acertar ou errar. viver ou morrer. a todo instante uma mão nos é estendida. a todo instante despencamos. por denis akel, escritor, artista visual. fortaleza/ce
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UMA DEDICATÓRIA (16/04/2024)
Comprei um livro num sebo online. Chequei antes se estava tudo bem, pedi fotos, analisei páginas, folha de rosto, tudo. Mas um singelo detalhe me escaparia: à primeira página saltam aos olhos essas dedicatórias aleatórias que resistiram ao tempo. Fiquei um tempo nelas, imaginando o contexto que as produziu. Quem eram essas pessoas? Família? Irmãos? Amigos? Não há datas, dias ou ano, os dizeres se tornam eternos, aumentam o mistério da vida. Será que a pessoa a que o livro foi dedicado o leu por inteiro? Como ele foi parar no sebo? Como quem o dedicou o comprou? Por que logo esse livro? Nessas tão poucas linhas é possível saborear um filete de histórias de vida que em algum momento se cruzaram e hoje talvez já não se tenham mais. Como saber? Dedicatórias congelam o tempo, perduram, insinuam que não existe nada antes ou além delas, carregam uma verdade possível apenas ali, apenas assim. Por onde aquele livro terá passado? Onde foi lido? Em ônibus, cama, banheiro, praia, onde e como conheceu suas marcas de uso? Continuo explorando os limites das palavras dedicadas; onde terão sido escritas? Na casa de um deles? Qual foi a reação do Didinho? Se o livro foi parar num sebo talvez ele já não esteja tão perto assim de Júlia e Bel. E agora, eu, um completo estranho me vejo não exatamente lendo o livro mas curioso quanto àqueles inusitados personagens. Mais acima, uma marcação do sebo, indicando ordinariamente a estante e o preço do livro, sem se importar com as declarações em punho vivo. A mão do sebo não destilou carinho, mas um risco rápido de quem deve ter numerado dezenas e dezenas de livros naquela hora. Quem se importa com dedicatórias passadas? Penso quantos não devem estar autografados ou dedicados. Quanta Didinhos e Julias e Bels não estarão por aí perdidas em primeiras páginas. Fato é que mesmo que o trio que tanto me chamou atenção já não esteja junto, eles sempre estarão aqui, habitando essa página, criando uma história a mais para esse livro de tantas mãos.
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ENCOSTA E CORTA (28/07/2022)
Havia uns dias não recortava ou colava nada, há momentos onde desligamos algumas coisas para ligar outras. Eis que meu irmão surge com um trabalho novo, uma animação para uma ONG. E para ser feita toda em recortes. Estava aí uma boa hora de voltar à tesoura, pensei, quando fui recrutado a ajudar a cortar as dezenas de imagens e modelos que ele tem usado na produção. Para tal, ele me emprestou um estilete novo que comprou para este fim. Eu, que até então usava mais tesoura em minhas colagens, e um estilete já em seus últimos dias, de repente me vi diante do milagre do corte, a incrível capacidade daquela nova lâmina.
Diego me passou o que precisaria recortar e direcionou os trechos mais complexos. Observei com atenção. As primeiras peças a tesoura comandou. Até que vieram peixes, figuras cheias de escamas e curvas para serem cortadas, e tucanos e seus intrincados pés cheios de garras. Espaços cada vez menores de corte. Tomei o estilete novo, e ao passar quase sem nenhum esforço o papel se soltou como estivesse pontilhado. Fácil. Mal deslizei a lâmina, cortou. Que poder, quantas possibilidades! Fui me acostumando àquela lâmina peça após peça, os peixes foram saindo cheios de robustas guelras, e cada nova imagem oferecia um desafio a mais e forma de melhorar o uso do instrumento. O nível de precisão do corte era tanto, encosta e corta, que senti como se eu estivesse quase cortando com o dedo o papel, capaz de deixar centímetros pontiagudos e firmes, gerando um resultado muito refinado. Uma alegria, para o fazer artístico, é um instrumento novo, é como um brinquedo novo, a gente quer brincar o quanto antes e quer inserir também aos brinquedos anteriores.
