"Jornalismo não se resume mais a apenas assinar uma matéria. Agora, mais do que nunca, existe um rosto e uma marca pessoal por trás da mídia, o que é tão importante quanto o próprio conteúdo". Espero que aqui você tenha um gostinho de ambos. Com carinho, Bruna.
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O acesso à universidade é o objetivo da maioria dos estudantes que conclui o Ensino Médio. Mas, se ingressar em uma instituição de Ensino Superior, seja ela pública ou privada, já é um desafio para quem estuda em colégios particulares bem-conceituados e voltados para o vestibular, talvez pareça um sonho ainda mais distante para alunos oriundos da rede pública que não puderam contar com um ensino de qualidade. Muitas são as dificuldades encontradas por esses jovens ao longo do caminho, mas isso não significa que esse seja um objetivo impossível. Para realizar o sonho de conseguir uma vaga no curso de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o estudante Gustavo Almeida, de 25 anos, teve que sair de sua zona de conforto. O jovem que é filho de um porteiro com uma diarista, estudou durante toda sua vida em escolas públicas e, ao concluir o Ensino Médio, sentiu que apenas o que aprendeu na escola não era suficiente para ingressar em uma das melhores universidades do Rio. Em 2011, ao terminar o 3° ano no Colégio Estadual André Mauróis, o estudante decidiu se preparar para as provas do vestibular com ajuda de um curso comunitário. A escolha por um pré-vestibular comunitário se deu, entre outros motivos, pela impossibilidade de pagar por um curso particular, pois a maioria cobra altos valores pelas aulas. Mas, segundo o estudante, em nada deixou a desejar o que aprendeu. Ele conta que sem o curso, tudo teria sido mais difícil: “Sem dúvida, o pré-vestibular me ajudou muito mais do que o Ensino Médio, pois o colégio me ensinava o que é passado no currículo mínimo e nem sempre os professores conseguiam dar fim à matéria. Já o ensino do pré-vestibular era voltado unicamente ao que cai no vestibular, ensinando o que é necessário para fazer uma boa prova”. No ano de 2012, com muito empenho e dedicação, Gustavo obteve um bom resultado no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e conseguiu uma bolsa de 100% para uma universidade privada. Se matriculou e começou a frequentar às aulas, mas seu sonho ainda não tinha se concretizado. Em 2014 resolveu conciliar o estudo das leis, com a Matemática, a Física e a História no pré-vestibular novamente. No ano seguinte, conseguiu uma vaga na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), por meio do sistema de cotas para alunos da rede pública, e cancelou a matrícula na universidade particular. Além de conseguir o que desejava, ele conta que também tomou essa decisão pois o mercado de trabalho tem um olhar muito mais atento para um currículo no qual conste uma universidade pública. “Se voltasse o tempo eu teria feito a mesma escolha, não me arrependo do que fiz, pois a universidade pública abriu meu olhar para o mundo, me fez entrar em contato com todo tipo de pessoa e não somente um grupo de elite, além de me proporcionar assistir às aulas com os professores mais renomados do Direito”. Assim como o estudante, muitos alunos da rede pública têm conseguido realizar o sonho de ingressar no ensino superior. Segundo a professora titular da Universidade Veiga de Almeida e professora adjunta do departamento de relações públicas da faculdade de Comunicação Social da UERJ, Luiza Barbosa da Cruz, graças ao sistema de cotas, o número de estudantes oriundos de escola pública é praticamente igual em universidades públicas e privadas. “A questão é que o aluno da escola pública teve que se esforçar por si mesmo para estar ali, tradicionalmente quando esse estudante chega à universidade, é porque ele é um bom aluno”. Para a professora, um dos motivos que fazem o aluno não estar preparado para o vestibular é o sistema de aprovação compulsória que muitas escolas públicas adotaram por muitos anos. “Essa aprovação empurra o aluno para terminar o segundo grau. Ele vai terminar o Ensino Médio mas não em boas condições, e se quiser ter chances de passar para um vestibular, seja na universidade pública ou privada, ele vai ter que se virar muito sozinho para ser aprovado”. Mas se as escolas públicas deixam a desejar em sua qualidade de ensino e enfrentam precariedade na