, só não tenho em moeda. Até que ela me deu uma resposta que me desmontou: "fica tranquila. Eu também já precisei um dia e teve alguém que fez por mim". Eu agradeci, fiquei sem jeito, porque eu tinha dinheiro só não físico, tentei pagar e não consegui e se não fosse ela, a dona do xerox/lotérica/flora/conveniência, ia ter me surrupiado R$5.
O olhar da senhora que me apoiou aquele um real me fez entender tudo... alguém fez por ela, era a minha vez de fazer por alguém que precisasse mais adiante. Para uns, pode ter sido muito pouco, talvez até nada. Pode me dizer que é bobagem, que é algo simples, que é só uma mera coincidência. Mas eu não acredito em acasos, não acredito que estejamos jogados ao léu. Ela estava ali o tempo todo e poderia ter ido embora depois de ter visto a cena. Poderia ter me deixado pagar o cincão, fazer a dona do comércio feliz e eu sair de cara por pagar um Pix inflacionado... mas ela olhou ao redor e não somente isso, não ficou inerte: ela me ajudou.
"Mas Kamille, tudo isso por R$ 1?"
Não. Tudo isso por uma pequena e sutil gentileza e por aquela situação ter remetido um flashback na cabeça dela do dia em que ela também ficou na mão e uma pessoa completamente desconhecida olhou ao redor e deu um apoio. Toda essa situação não lembrou algo somente a ela, mas também me fez lembrar, logo que saí de lá com um sorriso e depois de muito agradecer, de uma história que meu pai me contou. Ele, peruano recém chegado ao Brasil, com 17 anos, andava por aqui descobrindo esse país tropical. Já a minha avó, lá no Peru, trabalhando no centro de Lima vendendo roupas, sempre que avistava um universitário cantando pelas ruas em busca de uns trocados ou pedindo alguns soles, ela ajudava. Ela não sabia com quem meu pai estava aqui, não sabia o que ele passava, não sabia de nada além de que havia um Deus cuidando dele onde quer que fosse. Meu pai me confirma que passou muitos apuros, mas felizmente sempre encontrou gente boa que estendesse a mão, que olhasse ao redor. Ele me conta que sabe que todas as orações feitas com muita lágrima foram atendidas e sempre que alguém lhe ajudava, lembrava dela.
Eu não sei onde essa rede vai me levar. Mas lembro de vezes que já me compadeci e ajudei, não por querer ser boa mas por saber que não me custa nada poder fazer um pouquinho que seja que está ao meu alcance. Ainda não me aconteceu de precisar pagar essa dívida - porque sim, agora isso se tornou um débito que tenho com aquela senhora que me ajudou. Sei que esse momento vai chegar e eu vou lembrar dela, lembrar do gesto empático, gentil e bonito. E espero que quem eu for ajudar, que quando tiver, possa ajudar a outra pessoa e assim que siga sucessivamente uma corrente de pequenas gentilezas... quebrando a indiferença que nos cerca nessas ruas da selva de pedra.
E a senhora dona do xerox/lotérica/flora/conveniência? Não sabia onde enfiar a cara, ficou muda, viu toda a cena, pegou a moeda e deu as costas sem falar nada para mim e para a senhora que me apoiou aquele um pila. Não sei se para ela teve tanto significado como para mim, mas aquilo me mostrou também que muitas vezes estou alheia pensando que vou morrer sozinha e que a melhor solução para me proteger emocionalmente é não querer lidar com as pessoas e me isolar. Existe veneno no ser humano. Mas existe cura e só existe cura enquanto a gente está vivo... a vida não vai parar para a gente se curar. A gente só vai se curar vivendo.
Fechei o pacote, com a nota fiscal dentro e com a bendita, sofrida e cheia de história da tal da cópia da nota fiscal que impreterivelmente deveria ser anexada por fora da caixa. O notebook foi para o conserto, voltou, e está aqui perfeito nas minhas mãos enquanto escrevo esse relato. O que me entristece é que eu jamais vou lembrar qual era o rosto daquela senhora por culpa da minha memória que é terrível, mas certamente não vou me esquecer de passar adiante aquela gentileza. Tudo pode passar, muita coisa pode acontecer - de ruim, de bom, mas só o que realmente nos toca e mexe com a gente lá no nosso mais profundo ser e sentir é que se torna uma lembrança. E eu escrevo esses pequenos textos para me enxergar, me lembrar e me curar nesse mundo gigante e finito.