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A LUZ DA VARANDA (25/07/2022)
Essa é a luz da varanda aqui de casa. Uma luz que consegue muito mais do que apenas iluminar. Sempre que ela se acende, acendem-se junto memórias bastante preciosas. Há alguns anos, costumávamos fazer aniversários e outras festas aqui, recebendo família e amigos próximos. A luz geralmente era acesa nesses dias como uma espécie de preparação ao momento que viria. Ela era a primeira convidada a chegar. Criava um clima diferente, era acesa e permanecia acesa durante todo o tempo da festa, enquanto vinha e saía gente, a luz permanecia, a casa respirava mais vida. De longe, dentro ou fora, ver a luz da varanda acesa sempre foi sinônimo de festa. Muitas vezes lá mesmo era onde sentávamos e vivíamos a noite, olhando para o céu, a luz acesa fazia tudo parecer sem fim. Em épocas de natal e ano novo ela tinha permissão para ficar quase até de manhã acesa. E tudo era permitido. A luz era sim uma convidada, nós nos preparávamos também para ela, sabíamos de seu efeito.
Hoje muitas das pessoas que passaram por ela já não estão mais aqui, mas tudo consegue ser ainda mais claro, como a luz por isso brilhasse cada vez mais forte, ante meus olhos. Sempre que a vejo clareando, sinto como se estivéssemos esperando tias, tios, avós e primos. E eles chegam, continuam chegando, sempre que a luz é acesa, a festa está no ar.
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NOSSAS PRECES (01.02/07/2022)
Rezar é pedir, clamar, é antes de tudo acreditar, seja em que ou quem, antes de tudo é preciso que se acredite primeiro em nós mesmos. Independente de se ler a bíblia ou alguma oração, ou ouvir o padre ou qualquer religião, acredito que é necessário também aprender a ouvir a nós, aprender a rezarmos por nós. E da maneira cada um descobrirá por si a mais eficaz.
A escrita é uma forma de se chegar ao coração, a palavra nasce de e percorre a vida que somos nós. Um bom exercício para essa reza pessoal é escrever mensagens para si mesmo, como fosse uma espécie de consciência a nos dizer o que parece óbvio mas que soa diferente ao vermos assim, por escrito. A mensagem ganha seriedade, passamos a acreditar, a fortalecemos, sobretudo se lida em voz alta.
Escrever é acreditar, é tornar possível. Assim também rezamos, acreditamos. É preciso criarmos barreiras, escudos, a conter parte da avalanche do mundo, isso pode vir de infindáveis formas, uma música, uma conversa, um detalhe no limite da janela do carro, um livro, uma frase, uma mensagem, escrita por nós, a nossa verdade.
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VENTILAR (16/04/2022)
Limpar um ventilador é uma arte, não se pode fazer com pressa ou maldizendo, é algo se precisa parar tudo. Hoje limpei o meu que já há tempos pedia limpeza, o tempo frio também parece responsável por boa parte das manchas de mofo, não se pode relaxar. É preciso lavar o aro, limpar fundo nas reentrâcias, e como todo processo que requer atenção, há aqui algo terapêutico. Estamos de frente para o aparelho, olhando-o na intimidade, sem aro, as hélices expostas, a poeira recolhida ali à espera de ser removida. Usa-se de tudo: água, sabão, papel, pano, esponja, escova, tudo o que vier na cabeça para ir ao cantinho mais profundo. É uma satisfação ver a camada de sujeira ser varrida e o quão simples é fazer isso.
Lembro de meu pai sempre mexendo em ventiladores, não apenas limpando mas consertando, era um hobby que não sei de onde surgiu mas que ele adorava. Muitas foram as vezes que o achava em casa de frente a um ventilador quase totalmente desmontado. E radiante de alegria, enquanto analisava algum circuito na cabeça do aparelho, de onde saltavam fios cor de bronze que me lembravam cabelo. Era sempre uma visão misteriosa.
Meu irmão um dia desses estava limpando dois, num momento de estresse do dia, parou tudo e foi limpar ventiladores. Foi uma cena inusitada que logo me lembrou papai. Ele me disse depois que se sentiu bem melhor. É algo que não tem jeito, tem de ser limpo, e no meio do processo, acontece de nós também nos limparmos, além de desacelerar um pouco o tempo e de ser uma tarefa manual, salvando das muitas telas que vemos num dia.
A limpeza na maior parte das vezes não fica 100%, a menos que se desmonte toda a peça, mas não aprendi essa lição com papai, então vou até onde posso. Gosto de por e tirar o aro, faz lembrar o quanto de tecnologia que há num ventilador, tão banalizado nos dias de hoje mas ter uma máquina de vento portátil assim é uma revolução. E que vento, já que após toda limpeza, ele quase nós agradece, funcionando muito mais rápido e leve do que antes, e nós, também.