infraestrutura e pouca ou quase nenhuma condição de trabalho para professores, as universidades públicas estão indo na contramão desta realidade. Elas inclusive batem as faculdades privadas no quesito “qualidade de aprendizado” nos rankings nacionais. Uma pesquisa realizada em 2017 pelo Rank Universitário Folha (RUF) mostra que entre as cinco melhores universidades do Rio de Janeiro, quatro delas são públicas: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Universidade Federal Fluminense (UFF); e Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). O graduando em Direito, Gustavo pôde vivenciar as duas realidades e opina sobre as diferenças de ensino entre as instituições. “Na universidade privada, pelo menos no meu curso, o professor ensinava determinada matéria, escrevia no quadro e exatamente aquilo era cobrado na prova. Na Pública, o que nos é passado em sala de aula é apenas um complemento do que iremos encontrar nos livros que devemos ler se quisermos alcançar os melhores resultados nas provas. Desse modo, percebo que a universidade pública nos faz ir além do que é ensinado, enquanto que na privada o didática é mais ‘mastigada’ ” . Já a professora Luiza, que leciona nas duas instituições, diz não ver hoje, em 2018, grandes diferenças entre as universidades públicas e privadas. “Com relação à qualidade dos professores, as universidades privadas nos últimos 20 anos se aprimoraram muito, e hoje tem tantos mestres e doutores quanto as universidades públicas, principalmente nas grandes capitais”. Ela conta também que, apesar do que é mostrado na mídia em relação à infraestrutura desconfortável das faculdades públicas, muitas delas têm, nas áreas tecnológicas e de ciências médicas e biológicas, laboratórios bem equipados e sofisticados, oriundos de investimentos e convênios com instituições do exterior, enquanto que nas particulares, as salas mais bem equipadas estão na parte de ciências sociais e humanas. Contudo, as universidades privadas são a opção de muitos alunos que fizeram o Ensino Médio na rede pública. Como é o caso da recém-formada em Administração pelo Instituto Brasileiro de Medicina e Reabilitação (IBMR), Luciana Carvalho, de 23 anos. Moradora da Zona Oeste do Rio, a jovem estudou do Primário ao Ensino Médio em escolas públicas e, ao chegar no Segundo Grau, precisou procurar por colégios longe de sua casa para conseguir um ensino de qualidade. “Em comparação com outros colégios públicos, eu poderia até dizer que ele estava um pouco acima, mas ainda estava bem abaixo do que se espera de uma educação de boa qualidade. Tive alguns tempos vagos por falta de professores, e faltava tempo para aplicar a matéria da forma desejada por eles também. As salas tinham em média 40 alunos, o que dificultava a aplicação da matéria”. Por todos esses motivos, a jovem diz não ter tido uma boa base para o vestibular. Como Gustavo, Luciana resolveu fazer um pré-vestibular para complementar seus conhecimentos e poder competir de igual para igual com outros estudantes. Ela conseguiu um desconto em um curso particular bem-conceituado, que seus pais podiam pagar, e não perdeu tempo. Em 2014, ao fazer a prova do ENEM, passou para a universidade privada, com auxílio do Programa Universidade para Todos (ProUni). A universidade pública era sua primeira opção, mas a jovem não quis perder a chance. “Vendo a oportunidade de ingressar na faculdade particular sem custos de mensalidade, fiz essa opção e preferi não arriscar, já que no ano seguinte eu não estava mais no pré-vestibular”. Para muitos alunos da rede pública, como Luciana, estudar para o vestibular não fazia parte da cultura escolar. A agora administradora diz que o ensino dado nas escolas públicas é defasado, tanto pela falta de material e infraestrutura, quanto pela escassez de professores, que, em sua opinião, são bons, mas não recebem o incentivo necessário para exercerem suas funções de maneira eficiente. Ela fala também sobre as diferenças que sentiu ao ingressar em uma universidade privada: “No primeiro dia de aula, o professor pediu que os alunos se apresentassem e para que os beneficiados pelo ProUni falassem na apresentação que faziam parte do programa. Ao fim, ele disse que cobraria mais de nós porque ele também estava pagando nosso ensino”, lembra Luciana. Os programas do governo na prática O ProUni, ao qual o professor se referiu, é uma iniciativa do governo