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secretamandasong:
Havia certo conforto na vida que levava, e por isso, Chiyori não se dava ao luxo de reclamar. Tinha tudo o que poderia querer, exceto a coisa que mais almejava, seu sonho mais precioso: a liberdade, a realização de fazer o que amava. Não era demais a se pedir, achava. Ainda podia deitar a noite e imaginar sua vida pacata, lecionando e escrevendo no tempo livre, vivendo tranquilamente. No entanto, por mais simples que fossem seus objetivos, parecia ser muito além do que as regras estritas e o dinheiro dos seus pais poderia oferecer. Sentia estar presa naquilo para sempre, e sequer tinha o direito de sofrer.
Além de condicionada a dedicar todo seu tempo a algo que odiava, Chiyori precisava conviver com a educação que recebera. Independente de como era tratada, foi ensinada a ser graciosa, agradável, jamais demonstrar raiva, tristeza, angústia - ou qualquer coisa ruim. Uma verdadeira princesa, já ouvira. Poucos eram os que viram lágrimas escorrerem dos olhos da japonesa, ou que perceberam sua frustração, e uma delas sendo sua mãe, tal atitude foi recebida com desprezo, lida como fraqueza. Não lhe era permitido ser fraca, mas também não poderia ser forte demais, isso assustava as pessoas, não era elegante.
Por sorte - ou azar -, outra pessoa a viu naquela situação: Lorelai. Nos últimos anos, a garota era tudo que Chiyori tinha, nunca havia conhecido alguém com quem se identificasse tanto, nem com quem se sentisse tão à vontade. Até sozinha em seu quarto, a japonesa estava sempre atenta: alguém estava olhando, o tempo todo. Mas não com Lorelai. Com ela, Chiyori podia ser exagerada, histérica, chorona e não tinha problema. Essa era a sorte.
O azar era que, por algum motivo, não davam certo. Talvez fosse exatamente por serem idênticas, ou por uma razão completamente diferente e desconhecida, mas enquanto terminavam o tempo todo, Chiyori só tinha a certeza da saudade que sentia de Lorelai, do quanto a garota fazia falta em sua vida. Nunca conseguiam ficar longe por muito tempo, nem juntas. Pelo menos era uma distração, certo?
As luzes fortes e a música alta distraíam Chiyori o suficiente para ela não perceber Lorelai chegando, mas assim que a ouviu, um largo sorriso surgiu no rosto, genuinamente feliz. “Eu também não sabia que você ia vir!” Rebateu, rindo divertidamente. Não sabia ao certo como cumprimentá-la, então permaneceu no lugar. “Cheguei agora, nem deu tempo de pedir alguma coisa para beber ainda…” Balançou a cabeça, olhando para o bar uma vez só antes de fitar a namorada novamente. “E você, chegou agora? Quer pedir alguma coisa?”
Não conseguindo resistir aos seus próprios instintos, decidiu abraçar Chiyori em um rompante ao receber um sorriso ao invés da careta que esperava. “Eu quase não vinha, mas não queria ficar sozinha...” Era naqueles momentos de tensão em que a mente forçadamente tranquila de Lorelai revelava a sua verdadeira natureza caótica: pensava mais rápido do que conseguia acompanhar, com um raciocínio totalmente bagunçado que não durava mais que um minuto. Mesmo que fosse tarde demais para se arrepender, se perguntava se realmente deveria ter dado o primeiro passo para fazer as pazes com Chiyori ou não: valia a pena insistir para que pudessem terminar e recomeçar o ciclo pelo que parecia ser a centésima vez? Dramática do jeito que era, sentia que um pedaço de si desaparecia toda vez que passavam por aquele mesmo horrível processo, e o simples pensamento de se sujeitar àquilo novamente parecia loucura. De qualquer forma, não havia o que fazer agora além de conversar com a ex namorada-melhor amiga e tentar resolver a situação. Fosse qual fosse o problema das duas, prometeu a si mesma que encontraria um jeito de resolver. “Sim, quase agora! Vamos pedir algo, então.”
