documentos, sensações, achados, olhares e declarações de um artista de grupo que viaja pelo país com seu espetáculo itinerante reconhecendo as urgências e atravessamentos de sua adaptação aos contextos, espaços e realidades de cada cidade
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CORTA | preciso falar de Vitória
Há um tempo não tenho escrito aqui. Muitas coisas mudaram na vida pessoal e isso me afastou da documentação das viagens com o grupo no Palco Giratório. Tenho acumulado um sem fim de memórias que logo serão traçadas em palavras por aqui, mas preciso cortar pra falar logo de Vitória (ES).
Chegamos aqui no domingo. Na primeira ida a rua, já veriquei que alguns dos locais pensados previamente para o roteiro de itinerância da peça eram bem diferentes. De fato, a imagem do Google Maps não é muito efetiva no que tange a dimensão do real. Pareciam ruas compridas, mas de verdade eram bem pequenas. O fato é que na segunda-feira, após a primeira caminhada de reeconhecimento, precisei alterar o mapa, aumentando um trecho. Até aí, tudo suave porque esse tipo de ajuste acontece naturalmente nas cidades!
O ponto de partida aqui foi um prédio localizado bem no centro da cidade, ao lado do teatro mais antigo e conhecido, o Teatro Carlos Gomes, daqueles coloniais com camarotes, lustre no meio... um encanto só. Mas o prédio escolhido pra engatilhar o espetáculo era o antigo IAPI, que recentemente fora ocupado pelo MST, sendo expulso por policiais num confronto parece severo. Hoje sua marquise abriga moradores em situaçao de rua. Os quais foram nossos maiores pares e cumplices da caminhada toda que se deu.
Ao começar, um morador de rua, cruzou o discurso do Wilson (minha deriva/personagem) proferindo um discurso super engajado e consciente do Brasil em seu desmanteamento. Antes, ele colocou no meio da roda das pessoas que estavam em torno de mim um pote com paçocas e disse quem quiser pode pegar e colocar uma contribuição qualquer. Não é pra mim, não. É pra ele, a gente tem dar valor a arte”. Só ai já me deu um corte de juízo sem medida.
Enquanto eu recebia as pessoas, Buranga (já como Santa - sua deriva/personagem), numa rua atrás, era acusado de pichar um muro por um morador de um prédio qualquer. Alguns passantes tentaram defendê-lo, mas a polícia foi acionada constatando que ele nada vez, que era teatro. Vida que segue!
Entre os que caminhavam conosco: uma garota trans de nome Bianca se jogava em cena junto com nossa Clarice, uns três jovens que pareciam morar embaixo do prédio abandonado do IAPI e que se reconheciam intervindo vez ou outra nas cenas, uma mlher de nome Sônia que seguiu do início ao fim indo embora somente após falar com Anderson/Clarice, com passes e palavras de revelação.
Uma rua viva. Paredes que dizem. Uma cidade amedrontada. Pessoas assustadas. Um tempo de caos. Momento de enxergar as diferenças. Ruína de Anjos em Vitória nos deu outro fôlego e sentido para seguir no último circuito do Palco Giratório, quando só retornaremos pra casa depois de quase um mês na estrada, segurando saudades, cansaços e histórias.
Impossível terminar sem falar do cuidado de Rafaella, coordenadora de cultura e curadora do Palco Giratório no ES; da disponibilidade e parceria das meninas da Confraria de Teatro que foram nossas anjas nesse caminhar todo; do encanto que foi ter o pessoal da Folgazões no assistindo (eles a quem assistimos no domingo quando chegamos - espetáculo “A lenda do reino partido”, num reencontro de tempos - nos conhecemos quando apresentamos em Vitória no ano de 2014, integrando o Festival do Teatro Brasileiro, Cena Baiana).
PS: Lá pelas tantas, enquanto eu esperava o pessoal chegar em minha cena, olhei pro chão e vi um brilho. Era um aro de bolinhas num metalzinho. Quando me virei, na parede estava escrito
Catei com os dedos o presente e guardei! Ora yê yê!
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Fotos da ocupação SESC Parque Dom Pedro II, em São Paulo, para estudo de roteiro de itinerância do Ruína de Anjos (segunda apresentação).
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Porto velho - um rio de atravessamento
Primeira vez em Rondônia! Segunda vez no Norte do Brasil! Primeira vez em Porto Velho! Segundo Porto a nos abrigar nessa gira do Palco Giratório!
