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Crônicas, críticas e o que mais eu quiser.
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luisaescreve · 2 years ago
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Querida Livie,
18/08/1996
Sei que meu nome e o da instituição da qual escrevo estarão no envelope desta carta, mas adoro pensar que você saberia que sou eu só por te chamar de “Livie”.
Descobri na terapia que, aos meus dezesseis anos, ainda não experienciei felicidade. Os médicos me explicaram que os adultos a minha volta me colocaram em algo chamado “Modo de Sobrevivência”, similar a como nossos ancestrais viviam na época das cavernas, no qual, em suma, você vive apenas para sobreviver. Desde que isso me foi dito me sinto mal por meus pais (sei que não deveria) e, pela primeira vez, não quero me cortar (quero poupá-los). Eu e minha terapeuta concluímos que eu comecei a automutilação para punir aqueles a minha volta, que não concordavam comigo, não me davam atenção ou acolhimento, ou mesmo não me amavam. Quando se tornou algo meu e não deles é que a coisa perdeu o controle. Mutilar para me punir, logo eu, a quem você sabe que o destino deu muitas dores, não importa se há comida na mesa ou um teto sobre minha cabeça, a vida não é feita da falta de incômodos mas do excesso de confortos. Meus pobres pais são tão emocionalmente imaturos que nas visitas deles eu me torno outra pessoa, alguém que os vai agradar, como sempre fiz. Minha terapeuta me orienta a não fazer isso, mas não consigo lidar com os rostos deles quando mostro quem sou de verdade. Parecem decepcionados. É como se eu fosse um dragão que vira princesa ao chegar de um parente - mas tenho só duas horas até que o encanto se quebre. E que bom, normalmente nosso tempo juntos não chega nem a quatro horas semanais. Acho que eles pensam que agora eu sou o problema de outra pessoa, alguém vai "me resolver".
Eles não entendem que o que dói é fingir que eu era resolvida por tanto tempo. Porquê eles são tão dolorosamente indecisos que precisavam de uma filha resolvida, então é o que tentei ser. Até o divórcio deles demorou anos para sair, já que ninguém queria “escolher”. A vida é feita de escolhas, eu descobri, e honestamente, em parte me dói lembrar que escolhi estar aqui. Viva. Eu não queria estar viva, mas na última hora decidi que não queria deixar meus pais com o incômodo de serem "órfãos de filha". Aqui conheci (chamamos assim) alguns órfãos de filhos e acho que meus pais não aguentariam esse tipo de dor. “Se você perde um companheiro se torna viúvo ou viúva, se você perde um pai vira órfão, mas é tão contraintuitivo enterrar um filho, vai contra o ciclo da vida, eles nem sequer botaram um nome nisso”, disse uma vez um cara com quem faço terapia de dependência em grupo, órfão de filho. 
Aqui tem cada figura que você não acreditaria! Na verdade, não vai acreditar quando eu puder te contar pessoalmente, em detalhes. Um dos monitores é um gatinho, Sebastian, tem 22 anos e nós já conversamos algumas vezes (sei que você vai chamá-lo de pedo, mas você não o viu!!! Um GATO), ele me explicou que garotas como eu (subentendido “lindas” e “fodidas da cabeça”) fazem sucesso com os meninos porque eles sentem no ar nossos feromônios de fragilidade. Me disse para não confiar neles. “Nem em você?”, tive a ousadia de perguntar, “Muito menos em mim”, respondeu ele, com um ar que não consegui decifrar.
Falando em meninos, me pergunto se Reno já me esqueceu ou se o interesse dele em mim era coisa da minha cabeça ou se ele gostou de mim e parou quando descobriu que sou louca ou se ainda gosta de mim, talvez mais por eu ser louca. Você pode ler esse parágrafo para ele, se quiser. Imagino que vai ser engraçado, já que nem mesmo tenho data para voltar - sempre que pergunto, hoje ou daqui duas semanas, me dizem “em trinta dias”.
Talvez meus pais estejam gostando de eu ser o problemas de outras pessoas, que sairei daqui resolvida. Mas não sou um problema, sou só uma pessoa. Uma pessoa nova e estúpida e tudo o que vem com a estupidez da idade e da vida. Há momentos aqui em que me sinto verdadeiramente feliz e meu corpo somatiza: já passei dias com o intestino preso, já tive cólicas vorazes, enxaquecas que pareciam que acordei de uma cirurgia cerebral inconclusa, com o cérebro exposto. Antes eu conseguia me coçar ou cortar, mas uma enfermeira me assiste cortar as unhas a cada dois dias e não tenho acesso a objetos cortantes (obv). Eu nunca imaginei que sentiria falta da escola, mas aqui estou. Acho que pode ser um ambiente legal se eu não levar tudo tão a sério. Eu sinto falta das pessoas. Sinto falta de meu quarto. Sinto sua falta mais que tudo.
Como você está? Espero que as coisas tenham melhorado desde a última carta. Você foi mesmo ao cinema com Brendo? Vocês se beijaram? Como foi? Você comprou aquela saia GAP? Seus pais completaram ou você conseguiu tudo em gorjetas? Que orgulho! Mal posso esperar para tomar um latte feito por você! TE AMOOOO! Acho que vou tentar achar um emprego numa livraria quando sair daqui, acho que me faria feliz. Um dos meus terapeutas diz que "o trabalho dignifica o homem" e parece ser verdade.   
Queria te abraçar. Segurar sua mão durante o novo filme de Christian Slater. Quero me sentir uma pessoa no mundo real.