Se esgueirando pela multidão até chegar ao balcão do bar, a garota usou o pequeno trajeto para reconstruir a própria confiança, imediatamente pedindo o coquetel mais colorido e doce que poderiam oferecer. Talvez fosse aquilo que lhe faltasse: um pouco de estímulo para aguentar a noite e fazer o que precisava ser feito. Se a tentativa de reconciliação não desse certo, pelo menos não sentiria tanto o impacto naquele momento “Você parece ótima.” Tentava manter a mesma leveza da época em que eram apenas amigas, sorrindo enquanto analisava Chiyori de cima a baixo. Para uma garota tão extrovertida, conversar e pensar em amenidades estava sendo mais difícil do que aparentava. “E então...” Disse ao bebericar o primeiro gole da sua bebida rosa, automaticamente relaxando a postura. “Tudo bem com você? Novidades?” Tinha noção do quão ridícula era sua pergunta, mas ainda precisava de um tempo para sondar como a ex estava e formular seu discurso desesperado.
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secretamandasong:
Foram incontáveis noites sem dormir, pensando em como seria o dia onde encontraria Primrose novamente. Winter não gostava de admitir nem para si mesma o quanto a garota representava em sua vida, o quanto tudo era diferente por conta dela, e a maneira como nunca a esqueceu. O dia-a-dia corrido, os afazeres, as novas faces conhecidas - nada era capaz de apagar a ex-namorada e tudo que viveram. Achava até injusto cobrar de si mesma enterrar algo que como aquilo, enquanto parte de si queria apenas fingir nunca tê-la visto e evitar precisar as ditas antigas memórias. A briga consigo mesma era exaustiva; por vezes, queria apenas fugir dos próprios pensamentos. Eram coisas cujas nunca contou para ninguém, tampouco pretendia, mas ela mesma saber o quanto a mulher ainda mexia consigo era tortura suficiente.
As mãos inquietas se esgueiravam por entre a mesa posta com as diversas opções de bebida. A mente nublada pelo encontro imediato sequer pensou no fato de que sua mãe falaria por dias após ver Winter com um copo de scotch, idêntico ao que a maioria dos homens no local segurava, mas um champanhe qualquer ou os coquetéis coloridos com gosto de fruta não dariam o que a garota precisava.
Apesar de se sentir tão preparada o tempo todo para aquilo, não fazia ideia do que fazer. Recostou o ombro contra a parede mais próxima, e o olhar fixo no chão denunciava quão perdida em sua mente Winter estava. Despertou apenas ao ouvir a voz tão familiar, dessa vez vindo do rosto ainda semelhante, mas disposto em uma pessoa completamente diferente. Pareceu não ouvir, no primeiro momento; ficou a observar Primrose com atenção, de cima a baixo. Bebeu um pouco mais antes de falar. “Eu nem ia vir, na verdade…” Fitou a garota, o braço livre cruzado. “Acho que atraso é até lucro nesse caso” Tentou soar bem humorada, e se deu conta de imediato que não havia funcionado. “Você está… diferente. Como estão as coisas?”
Ali, na presença de Winter pela primeira vez em anos, se sentia mais frágil e ridícula do que nunca. Ao mesmo tempo que era bom poder vê-la e contastar que ela aparentava estar bem e saudável, aquele pequeno e inesperado encontro tinha sido o suficiente para fazer Primrose desmoronar internamente, a confiança que tinha criado durante a semana e naquelas horas em que tentara se embebedar para esquecer se esvaindo mais rapidamente do que tinha se acumulado. Era inevitável tentar comparar as duas: enquanto a ex-namorada parecia ter saído diretamente de um sonho (de um de seus sonhos, mais especificamente, ou das fantasias que alimentavam quando eram mais novas e sonhavam em fugir do radar dos pais), ela estava como a cópia exata da mãe enquanto crescia. O vestido impecável, os brincos brilhantes quase capazes de cegar um desavisado e, a cereja do bolo, o enorme anel no dedo que representava seu suposto casamento perfeito. Ah, ela devia ter ficado na sua, sentada na mesa com um coquetel na mão, longe de Winter.