Desembarcamos em meio a uma onda forte e valor pra conhecer a cidade banhada pelo Rio Madeira. Porto Velho é uma capital pequena, sem prédios altos, com ruas ainda de terra batida mas com uma gente super receptiva e resguardada. De cara, eles não se envolvem como os baianos, mas é de um cuidado e atenção incríveis.
Quem nos recebeu foi a Valdete, atriz e diretora que mora no interior do estado mas estava trabalhando no Festival Palco Giratório realizado na capital. Pesquisadora, ela nos contou de seu estudo com foco na história do teatro de lá e nos revelou conhecer o Cine Resky, cinema que tal qual o que inspirou a dramaturgia do Ruína de Anjos, fechou e hoje é uma igreja evangélica. Mas lá a intervenção dos religiosos foi tamanha que desconfigurou a fachada do antigo espaço de arte. Pra se ter uma ideia, durante o reconhecimento do espaço pra apresentação, a Val se bateu pra tentar encontra-lo e não conseguiu: ela não reconhecia o prédio e as pessoas a quem perguntávamos diziam não conhecer
Triste ver essa recorrência em tantas cidades brasileiras. Cinemas, teatros, espaços culturais fechados, sem qualquer perspectiva de reforma e retorno de funcionando pra sociedade. Fecham e ficam esquecidos. O governo sem orçamento pra cultura, a memória se perdendo e assim vemos nossa história sumir.
A apresentação aconteceu tendo o mesmo ponto de saída e chegada, tal qual quando a peça é apresentada na sede do grupo, em Salvador, mantendo a ideia de um ponto de vista que se refaz a partir do ciclo. Este ponto era a unidade do Sesc localizada no Centro. De lá passamos por uma via de comércio intenso durante o dia mas que a noite é "temida" por assaltos. No caminho, uma feira, tipo camelô, é uma zona de comércio informal. As 20h, iniciamos a caminhada com cerca de 40 pessoas a enxergar a cidade a partir do olhar de Wilson, Josué, Santa, Clarice, Z e Evelyn!
Mesmo poucos moradores de rua (ou pessoas em situação de rua), na área escolhida, creio que mais pela lenda de que a área era perigosa, o Sesc esteve durante todo o percurso atento, presente e atuante. Até demais! Era notório o cuidado deles, tendo inclusive uma van a nos seguir durante o circuito. Por uma lado é bom esse cuidado, entretanto, para obra em si é uma ação negativa, visto que desconstrói o atrito entre a realidade e a ficção, base da pesquisa documental do grupo, que precisa se borrar na cidade, buscando outra forma de apreciação do público em relação a obra artística que intervém no espaço urbano diretamente. Com a van ali e funcionários direcionando o público, o caráter teatral daquela experiência era evidenciado e acredito que o que tenha chegado mais ao público foi a narrativa dramatúrgica, do que a potência da performáticos, rompendo e se inserindo naquele tempo e espaço reais.
De modo geral, tudo aconteceu bem e suave! Importante destacar que para definir o roteiro de apresentação, dialoguei intensamente com a Andressa, que atenciosamente me enviou vídeos e fotos. Foram três estudos, até fecharmos e nas vésperas termos que alterar mais uma vez por conta de problemas com o Espaço que nos receberia pra cena final, foi quando optamos por iniciar e findar no Sesc mesmo, reconfigurando in loco o roteiro definitivo. Ainda nessa etapa, descobrimos que no circuito traçado, haveria um forró universitário, no mesmo dia e horário da apresentação. Logo traçamos dois planos e conforme fosse o impacto sonoro do evento, faríamos a cena do futebol que finda com o tiro num beco (mais ideal e seguro) ou numa encruzilhada (fechando a rua e tumultuando tudo). Resultado: conseguimos fazer no beco!