Te amo muito
Tudo de melhor,
Sua Nora
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luisaescreve · 2 years ago
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luisaescreve · 2 years ago
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listas de março
Coisas que amei no mês de março:
1. Eu e meu pai nos tornamos amigos 2. Dividir refeições, drinques, cafés, sorvetes com pessoas que amo por longos períodos de tempo, conversas vulneráveis e corajosas 3. Os infinitos Cosmopolitans que tomei esse mês, em dois lugares diferentes 4. A viagem de aniversário de Roddy (e outro ano maravilhoso ao lado dele) 5. Meu batom novo, um presente usado de Irene - todos os meus presentes favoritos são usados  6. Meus lábios novos 7. Meu joelho "novo", aberto em 2013 e nunca propriamente fechado 8. O álbum Endless Summer Vacation  9. Os segredos que tenho tido a coragem de compartilhar  10. Não ter medo de valorizar o meu trabalho - e isso inclui precificá-lo
Coisas que odiei no mês de março:
1. A inconveniência de levar pontos no joelho 2. Minha relação com meu corpo (foi um mês complicado) 3. Endometriose 4. Perceber que não fui ao cinema ainda este ano 5. Adiar minha volta ao YouTube (autosabotagem) 6. Endometriose  7. Não avançar muito em "Uma Vida Pequena" porque o protagonista me cansa. Just take it to therapy, Brenda.  8. Meu pouco esforço para cuidar de minha saúde 9. As consequências dos segredos que tenho tido a coragem de compartilhar 10. Ainda ser paga em permuta 
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luisaescreve · 2 years ago
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Da sua amiga
Perdoe por esquecer de mandar a última carta - eu ia fazê-lo logo antes do Natal, estava completamente escrita, mas as “festividades” e tudo o que vem antes e tudo o que vem depois acabaram atrapalhando. Era mais uma de minhas histórias, desta vez, natalina, sobre primos que se encontram na ceia e se sentem deslocados na própria família. Achei que você fosse gostar, então vou enviá-la com essa carta. Caco disse que preciso distribuir melhor os primeiros parágrafos, mas gosto de explicar tudo de uma vez à audiência, como conto histórias aos amigos na vida real, sabe, as coisas precisam de um prefácio. Eu gosto que tenham. 
     De qualquer modo, escrevo porque preciso te contar o tem acontecido comigo e porque não escrever de volta me parecia… Não só falta de educação (você sabe que odeio), mas de hombridade, carinho, tudo o que você sabe que sinto por você.
     As coisas nunca estiveram tão em ordem e, quando conto aos meus amigos, precisei inventar uma nova leva de piadas para inserir na tranquilidade de tudo. São piadas mais leves, mas são engraçadas. Gosto particularmente de uma sessão sobre a gente rica para quem trabalho. Existe um estranho conforto em perceber que a única coisa que eu pensava me separar da felicidade (dinheiro) não deixa a vida de ninguém necessariamente melhor, que às vezes, na verdade, os mais ricos nem sabem com o que gastar (terapia). 
      Falando nisso, volto minhas sessões essa semana. Desculpe mais uma vez não ter te escrito antes. Eu sei, eu sei, passo tempo demais me sentindo mal por não fazer algo em vez de só fazê-lo, mesmo que “meia boca”. Sei que você não gosta quando me refiro aos meus projetos como “meia boca”, afinal minha boca está sempre cheia - palavras, comida, água com gás, gelo e sumo de limão, então aqui vai um resumo: estou bem no trabalho, continuo trabalhando na minha carreira (que não é meu trabalho), saí da dieta totalmente nas semanas festivas e estou com dificuldade para voltar, paguei minha primeira conta de luz, meu primeiro imposto, hoje escrevi sua carta pois todo o resto que eu tinha planejado deu errado. Pedi delivery de açaí - comecei a gostar com creme de tapioca, acredita? Não tenho a menor ideia de como é feito e prefiro não saber, não quero arruinar a magia. Também tenho me prometido que irei mais à praia, já que o calor está aumentando, os dias ficando mais úmidos, daquele jeito que eu gosto e odeio e você só odeia. Me banharei na água salgada até que eu seja salgado também, ao menos uma vez por semana. Espero que você esteja curtindo o clima aí, mas gostaria de estar curtindo contigo aqui.  
     Passei o natal como sempre passo, passei o ano novo exatamente como queria, comecei o ano como está dando. Espero que você esteja tão bem quanto eu, que seu ano esteja mudando tanto quanto o meu, ou não, se você não quiser. Te desejo muita paz e sabedoria, em contraposição. Que você leia muitos livros e passe menos tempo no TikTok (eu também), que encontremos deleite na paciência que existe na espera da resposta. Desculpe mais uma vez pela demora. 
       Com todo o amor, sua amiga. 
O Natal de Kristen & Oz
— Te achei! — Kristen sussurra alto enquanto usa o pé para fechar a porta, equilibrando nas mãos duas taças de vinho branco cheias demais.
— Eu não estava me escondendo! Só estou numa pausa para minha saúde mental — Explica Oz, sem ter sido questionado, as sobrancelhas loiras erguendo-se numa proposital falsa verdade. 
— Eu estou me escondendo — Eles trocam sorrisos largos. 
Oz conheceu Kristen quando ela tinha sete meses no mundo, e ele três dias, primos pelo destino, amigos pelo trauma. Suas mães são apenas duas de sete filhos, todos extremamente críticos, vorazmente competitivos. Durante suas vidas, Oz e Kristen, por terem a mesma idade, foram comparados por notas, comportamento, universidades, empregos, vida amorosa, salários, imóveis, habilidades como tocar teclado ou cozinhar. 
