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A SEMIÓTICA ANALISADA EM TERREIROS DE UMBANDA
Introdução
Pronto para ingressar na marinha aos 17 anos, Zélio Fernandino de Moraes sofria de uma paralisia das pernas para baixo e nenhum médico, exame ou pesquisa respondiam o que tinha acontecido ou o que causava tal problema. Um dia, Zélio acorda dizendo “Amanhã estarei curado!”, e então assim foi feito, no dia seguinte o médium acorda como se nada tivesse acontecido. Os familiares se assustam e resolvem levá-lo à federação espírita de Niterói. Dado início aos trabalhos, Zélio se levanta e, ao encontrar uma rosa branca, a coloca em cima da mesa. Todos estranham o fato, e estranham mais ainda quando, após isso, os outros médiuns ali presentes começam a receber espíritos que se denominavam caboclos, indígenas e escravos africanos. Assustado, o médium dirigente começa a “espantar” os espíritos, chamando-os de “atrasados espiritualmente”. A entidade então pergunta o porquê do médium os considerar não evoluídos apenas pela “diferença de cor da sua última reencarnação”, porém mesmo assim os médiuns ali continuam. Então a entidade irritada responde: "Se julgam atrasados estes espíritos dos pretos e dos índios, devo dizer que amanhã estarei em casa deste aparelho (referindo-se a Zélio, que abriu espaço para esses espíritos e aceitou ser um canal para eles) para dar início a um culto em que esses pretos e índios poderão passar suas mensagens e, assim, cumprir a missão espiritual que a eles foi confiada. Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados. E, se querem saber o meu nome, que seja este: Caboclo das sete Encruzilhadas, porque não haverá caminhos fechados para mim" Após isso, o caboclo anuncia que irá visitar a casa de Zélio no dia seguinte, assim sendo feito. No dia 15 de novembro de 1908, o caboclo funda o primeiro terreiro chamado “tenda espírita nossa senhora da piedade” dando início à umbanda, uma religião baseada na caridade, ajudar o próximo e evoluir espiritualmente. A umbanda é oficializada no Brasil pela lei apenas em 18 de maio de 2012. Para executar o seguinte trabalho, fomos até o Templo de Umbanda Ogum de Lei, tocada pelo pai de santo Thiago para recolher imagens de seu terreiro e conversar com o mesmo sobre a organização de aspectos não verbais do ambiente. A pesquisa a seguir explicará como tais aspectos podem se tornar um signo para aqueles inseridos na religião e como o mesmo signo pode se diferenciar em diversas vertentes.
Desenvolvimento
Antes de iniciar, vale ressaltar que, como a umbanda não é uma religião unificada, cada terreiro e cada pai de santo “toca” o mesmo da forma que prefere ou da forma que sua entidade chefe pede. Por isso, ao trazer aspectos de um terreiro, estaríamos falando apenas daquele em específico, não podendo ser generalizado ou levado como única verdade.
As imagens
Antigamente, quando os escravos trouxeram sua religião para cultuar aqui no Brasil, seus senhores não gostavam das imagens de pessoas pretas pois, para eles, ali estavam cultuando magia negra. Com isso, os escravos resolveram associar a trajetória e força de suas entidades a santos do catolicismo, para assim poderem ter suas imagens de pessoas brancas. Por isso, há uma mistura da religião católica na umbanda, podendo ser notada quando comparamos os santos e entidades pois muda apenas a nomenclatura. Tendo isso em vista, as estátuas servem para ter uma representação das entidades e orixás, sendo cada uma de um jeito e levando um nome em sua base.