No domingo, apresentamos no Teatro 1 Sesc Esplanada o espetáculo "O que de você ficou em mim". Preciso falar um pouco dessa apresentação que foi das mais intensas que fizemos até então nessa gira. Atravessados: nós em cena e público que assistia. O espetáculo que conta um pouco da história do grupo, convidando as pessoas a mergulhar na biografia pessoal e coletiva para refletir sobre o que levamos daqueles que passam em nossas vidas, as escolhas, os sonhos, os encontros e caminhos percorridos. Ao fim, realizamos um bate papo cheio de muitas curiosidades e reconhecimentos. Ouvir como chega nossa obra em pessoas com culturas e realidades diferentes das nossas, alarga os horizontes da pesquisa que desenvolvemos. E de Porto Velho voltamos cheios de memórias: do passeio de barco pra ver o pôr do sol no Rio Madeira, a vista corrida do boto, o encontro com os artistas locais, a Bailarina da Praça (que sai pela rua arrecadando dinheiro pra fazer eventos públicos; na ocasião ela juntava uma grana pra fazer a festa do dia dos pais com pula pula, bolo, carro de pipoca e presentes para os pais que aparecessem na praça, como ela disse "se eles não fazem, a gente tem que fazer" referindo-se às lideranças governamentais), o licor de jambur, o calor intenso e o acolhimento de Andressa, Val e toda equipe do Sesc!
Que não demore nosso retorno e reencontro!
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Fotos do roteiro de itinerância sugerido para apresentação em Gama | Brasília (DF)
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Fotos do roteiro de itinerância sugerido para São Paulo com saída do Sesc Carmo em direção ao Sesc 24 de maio, enviado pelo produtor local para reconhecimento.
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Vídeo 2 de Contagem enviado previamente pela equipe de produção local pra criação do roteiro de itinerância do espetáculo.
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Registro de vídeo enviado previamente pela equipe de produção de Contagem pra preparação de roteiro de itinerância na cidade!
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de uma música cantada hoje em referência a um outro trabalho
quero me curar de mim
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Acho maduro! Já não precisamos combinar mais o horário de chegada no aeroporto.
Luiz Antônio Sena Jr.
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Contagem
Antes de BH, estivemos em Contagem - cidade localizada na região metropolitana da capital mineira. Aliás, a primeira cidade que não é capital de estado brasileiro que nos recebe. Até aqui, somente nos apresentamos nas cidades "grandes", não havíamos sido enviados a qualquer interior. E sempre ficamos com a pergunta: "Porque?". Resposta que talvez nunca teremos mas que esperamos... O fato é que desde o primeiro contato com a unidade do Sesc de lá que nos receberia a expectativa era enorme! Flávia, coordenadora de cultura da unidade Sesc Contagem - Betim, nos contatou com exímio cuidado e atenção há meses atrás pra entende o que era a obra, verificar quais as nossas urgências e indicações de procedimentos já que eles lá nunca haviam recebido um espetáculo como o nosso, itinerante, de rua e com cenas "arriscadas". Trocamos bastante figurinhas e de cara entendi porque estávamos indo pra lá. No centro da cidade há o Cine Teatro Municipal de Contagem fechado há tempos e sem qualquer indicativo de reforma ou reabertura do mesmo. Alguns movimentos por parte dos artistas e de órgãos, como o Sesc, já aconteceram indagado a Prefeitura que não avança nos diálogos e segue o prédio fechado, a cidade sem um espaço cultural bem localizado... O fato é que o ponto de partida sem dúvida seria o cinema fechado - precisávamos corroborar com a abertura dos olhos da cidade para aquele espaço. A definição do roteiro se deu com tranquilidade percorrendo as ruas de seu entorno. O ponto de finalização era a questão: sem chances de negociação pra adentrar no Cine, localizamos uma associação próxima e lá nos acomodamos tanto pra montar nosso material cênico, como nos arrumar e realizar a cena final da obra. Tudo acertado, o reconhecimento da área e do percurso foi feito com suavidade, nos chamando atenção para apenas um detalhe: duas ladeiras bem íngremes localizadas no percurso. Uma por onde o público e atores-guias desceriam em contramão aos carros que sobem sem parar. Outra em que público e atores sobem em contramão a descida dos ve��culos. A demanda dos "anjos" se validou mais pela sinalização do trânsito do que