lionsnest
Contos de Khaer
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lionsnest · 2 years ago
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Azul Profundo
19 de maio de 2023
Toda a manhã, ao abrir os olhos, a sensação que ele tem é a mesma. Parece estar submerso em um oceano escuro e gelado, observando pequenos fechos de luz que penetram as águas densas e profundas. Sente o corpo tão pesado que é praticamente impossível mover um dedo sequer em busca de ar. Ainda assim, toda manhã, de algum modo que ele não sabe explicar, ele consegue.
Toda manhã, ele presencia o próprio renascimento, pois a noite, quando deita sozinho em sua cama sente como se estivesse em seu leito de morte. Beira o inacreditável como algo tão fugaz possa ter significado tanto. Significado tudo.
Mas acabou.
O que resta agora é apenas a sombra de tudo o que foi compartilhado. Ele se questiona se realmente o tempo é capaz de curar tudo?
Óbvio que não. Existem cicatrizes que nunca vão se fechar por completo e toda a vez que forem tocadas, sangrarão.
Assim como uma planta que cresce e mantém enterrado em seu tronco o arame que fora utilizado para dar estabilidade e que fora esquecido ali, ele sabe que até o seu último suspiro estará enterrado em seu peito toda a dor e a tristeza das escolhas que fez e até mesmo, do que não fez. Das palavras que profanou, do arrependimento do que não disse.
Ele reflete sobre como todas as encruzilhadas levam sempre ao mesmo lugar?
Sente como se fosse apenas um fantoche, fadado ao capricho sádico do destino.
Como o fato de ter sido resgatado desse lugar escuro e vazio apenas para ser deixado lá novamente. Qual o sentido? A tristeza é profundamente inenarrável.
Ainda assim, sabe que é covardia querer direcionar a culpa para outro ser. Ele é responsável pela própria existência. O local reservado em seu peito para a raiva, é direcionada somente à ele mesmo, mais ninguém. Sente raiva de se permitir passar por tudo isso novamente. As vezes, sente pena de si mesmo, patético.
Ele sabe não ter coragem de pôr um fim definitivo, ainda. Mas sente medo e tristeza ao notar que covardemente, já desejou o fim por meio de terceiros e sabe que se acontecer, não vai lutar contra isso. Uma sequências de falhas e fracasso o impedem de ter uma perspectiva para algo melhor. Muitas perdas no caminho.
Não é autopiedade. Cada ser no universo tem um limite e ele se sente horrorizado ao notar que chegou ao seu. Não havia passado por isso ainda e por consequência, não sabe como lidar.
Um ser sem perspectiva, é apenas uma casca vazia vagando em um labirinto onde não há saída.
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lionsnest · 2 years ago
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Pequenos Pesadelos
14 de maio de 2023
Quando você acredita que esse mundo não é mais o lar de sua existência e você está lá, parado, na beira de um abismo mental olhando para o vazio diante de seus olhos.
Você olha para trás e se pergunta se sua vida valeu a pena, se você foi digno. Você divaga e questiona se teria sido mais fácil andar junto ao rebanho. Mas isso já não mais importa. Nada mais importa
Sua mente se tornou um lugar confuso, nebuloso. Sem certeza de qual caminho seguir, você se tornou apenas um espectador, um ouvinte de tantos questionamentos, cobranças, acusações e julgamentos. As vezes você sente como de estivesse a deriva, sendo guiado a vontade dos ventos como um barco sem um navegante para ajustar o curso quando necessário.
Durante muito tempo, você manteve um sorriso em seu rosto que serviu apenas de esconderijo para dor e a insegurança. Consequências de experiências passadas.
Você cansou de fingir mas as lágrimas não descem mais. Elas secaram por todas as vezes que foram engolidas a seco.
O vazio dentro do peito ecoa como um grito ensurdecedor. A tristeza o domina e você se afunda em culpa por não ser mais capaz de carregar o fardo que assumiu ao longo dos anos. Seus ombros não aguentam mais. Suas pernas perdem as forças e você vai de joelhos. Durante muito tempo você aguentou calado, mas agora, seu templo está desmoronando.
Ainda de joelhos, em meio a todo o caos que se estabeleceu, distante, você parece ouvir algo semelhante ao canto de uma águia.