Ao contrário do restante da família, porém, a arena os aproximou. 
Desde os catorze e quinze anos, respectivamente, os dois escondiam-se no quarto da avó para se protegerem das conversas que se tornavam um sistema de pontuação. Eles mal se sentiam pessoas, concluíram num natal entre a adolescência e a marca dos vinte anos, pareciam mais peões num jogo que não lhes interessava, mas feria. 
Toda a família parecia empolgada para comparar não apenas eles, mas uma série de duplas e grupos do clã, separados em categorias como idade e gênero. Não é de surpreender que Kristen e Oz entendiam o elemento de entretenimento que parecia mover os adultos, afinal, foi engraçado ver a língua presa de uma das filhas de sua prima Mary superar as notas da filha eloquente e falante de James, irmão de Oz.
Como qualquer rivalidade, só é divertido de fora.  
— Também estão te cobrando um relacionamento? — Quis saber Oz, que havia “se assumido” para a família no Natal anterior, aos vinte e cinco anos.  
— Pior.
— Um emprego? 
Kristen assente, os cabelos recém tingidos de preto balançando em frente aos olhos castanhos. Kristen não queria que comentassem sobre como “ela jamais conseguiria um emprego sério” com o laranja vibrante que usou nos últimos cinco meses, dos quais três, é de se pontuar, estava empregada. Ela também não queria ouvir sobre sua incapacidade de manter noivos - já havia terminado com dois. Kristen se sentia atrasada em todas as partes da vida. 
Os primos suspiraram. 
— Sua segunda taça tem dono? — Oz sabia que Kristen havia a trazido para ele. Esta era a magia de sua relação: quando ele ficou em recuperação em física, ela o ajudou a estudar e esta dinâmica se repetiu infinitas vezes em suas vidas, viajavam numa via de mão dupla.  
Kristen lhe passa a taça. 
— Todo ano tenho o mesmo deja vú, nós dois no quarto da vovó, com a maior preguiça de interagir com os adultos — Arfa Oz. 
— Nós somos adultos — Observa a prima, sem realmente acreditar. 
— Você vai mesmo mentir na minha cara, assim? — Ele abre a boca de dentes perfeitos numa shakespeariana incredulidade. 
— Mas nós somos adultos — Kristen insiste — Temos 26 e 27 anos. Legalmente adultos. Estamos chegando a idade em que não poderíamos interpretar adolescentes num original Netflix. 
— Fale por você.
Normalmente os dois ririam da piada datada, mas agora era verdade demais, talvez triste demais, para ter graça. Então eles ficaram em silêncio nos móveis que conheciam desde sempre. Como todo ano, apenas os abajures ao lado da cama acesos, a colcha de três camadas de vovó intacta com o mesmo cheiro de sempre, o ego e o egoísmo que só podiam mostrar um ao outro explodindo silenciosamente no ambiente. 
— Layla é adulta — Kristen quebra o silêncio — Ela tem um bebê, um marido e uma hipoteca. 
Era exatamente o tópico pelo qual Oz ansiava. Ele estava desesperado para falar de Layla! Ela nem sequer cresceu com uma oponente da mesma idade!, e de repente estava ganhando dele e Kristen. Era tão injusto. 
— E 22 anos — Ele profere com desdém — E desempregada, devo acrescentar. 
— O emprego dela é ser esposa — Kristen remove as sapatilhas dos pés e cruza as pernas como um elegante Buda sobre a cama, inconformada.
— E não dizemos isso com desdém — Diz Oz, irônico. 
— Jamais! 
A dupla ri e beberica, antes de continuar: 
— Se você pensar bem, o trabalho dela é manter uma criança viva e uma casa limpa. Ela deveria mesmo ter remuneração — Observa Kristen, imediatamente arrependida do que disse. Era como se algo nela quisesse que Layla não merecesse aquela validação por seu estilo de vida “doméstico” e “antiquado”, enquanto ela própria teria que trabalhar para pagar as próprias contas e se apaixonar temporariamente por “caras legais”.  
— Ela tem 22 anos — Repete Oz, percebendo que nem ele, com ótimo salário e carreira promissora, nem Kristen, que morava sozinha, conseguiriam manter o estilo de vida que Layla mantinha. Nem agora e muito menos quando tinham vinte e dois anos. Talvez ela tivesse mesmo ganhado. 
— Você acha que às vezes… — Kristen respira fundo — Ela também odeia a vida um pouquinho?
— Kristen, se tem alguém que odeia a vida, é ela — Oz não tinha certeza disso, mas esperava ter sido convincente — Você consegue imaginar o trabalho de um casamento e de uma criança? Aos vinte e dois anos?
— Eu não consigo me manter viva! Aos vinte e sete!
— Eu mal consigo me manter! — Confessa Oz de volta, lembrando-se das parcelas de cartões de crédito e empréstimos bancários que não saem nas lindas fotos de sua vida. 
— Você acha que somos fracassados? — Kristen quase sussurrou, como quem conta um segredo.   
Lá estava no ar: o medo hereditário de serem os perdedores, de ocupar os últimos lugares no ranking da família, não importa o quanto dissessem estar fora do jogo. 
— Para eles, sim — Diz Oz confiante, apesar das duras palavras — Mas eles não importam. 