pelo auxílio em nossos deslocamentos pela área, até porque o circuito era relativamente pequeno, com pontos de fuga tranquilos. Entretanto, os nossos "anjos" eram funcionários da própria unidade do Sesc que estavam ansiosos por nos assistir, logo, eles desenvolviam a ação que solicitamos mas também buscava ver a cena na medida do possível, o que desconfigurou a proposta de que eles deveriam caminhar invisibilizados minimizando o caráter teatral da obra sob o aspecto de sua inserção na realidade. Nada que comprometesse a apresentação, mas foi um dado importante pra o qual precisamos ter um olhar mais atento na condução desses nossos "anjos", desde a escolha dos mesmos junto ao Sesc como o diálogo e esclarecimento da sua função na execução da obra. A apresentação em si ocorreu tranquilamente. Um público composto por jovens e por senhoras (que na cena do cortejo guiado pela travesti sob o "trio elétrico", uma delas disse "eu não vou atrás disso aí não" e outra pessoa revidou "ela também é gente") que nos revelava um certo tradicionalismo, daí indiretamente abusavam nas interações nas cenas a ponto dos atores precisarem ser um pouco mais incisivos no modo de falar, como Roquildes que fora questionado por um rapaz ao atravessar a rua fora da faixa de pedestre, uma vez que no início eu peço ao público que se desloque pelas calçadas e só atravessem usando as faixas ou quando alguém de sua confiança conduzidas outro caminho... Acho que essa última informação não foi firmada ou o rapaz não havia reconhecido Roquildes como figura do espetáculo ou ainda seu foco era contestar a execução da obra. O fato é que ao fim da apresentação estavam todos comovidos e mexidos, inclusive consultando o pessoal do Sesc quanto a dita reinauguração do cinema trazida no início da apresentação como argumento pra o desencadeamento da narrativa ficcional. Contagem nos revelou um outro modo de abordagem e realização da obra tomando o contexto de cidade do interior que inevitavelmente é diferente da capital. O tempo é outro, o modo de vida das pessoas é diferente... E olha que Contagem está na região metropolitana de BH, muitas pessoas moram lá e trabalham na capital mineira... Ou seja, não falo em nível de avanços ou chegada do dito material "civilizatório", "urbanóide", "metropolitano", mas sim de uma forma de vida que é inegavelmente outro. Mas com os mesmos traumas do atravessamento do tráfico, com o aumento da violência e a instalação do pânico de estar nas ruas. Em Contagem, ainda, fizemos a oficina Teatro Documentário. De fato, há um investimento do Sesc no fomento a cultura local mesmo com toda dificuldade em dialogar com a cidade, seus artistas e interessados em arte, no sentido de mobiliza-los, colaborar com sua formação, impulsionar sua produção, fortalecer a cena local. Conversando com algumas pessoas, esse foi o terceiro ano, salvo engano, que o Sesc desloca um espetáculo pra acontecer lá durante seu Festival, assim como atividades de formação. Entretanto, poucos foram os participantes da oficina, de modo que pouco pudemos conhecer dos artistas locais de lá. Tivemos um contato bacana com alguns dos recreadores do SESC que participaram da atividade, trocando, jogando com a gente.
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Mapa de itinerância construído por Vinicius Lirio para BH após visita técnica
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BH - obrigado!
Desde abril, mais ou menos, venho mantendo contato com a equipe de Belo Horizonte pra organizar as demandas de apresentação do Ruína de Anjos por lá. A Débora Pessali foi nosso contato desde então, verificando do que precisava ser comprado até as liberações pra realização da obra na rua. Muito cuidadosa e atenta, desde o início imaginamos que o fato de Vinícius Lírio está morando lá (já que tornou-se professor da UFMG) facilitaria as coisas. Mas as agendas foram demorando de se afinar e eu fui caminhando com as definições de espaço. De cara, havia a sugestão de iniciar a peça no Cine Pathé que está fechado há um tempo no centro de BH. Chegamos a definir mapa de itinerância e tudo, findando a peça numa casa de show próxima. Entretanto, apesar dos donos desse ponto de encerramento serem super abertos e parceiros, ocorreu que no dia de nossa apresentação haveria um evento no local e isso dificultaria nossa logística de entrada e saída com público e material. De novo ao zero, surgiu a ideia de começar no Teatro da Praça, que está fechado e sem previsão de quando será reformado (aliás tem até uma placa de "aluga-se"), e