Riu fracamente com o comentário sobre estar diferente, mesmo sem humor algum. Certamente estava: da última vez que tinham se encontrado, era a figura perfeita da adolescente reprimida pelos pais, escondida pelas futilidades do ambiente específico em que tinham crescido. Bem diferente da esposa de família reprimida que representava atualmente, a mesma figura que elas costumavam abominar juntas. “É verdade. Você também está diferente. Muito tempo se passou.” Respondeu simplesmente, um pouco desconfiada por causa dos arredores. Apesar de já ser mais velha, se sentia uma eterna criança naquele tipo de evento, sempre sendo vigiada e repreendida pelo que fazia, de forma que preferia manter suas falas o mais neutras possível. Afinal, não sabia quem poderia estar ouvindo. Aproveitou a proximidade da mesa de bebidas para se servir com um novo coquetel, forçando uma naturalidade claramente inadequada para a situação. “Tudo anda bem. Nada demais a se comentar. Além do casamento, claro. É o assunto do momento.” Gesticulou para o salão, abaixando a mão assim que notou que era a mão em que usava o seu anel. Com um suspiro, tomou um leve gole do coquetel, balançando a cabeça para si mesma. “Como você está?”
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secretamandasong:
Ao longo dos anos, você ouve várias pessoas discursarem longamente sobre aproveitar a própria companhia e não depender da aprovação alheia, e enquanto na maior parte das vezes isso é dito apenas da boca para fora, Jinri aprendeu da maneira mais dolorosa a verdade. Não gostava de ser o centro das atenções - quanto mais despercebida, melhor - e adorava ficar sozinha. Não fora sempre assim, é claro: a ausência física do pai, devido aos inúmeros compromissos relacionados ao trabalho importante, junto da ausência emocional da mãe, tornaram Jinri uma criança e adolescente extremamente carente, apegada a qualquer um que lhe dispusesse o mínimo de atenção. No início, se reservava apenas aos seus amigos e as babás que tomavam conta de si na grande casa vazia onde morava, mas com a idade chegando, a inocência de Jinri foi o estopim para o que seria o maior trauma de sua vida.
Ninguém avisou para ela sobre não poder confiar em qualquer um na internet. Ninguém a alertou dos perigos aos quais estava constantemente exposta, nem lhe ensinou a se prevenir. Deveria ser subentendido, talvez, mas não para uma menina de 15 anos. Quando viu todos os seus colegas apontando discretamente em sua direção pelo corredor da escola, cochichando, e ocasionalmente rindo, não levou muito tempo para descobrir o que havia acontecido. Quando confirmou que o garoto havia espalhado suas fotos íntimas para todos os conhecidos, era como se algo dentro de Jinri morresse - não sabia se sua inocência, sua bondade. Mas alguma coisa mudou, e até então, não parecia querer voltar.
No entanto, já fazia certo tempo desde o acontecido. Jinri fez questão de esconder tudo da família, sem saber como seu pai reagiria, e ciente do surto da mãe; e depois da vingança, que acabou lhe fazendo descobrir um novo talento, tudo parecia (minimamente) em paz, por fim. Estudava algo que gostava, ganhava muito dinheiro fazendo exatamente esse trabalho, o que mais poderia desejar? Estava preguiçosamente sentada em um dos bancos no jardim do campus, absorta no livro que segurava em uma das mãos enquanto o outro braço envolvia os joelhos, quando ouviu alguém chamar seu nome. Aproximações súbitas sempre a deixavam desconfiada, e antes mesmo de poder pensar em como reagir, uma das sobrancelhas arqueou. Estendeu a mão na direção da garota, fechando o livro. “É, Jinri. E você é…?” Afastou a mão, guardando o livro dentro da mochila e acenando com a cabeça, um tanto curiosa. “Pois não…? O que precisa falar comigo?”