Os dois caem num silêncio carinhoso, e Kristen acrescenta:
— Eles não são os críticos mais qualificados.
Suas taças encontram-se suavemente no ar, sorrisos suaves aparecem em seus rostos. 
— Nenhum pouco — Diz Oz, por fim. 
— É estranho, né? 
— O quê? 
— Nós só temos a impressão de que eles nos conhecem porque nos viram nascer — Ela beberica o vinho antes de prosseguir — Tipo, nos viram crescer, sabem no que tivemos sucesso ou não, nossas notas… Mas não nos conhecem — Lamentou. 
— E nos criticam desde que nos conhecem. 
— Nós já falamos sobre isso — Ela respira fundo — É tipo um esporte para eles. 
— Papai e mamãe acharam que perderam tudo quando disse que sou gay ano passado — Oz quase termina o conteúdo da taça. 
— Nossos pais são meio bobinhos né? 
— Como assim?
— Nunca nos defenderam dessa dinâmica doentia. 
— Kiki, se você vai ficar freudiana eu preciso de um beck — Anunciou Oz.
Kristen gargalha. 
— Mas sério, sabe o que pensei? 
— Ai não! — Oz revira os enormes olhos azuis — Por tudo o que você ama, o que você pensou, Kiki?! — Ele perguntou do modo mais teatral conseguiu.
— Acho que nossos pais até gostaram quando nós nascemos, porque daí eles não precisavam mais competir. Meio que distraiu todo mundo deles. 
— Eu concordaria — Oz termina o vinho — Mas acho que nosso desempenho refletia o sucesso deles enquanto pais. 
— Era uma segunda camada de competição, então?
— Isso. 
Os dois deitaram na cama encarando o teto. 
— Não é à toa que moramos tão longe deles — Conclui Kristen — Próximo ano deveríamos sair para jantar ou fazer algo só nós dois. 
— Talvez atravessar um oceano — Sugere Oz, os olhos cheios de amor. 
Os primos respiravam fundo, satisfeitos, acolhidos um pelo outro, não necessariamente felizes por estarem vivos, mas por estarem juntos. Ele abraçou a prima, pousando a cabeça sobre a barriga dela. Eles mal conseguiram ouvir sobre sua tranquilidade, quando Layla pulou do telhado e aterrizou alguns metros dentro da neve.    
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luisaescreve · 2 years ago
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fevereiro: uma lista
Estou empolgada para fevereiro. Até lá espero que meu corpo esteja diferente, meu cabelo, minha pele, minha mente Gostaria de olhar duas vezes antes de me reconhecer Espero que meu pai respeite meus limites, Que meus jeans favoritos me acolham como uma vez fizeram, Espero que meu pai lembre de mim. Em fevereiro o tempo vai ter passado Eu já terei enfrentado medos demais, estarei acostumada Já terei sobrevivido à dezembro e janeiro Já terei ouvido o novo álbum de SZA Voltarei a ouvir o AM, dessa vez por inteiro - talvez não espere até fevereiro Em fevereiro talvez minha medicação mude Em fevereiro talvez minha medicação diminua Em fevereiro terei acabado de ler "Me Chame Pelo Seu Nome" e "Uma Vida Pequena", com sorte. Em fevereiro eu terei menos medo de continuar enfrentando medos Em fevereiro serei eu, mas diferente Que nem hoje e ontem, mas diferente
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luisaescreve · 2 years ago
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luisa experimenta: Piazza Dei Fiori
Só agora, depois de almoçar meia lasanha de microondas (vamos de italiano?), vencer o medo de escrever online, e Deus sabe quanto tempo após ter tido uma página de críticas gastronômicas que viveu pouquíssimo - três posts, para ser exata - decidi retornar às atividades. Afinal, estou pagando para comer e, se não eu, quem vai lhe dizer pelo que realmente vale a pena sair de casa nesta cidade tão… Peculiar?
Escrevo de Natal, no Rio Grande do Norte, e aqui, a capital mais provinciana de que se tem notícia, qualquer estabelecimento tem uma estranha vida útil: ou faz sucesso desde que nasci e continua fazendo, sem nunca sequer ter mudado o cardápio, tornando-se tradicional mas não necessariamente bom, ou faz muito sucesso assim que abre - independente da qualidade - e lentamente fracassa, então fechando. 
Há excessões, claro. 
Minha Nossa!, acabo de perceber o quão informal essa coluna de críticas é: não perguntei há quanto tempo o restaurante está aberto, não conversei com nenhum proprietário ou chef, não perguntei se a massa era feita na casa… E provavelmente vou continuar assim. 
O que importa de fato é minha opinião. 
Sem querer soar convencida. 
No último sábado eu e Rodolfo visitamos pela primeira vez o Piazza Dei Fiori, na margem da Praça das Flores. 
Eu adoro um "trocadilho".
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Nós ficamos numa mesa perto da porta, a mais mal iluminada, exatamente como gosto. Imagino que o restaurante exista há muito pelo acabamento de gesso no teto, característico dos anos noventa. Também havia um quadro de um mapa das massas pela Itália, um varal de roupas, uma cristaleira com o que parecia ser uma coleção de vinho do porto e uma garçonete apressada.
Nossos cardápios estavam sob os pratos e, apesar de pessoalmente detestar jogos americanos enquanto menus, o conteúdo deles não decepcionou: uma sucinta mas efetiva coluna de entradas, uma boa variedade de massas e pizzas, não prestei atenção na sobremesa.