que é mais próximo ao Sesc Palladium onde poderíamos finalizar a caminhada com o público. Assim fechamos e começamos a pensar a no trajeto que poderia ser feito, atentando aos pontos urgentes da obra: sinaleiras, igrejas, bancos ou organizações possíveis a investimentos em cultura, pontos de moradia de moradores de rua... No primeiro momento, através do Google Mapas, defini uma rota - visto que a Débora precisava encaminhar os documentos pra liberação e o prazo começava a apertar. No entanto, uma vez efetivado o diálogo com Vinícius, os dois realizaram uma caminhada no percurso e entorno, percebendo então a necessidade de alterar, chegando a um terceiro desenho de roteiro de itinerância. Uma dificuldade nesse estudo foi definir uma rota em que o público seguisse na mesma direção dos veículos, não podendo usar a contramão. Organizar isso, pensando no alinhamento dramatúrgico e cenográfico que as ruas nos ofereciam foi uma tarefa ardua, no mínimo. O fato é que em BH percebemos que os cuidados eram muitos no âmbito da produção e isso nos deixou um tanto de olhos arregalados pra o que encontraríamos. Pensava: ou vai ser tudo controlado e monitorado ou será uma grande farsa e os tais órgãos responsáveis por isso e aquilo não estarão nem aí, ratificando a máxima de que tudo é só pra criar problema é ganhar dinheiro com tarifas e afins. No dia do reconhecimento do território, fomos eu, Vinícius, o elenco e mais os "anjos" (alunos do curso de teatro do Sesc que se ofereceram a ajudar), que conhecíamos ali. Feito o trajeto apontei pra necessidade de mais uma alteração na rota... Desta vez caminharmos numa contramão pequena, descendo uma ladeira bem íngreme... Mas é que para a cena do trio elétrico se efetivar precisava de mais tempo e a cena do tiro precisava ser num cruzamento com sinaleira (a gente só muda quando não tem mesmo como usar o sinal). Isso teve que ser novamente revisto com a TransBH que cuida do trânsito da área e tal... Graças a Deus, tudo foi aprovado e fechamos enfim o roteiro! O trabalho com os "anjos" foi suave! Eles estavam bem disponíveis, eram pessoas ligadas ao teatro e entendiam as urgências nossas sugerindo propostas inclusive! Acabei deixando-os bem livres e a vontade pra se organizarem no caminho por trás do nosso (sinalizando no trânsito a realização da obra com as placas de "Atenção Teatro", auxiliando os atores no deslocamento pra próxima cena e/ou assegurando-nos diante dos "possíveis perigos" da rua). E o resultado foi incrível, de uma apropriação fantástica de nossas urgências! Só agradecer a esse quatro jovens guerreiros que a arte colocou em nosso caminho!! Antes da apresentação acontecer, eu precisei conversar com uma família que mora na frente do Teatro da Praça. Uma senhora e um senhor. Quando cheguei na tarde do reconhecimento, os vi. Vini me alertou que eles sempre estão ali de dia mas que a noite não era comum encontrá-los. Mas nossa apresentação estava pra 18h, nem dia nem noite. Melhor falar com eles! Na tarde do dia de apresentação, fui lá conversar: muito tranquila ela me recebeu enquanto os técnicos montavam os LEDs na fachada do teatro criando uma poética que chamava a atenção para local fechado que ganhava luz de lugar de festa granfina. Na conversa, lhe expliquei que faríamos um espetáculo que convocava todos a olharem inclusive para pessoas que como ela estavam morando na rua, mas que não se preocupasse pq n iria expor ela, nem nada, era só para que não tomasse um susto na hora. Tranquila, ela me disse que não precisa se preocupar, tudo estava certo! Antes de iniciar o diálogo com o público na hora do espetáculo, já montado no personagem, na cadeira de rodas, fui falar com ela. Não me reconheceu, falei, falei, ela achou que era alguém querendo aperrear ela... Foi quando lhe entreguei uma maçã e um lanche que a coisa mudou. Agradeceu o "recebido" e eu segui! A licença estava cedida! Recebi o público na praça defronte ao Teatro da Praca e indiquei por onde deveriam ir. Logo na saída deveriam haver cerca de 70 pessoas já... Num dia frio, todos de casaco, calça, cachecol e até luvas, o café de Wilson saiu bem! Até aí imaginava que seria uma apresentação forte, porque desde o reconhecimento BH nos apresentava um ambiente muito favorável ao espetáculo com pontos onde encontraríamos moradores de rua pelo caminho de itinerância, por exemplo. O fato é que essa foi se não a melhor apresentação do Palco Giratório até então, certamente uma das três melhores! A rua durante a apresentação estava tão viva que a realidade nos atravessava