Não posso suportar a ideia de dormir sem meia. Escudeiro na cruzada diária contra o Ego. Só como depois de separar a cebola da comida. 'Reductio ad absurdum' é uma das minhas bebidas prediletas.
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*eu acho que*
[define] o conjunto de tropos de TV disponíveis (a maior parte - senão a totalidade kkkkk - deles catalogada em tvtropes.org)
[define] as interações (operações) possíveis entre os tropos, de forma a talvez configurar um (sub)espaço.
[conjectura] há um conjunto de operações que torna esse espaço fechado. Tipo "transformar o ato de 'quebrar um tropo' em tropo" and so on.
[define] previsibilidade como "a possibilidade de prever um tropo a partir de seus componentes operantes" e
[caso conjectura verdadeira] [corolário] a tv fica previsível em algum intervalo definível, nao necessariamente finito.
[caso falsa] a tv não é previsível nunca.
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O sapo
Percorro observando o corpo de um sapo imaginário. Ele tem cores vibrantes e está a beira de um igarapé. Desejo com ardor, e posso - e há certa delícia na contemplação do poder-, transcrever na pele respirante desse sapo. Fazer de sua anatomia inteira mero ponto retórico. Reduzi-lo, ainda que inicialmente sem admitir, a qualquer coisa menos que sapo, num evento digestório legítimo, talvez a única das carnivorias legítimas. Houveram na história pernas de sapo que foram comidas.
O pequeno anfíbio agora foge ao meu olhar e nada contra a suave corrente do riacho, numa brutal maratona pela vida. Estou fixado como flecheiro no veneno sêmico desse sapo, mas estou a margem, incapaz. Com a flecha poderia abrir um buraco nas entranhas da terra e fazer verter seu sangue incandescente. Todos os feitos existem por último como fenômeno, e primeiro como flecha, numa alvejada geral e sem lei. A mágica é menos em seu conteúdo esotérico, e mais em sua arbitrariedade. Aliás, a exibição mágica do arbítrio toma essa - e apenas essa - forma esotérica das leis (do Universo). É nas minhas veias que o sapo nada, totalmente oculto sob minha própria pele, ainda que vívido às formulações.
Não sei se sou capaz de qualquer outra relação com o sapo, o que é uma forma aguda de obtusão. É um sapo encantador e de cores vibrantes, e seu desenho é fugaz no tumulto suspenso das águas. Ele está prestes a se transformar em alguma outra coisa, mas sempre sapo. O truque, entendo agora, não está na sua fisiologia (que é eternamente de sapo), mas na água, ou em algo na exatidão impossível entre o sapo e a água. Entender é perfurar-se com oblíquo veneno, e agora estou morrendo, e o sapo a transformar-se em água da corrente.
Eu já sabia que não poderia flagrar um sapo diante dos meus olhos, então escolhi jogá-lo para detrás, mas cá ele foge também. Vira terra na outra margem, e eu envenenado convulsiono. O sapo é livre de mim e alça-se ao infinito num salto celeste.
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absolutamente toda a minha inteligência parte da compreensão de Pratītyasamutpāda. Não entendê-la é ser cego ao livro do mundo.
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se até os poetas, versados no infinito requinte da palavra e da expressão, minuciosos escultores do arenoso lexical, expostos ao próprio tutano na pública-e-por-isso-cruel arena do entendimento alheio e ainda assim mestres, maestres, alados gênios de sensibilidade e verdade; se até tais seres, tais poetas, são incapazes de instilar no amado, com a prodigiosa Palavra e circunstância, amor, e amarguem em elísia solidão a eternidade (de cada momento);
então puta que pariu quem é a gente na fila do pão sabe. nao manda essa merda de mensagem p ele nao mana
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a gay tempos atras _só some_ daí RESSURGE agr dizendo q "errou cmg" aí eu 🤡dou trela🤡 e a disgrama faz o q
some dnv eu devo ser o que há de mais descartável nessa república inteira
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-look, the sun's out [points at the window]
-in a poetical sense?