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ARTE ENSINA ARTE (28/03/2022)
Ainda mergulhado em cola e papéis e mais papéis cortados, esses dias têm sido mais para escrever com cores e formas. Havia inúmeros pedacinhos e sobras de colagens antigas por minha mesa e dediquei a usar todos em composições aleatórias bem livres e soltas. No transitar entre cola, estilete, tesoura e as próprias mãos pra cortar o papel, me vejo constantemente cheio de tirinhas cada vez menores. É necessário de quando em quando limpar a superfície ou passar tudo de um lado para o outro... e como fazer isso? Uma pazinha talvez... mas eis que a própria coisa se ajuda. Um pedaço maior de papel pode perfeitamente atuar como pá ou vassoura e varrer as lascas menores com a presteza de um barbeiro tirando a espuma do rosto barbeado. É algo tão simples que chega a ser bobo e certamente comum para quem faz colagens, mas como fazia tempo não lidava com pedaços tão pequenos, bateu-me uma sensação de completude ao varrer o balcão com uma folha, um improviso, usar o que se tem a mão, a arte faz isso, cria sempre outras formas de arte, seja para recortar, colar ou mesmo varrer as sobras que sempre podem gerar novas receitas.
Alguns dos trabalhos que tenho feito estão nos stories do Instagram @denis.akel. Em breve eles estarão no blogue O Provável do Improvável (http://denisakel.wordpress.com)
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ABRIR MÃO DA MÃO (26/03/2022)
Tenho dedicado bastante tempo aos recortes e colagens, algo que relaxa a mente do agito e das bobagens desse mundo, mas ao mesmo tempo também a mantém plena e ativa, no divertido jogo de compor uma imagem através de pedaços de outras imagens.
Estas mãos algemadas estavam separadas há meses a um canto da mesa. Quem faz colagens sabe o quão é comum guardar esse ou aquele pedaço para usar em um momento oportuno, e não "gastar" em algo mais comum. Vamos guardando na esperança dos próximos papéis trazerem aquele tão sonhado estalo e vermos como a composição se completa. Mas isso pode acontecer quando menos se espera, e diferente do que se espera.
Hoje usei a figura das mãos algemadas. Quando a encontrei, sabia que a faria provavelmente na ideia de libertação, quebrar a corrente, com um corte ou rasgo. Mas os recortes são imprevisíveis e ditam suas próprias regras. Enquanto compunha outras peças, vi perfeitamente um uso para as mãos nas algemas e, por ironia, teria de tirar as algemas; a forma que iria formar pedia que elas saíssem de cena. Libertei as mãos, cortando com cuidado os contornos e logo ambas davam vida a uma outra coisa que até então não era coisa, a pura magia da colagem ganha demais nessas trocas. Percebi que tive de abrir mão do que de início parecia a melhor ideia. Abrir mão das mãos algemadas. Foi realmente uma libertação, em todos os sentidos.
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DA ALTURA DO CHÃO, O MUNDO FICA MAIOR (16.17/03/2022)
Sentar no chão é algo extraordinário. Simples, quase bobo, quase inútil e por isso mesmo maravilhoso. Por esses dias estava lendo e como tinha vários livros sendo folheados e um convidativo tapetezinho disponível na sala, aterrissei nessa grande mesa natural que pisamos cotidianamente. Ali na altura do chão me tornei imenso, dono de detalhes nunca vistos. Há uma consciência maior do pequeno, de uma simplicidade, é como parar ou frear um pouco a manivela do tempo. Lembro de quando na infância o chão era o maior de todos os amigos, o grande palco de brinquedos e brincadeiras porque já naquela idade ele parecia infinito. Tudo se transforma na altura do chão, desaceleramos as tantas passadas muitas vezes desnecessárias e abraçamos a contemplação. Pode ser dos livros, do céu, da casa ou de si mesmo, estar sentado no azulejo, cerâmica, grama ou que for permite essa visão mais apurada, menos agitada, menos desesperada que nos é imposta justamente quando passamos a não brincar mais no chão. Mas daqui de baixo, o voo das aves lá no céu nunca pareceu tão alto, o olhar viaja junto, e naquele instante somos pássaros. As nuvens nos olham de volta, igualmente contemplativas, nos ensinam a meditar. Se não houver janelas, sempre haverá um detalhe a perceber, um detalhe que não vimos antes, coloque um tapete no chão e experimente. Leve um livro ou café. Sente, veja e sinta o chão. E perceba o mundo ficar imenso. O que você vê?