Levando em consideração a teoria do signo de Pierce, onde ele diz: “Defino um signo como qualquer coisa que, de um lado, é assim determinado por um objeto e, de outro, assim determina uma ideia na mente de uma pessoa, esta última determinação, que denomino interpretante do signo, é, desse modo, mediatamente determinada por aquele objeto. Um signo tem assim uma relação triádica com seu objeto e com seu interpretante”
As estátuas podem ser associadas como sendo o signo pois emitem uma ideia: a imagem do orixá e/ou entidade, ou seja, o objeto (pois é ao que a estátua se refere). No momento que juntamos o signo e o objeto, criamos o interpretante, ou seja, a imagem criada sobre aquele signo que, nesse caso, é a entidade ali representada. Porém, ainda que estejamos falando do mesmo objeto, há várias maneiras de representá-lo. Um exemplo disso, são os signos (estátuas) da umbanda e da católica:
Estátua de São Jorge Católico Estátua de Ogum na Umbanda
O altar
Localizado no fundo do terreiro, o altar é uma organização que é colocada na parede com as estátuas das entidades. Tal organização, normalmente é escolhida e mostrada pela entidade-chefe e reproduzida pelo pai de santo. Tendo isso em vista, cada terreiro tem sua história e significado por trás do altar. Contudo, há uma característica que se repete em todos os locais, que é a estátua de jesus cristo no ponto mais alto do altar. Pois para a umbanda, é uma força de compaixão e luz devido à sua trajetória. O altar a seguir é do Templo de Umbanda Ogum da Lei e será que ele que iremos analisar:
Como mostra na segunda foto, o altar se localiza no fim do terreiro, na parede que fica de frente para a entrada, podendo ser visto por todos que entram e por aqueles que estão esperando para serem atendidos – chamada de consulência. Justamente pelo fato do altar ficar na frente de todos, é considerado falta de respeito ficar de costas para o altar, ou seja, principalmente aqueles que estão na corrente (pessoas que estão para dentro da corrente mostrada na segunda foto, para trabalhar) quando forem sair, devem se virar de frente para o altar e de costas para a consulência quando passarem pela corrente. Ao perguntarmos ao pai de santo Thiago sobre a organização do seu altar, ele nos contou que a organização fala um pouco sobre sua história na religião, que o mesmo preferiu não entrar em detalhes: “Ali conta um pouco da minha história espiritual, dos meus pais de vínculo sanguíneo e pais espirituais. Os orixás que regem a minha coroa são Ogum e Xangô (Em cima, no lado esquerdo e direito respectivamente). Mais próximo da imagem de Oxalá (Jesus Cristo) do lado esquerdo temos Oxóssi e do lado direito temos Iansã e assim vai contando um pouco da minha história espiritual”
Além disso, é possível notar que o altar do terreiro forma um coração. No dia que as fotos foram tiradas, estavam se preparando para uma gira de erê, por isso a estátua de são Cosme e Damião está em baixo, além de ter trabalho com doces e guaraná no centro do terreiro. Quando falamos sobre semiótica social, Chouliaraki e Fariclough elaboram três sistemas que orientam o processo de leitura de imagens: O Valor da informação, a Saliência e o Framing, para analisar o altar, usaremos o valor da informação. Tal teoria nos conta que no eixo horizontal, ao lado esquerdo, temos que já é conhecido e do lado direito temos o que é novo. Porém no altar isso não ocorre, pois a ideia de “novo e velho” não ocorre com tanta importância em um terreiro. Já no eixo vertical, segundo a teoria, acima temos o ideal e o que está mais abaixo é o real, a realidade. Nesse caso, a estátua de Oxalá (Jesus Cristo) está acima de todos pois é o ideal a ser seguido. Pois, como dito anteriormente, ele é um exemplo de luz e sua passagem é inspiradora. Além disso, mais abaixo sempre teremos a gira do dia, ou seja, a linha da entidade que será trabalhada naquele dia, mostrando qual é a realidade daquele dia (como o caso da foto que era São Cosme, São Damião e Damião.) As fotos abaixo mostram como ao redor do terreiro todo é cheio de coisas das entidades, e estátuas das mesmas. Ainda que nem sempre elas necessitem significar alguma coisa. Como por exemplo, quando questionado sobre as estátuas da entrada, Thiago responde: “A imagem que fica na divisão entre terreiro e assistência é de Ogum de ronda - defensor de nossa casa, fazendo a defesa espiritual de obsessores. Junto dele fica Zé pelintra e Zé pretinho. Zé pelintra que é meu padrinho e Zé pretinho, a entidade que trabalha comigo. A outra imagem de jesus fica do outro lado pois foi um presente que nossa casa ganhou!”
Tronqueira de Exu
A tronqueira de exu é uma espécie de casinha que há em todos os terreiros. Ela serve para guardar os fundamentos e ferramentas da entidade. Todos os filhos de santo que entram, a saúdam antes de entrar, além de que durante a gira, normalmente é onde o exu e as outras entidades da linha da esquerda descarregam. A tronqueira deve ficar na porta do terreiro, do lado esquerdo de que entra e a direita de quem sai. Porém, deixou de ser algo obrigatório pois nem todas as casas e terreiros tem esse espaço para colocar no lugar certo. Tal casinha também serve como proteção da casa. Segue foto da tronqueira que o terreiro em questão tem:
Conclusão
Por ser minoria, a Umbanda e outras religiões de matriz africana sempre sofreram preconceitos principalmente por dizerem que “é coisa do diabo”. O interesse em pesquisar e trazer aspectos da religião, podem nos fazer refletir sobre nossas crenças e preconceitos enraizados. Além disso, conclui-se que há semiótica em todos os lugares, mesmo que tenhamos o mesmo objeto e signos diferentes ou até que nem notemos como as coisas são organizadas pela teoria da semiótica social. Todos nós sempre estamos rodeados de significados e intenções e, por isso, pesquisas e trabalhos como estes são importantes para que possamos olhar fora do que estamos acostumados, com um pensamento crítico e diferente. Não há verdade única no mundo da mesma forma que não há uma única religião ou fé que se denomine “correta”. Umbanda não é macumba. Axé!
Trabalho desenvolvido pelos alunos:
Giovanna Weber Martins - N6492D0 Migueo Felipe Casarotti Souza - N608DE0 Lethicia Francisco Barros – F2259G1 Victoria Vellozo Quero – F267342
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