-the sun is always out in a poetical sense, silly. Let's get some ice cream.
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i am indeed loved by myself, a love that fulfills an otherwise loveless life.
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Aquarius seeks Sagittarius for wisdom, as Sagittarius seeks Aquarius for insight. Their mindstreams merge at the edge of everything known. The centaur rushes unstopabble towards infinity, the water bearer lifts his spirit to the eternal. Lightyears apart in unavoidable solitude, but never alone: their presence just a thought away from one another. Most fortunate of all meetings, their friendship is a champion of the stars, glistening their celestial equanimity, blessed by their perenial -yet mute- love.
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Friends die, move away, change. Family is a circumstance deemed to end. No relationship is bound to last. Everything is subject to time, sickness, decay. Things diminish, deteriorate, rot. My voice will someday silence. My eyes will fail me certainly. My frail body will colapse in this lifetime. My thoughts will vanish before me. My mind will disintegrate in death. I can't trust anyone. I can't rely on anything. Everything is impermanent.
And yet
And yet i'm permanently striving for happiness. Death is no certain cease of such longing. For happiness is freedom, and not having a mind of forms isn't condition strong enough to determine freedom. Death, too, can't be relied nor trusted. But i still want to be happy. What can i trust?
I sought the worlds in search of happy people and moments. I looked everywhere trying to find those who lived peaceful, simple, happy lives. I mistrusted the happiness of the rich and their mind intoxicated by circumstances. And i couldn't trust any words, for they very more often than not conveyed hypocrisy. Happiness was probably a silent event. It was probably beyond the limitations of the concept "happiness" which, too, could not be trusted.
I then sought those who lived in silence, for they had realized a secret meaning. I met many masters from different religious and philosophical backgrounds. I had utmost respect for Diogenes living in his barrel. I read carefully the works of anchorite monks. I had extense exposition to śramanic traditions. I listened so carefully for the mute wisdom of the river and the wind.
And then, of course, finally, i met the Śakyamuni Buddha. His words seemed to me as those of a happy man. His teachings were incisive, sometimes brutal, but they were somehow always what i needed most. I didn't have to believe in anything, his teachings were practical. A most emphasized aspect of the buddhadharma is that it shouldn't be memorized, acquiesced, or anything really different that contemplating and attaining the meaning of it. It is said that the words of the Buddha are better forgotten than crystalized in mere tradition. And his words were about happiness, and how it could be solidly harnessed, like a firepit is harnessed from wood. Through calm abiding in the empty nature of reality, one can realize the deep interconections of everything, feel focus, compassion, equanimity and many more mind treasures that are so distant from the usual framework of happiness that words for them are simply impossible.
Since then i struggle to perceive each and every sentiment as, themselves, devoided of intrinsic meaning. Feeling miserable is only a miserable experience to the extent on which i identify with the perspective of being the one feeling miserable. This counter-perspective, of course, doesn't end the feeling, nor the thoughts nor the phenomenic world in general. Things do still rise and do affect me in unforseeable ways. However, since i meditate, i have reaction time to each and every empiric meaning. I can see them rising, and identify them as they pervade my mental space. I can see them for what they are: creations. A sad thought cannot mistake me for being anything else than a sad transient created thought. I am free from identifying as the sole thinker of it, and freedom feels happy.
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O vento fustiga as tábuas na janela do meu casebre e faz entrar um frio atípico em dezembro. Cai torrencialmente uma chuva contra o topo da colina onde instalei minha casa, encharcando a sinúsia de gramínea alta e herbáceas esparças do entorno. Do lado de dentro, um escuro que se confunde com o das luzes apagadas. É sempre melhor de se ouvir no escuro, e as tempestades tem o hábito de alardear segredos pelo espaço afora. Acendo o fogo e preparo as folhas da cidreira para o chá.