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NEM QUE SEJA UMA LINHA (17/01/2022)
Pode não ser a hora ideal e muito menos a posição ideal, mas é nas madrugadas que alguma coisa me tem funcionado. E no caderno. Bastam poucas linhas, basta um reconectar. Pode ser sobre o hoje, o ontem, o amanhã. Escrever é essa tentativa de organizar o caos que é a vida, ou pelo menos buscar ouvir a nós mesmos. À mão é ainda melhor mas tão raro hoje, só à mão a gente sente a letra, o papel, a caneta, tudo tão vivo quanto a vida que ali se joga, só à mão a gente é exigido de alguma coordenação pra dizer o que dirá, respeitar ou pular linha, virar página, rasurar palavra. O caderno é como um templo, um descanso onde se volta, onde tentamos responder mas mais perguntamos. E nos perguntamos. É um amigo, um irmão, um amor, um filho. Escrever todo dia, nem que seja uma brevidade, nem que seja uma linha.
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UMA POSSIBILIDADE DO RISCO (20/12/2021)
Desenhar é outra forma de escrever. Tenho desenhado menos do que gostaria no louco empurra-solta que tem sido esse ano, mas é sempre algo que se pode voltar, não deixemos passar batido um papel ou caneta ou que for, o traço pode nascer onde menos se espera. Risque, deixe a mão solta, converse com a forma. E a partir do comum, sem qualquer pretensão; o simples é muito mais complexo de ser retratado, justamente por parecer simples. Percebe-se a intimidade com o que se desenha, conhece-se em detalhes sua aparente realidade, isso que acreditamos ver mas acabamos vendo muito além. Cada traço desenha na mente o que papel nenhum vê, é como fizéssemos varios desenhos, mas apenas um ficará palpável, concretizado.
Esbocei esse pequeno cavalete que tanto tem me acompanhado. Usei uma lapiseira. De modo bem solto, bem livre. Desenhar traz à memória tanto da vida, da infância, dos medos, dos riscos, cada traço não sai sem que tenhamos alguma certeza e mesmo a incerteza pode falar já que tudo é uma representação. Não há lei ou regra entre a mão e o papel. Desenhar é tirar uma foto com a alma. E revelá-la na hora.
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A PAZ E O CAOS DO CADERNO (03/12/2021)
Há tempos não escrevo nada por aqui. Não que tenha parado, ao contrário, há inúmeros textos começados e incompletos à espera sei lá de quando para terminá-los. Mas há a necessidade de que surja algo novo, embora não seja exatamente novo, mas algo que movimente, que traga alguma (lou)cura. Foi o que pensei quando me vi numa madrugada entre o ofício de escrever em meus cadernos e quis escrever exatamente sobre isso, dessa vez não deixei incompleto nem que esperasse a boa vontade do tempo. Ei-lo:
Escrever num caderno é dos maiores prazeres para quem escreve. Mas também dos maiores tormentos. Encontra-se muita coisa no infinito da página vazia, embora percam-se tantas outras.
Fazia algum tempo não escrevia neles, os dias atuais têm ditado outras danças, nasce muito o texto virtual, o dedo faz o trabalho da mão, mas não é a mesma coisa, não resolve, a letra nascida da mão sente o que só a gente sente. E ela não mente. Ter um caderno para anotar é permitir que a vida pare, é ir contra o tempo, mesmo que ele não pare. É algo que me acompanha desde muito tempo, e nasceu sem que me desse conta, assim do gosto por observar, como houvesse uma voz me dizendo o que via, e como não quisesse deixar aquela voz falando só, escrevi. O texto escrito é um fato, uma verdade, e à mão é pura sinceridade.
Há momentos de marés revoltas onde um caderno salva, a consciência de um dia, de um fato, de uma conversa, um diálogo consigo mesmo, a linha ganhando vida é trazer a vida mais para perto, é reconectar ao corpo, o corpo escreve tanto, muito além da mão, é quando nos ouvimos. O caderno abre todas essas portas.