Com a mente inquieta contrastando com sua imagem exterior silenciosa, Haerin tinha pensado muito sobre aquele momento: o que falaria, o que faria, as possíveis respostas que receberia de Jinri. Era uma pessoa acostumada a pensar diversas vezes antes de finalmente agir, afinal, e tal comportamento tinha se agravado após o incidente das fotos, assim como a sua tendência ao isolamento. De qualquer jeito, ali estava: completamente travada, tentando lembrar de todas as frases que tinha planejado ao longo das semanas, uma pequena tempestade já se formando no interior da sua mente pelo imprevisto. Era a primeira vez que assumiria abertamente para alguém o que tinha acontecido; a primeira vez que falaria sobre o assunto sem se calar segundos depois e fingir que não havia dito nada sobre, e seria com uma total desconhecida. Sua personalidade tímida estava em conflito mais do que nunca, mas sabia que, se havia alguém no campus que não a julgaria, aquela pessoa com toda certeza era Jinri.
“Meu nome é Haerin.” Repetiu após um breve instante em silêncio, enfiando timidamente as mãos no bolso do casaco que usava. Continuou a falar logo após um longo suspiro, se odiando por estar naquela situação. De alguma forma, devia ter previsto que todo aquele desastre aconteceria. “Meu ex namorado vazou fotos minhas.” Preferiu ser direta, se contorcendo internamente simplesmente pelo ato de ter dito aquelas palavras em voz alta. Se perguntava se era tarde demais para fingir que aquela conversa nunca tinha acontecido e voltar para o quarto, mas se forçou a continuar falando, em um tom de voz quase engasgado. Encarava o chão, ao invés de olhar diretamente para Jinri. “E eu queria poder retrucar. Mas não tenho a mínima ideia de como hackear alguém, por isso vim falar com você. Ouvi histórias do que você faz pelo campus.” Finalmente, levantou a cabeça, esperando alguma reação da garota. “Não preciso nem aprender, se você achar que é muito trabalho. Só queria poder retrucar. Dinheiro não é problema.” Adicionou a última frase abruptamente, mais uma vez suspirando.
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Haerin era tímida por natureza. Se comportava de forma calada e tranquila desde que se entendia por gente, arrancando sorrisos e elogios dos adultos ao seu redor na maioria das ocasiões. De admiração, essa característica logo passou a ser motivo de grande preocupação para os pais e demais responsáveis, visto a enorme dificuldade que tinha para superar a timidez e fazer amigos. Como conheceria pessoas se era sempre tão reservada e quieta? O que faria quando precisasse reagir a algo importante? Foram necessárias inúmeras visitas a especialistas durante os seus anos de formação até os pais notarem que Haerin era assim por preferir ser. Gostava de se manter silenciosa e contida para poder passar facilmente despercebida por onde quer que fosse, mas não havia o que temer. Conseguia se virar sozinha, era o que tentava dizer.
Com o tempo, logo os pais viram que não havia motivo para tanta angústia — Haerin fazia amigos com certa facilidade, mesmo que poucos. Tinha seu grupo social estabelecido, mandava mensagens de texto para as amigas constantemente e, ao contrário do esperado, era consideravelmente popular na escola. Um pouco mais velha, tinha até feito a proeza de conseguir um namorado. Doce, inteligente, confiável e compreensivo, ele parecia ter saído diretamente dos seus sonhos mais secretos, como se tivesse sido feito sob medida para ela. Com o incentivo dele, Haerin tinha até se tornado mais extrovertida. Parecia bom demais para ser verdade.
Agora, gostaria de voltar ao tempo e dizer a si mesma que com certeza era bom demais para ser verdade. Nada conseguia ser tão maravilhoso assim, sinal claro de que havia algo errado que ela não estava enxergando. Pensa direito, Haerin, diria a si mesma. No fundo, sabia que não havia como antecipar que um namorado tão gentil e amável vazaria suas fotos íntimas como se não fosse nada demais, mas isso não era capaz de a fazer se sentir menos idiota. Deveria ter previsto aquilo acontecendo de alguma forma, e deveria ter feito algo para impedir. Se seu pai descobrisse... Se sua mãe preferisse se afastar por causa disso... Não preferia nem pensar em como suas relações familiares ficariam. Se antes era reservada, agora queria ser uma pessoa completamente fechada, tão afastada de tudo que ninguém poderia tentar a machucar.