de modo devastador. E preciso falar de alguns eventos que ocorreram. Durante a cena que faço com Buranga (meu personagem briga com o dele e os dois discutem agressivamente), pois que dois carros de polícia pararam a frente a cena e os policiais já desceram com cacetes na mão pra bater em Buranga que assim como eu envolvido na cena não viu a chegada dos mesmos. O fato é que antes que a polícia fizesse qualquer coisa, uma moradora de rua cruzou entre a cena que fazíamos tendo dezenas de pessoas entorno assistindo e a realidade da ação policial. Gritando ela dizia "deixa! isso é teatro! eles estão falando da gente". Seguimos com os homens da segurança e ordem pública retornando a seus camburões e a obra mais viva que nunca: estávamos falando e fazendo pra aquela gente que estava ali e está aí nas ruas de tantas cidades invisibilizadas por uma sociedade que aponta-os como um problema das lideranças políticas não reconhecendo-se como parte desse sistema político e portanto também detentora de responsabilidades com estes. O protagonismo dessa moça firma uma imagem na cabeça da gente que o tempo, não creio, será capaz de apagar. Outro momento foi durante uma cena que Roquildes faz, pregando umas palavras na frente do prédio da Imprensa Oficial de la. Pois que um senhor, que mora próximo e que desde o início do espetáculo estava junto com outro fazendo um churrasco de algo que parecia uma ave pequena, entrou em cena tocando uma espécie de sino e pedindo um minuto de silêncio pra que ele falasse, compondo um ambiente sonoro inusitado e eis que quando o personagem de Roqui se vira, bate com ele de frente perguntando "do que vc sente falta?" e ele responde "churrasco" oferecendo as pessoas... Outro momento memorável foi ao final do espetáculo, quando colocamos todos pra fora do local, após a revelação das histórias individuais dos personagens, com palavras de ordem e o público respondia: eu "fora" eles "Temer"! No momento em que estamos, considerando a obra que havíamos acabado de apresentar, ouvir isso é um impulso pra não desistirmos do nosso país e do nosso ofício de convocar o público a enxergar a realidade a partir do véu ficcional que permeia o território do dito marginal exposto nas marquises e esquinas. BH - meu agradecimento é eterno e imenso! A todos que ali estiveram conosco, a toda equipe envolvida, a todas as energias centradas, a Exu que guia esse espetáculo e Oxum que me guia. A Carol Fescina que desde que nos assistiu em Salvador nos olhava com um brilho único e que ao fim desta apresentação segurava as lágrimas entre abraços sem fim dizendo "foi igual a quando eu vi lá na terra de vocês, obrigada!". A Vinícius que nos reviu depois de tanto tempo, reencontrando a obra como filho que já caminho independente pelo mundo e vez ou outra revisita os pais. A todos os moradores em situação de rua, todos que nos atravessaram desde o reconhecimento até a apresentação - OBRIGADO!
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POA - o frio, a rua e Exu
Chegamos em Porto Alegre por volta do meio dia, com o sol brilhando mas o vento frio danado cortando as ruas e avenidas. Depois de fazermos nosso checkin no Hotel do SESC (que fica localizado num parque com muitas árvores, uma área enorme com trilha e tudo, puro luxo, apesar da distância até o centro da cidade), fomos almoçar. O prato La Minuta - arroz, salada, batata frita (come-se muita batata frita em POA), uma carne (eu escolhi bife acebolado), feijão e um ovo! Uma espécie de PF maravilhoso que não conhecíamos mas que dali em diante não perderíamos do juizo! Correndo fomos acompanhar o seminário que estava acontecendo no Teatro de Arena e que no dia seguinte eu iria participar. Queríamos conhecer a estrutura do debate, participar e encontrar com Ana Paolilo, curadora do Sesc Bahia que estava lá. O lugar é incrível, com uma energia bem forte. No foyer muitos cartazes em molduras das peças montadas pelo Teatro de Arena. Na sala de apresentações, onde ocorria o debate, uma área cênica ao centro e uma platéia em volta, tipo Um. Tudo bem perto e cheio. Muitos alunos da universidade, do programa de Pós-graduação, estavam ali em torno de uma discussão sobre a palavra, a voz e o trabalho com o texto. Lá pelas tantas, a conversa caminhou pra um lugar de identidade... Fiquei observando as bandeiras sendo levantadas. De um lado se questionava o fato de atores "brancos" representarem personagens "negros".. uma professora resolve perguntar quem era negro ali na sala pra potencializar a discussão... No meio da contagem