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Agonia
Cá me acordo. Vindo de um sono pesado e turbulento, tive um pesadelo: Sonhei que morria durante a noite. Mas não acordo em minha cama, parece que estou preso em algum lugar. É apertado, bem acolchoado, bem confortável, mas apertado. Não consigo me mover. Seria isso um novo pesadelo? Tento gritar mas não consigo, de minha boca não sai som algum, e tenho a impressão de que a mesma sequer se move. Estaria eu tendo um novo pesadelo? Começo a me desesperar, minha respiração se torna ofegante, mas espera um segundo... eu não estou respirando... O QUE DIABOS ESTÁ ACONTECENDO? QUERO ACORDAR AGORA!!!! Se passou algum tempo, não sei precisar quanto. Podem ser dez segundos ou dez dias, quem sabe? Uma gota de água está caindo no meu olho esquerdo, e em menos de um minuto outra e mais outra. Nada me tira da cabeça que estou em um caixão enterrado e que essas gotas são meras infiltrações. Mas não faz sentido eu ter morrido e estar consciente aqui dentro, se eu tivesse morrido deveria estar no céu, ou no inferno; se Deus não existe, deveria estar no limbo, ou simplesmente deixado de existir, então por que estou aqui preso dentro desse lugar com essa droga de gota que não para de cair em meu olho? Mais algum tempo se passou, novamente não sei dizer o quanto... dessa vez as gotas pararam de me incomodar, sinto apenas um formigamento em minhas pernas, em meus pés; vez ou outra um beliscão nos mesmos, mas nada insuportável. Vez ou outra sinto algo caminhando sobre meu rosto, mas não tenho controle sobre meu corpo e não consigo esboçar reação nenhuma para afugentar seja lá o que esteja aqui comigo. Sinto medo, muito medo. Se isso realmente for um pesadelo, preciso acordar logo ou acabarei enlouquecendo. SOCORRO!!!!!! É a única coisa que consigo gritar dentro de mim, o que eu pensava ser formigamento eram pequenas criaturas se alimentando de meu corpo, eu realmente estou enterrado, jazo em meu caixão e esses insetos são meus companheiros de estadia, mas sentem fome, consigo ouvi-los se comunicando, dizendo aos seus semelhantes “venham, aqui há alimento fresquinho”; “venham todos e se saciem”. Isso não faz sentido algum. Estaria eu enlouquecendo? Olá, eu agora não passo de uma mera consciência, meu corpo jaz aos trapos, não sinto mais muita coisa, sei que há pequenas criaturas se alimentando, passeando dentro de meus órgãos, mas não há nada que eu possa fazer, logo, resolvi me conformar. Fazem duas horas que algo está se alimentando de meu olho direito, deve ser realmente suculento... Seria assim que todos se sentem quando morrem? Ou seria isso algo exclusivo para mim? Se for alguma espécie de castigo, gostaria de saber o que fiz de tão ruim em vida, sempre fui religioso, nunca perdi nenhum culto, sempre orei, sempre agradeci, sempre fiz o certo. ME DIGAM O QUE ISSO SIGNIFICA! EU ORDENO! EU MEREÇO SABER O QUE ESTÁ ACONTECENDO COMIGO E PORQUE ISSO ESTÁ ACONTECENDO!!!!! Não sei se é algo da minha cabeça ou se é real, mas agora eu consigo ouvir vozes. Consigo conversar com outras pessoas que jazem enterradas perto de mim. Há um tal de Jorge que disse que teve intoxicação alimentar há dez anos, há também um George que diz ter sido atacado por um bicho numa noite, entre tantos outros. Mortos na guerra, assassinados por seus cônjuges, ou falecidos por conta da idade avançada. Todos perto de mim, todos com uma coisa em comum: O mesmo sentimento de confusão. Ninguém sabe me dizer se isso é castigo ou o que. Todos dizem sentir ou já sentiram a mesma goteira, os mesmos insetos, e a maioria diz que conseguiu ouvi-los conversando entre si enquanto se alimentavam. O que me leva a crer que nosso fim realmente é assim, que todos nós nos sentimos do mesmo jeito. Então nossa alma não nos abandona quando morremos, e nossa consciência nos segue durante a eternidade. Ou será que não é assim para todos? Será que isso é algo exclusivo de mim e meus companheiros? Se assim o for, o que fizemos pra merecer tamanho sofrimento? MMartins
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A criatura das sombras
Ouviam-se ao longe trovões, clarões de raios iluminavam a madrugada. Cada gota que lhe chocava contra o rosto era sentida como uma pedrada. Era realmente uma tempestade terrível, mas nada disso se comparava ao terror que estava atrás de George naquele instante. Aquela besta-fera que o seguira após ter saído do bar ainda o perseguia. Conseguia ouvir o rosnado dela há poucos metros de distância, mas não se atrevia a olhar pra trás, só conseguia pensar em correr pra escapar com vida. Sempre se ouviram boatos sobre uma criatura que morava nos arredores da cidade, perto das montanhas. Não era difícil encontrar na cidade alguém que afirmaria com veemência que tivera visto a fera alguma vez na vida, que conseguira fugir, ou mesmo, que a afugentara. Mas quem poderia acreditar nisso, não é mesmo? Não era verdade que toda cidade teria sua própria lenda, algo como um segredo que só os próprios habitantes saberiam. Mas não nesse momento, não pra George. Era madrugada de sábado, passara a noite toda no bar da cidade com os amigos do trabalho bebendo e contando piadas. Era um homem um