Tudo isso foi assunto, já que eu adoro criticar qualquer coisa e Roddy adora contar piadas - é como pão de fermentação lenta e Coca-cola, não pode dar errado. 
Pedi o espaguete Alla Vodka (R$46), “bacon ao molho rosê de tomate e creme de leite”, na foto, e Rodolfo o Ravioli Verdi (R$47), “ravioli verde ao molho de tomate, recheado com ricota, espinafre e manjericão”. 
A última vez que comi pasta alla vodca foi em 2012/2013, fora do país. Desde então não havia encontrado em lugar algum e, deixe-me dizer: não decepcionou. Suspeito que a massa seja feita na casa, era perfeitamente fresca e o molho muito, muito saboroso, beirando o impecável!, apesar de eu ter, admito com vergonha, catado o bacon - o sabor dele dominava o prato de maneira desnecessária.
Da próxima vez, pedirei sem bacon. 
Também roubei uma mordida do ravioli de Roddy, que estava bem gostoso, o molho, novamente, impecável. 
As porções são médias, mas não acho que você sairia de lá com fome, apesar de "pobre". Namorei bastante o carpaccio no cardápio, mas por R$59,00 your girl can’t do this right now. 
Certamente quando as vacas engordarem um pouco voltarei lá: o Alla Vodca me fez querer cheirar outras flores. 
Eu adoro um trocadilho. 
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luisaescreve · 2 years ago
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Chiclete de Canela
Depois do saboroso jantar de ervilhas, purê de batatas e carne assada - eu não prestei atenção no gosto -, eu estava exausta: mais da conversa de meus pais na mesa - sobre mim, não comigo - que do enorme dever de casa de literatura que eu e Joel passamos a tarde fazendo. 
O efeito do xarope também começava a ir embora. 
Eu estava na soleira da porta, tentando não encarar os olhos dele fundo demais - passo uma quantidade vergonhosa de tempo tentando encontrá-los nos períodos que temos juntos. Às vezes Joel me procura de volta, às vezes ele senta atrás de mim para conversarmos sobre nada (meus dias favoritos), às vezes eu não existo. 
— Tchau Sra. Powell! Obrigado pelo jantar! — Ele repetiu, antes de deslizar o olhar para nossos pés. 
O ar da Pensilvânia começava a ficar especialmente frio, e já era oito e meia da noite.
— Obrigado por fazer dupla comigo — Joel disse pela primeira vez, mas as palavras pareciam significar outras coisas. Já fizemos dupla outras duas vezes e ele nunca havia agradecido. Por que agora? Eu não entendia aquela língua. 
— Tudo bem — Dei de ombros. 
Joel desaparece da escola, às vezes, por semanas corridas. Uma vez quase chegou a um mês. Eu não tenho ideia de para onde ou porquê ele some, também não acho que temos intimidade para eu perguntar, ainda que eu passe a maior parte do tempo criando diálogos entre nós em minha cabeça. Engulo em seco, me demorando para fechar a porta. 
— Quando quiser — Acrescento, com um sorriso tão contido que provavelmente beira o antipático.
Era terceira vez que fazíamos isso. Não era só o dever de casa. Formávamos dupla na aula de literatura para que eu possa fazer a tarefa, depois nós ficamos chapados com o xarope para tosse a base de codeína que Joel trás, e então deitamos no chão, ouvindo música ou assistindo a algum filme, para termos uma desculpa silenciosa para ficarmos sozinhos e longe de todos por mais algum tempo. 
Ao menos eu gostaria que fosse. Também gostaria que fosse mais frequente, mas não acontece por sua presença na escola.
E normalmente ele não fica para o jantar. 
Hoje foi a primeira vez, na verdade.  
Nos olhamos nos olhos por alguns segundos, até que eu não consiga mais:
— Você quer dar uma volta no quarteirão? Queria fumar um cigarro antes de ir para casa — Joel quebra o silêncio. 
— Só não posso demorar muito — Digo fechando a porta atrás de mim. 
Caso eu pedisse autorização, não poderia ir.
Nós descemos os degraus da varanda e começamos nossa caminhada, em silêncio. Depois de virarmos a esquina ele saca o maço de cigarros e acomoda um entre os lábios. Olho para o outro lado enquanto ele acende, desesperada para não me perder no encanto daquela imagem. Seus cabelos claros estavam mais longos que o normal e se moviam com o vento, as bochechas coradas pareciam mais angulosas, em algum momento seu rosto começou a se fundir com o de um homem adulto, mas eu o perdi. 
Seus lábios estavam mais cor-de-rosa.
Começo a ficar nervosa a medida que avançamos pelas casas, em direção ao parque. A verdade é que Joel sempre me deixa nervosa. Ele me enerva quando olha para mim e meu olhar está lá, apenas o esperando para confirmar de que seremos uma dupla; me enerva quando escolhe passar mais tempo do que precisa comigo; me enerva quando encurta nosso tempo juntos; me enerva quando indaga coisas extremamente pessoais, sem autorização:
— Você é feliz? 
Tipo agora. 
Ele segura o cigarro com o polegar e o indicador e acho tão charmoso que quero morrer. 
— Acho que sim — Respondo — Não tenho certeza. 
— Hum. 
Ele me oferece um trago do cigarro, mas desta vez eu aceito. Eu nunca aceito. 
— Já fumou antes? 
— Já. 
Eu e minha melhor amiga, Sarah, roubamos os cigarros que minha mãe fuma escondido e fumamos escondido quase todo fim de semana. A única razão pela qual eu sempre recuso quando Joel me oferece é para conseguir lhe dizer não. Trago fundo três vezes, até sentir minha pressão começar a cair. 