Subitamente, você ergue sua cabeça e por entre as nuvens de um céu completamente nublado (e que parece escurecer cada vez mais a medida que o tempo passa), você enxerga uma harpia. A medida em que ela se aproxima, o canto fica cada vez mais alto. Ela o repete sempre com intervalos compassados. Sempre, três cantos por vez. Não mais, não menos. Sempre três.
Você nota que ela carrega uma presa em suas garras longas e afiadas. É uma serpente.
A harpia sobrevoa bem próximo de você, a sua esquerda, voando em círculos próximo a uma árvore aparentemente morta e que estranhamente, não parecia fazer parte do cenário até então (ou você simplesmente não a havia notado? Você não sabe dizer). A sensação era de que ela simplesmente passou a existir naquele exato momento (talvez ela sempre existiu, você só não fosse capaz de enxergar até então).
Ela cuidadosamente larga a serpente em algo muito semelhante a um ninho, mas não um ninho comum. Além do tamanho exageradamente maior que um ninho ordinário, ele parecia ser feito de um material inaudito, semelhante ao pedúnculo de uma roseira.
Após isso, a harpia pousa em um galho ao lado de seu ninho e silenciosamente, fixa o olhar você. Ela parece olhar dentro da sua alma e o observa com tamanha imponência que uma certeza invade sua mente:
"Se já não estivesse de joelhos, o faria imediatamente, louvando a presença desse ser".
Após um tempo, você se assusta quando subitamente o silêncio é quebrado após ela voltar a emitir seu canto compassado e sempre em intervalos de três em três. Mas dessa vez, não soa como um canto. Parece mais como um grito estridente, atonal e muito mais alto do que antes, penetrando seu cérebro. Você baixa a cabeça, levando as mãos aos ouvidos, tentando diminuir o impacto sonoro que ecoa dentro de sua mente, mas é inútil. É alto demais.
De repente, o silêncio volta a tomar conta do local. Lentamente, você tira as mãos dos ouvidos e ergue a cabeça novamente. A harpia está ali, imóvel e com os olhos ainda fixos em você. Ela começa a abrir suas asas e para quando atinge toda sua envergadura, quase como uma forma de exibicionismo. Ela olha para o céu e volta a atenção para você uma última vez, antes de saltar levantando vôo e gradativamente, desaparecendo em meio as nuvens cinzentas (e cada vez mais escuras).
Você fica um tempo no chão, tentando significar tudo o que tinha visto até então. Porém, logo seus pensamentos são interrompidos por um barulho estranho que vinha do ninho. Você se levanta, limpa as mãos uma na outra, removendo a maior parte da sujeira e do cascalho do chão.
Lentamente, você anda em direção ao ninho e se depara com uma cena que o deixa ao mesmo tempo confuso e horrorizado. A serpente ali deixada pela harpia, estava ao lado de algo muito semelhante a uma rosa negra, porém, quase tão grande quanto o ninho. Ela estava toda entrelaçada por vimes cor de carmim que saiam do centro da rosa cor de ébano e que vagarosamente, a puxava para seu núcleo.
Assim que a serpente atingiu o centro da rosa, ela se fechou. Após um curto período de tempo, algo começa a pulsar no interior da flor. Cada vez mais acelerado, cada vez mais intenso. Assustado, você começa a caminhar para trás, com a boca semi aberta e com a respiração ofegante por tudo o que estava presenciando.
Então, a flor se rompe.
Diante de seus olhos, uma figura tomada pelas sombras, completamente negra se ergue. Ela é alta, esguia com braços e dedos longos e com olhos tão fundos e vazios que imediatamente, o coloca em um estado de paralisia sufocante. A flor, parecia ter gerado um ser que era a personificação do horror.
A medida em que esse ser sai de seu ninho incubatório e caminha em sua direção, lentamente, todo o cenário ali existente começa a ser sufocado por uma escuridão densa e mórbida (quase como se esse ser macabro sugasse toda a luz ali existente e se alimentasse disso, sobrando apenas trevas e escuridão). O céu já deixará os tons acinzentados a muito tempo e estava tão negro quanto a criatura. O chão sumira sob seus pés. Você parecia estar flutuando no vazio.
Ela se aproxima ainda mais.
Só restam você, a criatura e a árvore.
Mais um passo em sua direção, a árvore começa a desaparecer.
Aterrorizado, você não consegue sequer fechar os olhos.
Como se fosse novidade, lágrimas novamente voltam a verter de seus olhos. Causando até uma surpresa em meio a tanto horror.
Mais um passo.