pouco solitário desde que sua esposa fora atropelada, três anos atrás, desde então seu passatempo favorito era esse: Sair e beber até esquecer o quão miserável era sua vida, e depois voltar pra casa. Bebera até pouco mais de uma da manhã, e resolveu ir pra casa. Recusou uma carona que os amigos lhe ofereceram com a desculpa que “gostava de caminhar”. Mal sabia ele que aquele poderia ser seu último erro. O caminho entre o bar e sua casa era quase deserto, havia poucas casas, e o mato nas laterais da avenida crescia indomável. Começavam a cair algumas gotas de chuva. George puxou a gola do casaco e apertou o passo, mas logo ela aumentou, e ele decidiu não tentar fugir dela. Teria um certo charme em caminhar na chuva. Logo que pegou a rua 12 em direção à sua casa, passou por um amontoado de gravetos na beira da pista e teve a impressão de ouvir um rosnado. Mas não um rosnado comum, um rosnado que lhe causou um arrepio gélido na espinha. Sentiu a necessidade de sair dali logo, e, novamente apertou o passo, mas sentia algo o seguindo, não sabia o que era. De repente olhou pra trás e viu dois olhos prateados. Olhos de predador. O que é essa... coisa? Uma espécie de coiote, mas não um coiote comum. Do topo da sua cabeça desciam coisas como tentáculos que quase se arrastavam no chão. Tinha um pelo preto-brilhante, suas patas com garras que mais pareciam enormes lanças que davam a impressão que cortariam uma parede, se necessário. Suas orelhas pontudas apontadas pra cima em posição de alerta. Aquela boca semi-aberta com todos aqueles dentes afiados a mostra. E aqueles olhos prateados, parecidos com olhos de serpente, que lhe penetravam a alma e lhe deixava imóvel. Sem sombra de dúvidas era a criatura mais horrível que já tivera visto em sua vida. Conseguiu vencer aquele medo paralisante e se pôs a correr no meio da rua clamando por socorro, gritava desesperado e conseguia ouvir os passos pesados da criatura e seu rosnado incansável logo atrás. Virou à esquerda logo depois de uma casa, conseguiu ver uma barra de ferro que brotava de um buraco no chão, a agarrou e se virou. A criatura também parou e o fitou. -Por que você está atrás de mim, seu demônio? Eu não tenho nada que te interessa. Me deixa em paz –disse George com uma voz que era um misto de horror e medo. A coisa se limitou a olhar pra ele com aquele olhar cheio de ódio e começou a se aproximar lentamente, os dentes afiados à mostra. George se afastava também, a cada passo que a criatura dava em sua direção. Gritava com ela tentando a afugentar, movia a barra de ferro de um modo desconexo em sua frente, na tentativa de salvar sua vida, mas nada parecia adiantar, a criatura estava determinada a, não sei, mata-lo? De repente George sentiu algo às suas costas, era uma cerca de arame. Tinha cerca de 1.70 de altura, conseguiria pular ela tranquilamente em circunstâncias normais, mas será que agora conseguiria com todo aquele pavor que só crescia dentro de si por causa desse demônio que o perseguia? Resolveu que iria tentar pular, mas no momento que se virou e deu impulso com as pernas pra pular a criatura resolveu dar seu bote. Encolheu-se um pouco e pulou. Chegando à altura do rosto de George, que, assustado com o barulho que ouviu se virou pra olhar o que era, e se viu de repente cara-a-cara com aquela coisa. Ela cravou as garras enormes no peito e na barriga de George, que tivera certeza de sentir algo sangrando dentro de si. Aqueles tentáculos que saiam do topo da cabeça do monstro de repente agarraram a parte de trás da cabeça dele, o deixando cara a cara com aquela criatura. Podia sentir o hálito quente e horrendo de algo se decompondo. Tentava empurrar aquilo pra longe de si, mas era inútil, a criatura era forte demais. Um dos tentáculos dela agora entrava na orelha direita de George, e aquela sensação era agoniante. De repente os olhos prateados da fera brilharam, e ela resolveu dar um fim naquilo. Abriu a sua bocarra imensa e mordeu. Arrancara o nariz de George e um pedaço do lábio superior dele. Deus que dor! George conseguiu encontrar forças e empurrou as patas dianteiras da criatura, fazendo as garras se soltarem de seu peito. Mas ela estava determinada e começou a dar patadas dele cortando suas mãos. Aquelas garras eram afiadas demais pra serem de algo desse mundo. George tinha certeza que aquilo era uma espécie de demônio, algo inumano. Perdera o equilíbrio de repente e caiu de costas no chão, a criatura em cima de si o batendo com a pata, tinha cortes imensos nos dois braços e já não tinha forças pra nada. A criatura mordera mais uma ou duas vezes seu rosto. Era seu fim, estava perdendo sangue demais e sentia que ia desmaiar. Antes de perder a consciência pôde ouvir algo, não sabia se fora coisa da sua cabeça ou não, mas jurava ter ouvido a criatura dizer baixinho com uma voz demoníaca: “Hoje você vai ser meu alimento, humano desprezível". Aquela coisa ainda ficara sobre seu corpo por um bom tempo mordendo, arrancando lascas enormes de carne e as devorando ferozmente. Quando deu-se por satisfeita virou as costas, atravessou a rua, adentrou o matagal e pôs-se a correr. MMartins
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