Meu terreno consiste de um rio pedregulhoso que agora provavelmente transborda na parte baixa, uma colina relvática de flora pacata, mas exuberante ao olho cauto, diversa em seus estratos de folhas serrilhadas, alegre em sua eterna dança na brisa dos campos. Uma trilha enlameada liga meu alpendre à estrada longe, num caminho que, no sentido de vir, obriga o olhar contra o sol. Fiz questão de fazê-lo assim, de forma a ter do meu lado o intemperismo da luz e do céu erodindo a vida e suas questões, sempre insistentes em vazar daquela estrada.
Mas nem tudo é capaz de se desfazer na suavidade das nuvens, e em certa vez o passo inexorável de um banco me tomou a parte oeste do terreno, na forma de um arrendamento pecuário. Duas décadas de vizinhança com um rebanho bovino fariam frente a uma dívida esquecida. Os vapores da erva cidreira agora suavizam a pungente memória de entregar a alma dos campos numa agência bancária. Em que livro contábil estaria o alvorecer de lírios convertido em sorgo e pata de elefante? Haveria uma transação para o peso do gado transformando a terra em tijolo, o ar em esterco e a paz da fauna em êxodo? Bebo o calor da água e me esqueço.
Lá fora, o temporal amaina. O uivo do vento dá lugar ao constante da chuva derradeira. Um sabiá corajoso ensaia recomeçar o mundo. Mas ao fundo, muito ao fundo, um som difuso, bêntico, inaudível. Desesperado lamento, é o mugir de vaca apartada de seu único novilho. Seu grito se distancia daquela brutalidade e se alça pelos céus cinzentos como o de um cetáceo alado, o canto tingido da solidão impossível. O som se desfaz na inexistência como a cinza da fogueira. Esse calvário longínquo adentra as frestas do meu casebre, mas é muito ténue para ser ouvido pela casa. Madeira não pode ouvir o que foi feito para as bordas cardíacas do ouvido. Choro em silêncio e em escuro o desalento daquela mãe desvanecida. Me desvaneço com ela na correnteza do tempo.
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eu amei a vida. ela que só exerceu seu direito de não me amar de volta.
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Como lido com ideações suicidas
Como uma pessoa que já lida com ideações há quase uma década, e intensamente faz uns quatro anos, acho que talvez o meu relato* de como é meu cotidiano com elas tenha algum valor.
*Eu não pretendo servir de modelo, exemplo ou o que quer seja pra ninguém. Isso aqui é um relato, um compilado de práticas que funcionaram pra mim, mas que podem não funcionar pra outra pessoa ou até prejudicá-la. O melhor caso você tenha esse problema segue sendo buscar terapia. Scrollar o tumblr não ajuda.
A ideação suicida aparece, pra mim, como uma classe densa de pensamento. Quando passo por alguma situação dolorosa ou emocionalmente demandante/estressante, quando essa situação se prolonga no tempo, eu consigo discernir que a minha mente começa a procurar formas de aplacar essa dor. Se não estruturo essa busca de formas pontuais e diretos, essa busca começa a se borrar em sensações vagas de aprisionamento social, de fatalismos e daí até eu começar a projetar e efetivamente planejar um mundo em que eu desapareço, que morro, é um passo. Se não interfiro, imagens de automutilação são outro passo.
Todo fenômeno psicofísico tem três eixos formadores, a saber: racional, emocional e corporal. Juntos, eles determinam a nossa paisagem existencial, o filtro da nossa experiência mundana. Eles são um emaranhado, mas a gente pode tratar um de cada vez, como der.
O meu primeiro passo é, sempre, emocional. Inspiro, expiro e tento me acalmar. Nessa primeira fase eu não estou contra-atacando os pensamentos ainda, estou apenas reconhecendo-os pelo que são: pensamentos. Um tipo sólido de pensamento que me causa todo tipo de reação somática e de pressão emocional. Reconhecendo isso eu não faço as emoções desaparecerem, mas eu pelo menos ganho o espaço mental que o próximo passo exige.