me inclui, assim como alguns dA Outra. Fico olhando e acho engraçado. Naquele contexto ali me classificam como negro, na Bahia alguns dizem que não sou e ainda me apontam como alguém que abusa da apropriação cultural, pelo fato de estar com dreads. E aí eu pergunto: quem é capaz de fazer esse ou aquele papel? Estaria a escolha medida apenas pela cor da pele, pelos traços físicos, pelo jeito? Mas em se tratando de teatro, onde está a concepção da obra, os questionamentos que se quer levantar? Calado, observava. Do negro foi pro gay, pro pobre, pra mulher, pro gordo... Para as gavetas que separam a gente. Na saída encontramos Ana e matamos um pouco da saudade - a passagem pelo Rio nos deixou um tanto carentes! No dia seguinte, foi a minha vez de participar do debate tendo ao meu lado a Eliana Monteiro e o Guilherme Bonfante, ambos do Teatro da Vertigem (SP) e o Fábio Salvatti, da UFSC. O tema: Ocupações: cena, espaço e cidade. Eu compartilhei na verdade um pouco da experiência dA Outra na ocupação do bairro do Politeama, revelando o processo de construção do Ruína de Anjos e as tentativas de manutenção do nosso trabalho artístico em diálogo com o bairro. Foi uma conversa rica e cheia de questionamentos, especialmente quando trouxe a reflexão sobre o esquema de gentrificação, o exemplo do Pelourinho... Até Ana entrou na discussão. E ao fim uma performance foi apresentada questionando a cidade e os espaços de pertencimento e afeto do cidadão. Importante dizer que o Seminário teve a coordenação ou mediação da Professora Patrícia Fagundes, que incrivelmente conduz o evento, minimizando o caráter e o jeito acadêmico, aproximando a prática artística! Uma mulher incrível que borra com graça e inteligência os limites da Universidade e da Cena propriamente dita. O processo de reconhecimento do roteiro de apresentação do Ruína de Anjos foi o mais suave e tranquilo de todos até aqui! Tudo o que fora pensado e discutido previamente através da internet e seus recursos de encurtamento de distâncias reais se encaixou com o que tínhamos de realidade e urgência da obra. Com a ajuda da Petit, da Angel, do rapaz de cabelos cacheadinhos que não lembro o nome agora e do Bruno, nosso anjo e produtor retado de bom, fizemos o percurso todo, organizamos as funções de cada um na itinerância, localizamos as cenas, entendemos a rua e o frio local! No dia seguinte, partimos a rua. Antes, preciso falar sobre o pedido de licença que faço a Exu, senhor das ruas, orixá a quem peço proteção e caminho, ofertando nas encruzilhadas. Pois que sempre esse processo é feito nas cidades antes de começar a me arrumar, na tranquilidade. Lá, não é que um cara da rua, depois de me observar e seguir, veio me pedir um pouco da bebida que levava? Não medi pensamento, lhe dei diretamente na boca. Em seguida ele me veio com um copo e pediu mais, enchi. Ao fim, uma mulher me vendo, interrompido o que estava fazendo e me disse que lá em Porto Alegre eles tem um Exu Bará assentado no Mercado Municipal! Encontro feliz, pois! Encontro inteiro! Depois em conversa com Thiago (que esteve em POA há dois anos atrás tb pelo Palco Giratorio), ele me confirmou e me disse: vai lá no mercado ver Exu! Fui! A apresentação foi das mais incríveis que tivemos! Uma energia potente, um diálogo bem vivo com a rua, um atravessamento provocado nas pessoas como a obra convoca bem real! Na cena do tiro, feita numa área onde localiza-se uma parada de ônibus intermunicipal, embaixo de um viaduto, a cara das pessoas que estavam nos pontos e que se surpreenderam com a cena que rasgou sua realidade, era de uma admiração sem descrição... Ali era o teatro documentário em acontecimento mais potente! De um lado as pessoas que nos acompanhavam reconhecendo tudo como teatro já é do outro aqueles que no real se deparavam com algo que não se conseguia identificar a princípio como verdade ou mentira. Voltamos de Porto Alegre com o peito vibrando diante do que experienciamos, com um desejo de retornar mais vezes a essa cidade que pela primeira vez nos apresentavamos em toda história de 13 anos do grupo. Antes de finalizar preciso falar do encontro com o grupo Pretagô, formado por estudantes negros da Universidade, que pudemos assistir no Boteco do Paulista, a apresentação de um Sarau em que eles realizam levantando a discussão sobre a questão racial! Força e Axé, parceiros!
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Organizando as cenas no mapa do roteiro de itinerância em Porto Alegre (RS)
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