Você agora consegue sentir algo semelhante a respiração que vem da criatura e toca seu rosto. O cheiro é de morte. Ela estende um dos braços compridos em sua direção. Você sente o toque gelado da criatura em seu pescoço.
Escuridão total.
Cesar Augusto Marmitt
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lionsnest · 2 years ago
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DARKEST HOUR
Na escuridão ele se encontra novamente. Resquícios de um lugar onde já foi sua morada 
Em pé, ele encara o vazio já conhecido. Das sombras, ele ouve risos estridentes e sarcásticos
Quase como uma forma de deboche, sabendo que um dia o filho prod��gio voltaria ao lar
Braços disformes e mãos putrefatas se estendem à sua direção, oferecendo conforto em um local onde um dia ele já repousou.
Sem perceber, uma única lágrima escorre de seu olho esquerdo quase como um grito de socorro, não acreditando estar de volta para esse abismo infernal. A angústia quase o devora por inteiro, o deixando em um estado de agonia quase insuportável. Mesmo com toda essa carga pesada em seu corpo, ele respira fundo e tenta manter o controle da situação, mas no fundo ele sabe que não tem forças para lutar contra isso. 
Ele usa o que lhe resta de sua lucidez para questionar como voltou a esse lugar. A resposta surge como uma flecha que fora disparada de um arco longo com toda sua força e precisão e lhe atravessa a mente
Mágoa e dor são mediadoras, como se abrissem um portal em seu peito e que o arrasta para esse estado mental.
No fim, ele caminha lentamente em direção a imagem distorcida enquanto memórias e traumas passados invadem sua mente
Ele sabe que está voltando para o inferno que criou um dia.
Fracasso; Culpa; Solidão
Mas isso já não mais importa.
Ele estende seus braços em direção a criatura que parece o observar por um instante 
Por um momento, ele acha que nada vai acontecer, então, subitamente ele é puxado para dentro do abraço. Assim como a luz não consegue escapar de um buraco negro, ele também não consegue se desvincilhar do abraço da morte (mas o que morre não é seu corpo físico) que drena a última gota de esperança ali existente e o faz sentir apenas como um receptáculo vazio, sem rumo. Já está dentro do horizonte de eventos da criatura, não resta mais nada a se fazer. Lutar contra é inútil
É um abraço gélido e doloroso, e por mais estranho que pareça, familiar.
Aos poucos, a criatura parece perder forças, não o suficiente para libertá-lo por completo 
Mas o suficiente para que ele consiga dar um passo para trás e encarar a criatura no que parecem ser seus olhos.
A imagem lentamente ganha forma e agora ele entende
A criatura não perdeu suas forças
Ela deixou que ele se movesse de propósito.
Ele passa a ver seu reflexo no que parece ser um espelho grande, quase de seu próprio tamanho, que está emoldurado em uma madeira aparentemente antiga, em um azul-escuro cuja pintura parece ter sido desgastada com o passar de décadas e que está ali, flutuando no vazio.
A Imagem é de seu próprio rosto
Sua testa se contrai em um olhar com um misto de incompreensão e curiosidade a tudo 
Ele fica ali, parado, imóvel por um tempo, tentando significar o que vê
Após um momento, ele tem sua face tomada pelo horror 
Seus olhos esbugalhados, trêmulos, sua boca semiaberta e seu rosto paralisado em meio ao que parece ser a compreensão e o significado de tudo.
Após uma reflexão fugaz, a expressão de horror logo é deixada de lado e tomado por uma tristeza profunda
Lentamente, ele baixa sua cabeça como forma de uma aceitação melancólica do que vê em sua frente.
Suas pernas perdem as forças e ele cai no chão úmido e escuro
E ali ele permanece, pensativo
“Todas as escolhas e todas as encruzilhadas parecem levar sempre ao mesmo destino
A dor é inevitável”
“Qual o sentido de seguir em frente, sabendo que nada mais será capaz de preencher o vazio que foi deixado e que nunca mais será capaz de sentir novamente o que já sentiu?”
Do pó ao pó
A muralha passa a ser construída novamente, mas dessa vez, ele vai se certificar que nem uma pedra ira tombar, nem mesmo a luz passará.
E ali ele permanecerá, aguardando pacientemente o dia em que o silêncio de sua fortaleza será quebrado pelo som do andar de cascos lentos e compassados, somados ao bufar de um cavalo baio que vem em sua direção.
"Exspectantes Mortem"
R.I.P
Cesar Augusto Marmitt
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