No próximo passo eu contra-ataco a racionalidade de uma ideação. Me pergunto “qual é a motivação de querer morrer?” e a resposta é “extinguir o sofrimento”. Mas até onde eu saiba, o ser no tempo é, sempre, ser condicional no tempo. O ontem condiciona o hoje, e o hoje, o amanhã. A experiência sempre pareceu contínua, e acreditar que a morte é o fim é exatamente isso, crença, porque ninguém voltou dela pra dizer se a experiência fenomênica acaba ali ou não. Até onde eu saiba, tem uma chance de eu estar na verdade piorando as coisas tirando minha vida. Digamos que 50/50, ou seja, 50% de chance da morte ser de fato o fim, e 50% de não ser. Se for estou no lucro, mas se não for, se não for, estou lascado. Muito lascado, porque não só não sou feliz nessa vida, como não vou ser em nenhuma, se vida após vida eu seguir me engajando em querer me liquidar (já que, efetivamente, não sou feliz agora, e nada me leva a crer que, nas próximas, serei milagrosamente feliz). Até agora não experimentei nenhum sofrimento tão intenso que me fizesse pensar que o lucro do seu fim fosse ser superior ao prejuízo de uma eternidade agonizante. Espero nunca experimentar.
Mas claro, as pessoas sempre tem crenças. Eu diria que quem acredita numa possibilidade de renascer está um pouco mais blindado de tirar a própria vida, enquanto que quem não acredita, estaria um pouco mais propenso, supondo agentes racionais, que sempre e em qualquer circunstância raciocinam desse jeito. Se você tiver uma tendência suicida, pode ser que uma crença em existência cíclica seja operacional pra você.
Você inclusive não precisa sair por aí dizendo pra todo mundo “eu agora acredito em reencarnação”. Não precisa abandonar a ciência, se você for desses. Na verdade, ninguém precisa saber da sua crença absurda. Inclusive nem tão absurda assim, diga-se de passagem. As pessoas em geral acreditam em coisas tão _mais_ absurdas (mão invisível do mercado, astrologia, um deus onisciente, onipotente e onibenevolente, almas gêmeas, almas, que comunicação seja possível, que a felicidade advém de fenômenos externos, que a realidade tem existência inerente, que não estamos a beira de um colapso ambiental), enfim, que a sua nova crença secreta talvez nem seja tão absurda assim; afinal, a existência é meio cíclica mesmo. E se ela efetivamente te proteger de se matar, pode ser uma boa.
Racionalmente, busco ultrapassar “liquidar a mim próprio” como forma viável de extinguir o sofrimento. Quando ultrapasso essa perspectiva, a pergunta original ainda resta. Como ultrapassar o sofrimento?
Aí que retorno aos componentes emocional e corporal. Penso na última vez em que fui feliz e na efetiva composição material daquilo. No meio da ideação que tive hoje, estava voltando pra casa por um estacionamento escurecido pelas sombras alongadas dos edifícios do campus quando meus olhos encontram jovens se abrigando do frio na luz do sol. Eles pareciam felizes com o calor, e quando pensei no sol, mesmo que por um micronésimo de segundo, meu olhar se inundou com a luz do sol. Pensei “dois segundos de sol”. Afinal, o sol efetivamente está nutrindo os seres dessa Terra com vida há alguns bilhões de anos, pode ser que uma exposição à ele me faça bem, como está fazendo a esses outros. O segredo, vejam, não é o objeto que eu busquei, mas a minha intenção, que era me fazer feliz. Eu quis ser feliz, e daí o sol apareceu. Pode ser que tivesse aparecido um sorvete, um gato, um amigo querido, um livro, alguém tocando violão, uma obra de arte: essas coisas todas teriam me passado desapercebidas se a minha intenção de ser feliz com elas não estivesse presente. Essa intenção, portanto, de se fazer feliz, e de fazer aos outros felizes, é a nossa vela na escuridão de uma nevasca, e é ela que precisa ser protegida, cultivada, treinada e aumentada, até que ela seja a nossa fogueira no frio da existência, até que ela seja o nosso sol na roda da eternidade.