Falar sobre o assunto doía, mas estava disposta a discutir sobre mais uma única vez para poder resolver a situação. Haerin já tinha escutado diversas fofocas sobre o caso de Jinri certas vezes, mas nunca pensara que um dia falaria com a garota sobre isso. Se aproximou assim que notou que ela estava sozinha, usando a bolsa que levava para todo lugar como apoio. No mínimo, esperava que Jinri não fizesse pouco caso dela por ter sido tão ingênua, mesmo que não pudesse a ajudar. Tinham passado pelo mesmo trauma, afinal. “Ei... Jinri, certo?” Tentou sorrir de uma maneira simpática, estendendo a mão. “Meu nome é Haerin. Preciso falar com você.”
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Um dos sentimentos mais recorrentes para Primrose era o de se sentir anestesiada. Existia sem participar de fato de qualquer acontecimento ao seu redor, quase como se estivesse observando o desenvolvimento (ou, melhor dizendo, a falta de desenvolvimento) da própria vida em outra sala, apática demais para conseguir se envolver. A bem da verdade, se sentia assim há mais tempo do que realmente conseguia lembrar. A parte mais dramática e desesperada de si por vezes pensava que ela tinha nascido assim; era uma daquelas pessoas que tinham nascido sem um propósito certo. Continuaria existindo, até aquilo enfim um dia acabar.
Obviamente, quem convivia com ela jamais esperaria aquele tipo de comportamento. Na frente dos outros era radiante, sorridente, empolgada, sempre pronta para enfrentar um desafio novo e resolver qualquer problema, exatamente da forma que havia sido ensinada desde muito pequena. O objetivo era se tornar a mulher perfeita para viver no mesmo tipo de sociedade que os pais viviam, onde os assuntos mais complexos que ela poderia conversar sobre para o resto da vida seriam os métodos que usava para manter suas joias tão brilhantes e a nova reforma do chalé de campo, e tinha de fato alcançado isso. Casara com um homem rico e perfeito aos olhos de todos e morava em uma casa linda, grande o suficiente para que o marido nunca visse a quantidade de remédios de dor de cabeça que tomava para aguentar o dia e para que ela só tivesse descoberto o fluxo constante de amantes do marido anos depois de se casarem. O matrimônimo perfeito, certamente.
Dizer que era infeliz seria um eufemismo para sua verdadeira condição. Se sentia presa, melancólica e quaisquer outro mil sinônimos que pudessem ser encontrados para depressiva. Sonhava com a possibilidade de fugir daquele lugar e fazer algo que realmente desejasse pela primeira vez na vida na mesma intensidade em que tentava afastar aqueles pensamentos, sabendo que alimentar tal tipo de esperança só a faria mal. Se fosse um pouco mais esperta ou apenas um tantinho mais corajosa — se fosse mais como Winter, era o quer realmente queria dizer —, teria fugido daquele ambiente na primeira oportunidade. Ao invés disso, preferiu forçar uma reconciliação com os pais com a garantia de que continuaria na zona de conforto, protegida por eles. Agora se perguntava se aquilo tinha lhe servido de alguma coisa. Detestava admitir, mas havia virado um exemplo perfeito para o estereótipo da esposa troféu infeliz. Estava presa no seu pior pesadelo de criança e, sem perspectiva nenhuma de como sair, não sabia o que fazer.
Seu mecanismo de defesa era sempre tentar ocupar a cabeça com alguma coisa, fugindo dos problemas. Felizmente, eventos de casamento eram justificativas perfeitas para se embebedar, e era exatamente isso que estava fazendo. Bebericava um coquetel frutado que não fazia a mínima ideia dos ingredientes, sorrindo para uma mulher que não lembrava de ter sido apresentada enquanto a escutava falar sobre a prataria do local. Com o sorriso solto pelo álcool e as pérolas brilhantes penduradas nas orelhas, ninguém imaginava que bebia mais por sentir que precisava ânimo do que por querer comemorar com o resto dos presentes. Não sabia dizer com certeza se Winter apareceria, do mesmo jeito que não sabia dizer se queria que ela estivesse ali ou não. De qualquer forma, queria estar preparada.