KGN - 19/03/25
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Querido diário,
Hoje é segunda-feira, a primeira pós carnaval. Pra uns, a fatídica segunda que crava o real início do ano dos brasileiros. Pra mim, uma segunda-feira satisfatória. Começar a semana em que o meu time vai levantar a taça do campeonato gaúcho em casa no próximo domingo, me faz sentir como uma criança num dia antes do passeio da escola.
Esse final de semana foi o final de semana em que caiu o dia da mulher. Ganhei uma rosa e também ganhei uma Melissa de presente. Eu adorei, pela primeira vez em anos eu só não quis educar ninguém nas redes sociais falando sobre o quanto essa data não é uma data comemorativa mas sim uma data em que se lembra da luta das mulheres pela equidade e pelo respeito. Sabe quando a gente tem a nossa certeza e simplesmente prefere ficar com ela em silêncio? Foi assim. Relembrei uma fala da Angela Davis e isso foi tudo. Desejei feliz dia da mulher para algumas amigas próximas e minha irmã, minha mãe e nada mais. E aceitei as gentilezas e o carinho de quem quis me agradar com os presentes. Sem lacres, apenas lucros.
Às vezes eu temo pecar em me perder de mim e do que eu sou, daquilo que eu acredito e o que me representa. Mas, sabe, o fato é que a maneira como eu me posiciono e me mostro pro mundo é o que conta no final de tudo. Não vou tolerar ser desrespeitada, invalidada, menosprezada e sexualizada o tempo inteiro ou ter que gritar pra ser ouvida, implorar pra não ser morta. No primeiro momento em que vejo isso acontecer é o meu dever cortar o mau pela raiz estabelecendo limites e podando qualquer tipo de cultura e ódio a nós todas. A verdade é que nenhuma mulher deveria tolerar, tampouco precisar se rebelar contra isso porque isso não deveria nem acontecer… num mundo perfeito. Se vivêssemos num mundo perfeito, eu não precisaria endurecer e estabelecer esses limites. Homens que tem escrúpulos simplesmente existiriam e nós conviveríamos em respeito e harmonia. Mas isso não existe, e, toda vez que me deparo com essas situações críticas simplesmente não consigo dar de ombros. Foi o tempo que eu fui doce, ingênua, permissiva. Hoje eu vejo que ainda não lapidei a mulher que eu desejo ser por completo, mas já sei dizer muitos nãos. Isso me alivia e me conforta, me orgulha também.
Sexta-feira, sábado e domingo ganhei presentes. Na sexta, a rosa. No sábado, a Melissa. No domingo, reencontrei uma amiga de anos da universidade e ela foi acompanhada de uma amiga dela que eu ainda não conhecia. E foi simplesmente incrível. Poder conversar com mulheres que tem as mesmas bases de pensamento que as tuas, que te acolhem, te amparam, não te julgam e sobretudo: também encontram isso em ti, é como alinhar os chakras imediatamente. O assunto não termina, as pautas variam, os pensamentos se complementam. Foi incrível pra mim poder ouvir e ser ouvida, comemorar conquistas de uma amiga de anos e planejar momentos com uma amiga nova. Antes eu me sentia um peixe fora d’água, na verdade, até ainda me sinto toda vez que conheço alguém. Mas percebi que, na verdade, o meu problema não é não saber me relacionar - quer dizer, um pouco é, mas o principal é tentar me relacionar com quem não respeita o que eu sou e não se conecta com nenhum traço da minha personalidade.
“Esse é um dos tantos traços da tua personalidade” disse a minha amiga. E eu: sim, fragmentada. A gente riu, mas ela discordou: não, amiga, eu te vejo mais como uma pessoa que vibra em várias frequências diferentes. Teu rolê não precisa ser exatamente um só. E tu simplesmente é assim, tem várias vibes. Aquilo me pegou tanto, porque eu sempre acabo uma hora ou outra me colocando pra baixo quando não me encaixo nas relações novas que tento ter. E fico pensando: bah, mas eu devo ter algum problema. Por que eu me sinto tão desajustada socialmente? Será que eu tenho tanta dificuldade assim em conseguir aceitar o que é diferente e novo ou tem coisas que realmente não são aceitáveis?