— Com quem você fuma?
— Sarah. 
— Vocês duas? Nunca imaginei — Ele ri, como se debochasse, mas não exatamente o fazendo. 
— Nós roubamos os cigarros que mamãe fuma escondido tipo, todo fim de semana.
— Você não é tão certinha quanto pensei.
Eu rio. 
— Por que você acha que faço dupla com você? Ficar chapada de codeína é uma de minhas coisas favoritas — Porque o faço com ele. Talvez se estivesse sozinha em meu quarto só ficasse me sentindo mais leve, mas continuasse insuportavelmente existencial. Parece que vivo uma vida na minha cabeça (boa) e uma na vida real (meh).
— Então você só não gosta de gente? — Joel sorri. Seus dentes da frente são sutilmente quebrados porque ele gostava de comer gelo quando era pequeno, ele me contou. 
— Como assim?
— Você nunca vai às festas. 
— Eu não quero incomodar meus pais. 
Joel fica em silêncio. Ele enlouquece os pais. 
— Dá pra ver. 
— Como assim?
— O jeito que seus pais falam com você — Ele começa, atirando a guimba do cigarro no asfalto molhado e vasculhando os bolsos dos jeans. Fico em silêncio pois quero ver aonde Joel que chegar — Eles estão sempre te cobrando notas, falam bastante de carreira, mas você ainda está no segundo ano — Ele pausa — Sua mãe até mencionou aquele idiota da Lugen só porque os pais dele têm status. 
Joel sabe disso porque eu lhe disse. 
Na verdade, eu dei a entender que uma vez saí com Tommy, um garoto da escola privada mais pomposa do condado, a Lugen. Tommy fuma maconha como uma chaminé, parecia uma estrela do rock e devia ser vinte centímetros mais alto que Joel. Além do mais, seu pai é praticamente dono da cidade — o que agradou muito meus pais, não importa quanta erva ele fume.  
Eu não disse a Joel que Tommy, não só teve a coragem, como me beijou no último fim de semana. Nem mesmo depois que Joel me contou que foi ao cinema com uma garota de sua aula de álgebra, e como havia sido desinteressante e horrível e que ela reclamava dos cigarros. 
Parecia injusto. 
Tommy era legal e tinha os olhos azuis mais bonitos que eu já vi, e eu o beijaria de novo, mas ele não é Joel.
Quero beijar Joel.
Para sempre.  
Percebo que eu não disse nada. 
— O que você quer dizer com isso? — Digo.
— Sei lá… — Joel tira do bolso da jaqueta um pacote de chiclete de canela. Ele me oferece um. Eu aceito. 
— Canela?
— Depois que você me fez provar se tornou meu sabor favorito — Ele sorri, talvez mentindo, e olha para mim enquanto ponho dois na boca. Joel sabe que gosto de mascar chiclete de dois em dois. 
Sorrio. 
— Fico feliz — Digo. Sinto. Me pergunto se Joel consegue mascar chiclete de canela sem pensar em mim. Espero que não — Mas aí, o que você quer dizer com suas observações do jantar?
— Você é muito jovem pra ser infeliz. 
A maior parte do tempo eu me acho mais inteligente que Joel, mas às vezes ele fala coisas que não consigo decifrar. É como se ele soubesse sobre dimensões, partes do Universo que eu nunca tive a oportunidade de conhecer. 
— Como assim? Me dá um cigarro? — Emendo as perguntas e ele busca o maço nos jeans:
— A sensação que eu tive é que você vive sua vida de modo que agrade eles — Ele acende o cigarro em minha boca — De modo que não os incomode, como você disse.   
Aquilo dói porque é verdade. Eu não faço escolha alguma antes de pensar em como os meus pais vão se sentir. Já toquei nesse assunto uma vez com Sarah, mas não deixei chegar muito longe. 
— Faz sentido — Trago profundamente enquanto sinto meu nariz arder, sei que meus olhos vão começar a marejar. Torço pra Joel não perceber. 
Acho que também não quero incomodá-lo. 
Minhas lágrimas são mais rápidas que eu. Elas escorrem por minhas bochechas, quentes, e tento fazer com que minha voz não trema, já que minhas mãos não param. A verdade é que se minha mãe me dissesse para começar a namorar Tommy eu provavelmente o faria, porque “ele é tão bonzinho” ou “os pais dele são tão ‘legais'”. Eu provavelmente racionalizaria a “rejeição" de Joel com o fato dele ser tão escorregadio: às vezes ele está lá, às vezes acho que o criei em minha cabeça. 
Nasce em mim uma espécie de raiva: eu odeio que Joel saiba mais sobre quem eu sou que eu, apesar de me ver tão pouco. Eu odeio que ele seja tão inconsequente, que seja tão livre e fiel a si mesmo. Odeio não ter a coragem dele. Me sinto como a porra de um pássaro enjaulado o assistindo voar livre, nos mais diversos céus. 
— Você tá bem? — Ele pergunta enquanto me assiste arrastar as costas da mão pela bochecha pelo que deve ser a terceira vez. 