Só lhe ocorreu que aquela talvez não fosse uma ideia tão boa quando sentiu o refluxo no momento que viu Winter se materializar na sua frente, tão inacreditável quanto uma miragem. Primrose logo colocou um dos pequenos petiscos na boca e tentou engajar mais com a conversa alheia, olhando todos para os pontos possíveis da sala menos na direção da ex namorada, a vigiando pelo canto do olho. Os breves segundos em que tinha a visto foram o sufiiciente para lhe desequilibrar totalmente, destruindo toda a pouca coragem que havia criado ans últimas horas.
Não demorou muito para sua curiosidade vencer, e antes mesmo que pudesse raciocinar o que estava fazendo, Primrose se levantou da mesa com a desculpa de que pegaria um novo drink, seguindo Winter na direção oposta da que deveria estar indo. Tossiu atrás dela, esperando que aquele parecesse apenas um encontro casual para as pessoas ao redor delas. “Você chegou atrasada.” Falou simplesmente, olhando para o ponto acima da cabeça de Winter. Mais do que envergonhada, se sentia um fracasso. Era inevitável pensar em todas as promessas não cumpridas que tinham feito quando mais novas, tendo se encontrado pela primeira vez após tantos anos.
Apesar das circunstâncias que a levaram a desaparecer, Winter nunca esqueceria do suspiro aliviado que deu tão logo pisou fora da cidade natal, para então sumir por anos e não ser vista por mais ninguém - sua família, a comunidade, seus antigos colegas. Sua ex-namorada. Esta última parte em especial, agridoce. Guardou qualquer resquício dos sentimentos por Primrose no fundo de seu peito, com a esperança de nunca precisar revisitar aquelas memórias. No entanto, apegada ao pai como era, Winter sabia: cedo ou tarde, precisaria voltar. Não negaria um pedido à pessoa que a ajudou quando ninguém mais o fez. Winter adiou vez após vez seu retorno, mas eventualmente o fatídico dia chegou.
Em uma ligação longa e animada, seu pai a questionava - sobre a faculdade, trabalho, relacionamentos, como era o Japão. Winter respondia de bom grado, mas não era ingênua para achar que o contato inesperado era livre de segundas intenções. “Você me ligou só para perguntar como eu estou mesmo?” Questionou, e com um riso derrotado de quem havia sido descoberto, ele contou: seu irmão mais velho se casaria. A notícia despertou memórias desagradáveis, cujas não fazia questão alguma de reviver. Após tanto tempo, algumas coisas poderiam ter mudado, mas tinha certeza que sua mãe continuava a mesma - e por isso, decidiu ir. Não faria seu pai passar pela tortura que seria ouvi-la reclamando de sua ausência.
Mas é claro: a família não poderia simplesmente fazer a cerimônia num dia e acabar com isso. O mês inteiro estava ocupado com compromissos, e lembrar de como os ditos encontros costumavam ser enquanto fazia as malas quase lhe causava dor física. No meio de seus devaneios, Primrose veio à sua mente, e sozinha, Winter indagou se a garota estaria lá. Lembrava nitidamente dela, do quanto eram parecidas e sofriam com mães também idênticas. Do quanto almejavam fugir de tudo aquilo, juntas. Se prender às memórias da infância era bobo, mas não podia evitar. Ao deixar seu apartamento, ao embarcar no avião e durante as longas horas de viagem, não conseguia parar de pensar nela.
Como o esperado, a chegada de Winter provocou diversas reações. Algumas pessoas felizes, outras claramente desgostosas. Era incrível que após tantos anos, ainda se recordasse de quase todos que agora vagavam pela grande casa onde cresceu. Lembrou-se, inevitavelmente, do quanto detestava aquilo. Deixou as malas no antigo quarto, desceu para conversar com seu pai, trocou algumas palavras breves com as pessoas que a fitavam de cima a baixo cada vez que se aproximavam. Não fez questão de prolongar a conversa com ninguém, e secretamente, seus olhos inquietos procuravam por Primrose em meio a todos. Se não conhecesse cada detalhe daquele rosto tão bem, certamente não teria a reconhecido, tão diferente estava.