E deixa tudo aberto. Não há limite para o que entra. O fluxo não tem fim, escrever a vida apesar a vida, a vida é como o mar que mesmo belo não para para ser admirado, a vida não para para ser escrita. Para o mundo à nossa volta, nenhum tempo é tempo de escrever, e qual a hora certa de escrever? O que escrever ou não? Não há respostas definitivas. A cada vez que se enfrenta o caderno, ele é um novo caderno. Nós não somos os mesmos que escreveram por último. A lição do caderno é algo que se aprende a cada vez, a cada dia. Muitas vezes é o registro do registro o que sobra para fazer, o que joga luz na sombra da noite, além do poste lá fora, única testemunha das madrugadas insones.
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DORMINDO ACORDADO (25/05/2021, mas vale por todo o 2020)
A maior das loucuras é não dormir. A maior das curas é o sono. Essas duas ideias, tão belas e tão raras, têm andando em conflito nesses dias de distanciamento social. Não que por aqui eu costumasse dormir cedo, já que a madrugada é palco de silêncios reveladores pra qualquer trabalho criativo, mas o efeito do tempo a mais em casa e repetições dos dias bagunça o horário, o ontem o hoje o amanhã tudo se embola e nisso se vão as semanas e meses e mal parece ter passado um dia. É mais um que chega agora, o sol por entre as venezianas, quando escrevo aqui exatamente para tentar dormir, já que a escrita sempre liberta algo preso ou inconformado. Uma cura pela loucura, ou como diria Rubem Fonseca, a escrita uma patologia socialmente aceita.
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O TOQUE DA MÃE ( 25/05/2021)
Comprei esse livro para minha mãe, em algum momento da primeira flexibilização, em 2020. Li um pedacinho da sinopse, vi trata-se de uma história interessante, envolvendo cartas. Ainda não conhecia a autora, mas por ser um livro de 1900, estava aí um bom motivo. Minha mãe sempre gostou de romances, costuma ler Rosamunde Pilcher, Isabel Allende, entre outros que gosto de sugerir ou lhe passar após ler, é ótimo esse elo pela palavra. Ela tem lido todas as manhãs aqui na varanda de casa, enquanto toma sol. Foi num desses dias que vi exatamente esse close da primeira foto, uma pedra na pedra de toque. Achei fantástico, de uma precisão tão pura, não sei se foi proposital mas não procurei saber, fiquei feliz por ver o livro sendo lido, e mais ainda ao folheá-lo e notar entre as páginas essa florzinha seca quase colada ao papel, o toque da mãe, na pedra de toque.
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A VOZ DO CÉU (abril/maio 2021)
Este é um dos pontos que o isolamento me fez olhar mais e melhor: o céu. Da varanda da casa, coloco uma cadeira e lá do alto olho para cima. Perco o olhar nos azuis, amarelos, laranjas, observando dia tarde noite, nuvens, pássaros, papéis levados no vento e todo tipo de travessia, o limite do mundo, tornando-me menor mas sentindo-me gigante. Em cada mudança de tom, de hora, o céu é convite a desacelerar, um infinito que todos temos, e tão fácil esquecemos.
E por estar um pouco acima do chão, o referencial muda, é como saísse de uma jaula e enxergasse além, ainda que depois voltemos pra dentro.
Um amigo de Paraty costuma dizer que olha sempre pra cima quando não sabe o que fazer, quem sabe vem de lá de cima uma resposta. Outro amigo diz que olhar pro céu é uma forma imediata de conversar com a natureza.
Ao longo do dia, o dia se veste e se despe, troca de roupa na nossa frente, enche de cores, mesmo com ou sem sol, dorme e acorda feito gente. Nunca entendemos exatamente o céu, talvez por isso precisemos sempre olhar pra ele. É algo sensorial, uma permissão ou ousadia, além de que subir em cadeiras é quase como brincar de ser criança, e como fazem bem essas traquinagens.
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PÃO ESPONTÂNEO (08/04 - escrito em 27/04)
No meio deste abril com cara de março com cara de fevereiro com cara de janeiro com cara de 2020, redescobri um velho amigo que tem injetado vida a esses tempos delicados, e como amigos tem se mostrado importantes e necessários. Chico Forlenza, terapeuta energético, artista visual, poeta... alguém que em apenas um momento já transforma a realidade. Foi assim quando o conheci, em 2018 aqui em Fortaleza, é assim quando o vejo agora, através das telas que tomaram conta de nossas vidas.