Imagina comigo, como eu vou namorar com alguém que me diz que simplesmente não se importa com política e que todos devem ter sua opinião própria até porque se não o mundo seria muito chato se todos pensassem da mesma forma? Como vou me relacionar com pessoas que dizem ser amigas mas nas costas insultam de sem caráter, sem personalidade e depois estão lá como se nada tivesse acontecido? Como vou amar alguém que me diz com as suas atitudes que simplesmente não pode me prometer um futuro comigo? Como vou ser amiga de uma pessoa que por mais que eu adore ela, tudo que tive dela foram rolês em que a gente sempre precisava beber ou usar droga pra se divertir?
Sabe, existem pontos de ruptura que nos mostram quem realmente somos. Todas essas coisas aconteceram comigo e foram nelas em que eu coloquei um basta e simplesmente me afastei. Eu sei que sou complicada e instável emocionalmente, muito fragilizada nesse quesito e com diversos traumas e inseguranças. Mas, diante do que muitos me apresentam: prefiro ficar sozinha. Prefiro me manter conversando comigo e com as plantas da minha mãe que esqueço de aguar mas estou dando o meu máximo pra lembrar e mantê-las hidratadas. Conversando com a minha amiga Agnes eu realmente pude resgatar um pouquinho do que eu era e ali eu vi que, não é só sobre eu ser uma pessoa difícil de me conectar mas também sobre quem chega pra que eu me conecte com ela. Eu não vou e não posso me encaixar onde não existe nenhum ponto compatível do outro lado.
Bebemos, fumamos um, relembramos os tempos da Letras e contrastamos com a vida adulta que nos exige nosso melhor hoje. Difícil, turbulenta, corrida mas que nos deixa contentes em vivenciar aquilo que faz sentido pra nós. Com alguns arrependimentos, outros alívios, como tudo é na vida. O engraçado é que eu e a Agnes somos mais velhas e falamos sobre se arrepender, enquanto a Maria, mais nova que nós, falou que não se arrependia de nada até agora. Talvez porque ela não tenha ficado velha o suficiente pra armazenar alguns erros que lá na frente ela vai provavelmente querer poder voltar no tempo pra não comete-los.
É segunda-feira e eu posso dizer que estou feliz por esse último dia das mulheres ter sido o melhor até então - ouso dizer que foi o final de semana das mulheres porque terminou nesse encontro incrível em que me resgatou e me relembrou uma das minhas faces, da Kamille jovem e cheia de sonhos e disposição que entrou na UFRGS. Que me lembrou de como é maravilhoso estar rodeada de mulheres que te acolhem e te incentivam, te levantam, vibram alto contigo. Que não tem tempo pra picuinhas e que sabem o que realmente querem, que dão o passo mesmo sem saber como será o resto do caminho. Que querem ser precursoras no que fazem e que se levantam pra buscar o que sonham. Sabe, isso é inspirador pra caralho e estabelecer essa conexão com mulheres assim me dá um alívio de saber que: ufa! Ainda bem que não me encaixo em outros lugares, porque esse aqui é muito melhor.
Sem vocação pra ser tadinha da Silva - por mais que eu chore e passe um aperto tentando viver nesse mundo indiferente sendo quem eu sou, não me faço de vítima e nem quero. Eu choro, desisto, insisto de novo, me perco, me acho, mas não me rendo e nem consigo ser infiel a mim e aos meus princípios. Isso é tão bonito porque é um lembrete que a vida não é feita de perfeição, simetria e sucesso linear mas de muitos momentos em que a gente vai do céu ao inferno em dias… e tudo sempre volta pro lugar. Fico feliz de que, mesmo em algumas horas, pude ter esse encontro com elas e comigo. É complicado ser mulher, é difícil, é penoso, quase sempre doloroso. Mas eu jamais seria um homem. Que vida triste e chinfrim deve ser a vida destes que querem nos atrasar a todo custo e não chegam nem aos pés do nosso repertório, da nossa força que desenvolvemos por puro instinto de sobrevivência e da magia que é fazer tudo isso com muita graça e ternura.
Eu sou bicho triste, sempre escolhi o caminho mais difícil pra seguir. Quando se tem consciência, é isso que acontece: tudo nos toca mais, nos sensibiliza mais. Mas que sabor é quando nessas minhas escolhas percebo que acerto firme! Eu me sinto honrando a mim mesma e a quem eu sou, isso é construir sabedoria. Detesto que me dê ordem, que queira me moldar, me podar, que queiram que eu obedeça. Já cantava Elza Soares: eu não obedeço porque eu sou molhada. E eu sou muito molhada, escorpiana de lua e ascendente em peixes tem muita água no mapa. Muito intensa e com muito sangue fervendo nas veias, vermelho vivo, vermelho esse que vai ser a cor do meu próximo domingo.