— Não! Nem um pouco — Vomito — É tão injusto que eu tenha que viver a vida que alguém está escolhendo para mim e que você possa perder aulas, sumir para sei lá onde e nem sequer me dar seu telefone! — Percebo que estou gritando — Você é tão… Livre!, e a única razão pela qual passamos algum tempo juntos é que eu quero me sentir como você! — Minto. Mais ou menos — É quando eu me sinto normal!, e melhor ainda quando estou chapada. Eu não sou feliz! Eu não tenho nenhum controle sobre a minha vida. Sou só uma idiota domada pelos pais cujas escolhas me fazem querer morrer oitenta por cento do tempo! E se você viu através de mim, eu fico feliz! Porquê não tenho que explicar! — As palavras soam mais como soluços agora — Eu odeio minha vida e não me parecia certo dizer isso em voz alta. Minha vida é normal. Eu sou o problema! 
Olho para Joel, que está em silêncio. 
Ele tem um sorriso escondido no rosto. 
— Por que você tá rindo? — Quase grito, minha cara molhada.
— Como você soou agora — Ele segura um riso — É como minha cabeça soa o tempo todo. To meio feliz que você não é… Perfeita.
Reviro os olhos. 
Ele é perfeito, mas não digo isso. 
— Posso dizer porque eu passo tempo com você? — Ele continua.
Fico em silêncio. Engulo o choro. Não era o que eu esperava. Não tenho ideia do que vem por aí, mas torço para que ele diga que gosta de mim. Algo do tipo. Para que eu possa dizer de volta. 
Assinto com a cabeça. 
— Você me faz sentir como a vida estivesse em ordem — Os olhos de Joel correm pela vizinhança, mas não param em mim — Eu… Eu… Eu me— Não sei o que ele está tentando dizer. Joel parece caçar as palavras no ar.  
— O quê? 
— Me sinto seguro quando estou com você — Ele admite, olha para baixo e engole em seco. 
Meu coração despenca, nossos olhos se encontram, mas continuamos andando. Eu busco a mão dele, seus dedos respondem, entrelaçando-se aos meus. Percebo um sorriso sutil em seus lábios. Não sei dizer se estou sorrindo, mas não sinto como se estivesse em meu corpo. É melhor. 
— Quando estou muito chapado, eu noto que você senta por perto. Como se quisesse estar ali caso algo aconteça. 
Continuo em silêncio, mas é verdade. 
— É engraçado porque é quando eu consigo afastar todo mundo. 
— Menos eu? 
Joel não responde. Estou nervosa.  
— Eu me sinto seguro — Ele repete. 
— Você pode contar comigo — Prometo. 
— Eu sei — Joel sorri. Um sorriso de verdade.  
Ficamos andando em silêncio alguns minutos, nossas mãos ainda juntas, nossos chicletes sendo mascados, dividindo um só cigarro. 
— Joel… — Digo, talvez baixo demais, engolindo em seco — Eu não quis dizer que só passo tempo com você para me sentir livre ou ficar chapada — Admito — Eu gosto da sua companhia — "Eu gosto de você", eu queria dizer. 
— É bom ouvir isso — Ele diz — É raro te ver… Feliz — E dá de ombros. 
— Mais uma coisa. 
— O quê?
— Duas, na verdade — Me corrijo — Desculpe ter gritado com você há pouco. E… — Deixo minha curiosidade falar — Para onde você vai quando some da escola? 
— Se eu te dissesse não poderia sumir, poderia?
Ele parte meu coração. Eu grudo as partes antes que ele perceba. Antes que eu sinta. Percebo que a curiosidade era cuidado disfarçado. 
— Me desculpe te dizer isso, mas você consegue ser bem egoísta com sua inconsequência.  
— Eu não tenho que te dizer tudo só porque você admitiu que é infeliz - Ele rebate quase instantaneamente. 
— Vou voltar pra casa — Anuncio, determinada. E dou meia volta, andando, chorando mais uma vez. 
Joel está certo. Ele não me deve nada só porque minha vida é um labirinto. Ele é só uma entrada sem saída. Mais uma delas. Não. Nenhum pouco. Joel é o garoto com o qual eu sonho desde que o ano letivo começou e seu melhor amigo me perguntou se eu estava saindo com alguém. O verdadeiro autor da pergunta era Joel. Ele é o centro de metade de meus poemas, das entradas de meu diário. Eu gosto tanto dele que, quando ele não aparece, me desfaço. Dia após dia, assisto no espelho minhas camadas sumirem pois estão com ele sei lá onde. A pele, os músculos, meus ossos, órgãos. Talvez ele seja mesmo menos inteligente que eu, talvez ele não entenda a complexidade do que pode fazer uma garota sentir. Eu gosto tanto dele que me odeio mais um pouquinho, odeio senti-lo em doses homeopáticas, odeio que quando estivemos juntos nenhum de nós teve coragem de tocar no outro. Eu quero que ele me toque, quero que ele me beije, quero que ele continue me desafiando, que ele seja um espelho trincado no qual enxergo minhas escolhas que não são minhas, eu detesto de ser tão jovem e amar alguém que não está lá. Às vezes o vejo esparramado numa carteira no fundo da sala e seu campo magnético me puxa para um lugar adjacente, tentando desesperadamente que não seja óbvio. Mas é óbvio. Todos teriam que ser idiotas para não ver. Ele deve ser um idiota para não ver. 
Então algo pior me ocorre: talvez ele veja, e ignore. 
Isso dói ainda mais. 
— Hanna! — O escuto e diminuo o ritmo. Eu quero que ele diga que gosta de mim. Talvez eu mesma diga — Me desculpe! — Ouço a distância e sinto mais lágrimas escorrerem, mais rápido. 
Ouço seu correr e nossos corpos se esbarram. Joel me segura, estamos frente a frente.
— Me desculpe. Eu não tinha o direito de dizer aquilo. 