“Aquela— é a Primrose?” Winter perguntou, já sabendo a resposta, incapaz de disfarçar a maneira como a encarava, completamente confusa. “É sim! Ela não está ótima?” Ouviu uma das velhas amigas da matriarca dizer, e apenas balançou a cabeça, concordando. Havia congelado, por dentro e por fora - não parecia Primrose. “Eu vou pegar algo para beber,” Se desculpou e saiu em direção à cozinha, depois de tempo demais fitando a ex-namorada, o suficiente para ela ter percebido, tinha certeza.
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Se alguém pedisse para Lorelai descrever a si mesma em uma única palavra, ela escolheria espirituosa: estava sempre procurando manter um certo grau de leveza na vida, por mais difíceis que as coisas pudessem ficar. Talvez fosse por essa característica que tinha decidido desde cedo que a atuação era o seu maior interesse da vida. Se no cotidiano era conhecida por ser extrovertida e desenvolta, no teatro preferia interpretar as personagens mais tristes e comedidas, sentindo que finalmente podia tentar parar de agradar a todos ao seu redor e trazer suas verdadeiras emoções à tona. Não havia outro lugar que quisesse estar mais que nos palcos, recebendo os merecidos aplausos e estando bem no centro dos holofotes.
Infelizmente, enquanto para ela a carreira teatral era um plano sério e cuidadosamente traçado, para os seus pais era apenas uma fase adolescente que seria esquecida assim que ela encontrasse uma nova fixação. O sonho de ser uma atriz séria logo foi enterrado em prol da realidade de que acabaria fazendo o curso que eles desejassem sem reclamar, e o escolhido acabou sendo Direito. Nada menos ela que a ideia de se tornar uma advogada, juíza ou o que quer que fosse: simplesmente não combinava com o curso, mas o que poderia fazer? Esperava pelo menos que estar seguindo o caminho desejado pelos pais significasse que eles a deixariam em paz, e foi isso que realmente aconteceu. Enquanto as notas continuassem na média, eles continuariam mandando o dinheiro torrado cuidadosamente em roupas e festas, sua maneira pessoal de lidar com os problemas.
E por mais miserável que se sentisse durante a semana, indo de aula em aula e se esforçando por algo que não se importava, Lorelai se transformava em todo fim de semana: bastava ser liberada da aula final da sexta para voltar para casa correndo, sorrindo mais do que em todos os dias anteriores combinados e já pensando na roupa que usaria mais tarde e em qual festa confirmaria presença. Constantemente procurando se cercar por pessoas parecidas com ela, não demorou muito para conhecer e se aproximar de Chiyori. As duas viviam em situações parecidas: eram reféns de escolhas alheias além de seus controles, usando dos mesmo artifícios para esquecer os problemas da vida. Às vezes sentia que Chiyori era a única pessoa do mundo capaz de a entender completamente, vendo através da fachada de Lorelai com tanta facilidade que a assustava. Outras vezes tinha certeza disso.
E agora estavam separadas. De novo. Já tinha perdido a conta de todos os inúmeros términos e reconciliamentos que tivera com a namorada/amiga/o termo que lhes servisse no momento, mas cada um parecia doer mais que o outro, independente de quem fosse a decisão final. Todo término trazia consigo o medo de que não voltassem novamente, do mesmo jeito que toda reconciliação levantava o questionamento de que se brigariam mais uma vez ou não. Viviam nesse ciclo quase interminável, sem saber como resolver.
Foi por saudades da namorada que decidiu tomar o primeiro passo, mesmo sem querer admitir para si mesma o verdadeiro motivo. Se aproximou de Chiyori quase eufórica, fazendo seu maior esforço para agir normalmente. "Não sabia que você ia vir!" Gritou para ser ouvida além da música alta, sorrindo. Por mais que quisesse a abraçar, não o fez, tentando antecipar as reações alheias. "Chegou faz muito tempo?"
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I never liked the idea of being a wife. Marrying someone and being supposed to put all my trust in them for the rest of our lives? I had problems solely with the perspective of being with someone and letting them know me, reason behind why I never made an honest effort to get a relationship, so one can easily assume that I was not planning to get married this year (although a buzzfeed quiz said it was going to happen. Guess I should have taken it more seriously). There are also the sexuality problems (I didn’t want to assume that I am a lesbian and I didn't want to be any more different for that), but this is not particularly relevant to the point I am trying to make.