Chico desenvolve todo um trabalho de escuta e partilha de saberes e mantras para uma reaproximação com nosso mais íntimo ser e na falta do presencial, as lives têm adaptado esse caminho, a vibração chega através da tela. (Conheçam mais no Instagram @chicoforlenza)
Numa tarde recente o vi numa das mais descontraídas que já vi em todo esse ano pandêmico: tomando um café e conversando. Sem lançar nada, sem vender nada, sem ostentar nada, apenas sendo ele, ali na sua casa, tomando seu café da tarde, ouvindo música, sorrindo e conversando. E compartilhando o que estava comendo: um pãozinho super prático que quanto mais ele falava e comia mais dava vontade de fazer e comer. O diferencial: sem trigo.
No clima agradável que as lives conseguem criar e reduzir um pouco o mal estar acumulativo do isolamento social, tive vontade de abraçar aquele momento. É tão bacana quando a gente, por exemplo, vê um filme, gosta de alguma das músicas e passa a ouvi-la, ou quando conversa com alguém que fala daquele livro que não se conhecia e vai atrás e descobre um novo mundo! Foi bem parecido aqui.
Em um dia de almoço tarde (as horas de dormir e acordar nunca estivieram tão alucinadas), tive o impulso para fazer o pãozinho (assisti à gravação de Chico na hora). E como todo impulso, é importante não pensar muito, abraçar, seguir a ideia, pensar demais pode fazer desistir ou ver obstáculos que na maioria das vezes não existem. Terminei o almoço e fui para a cozinha. Era umas 17h. Peguei logo os ingredientes, a partir deles já sentindo a experiência de estar na cozinha para preparar algo. Gosto de cozinhar mas fazia um tempo que não fazia nada, senão o básico que de tão básico já não notava. Mas são os movimentos da pandemia, tem dias que estamos mais pra uma coisa, mais pra outra e dias como esse narrado, cuja vibração nos enleva e nos dá a vontade de criar outro mundo.
Não lavei minha louça, o prato do almoço. Lavar um prato que fosse podia deslocar a energia, a vontade era começar logo a misturar os ingredientes. O pãozinho rende para apenas uma pessoa, mas pode ser partilhado para duas ou três, como fizemos aqui. Eis os ingredientes:
2 ovos;
1 colher de sopa de farinha de aveia;
1 colher de sopa de polvilho doce;
1 colher dr sopa de farinha de fubá;
1 colher rasa de fermento em pó;
1 colher de óleo;
Sal a gosto.
Quebrei e comecei a misturar os ovos, destreinado no manuseio, comecei timidamente, sem muito resultado e quase receio da mistura vazar da vasilha. Minha mãe, que administrava a cozinha, veio me relembrar. Ela com punho de grande cozinheira virou quase uma batedeira humana, a colher sumindo de tão rápida, a clara e gema giravam tão rápido que pareciam um mar aberto no meio, nada caía fora. Olhei fascinado, lembrei de que na cozinha não se pode ter medo. Retomei a colher e injetei firmeza na mão, até também produzir efeito semelhante, e como esses pequenos gestos dão satisfação. Adicionei as farinhas, observando a beleza dos ingredientes ao se misturarem, era como regar desertos, e texturas e cores e a fluidez da gema do ovo despregando-se feito liga natural, acho incrível esses momentos de fusão, onde tudo é incorporado. A ideia é bater tudo e misturar até ficar bem aerado, o fubá dá uma coloração terrosa à massa.
Batidos todos os ingredientes, a massa deve ir ao forno, pré-aquecido a 180 graus por 30 minutos, em outro bowl ou assadeira pequena untada.
Após a meia hora o resultado não poderia ter sido melhor, sequinho, corado e solto na vasilha. Levamos para comer com café na varanda de casa, no início da noite, criando uma realidade onde este gesto tão simples era sentido como a maior das conquistas do dia. Afinal não se precisa de muito. Cozinhar para nós, por nós, gerir o alimento da mão à boca. E poder senti-lo, de olhos fechados se possível, para realmente senti-lo. E nos sentirmos, como estamos, antes e depois. Como diz o escritor Mia Couto, cozinha não é serviço, é um modo de amar os outros. Eu acrescentaria: e amar também a nós mesmos.
Quem leu até aqui, faça a receita!
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