— Aquilo foi muito escroto, Joel — As lágrimas continuam, mas minha voz não treme. Estou com raiva. Quero beijá-lo. 
— Eu sei. Você me chamou de egoísta, aquilo doeu também. 
— Desculpe. 
— Tudo bem. 
Nos encaramos, sem ter certeza de onde estamos. Joel me parar agora foi o mais próximo de contato físico que já tivemos, além das mãos dadas. 
— Joel… — Engulo em seco — Você realmente me machucou. 
— Me desculpe. Saiu sem querer. 
Eu abro minha boca, mas nada sai. Sinto minhas sobrancelhas dançarem em meu rosto, não tenho ideia do que dizer. Eu sei o que quero dizer. Mas não acho que posso, não acho que ele entenderia. Não sei se ele aguentaria.  
— Eu— Resmungo — Eu— Percebo que Joel segura minhas mãos — Quer saber porque doeu tanto? — Minhas sobrancelhas permanecem juntas, estou com raiva. 
— Por quê? — Ele quase me desafia. 
— Por que eu — Solto sua mão e esfrego meus olhos. 
— Eu gosto de você, Hanna — Joel interrompe meu raciocínio — De verdade. Eu penso em você… O tempo todo! Eu sei o quanto minha família fica brava quando eu sumo, e não quero que você fique também. Por isso disse aquilo. 
— Você não tem ideia, tem?
— Do quê?
— Quando você some… — Arrasto as costas de minhas mãos sobre os olhos — Eu já sinto sua falta. Eu fico… Arrasada! — Confesso — E eu não sou amiga dos seus amigos, não posso perguntar nada. Fico me importando sozinha.
Vejo seus olhos se iluminarem.
Honestamente? Eu quero sair andando. Sozinha. Sem Joel. Quero mesmo. Eu preferia sofrer com sua ausência sem que ele soubesse que a sinto. Não acho que minha frustração vai impedi-lo de fazer o que quer. Eu só vou me sentir pior daqui para frente. É isso que acho. 
— Você se importa comigo?
— Eu… — Arrasto minhas mãos sobre meus olhos — Eu só quero estar com você — Me impeço de proferir que o amo — Eu quero que você me beije, me toque, me conte suas— 
Sinto os lábios de Joel apertarem os meus. Ele nos separa. Estou em choque, paralisada. Aquilo foi melhor que qualquer xarope. Ele chega perto lentamente e encaixa seus lábios nos meus. Joel tem gosto de tabaco e canela. Sinto suas mãos segurarem meu rosto e meus braços envolvem seu pescoço. Eu mal consigo respirar. Ele também. 
Fazemos o caminho de volta para minha casa abraçados. Precisou de muito para que eu não lhe pedisse para entrar pela janela mais tarde. Agora que ele era meu, não queria que escapasse. 
Paramos na soleira da porta. Nossos lábios se grudaram novamente, por tempo indeterminado. 
— Tchau — Disse Joel finalmente, andando em direção ao seu carro. 
— Te vejo amanhã? — Gritei da soleira, mas ele não me ouviu.    
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luisaescreve · 7 years ago
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Porão
Acho que uma das coisas mais frustrantes sobre conhecer Ele, foi, de um modo geral, achá-lo. Ele é tão espontâneo - ou costumava ser - e aventureiro: duas coisas que eu desesperadamente queria ser, mas sempre fui muito preguiçosa ou muito medrosa para realmente me tornar qualquer uma destas.
Então nós fomos viver "aventuras de verdade". Ele me mostrou tantas coisas legais, novas. Tudo parecia uma real aventura, o tipo de aventura sobre a qual as pessoas escrevem.
Mas em algum lugar do caminho, nós paramos de nos aventurar. Acho que Ele ficou envergonhado. Ele costumava se orgulhar de quem sou, mas Ele ficou com medo. Havia um tempo em que Ele me colocava à disposição, para que todos pudessem ver: enormes luzes durante a noite, luz do sol durante o dia, exposta numa janela grande como uma vitrine.
Então Ele me colocou num porão escuro, e quando as pessoas perguntavam ele lhes dizia “Eu não tenho um porão”, Ele pensou que eu não sabia que esta era sua resposta, mas eu sabia.
É claro que eventualmente Ele descia para me alimentar de pequenas porções de amor, o suficiente para me manter viva, mas dormente. Esta quantidade me deixava faminta comparada a minha antiga dieta de fartura. Portanto, eu comecei a lutar, mas era uma batalha perdida, então eu só morri. Mas morri nos estágios iniciais de uma das piores doenças que qualquer um que já esteve apaixonado poderia contrair: esquecimento, indiferença, esperando esquecer, mas fisicamente incapaz de perdoar.
Lembro-me desta vez que minha amiga Carol perguntou “Ele gosta de praia?” e eu respondi, pesadamente dando de ombros “Eu não sei”. A única vez em que estivemos na praia seu amor por mim era fresco e seu orgulho de mim ainda brilhava afora de seus lábios e olhos, sem fim. Eu ainda estava exposta. Não quero descrever a noite na praia porque seria muito doloroso, é uma ótima memória.
Me pergunto se temos mais boas memórias ou memórias fodidas dessa coisa toda.
O começo foi tão bom que me prendeu incompreensivelmente - era tudo com o que eu sempre sonhei. Nos levou à luzes bonitas, incríveis aventuras, então pegamos uma estrada esburacada, uma rua sem saída, um acidente de carro - Boom, estou morta.
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