brasileiro, criada em 2004, que oferece bolsas de estudos integrais e parciais em faculdades particulares para estudantes de baixa renda que ainda não tenham o nível superior. Os alunos, candidatos a uma bolsa, são classificados usando como critério o desempenho deles no ENEM, e precisam ter renda familiar mensal de até três salários mínimos por pessoa. Além do ProUni, o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) é outro benefício que pode ser usado pelos estudantes, neste caso não só os oriundos de escola pública. Criado em 1999 pelo Ministério da Educação (MEC), o FIES tem como objetivo subsidiar as mensalidades em cursos de graduação para estudantes que estejam regularmente matriculados em instituições privadas de educação superior. O financiamento permite que os estudantes paguem as mensalidades financiadas após o fim do curso e dependendo do caso, as prestações não podem comprometer mais que 10% da renda familiar. Desde 2005, o FIES também pode ser utilizado por bolsistas parciais do ProUni. A intenção é beneficiar prioritariamente pessoas de baixa renda. Apesar destas “vantagens” que o governo oferece aos estudantes de escola pública para que ingressem no Ensino Superior, alguns optam por seguir outros caminhos. “Acho o ProUni e o FIES ótimos projetos, e posso optar por eles, mas prefiro assumir minhas responsabilidades, já que tenho emprego, e deixar essa oportunidade para quem realmente precisa”, diz Eduardo Souza, de 24 anos. O jovem, que cursa atualmente Gestão Comercial no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), diz que não se preparou para o vestibular por não gostar do Ensino Superior e ter uma visão mais empreendedora. Ele acredita que trabalhando no próprio negócio, pode conseguir resultados melhores do que muitas pessoas que têm diploma. Ao concluir os estudos, Eduardo já estava empregado e acreditando que aquele seria o emprego de sua vida. Não foi. Optou pelo Ensino Tecnólogo para colocar em prática o que aprende e por não se enxergar dentro de uma universidade durante quatro ou cinco anos. Ele diz que as escolas públicas não dão base para os estudantes se prepararem para o mercado de trabalho, e que mesmo no ensino público existem diferenças. “Temos um modelo de escolas muito diferentes. Há algumas muito boas e outras muito ruins. Os investimentos na educação primária são escassos e os alunos chegam ao Ensino Superior sem uma base sólida para seguir adiante. Por experiência própria, as escolas em que estudei na Barra eram muito mais bem preparadas do que as de Copacabana, por exemplo”. Quem também optou por seguir outros caminhos, que não o ensino superior, foi a gerente administrativa Marcella da Cruz Lacerda, de 45 anos. Atualmente trabalhando em uma clínica dermatológica, ela conta que teve um Ensino Médio razoável. “Fiz o Curso Normal (para formação de professores de 1ª a 4ª séries), e por esse motivo algumas matérias como Física, Química e Biologia foram dadas superficialmente, só o básico mesmo. No Curso Normal as matérias eram basicamente pedagógicas, matérias específicas para a formação de professores, mas que não ajudam em nada a pessoa que pretende fazer vestibular para outras profissões”. Ela conta que não se preparou para o vestibular pois pretendia seguir na carreira de professora, e por achar que não tinha base de conhecimento suficiente para disputar uma vaga em uma universidade federal com alunos de colégios particulares. A universidade particular também ficou de lado pela falta de condição financeira. Decidiu então, seguir pelo caminho que era sua única opção na época: trabalhar. “Fiz alguns cursos técnicos, mas acabei não seguindo os caminhos a que eles me conduziriam. Eu me arrependo de não ter estudado mais, de não ter insistido mais, mas não me arrependo de ter desistido para trabalhar” Assim como Marcella, muitas pessoas adiam ou desistem da faculdade devido à falta de condições financeiras. Segundo dados de uma pesquisa feita em 2015 pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) 62% dos jovens não ingressam na faculdade pois não podem pagar a mensalidade, e 14% por não obter bolsa ou financiamento estudantil. Quando a gerente administrativa concluiu seu Ensino Médio, os programas do governo ainda não tinham sido criados, mas ela acredita que eles são uma boa oportunidade, já que o ensino nas escolas públicas em sua opinião é ruim e estagnado. As