Como não sou um sol ainda, busquei o sol. Sentei de frente pra ele e chorei, com o fluxo mental interrompido pela atenção unidirecional à luz. Pra mim, essa atenção é sustentada pela recitação do Gayatri mantra, a exaltação védica do sol encarnado. Às vezes também me concentro no Céu, na Terra, no Mar, no Rio, nas Estrelas, ou no fato de que as pessoas eventualmente são boas, ou na inteligência pura e sem intermediários, enfim, o importante é encontrar uma fonte de refúgio não muito impermanente (apesar de essas coisas todas mais ou menos serem) e se concentrar nela, se fundir com ela. Esse é o sentido esotérico da espiritualidade: ela não é separada da nossa experiência com o mundo, ela é a nossa experiência com ele, sempre presente. Você permite que a fonte de refúgio te acolha (no meu caso, foi visualizar o sol com minhas pálpebras fechadas, me alegrar com o calor e com a luz, permitir que essas sensações todas me preenchessem).
A partir daí, você tenta sustentar a mente que quer fazer você e aos outros seres todos felizes. Você diz “não importa muito a minha condição agora, eu vou fazer o que estiver ao meu alcance pra fazer a mim e aos outros seres felizes”. Se isso for um banho de sol, tudo bem. Se isso for arrumar meu quarto e beber água, tudo bem. Pode ser que não seja muito, não importa. O que em geral fica subentendido nesse rolê todo de vida é que ela de fato não é muita coisa. A gente não tem grandes experiências cósmicas (e mesmo que tivesse, elas seriam transitórias, um dia estariam aqui e no outro não mais). A gente em geral vai ao supermercado, cumprimenta uns aos outros, cuida da nossa Terra, e daí, muitas vezes de repente, parte pra próxima. Não precisa ser grandes coisas. O importante é que a gente aproveite a magia do fluxo incessante delas. Pode ser sem sentido. Pode errar às vezes. Pode grande parte das coisas que a gente fica se repetindo que “não podem”. O que não pode, eu acho, é sofrer irremediavelmente, sendo que o remédio é bem simples, tá ali na próxima esquina conceitual esperando pra ser desenvolvido.
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Ontem a sis teve uma crise generalizada de esgotamento e os pais vieram ajudar. Eles não são muito bons com palavras ou expressões habituais de afeição, mas sempre foram ótimos em toda e qualquer gestão da vida material que se apresente. Eles entram no quarto dela e rapidamente identificam que “nessa bagunça não dá pra viver”, nas palavras deles. O que se segue é uma verdadeira revolução organizativa em que eles conduzem a sis a jogar fora o que não precisa, arquivar o que está solto, dar às coisas um lugar pra chamar de seu. Às vezes impositivamente. Num momento anedótico, o pai está tentando tirar a escrivaninha do quarto dela pra sala (já que ela não consegue estudar no quarto pelos barulhos e luminotécnica ruim) e eu interfiro e digo que a gente tem que saber a posição dela antes. Ele revida, diz que o barulho na sala é menor, que ela já estuda na sala, e todas as outras coisas que eu já tinha calculado e argumentado antes, mas a diferença aqui não era algum erro de cálculo de alguma das partes, e isso me ficou claro ontem, é uma diferença que tanto o pai quanto a mãe tem uma dificuldade imensa de entender: a complexidade do mundo interno, porque às vezes o lugar da escrivaninha não é só o lugar da escrivaninha, mas um conjunto de relações simbólico-emocionais que a pessoa deixa que se estabeleçam entre a escrivaninha e o resto do quarto, e a própria identidade e o seu lugar no mundo. E, às vezes, mexer nelas dói, especialmente se você está convulsionando numa crise de ansiedade. Só que o que os meus pais me ensinaram ontem é que, além de reconhecer que existe essa complexidade, muitas vezes nós vamos ser convidados (pra não dizer forçados) a interagir com ela (pra não dizer intervir). Eles foram embora com o quarto da sis organizado, a casa limpa e ela calma tomando um chá. Eles não disseram nada do que ela gostaria de ouvir (porque, sinceramente, eles são péssimos pra dizer qualquer coisa e se eles tivessem tentado seria pior), mas fizeram tudo que precisava ser feito.