Até mais,
KGN - 11/03/25
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Querido diário,
Hoje é segunda-feira do feriadão de carnaval, mais precisamente o penúltimo dia de festa. Desde que o feriadão começou, me mantive na rotina normal: trabalhando e ficando sozinha. Pra além do meu trabalho com o brechó, também estou trabalhando na loja da minha irmã porque as vendas estão extremamente paradas nesses meses de janeiro e fevereiro. Então, estou segurando firme e sendo otimista que depois do carnaval, tudo melhore.
Ao longo dos anos aprendi a amar carnaval: eu viajava, saia pela cidade onde estivesse tendo festa ou simplesmente aproveitava com os amigos. Esse ano foi foda porque não viajei, saí somente ontem com uns amigos mas foi para ver a premiação do Oscar - que, felizmente resultou no nosso primeiro de melhor filme estrangeiro, e voltei pra casa. Hoje estou debaixo do ar-condicionado no quarto da minha mãe porque não tem condições reais de eu aguentar esse calor a base de ventilador. Minha mãe até me convidou pra ir pra Caxias ficar uns dias com eles, mas rejeitei, queria ficar sozinha mesmo.
Não estou triste, somente sentindo os efeitos de não ser alguém que depende muito das companhias mas que sente a falta delas nesses momentos. Minha melhor amiga foi viajar pro Uruguai com o ex - sendo que o combinado era nós curtirmos juntas, mas também super entendi até porque era uma viagem de graça pro Uruguai com alguém que ela gosta, já minha nova amiga de Porto Alegre está namorando então não existe mais rolê em que ela não leve ele junto, o que acho foda porque me sinto desconfortável de vela - e que bom, afinal isso é o companheirismo, e uma outra amiga da faculdade até me chamou pra ir pro bloco dos estudantes mas eu tava com um pouco de dor de cabeça então preferi não ir pra não ser aquelas companhias com cara de cu no meio da galera animada.
Por falar em bloco e festa de rua, praticamente toda a Cidade Baixa estava vazia. Onde era festa, só passava polícia e tinha umas poucas almas como eu e os meus amigos que estavam apesar de tudo tentando se divertir nos únicos barzinhos abertos espalhados pelo bairro. Inadmissível ser a única capital do país que não comemora o carnaval. Tudo que eu queria era colocar glitter na cara e beber qualquer bebida de procedência duvidosa até ficar bebaça e curtir até a última música tocar. Por falar em bebida de procedência duvidosa, ainda não experimentei o tal do Xeque Mate que todo mundo anda bebendo.
Voltando a mim: estou em casa sozinha há dias, minha mãe viajou e eu estou tendo que tomar conta de tudo sozinha. Está sendo bom, mas chega umas horas em que só queria ter uma companhia pra conversar e curtir pequenas coisas cotidianas simples juntos. O foda é que eu não tenho mais paciência nem coragem pra me abrir pra fazer amizades ou permitir me relacionar amorosamente com alguém. Sinto uma estafa fodida e no primeiro momento em que me sinto vulnerável, insegura ou exposta a qualquer gatilho que me lembre os meus traumas: bloqueio e sigo a vida. Não olho pra trás. Não consigo mais me conectar com alguém e sinto que isso é um pouco triste, porque não admito isso pra ninguém.
Falando em admitir verdades minhas para alguém, na sexta-feira passada voltei a procurar ajuda psicológica, a famosa terapia. O psicólogo me perguntou o que me levava até lá e eu contei tudo que eu sentia que era realmente um problema na minha vida. Basicamente, ele começou a querer adivinhar se eu tinha ansiedade, toque… e por aí vai. Disse que estudou sobre psicologia oriental e num dos livros que ele leu, falava sobre como os traços do rosto de uma pessoa poderiam indicar exatamente como a pessoa era. No meu caso, a partir do meu rosto, ele leu: que pelo formato da minha testa eu era alguém que não aceitava muito bem ser contestada, pelo meus lábios serem projetados eu tive muitos traumas e mencionou algo sobre mulheres que tem muito volume nos quadris e nos glúteos (BUNDA) não são mulheres fáceis de colocar regra, meio que como se fossem rebeldes. Perguntei se isso tinha embasamento científico e ele confirmou que sim, que ele gostava de ler muitos livros “diferentões” de psicologia e que esse em específico era alguma literatura milenar da China. Ali, já foi tudo pro caralho. Continuei de corpo presente mas mentalmente pensando: já era, esse cara não vai poder me ajudar. Eu real admiro e respeito profissionais que realmente sabem o que estão fazendo. Mas uma pessoa que criava situações fictícias e depois me perguntava: tu é assim, né? Acertei? E eu: não. Na verdade, sou de outra forma. Já não tem como ter credibilidade alguma.