universidades e a utilização das cotas O sistema de cotas é uma ação do governo brasileiro que consiste na reserva de vagas das universidades públicas para determinados grupos da sociedade. Apesar de ter ganhado uma grande visibilidade a partir da sanção da Lei n° 12.711 de 2012, esse sistema existe no Brasil desde o início dos anos 2000 e foi criado para que negros, índios, deficientes, estudantes de escola pública, de baixa renda entre outros, pudessem ter acesso ao Ensino superior. As reservas de cotas são divididas de duas maneiras. A primeira é a cota social, que consiste na reserva de 50% das vagas em instituições públicas de ensino superior para estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas. Deste percentual, metade deve ser destinada a candidatos que possuem renda mensal per capita igual ou menor que um salário mínimo e meio e a outra metade para os estudantes com renda maior que um salário mínimo e meio. Já as cotas sociais, também conhecida como ações afirmativas, têm como principal função a reparação de desigualdades econômicas, sociais e educacionais no Brasil e para aumentar a demanda de alunos negros das universidades. 20% das vagas nas instituições são destinas a pessoas que se autodeclaram negros, pardos ou indígenas. Esse sistema ainda é muito discutido no Brasil, pois é um caminho visto por alguns como a redução da exclusão e por outros como uma segunda forma de discriminação. Para a professora Luiza, as cotas são extremamente necessárias. “Em todos os países do mundo em que conseguiram formar uma classe média forte, seja uma classe média negra, ou uma ascensão na pirâmide social de pessoas de classe baixa para classe média, as cotas foram essenciais. Sou totalmente a favor delas”. Segundo ela, em uma pesquisa feita pela UERJ, instituição pública na qual leciona e que é a pioneira neste sistema no país, comprovou que os alunos que entram nas universidades pelo sistema de cotas conseguiriam a vaga de qualquer maneira. A única diferença é que a bolsa concedida pela instituição, no valor de R$450,00, permite que esses alunos permaneçam na universidade. Entre os estudantes, as opiniões sobre o sistema também são variadas. Para o estudante de Gestão Comercial Eduardo Souza (24), as cotas são injustas, apesar das desvantagens que os alunos de escola pública têm em relação aos demais. “A oportunidade é igual para todos, as provas são as mesmas. Em vez do sistema de cotas, sou a favor do reconhecimento dos estudantes de escola pública, que, mesmo com todas as dificuldades, conseguiram ingressar na universidade pública. Trabalharíamos com a inspiração de jovens e não com o vitimismo”. Em contrapartida, a Gerente Administrativa Marcella da Cruz Lacerda (42) diz ser a favor das cotas. “Vivemos num país de muita desigualdade, onde os pobres e negros não têm chance. O ideal seria que todos tivessem acesso a uma educação de qualidade e que não precisassem de cotas, mas enquanto houver esse preconceito com os negros e pobres, o sistema de cotas é importante”. A administradora Luciana Carvalho (23), e o estudante de Direito Gustavo Almeida (25) concordam ao dizer que o sistema de cotas é justo e opinam sobre o que poderia ser melhorado. “Acho justo por não termos o mesmo nível de ensino para competir com estudantes de colégios particulares de forma igualitária. O meu ideal de melhoria seria um bom ensino no qual os estudantes não precisassem de cotas por ter a mesma base de ensino, e que eles pudessem ter acesso a universidade sem precisar passar pelo por vestibular”, afirma Luciana. Gustavo, que é beneficiado por esse sistema, diz que as cotas são uma forma de oferecer igualdade na disputa por uma vaga: “Eu não mudaria muita coisa, gostaria apenas que houvesse uma maior fiscalização para os alunos que solicitam o benefício e não precisam realmente”. Embora ainda existam muitos debates sobre o tema, a verdade é que os programas do governo, sejam eles financiamentos estudantis, programas de incentivos, sistemas de cotas ou bolsas de estudos, estão fazendo com que os jovens, cada vez mais, se interessem pelos estudos e busquem nele um futuro melhor. Não apenas para eles, mas também para toda uma sociedade, pois só com a educação, as pessoas e as comunidades podem ser mudadas e mundo pode se tornar um lugar mais justo e igualitário para todos.
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