Isso obviamente me faz pensar no tipo de criação que eu tive e no tipo de pessoa que me tornei. Afinal, uma das minhas carências sempre foi esse tipo de acolhimento emocional, esse tipo de abraço que diz “está tudo bem, vai ficar tudo bem”. Pros meus pais, esse tipo de abraço é uma mentira. Se as coisas estão bem, elas estão bem, e se elas não estão bem, elas não estão bem. E não tem nada que eles possam “dizer” que mude esse fato, mas talvez tenha algo que eu possa “fazer”. Sempre cobri meu isolamento com livros porque, pra eles, não havia nada que eles pudessem dizer que mudasse o fato de que eu era uma criança isolada, então eles me deram algo que eu pudesse me engajar. A nossa organização financeira sempre foi impecável, mesmo nos piores momentos, e a casa também sempre imaculada porque há a noção do dever que supera o sentir. O sentir na nossa família é delusório. Claro, o sentido relativo dos sentimentos efetivamente moldarem a forma como agimos no mundo teve que vir na minha geração, e é o tipo de responsabilidade emocional que eu tenho para com meus pais constantemente. A título de ilustração: convencê-los a frequentar uma academia foi bastante simples, mas terapia já é bastante mais complicado. Mas talvez eu esteja fazendo o caminho errado, afinal acreditar no silêncio já é way step ahead, e o tipo de suspensão conceitual que a gente atinge ao fazer uma faxina (isso é outro texto, mas long story short: faxinar em família é um evento) também é incomum. Talvez minha insistência na terapia seja inábil, porque são palavras. Se eu aparecer brilhando com o exemplo da meditação, talvez eles curtam mais.
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Pelo direito ao sexo
Tem um ponto nas discussões sobre aborto que eu não vejo a ala progressista abordar muito (talvez porque o tome como dado, ou porque sua exposição é melindrosa) que é o do direito ao sexo.
Que existem riscos pronunciados de gravidez em cada contato [hetero]sexual ninguém duvida, mas a resposta conservadora a esse fato é, pura e simplesmente, "não faça sexo". E de fato, a abstinência é o único método contraceptivo conhecido pela ciência que tem "100%" de eficácia [até agora]. As aspas são porque mesmo esse santo método tem sua falha: no estupro, mas aí a mentalidade conservadora sana essa contradição admitindo o aborto nesse caso {1}.
O que me parece estar sendo contradito, exatamente? A contracepção exige agência do indivíduo, que deve tomar parte das rotinas necessárias no prevenir da concepção. Quando a gravidez está além desse papel individual ativo, ou seja, quando contradiz a suma agência do indivíduo sobre si mesmo, ela pode então ser interrompida. Quando o brasileiro se posiciona abertamente a favor do aborto assistido pelo poder público em caso de estupro (mesmo que apenas nesse caso), manifesta com isso ser partidário da noção de que o Estado deve amparar o indivíduo quando este não puder fazê-lo por si próprio. Isso não é uma constante mundo a fora, mas uma peculiaridade nossa {2}. No meio dessa balbúrdia conservadora é possível ouvir um eco de prístino liberalismo político que, no meu ver, deve ser ressonado.
A militância pró-aborto tem se focado em desvelar a ilusão de que os métodos contraceptivos implicam em qualquer controle – seja fisiológico ou sociopolítico - sobre o próprio corpo (enumerando os casos em que, mesmo aplicados como manda o manual, falham por fatores que estão além da diligência individual); Tarefa essa que tem desempenhado vigorosamente, mas em que trava quando é confrontada com a escolha ‘segura’ do ascetismo, contra a qual não vejo resposta elaborada {3}. O print que escolhi pra fazer frente ao texto ilustra esse silêncio. Afinal, sempre haverá a escolha entre o sexo e a abstinência.