Fiz essa tentativa indo na terapia porque sei que preciso vencer muitas coisas que me paralisam no tempo e me impedem de ser quem eu sou e quem eu quero ser. Eu não quero ser uma pessoa fechada que não sabe fazer amizades nem se relacionar com ninguém. Eu não quero estar sempre indisponível emocionalmente por conta dos meus traumas e medos. Foi foda e decepcionante quando ao invés de me ouvir, ele não parava de falar e insinuou que eu estava falando coisas que eu tinha decorado pra falar ali. Doeu, porque era o início de uma tentativa de me curar psicologicamente e emocionalmente e simplesmente foi em vão. Pensei também muito sobre o fato de ser uma clínica de saúde mental para pessoas de baixa renda e me perguntei: foi uma experiência ruim mas eu vou procurar ajuda em outro lugar porque tenho condição pra isso. Agora, imagina comigo: e quem não tem condição e aquela é a única opção pra essas pessoas? Imagina se tratar com um profissional desses? Não vou desistir de buscar ajuda, essa é uma certeza que coloquei na minha cabeça. Sei que é algo que preciso e que vou fazer.
Voltando a sexta-feira, saí dali e fiz um teste rápido pras doenças sexualmente transmissíveis em menos de 20 minutos pelo Sus e também me lembrei daquele babaca dos EUA que fez um vídeo comparando poder comprar um tênis da Adidas a pouquíssimos dólares enquanto aqui no Brasil a gente tinha o Sus. Fico com saudade do tempo que falar coisas burras era tido como sinônimo de vergonha, hoje em dia é sinônimo de coragem e questão de “opinião”. Enfim, resultado dos exames todos ok, nada reagente. Segui pra casa.
Trabalhar na minha irmã tem me ajudado bastante. Saio de casa, lido com gente de tudo que é tipo… de todas as idades, classe, gênero. Algumas pessoas são mais diretas e objetivas - até mal educadas, só me dão o dinheiro ou passam o cartão e vão embora. Outros já puxam um papo, reclamam que o ovo tá caro, outros que a saúde não anda boa. Mas eu ocupo a minha cabeça, me exercito caminhando e levantando peso e ainda ganho um dinheiro.
Esse carnaval foi o primeiro da minha vida em 27 anos que passei completamente sozinha. Não vou morrer por isso, mas me fez encarar a dura realidade como a vida é: a gente nasce sozinho, vive sozinho e morre sozinho. E que bom, felizmente posso me pagar um sushi, assistir a programação que eu gosto, ouvir salsa e se quiser repetir a música 10x eu faço, se quiser cozinhar eu cozinho e senão: o iFood me salva. Se quiser limpar toda a casa de noite eu limpo, se não quiser também não faço nada. Inclusive nesse exato momento me pergunto se vou pedir alguma coisa ou fazer uma miojo. Risos
Sinto que nesses pontos críticos é que a vida nos molda e nos transforma. Ela exige de nós uma posição que a gente não estava preparada para ter e que só vivendo a gente desenvolve e cria essa versão nossa. Mas me orgulho da mulher independente e com as ideias, paixões e dores que tem. Eu poderia estar cercada de gente agora mas não seria eu. Eu poderia ter buscado abrigo em qualquer relacionamento falido só pra ter alguém do meu lado pra dizer que está comigo mas também não seria eu. Prefiro acreditar que o futuro me reserva companhias e dias melhores. Menos quentes, com mais vida e brilho, com gargalhadas e beijos de arrepiar o pelo, ou simplesmente com silêncio e a paz de estar em par com quem é pra ser da nossa companhia.
Ainda continuo amando o carnaval, apesar de esse feriadão em específico não ter sido o melhor deles. Perdi o desfile da Mangueira ontem e não sei se vou ter coragem pra sair do quarto pra conseguir acompanhar o desfile do dia dois do Rio. Mas conto com a generosidade divina e quiçá da minha própria força de vontade pra que o próximo seja menos antissocial e menos caseiro. Contudo, é o carnaval de 2025 e na rua sem saída Argentina eu desfilo com o bloco do eu sozinho.
KGN. 03/03/2025.
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