Of course, I’ve already told you that, but it’s hard to have brand new thoughts when my girlfriend, fiancee and soon to be wife is sleeping very peacefully and beautifully on my side. Unfortunately, insomnia doesn’t let me do the same, so I will enjoy this wonderful time to watch you sleeping and write you a silly letter. I may repeat a lot of stuff I have said before, but I guess part of loving someone is being repetitive. I want to take good care of you, wash your hair at night when you are too tired to do it alone, hold your hand when there’s no need to be brave (and at this point I hope you already noticed that I am just quoting Mitski lyrics), among other things; I talk incessantly about this wanting and how much I want to do it; I finally fulfill this wanting and then everything goes full cycle and I do it all again. See how repetitive love can be? I don’t see a problem with that at all. I love you and I expect us to be together for many years. Life can’t always be a drama movie with lots of trauma discourses and big romantic gestures and this is okay. Sometimes we are going to fight. Maybe you will complain about my cigarettes and I will insist to keep smoking around with caring. Sometimes we are just going to live. We will go to work and then come back and deal with each other. Sometimes we will have the best days of our relationship. We will travel and have amazing dinners and pet our amazing cat child. A natural relationship has the good, the bad and the ugly, and I can’t wait to live it all with you.
There are so many things that I want to do with you. I am not talking only about the romantic stuff, but also the trivial things. Grocery shopping, buying goodies for our child, do laundry. More important, I have to take you to Japan so I can introduce you to grandma and show you the place where happened most of my happy memories. Also, we gotta go to the house I lived in Canada, because after six years my things are still there and I want to get the journal I started after our trip. You will love it: lots of entries about your soft lips and notes reminding myself of the movies you recommended me: you can say whatever you want about fifteen years old Harper, but she had her priorities straight. It's funny to think about this journal now, actually, because I've never been someone good with words. I never liked to talk, but imagine me at that time: a teenager who spent most of her time alone at home, studying and being depressed. That trip was my first big thing, my best life experience until then and I wanted to talk about it. At the same time, I wanted to keep it private: only for me, and you, of course. I had to get it out of me somehow, so I bought a journal and instead of spending my free time reading math books and playing chess alone I wrote at least twenty pages about that french girl who was sooooo much cooler than me. I am glad we are soulmates and we are together now, because that memory would be plain boring and sad otherwise. Maybe I will talk about it on my wedding vows.
Talking about the wedding, we have to choose our first waltz song. I know we aren't a traditional couple and we won't have a lot of guests, but we deserve to be a little extra, right? Brides have to have everything they want on their wedding day, they say, and that's even more important when there is two brides. It's our chance to go crazy and do whatever we want. Are we even going to have a traditional honeymoon? I will ask you that again when I wake up, but think about it.
I love you so much that I want to scream about it as much as I want to hide it, just to keep my love for you safe from the curious eyes and mean tongues. Jealous as I am (a side that I didn't know I had, to be honest. Always felt so pride for not feeling jealous, and now I am biting my tongue for it), the ugliest part of me also wants to keep this love safe to make sure no one will try to disturb it. My baby is sweet as can be, I know that very well, in a sense that I know how easily it is to fall in love with you. I remember when people in college used to talk about Marianne and how great she was and the only thing that could help my jealouness (now I know the feeling) was remembering that I knew you better than anyone there. Don't worry about it, though, because I am working on that. Soon everyone will be talking about the famous amazing and talented director Marianne, and there will be no such place for that kind of feeling when everyone is going to be properly praising and complimenting my wife.
This letter was supposed to be a short thing, and now I've written so much! Still, I feel like I haven't said all that I could. There are still missing feelings and memories, things that I will say to you in other situations, but the important thing is that I love you and I am so glad for that.
Undoubtedly yours, Harper Martin-Ono-Laurent-Lee.*
* I am practing it for my bank checks. Did you like it? It's kinda long, I know, but it sounds nice to me.
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