Mas há mesmo tal escolha? Não acho que o ascetismo seja inexequível (e que por isso deva ser “desmascarado em sua hipocrisia”), mas a noção de que ele é postura possível ou mesmo _ótima_ em todas as situações é fraca, e tem espaço pra ser posta em questão. A crescente naturalização que tem sido dispensada nas últimas décadas às diferentes formas da sexualidade humana que não aquela heterossexual marital - a saber: a homossexualidade, a masturbação, a contracepção e a nudez – precisa englobar também o sexo por ele próprio. Ainda que seja importante sublinhar o caráter progressista da gestação e parentalidade planejadas para a organização globalizada do trabalho, há que se ir além e demonstrar o sexo não apenas em seu conteúdo contratual ou reprodutivo, mas como expressão fundamental de afetividade humana {4}. Talvez esse ‘ir além’ exija botar na mesa e sacrificar termos desse mesmo paradigma produtivo que o evocou, e que agora o constrange, mas daí já é outro texto.
{1} http://agenciabrasil.ebc.com.br/…/quase-60-dos-brasileiros-…
{2} https://brasil.elpais.com/…/24/socie…/1387906733_953783.html. O princípio pró-vida (embrionária) é a mola-mestra do movimento de reação ao aborto, mas aqui ele não é absoluto como noutros países.
{3} https://www.facebook.com/834687583256373/posts/1813403042051484/
{4} https://www.youtube.com/watch?v=Qymp_VaFo9M (10:17 “Why we have sex”)
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Nos últimos cinco anos, eu afastei por meios diretos e indiretos toda a rede de pessoas que se importava comigo, de forma que acabei me tornando um buraco, um simulacro de ser social. Não falo mais com minha família se não fatica ou protocolarmente. Saí do curso onde, bem ou mal, tinha estabelecida uma comunidade acadêmica, de modo que agora me encontro isolado - em uma parte pela inépcia social, em outra pela ideologia que permeia o curso e que é, honestamente, abjeta - fazendo as coisas ‘por mim’, mas sem qualquer senso de propósito ou futuro compartilhados. Uma cadeia de pessoas nutre por mim alguma simpatia, mas isso se deve em parte à minha bem treinada habilidade de - bem, como dizer isso suavemente? - fingir simpatia e solicitude. Um olhar mais atencioso revela a farsa narcisista que é a minha fala, nas raras ocasiões em que alguém desempenhando uma atividade em comum comigo chega mais perto que o essencial. Estou sozinho, preso a um objeto de estudo que me causa asco (o que não deixa de ser irônico, já que é o estudo que me dava propósito), entupido de antidepressivos e soníferos. E esses grudentos pensamentos suicidas que não me deixam, caralho. É uma fria de uma sexta a noite em Porto Alegre, e eu estou bebendo do bico de uma garrafa de vinho ouvindo uma seleção sadisticamente compilada (por mim) das músicas mais tristes do Radiohead. Talvez eu rode numa caralhada de cadeiras, (uma, duas, três? Não sei ainda), e isso vai postergar minha formatura ainda mais. Passei a tarde tentando estudar para uma delas, porque ainda tem tempo e eu ainda sou esperto e aprendo rápido, mas tem algo atrás dos meus olhos que não me deixa ficar mais que dois (2) minutos fazendo a mesma coisa. A linha de raciocínio se interrompe e eu sou jogado num ciclo de culpa por não conseguir sustentar a atenção, e desapontamento, tristeza e raiva comigo mesmo me sobrevém, e até voltar à mesma maldita frase - que me prende a três ciclos desse tipo - já são mais dez minutos, uma hora, uma tarde inteira de fazer nada, um mortificante e barrento nada que me afoga em águas frias. Essa água por vezes escorre do zigomático até chegar à uma vermelhidão no meu nariz, que coça com a intrusão, e então aos pulmões, que respiram oprimidos, e aos olhos, que choram. Meu corpo inteiro dói de uma tensão que não passa nunca, é a tensão de ser desmascarado, de perder tudo. Eu queria poder reconhecer incessantemente que, na verdade, não tenho nada, então não tenho nada a perder, e que ao mesmo tempo tenho tudo, carrego em mim a potência de todas as coisas, afinal posso percebê-las, então não posso perdê-las nem que quisesse, impossível como é se separar das coisas do mundo. Sei desenvolver essa linha de raciocínio, mas não a tenho estabelecida como visão, e sofro daí profundamente. Estou triste, a vida me parece triste, e quero morrer. Não esse teatro de deixar pra trás um corpo pra que chorem sobre, e me alçar “ao doce abismo da inexistência”. Patético, não (ainda que por vezes me ocorra mentalmente essa comédia). A morte que eu desejo é mais profunda. Poderia-se dizer até que já estou morto, e o que quero é a vida. O que estou sonhando, e a vida é sonho, e quero acordar. Ou qualquer outra categoria dual que aprouver, não importa.
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Fingimento
As palavras da minha dor são palavras de sonho. Elas tem sufixos precisos, evocam imagens magnificas, tem fonética ritmada, e se desfazem na boca quando se tenta repeti-las, como acontece quanto se tenta relembrar de um sonho. Sonhar é, antes de tudo, relembrança, e por isso é difícil dizer o que é sonhado e o que não é. Não é possível sonhar com o que, de uma forma ou de outra, não se saiba, e por isso o início de um sonho é um pensamento, uma memória, uma moldura mental. É a fronte de uma casa onde nunca estive em corpo, mas sim conheço-a de espírito, sei onde se encontra cada cômodo que se constrói logo que o miro, mas tal processo (de cossurgência) me é oculto, então é óbvio que os cômodos estão lá, e eu mesmo também estou lá, e logo surgem outros fenômenos, lindos fenômenos de músicas feitas de ar e de pessoas que me amam, bibliotecas inteiras de línguas inimagináveis, e também aterrorizantes meteorologias de raios verdes tonitruando em céus negros e cemitérios abandonados e desterrados e seus jazigos convidativos. Aqui já me esqueci que conheço, e este é o auge largamente documentado do sonho como esquecimento. A lembrança em clímax é descoberta, a descoberta última é despertar. Mas há algo de que não me esqueço mesmo em sonho, como se não me fosse possível dormir. Da plasticidade das formas é que estou sempre ciente, mesmo em sonho. Daí que há como uma membrana recobrindo minha visão: uma mucosa, do lado de força rocha ígnea, do lado de dentro, dor. Hostes de perturbações arremetem contra essa camada externa, mas sua homeostase edafológica não me diz respeito propriamente, exatamente como a peristalse também não diz. O lado de fora é tudo que efetivamente há, é o mundo (interno e externo) tal como ele se apresenta. Soma sonho e cotidiano, sensações, percepções e a própria consciência, está tudo contido nessa membrana pétrea - da qual me esqueço de relembrar. Sou enredado em seu ecossistema de emoções e prazeres, tudo parece natural e intuitivo aqui do lado de dentro das coisas que existem, mas há o lado de fora. É em silêncio que encontro o lado de fora, a Dor. Não na forma silêncio (que também é forma e, portanto, dentro), essa que é performada em isolamento, imobilidade e letargia ativa do fluxo mental, mas no silêncio atrás do silêncio. É isso a que por vezes chamo êxtase, por vezes chamo dor, por vezes chamo luz, ou palavra secreta, mas às vezes não chamo nada por medo de que me entendam como alguma categorização dual (portanto, por dentro das coisas) e aí saio a executar alguma outra coisa.
Finjo, a vida é fingimento e a verdade é inexprimível.
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