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Eu vi um bicho se aproximando da porta de vidro da casa e pensei "olha, o Cascatinha veio pra casa, vou abrir pra ele". To quase abrindo a porta e penso "caramba, mas esse gato é maior que o Cascatinha". E ele cola o focinho pelado e comprido no vidro, cheirando pra cima na minha direção. E eu vejo o rabo pelado e comprido atrás. E eu me retraio pra trás pensando "caramba, é um gambá! Maior que o Cascatinha!". E ele retrai o corpo pra trás pensando alguma coisa igual sobre mim. E eu penso, cadê meu celular que passou o dia no bolso e agora tá na mesa a uns 3 metros de distância de mim, enquanto eu relaxo o corpo e ele relaxa o corpo também e termina de atravessar a varanda andando bem devagar.
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Acordei às oito horas: o despertador não tocou às sete porque estava no silencioso. Subi o volume, dormi mais cinco minutos. O despertador tocou, eram sete horas (aquilo tinha sido um sonho, despertadores não deixam de tocar porque estão no silencioso). Comemorei porque não perdi o horário. Desliguei o alarme e virei pra dormir mais cinco minutos. Acordei de novo, eram oito da manhã.
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Sempre que eu volto pra casa no domingo E vejo o trânsito no sentido contrário na Fernão Eu penso no sentido poético que é Viver no contrafluxo
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Hoje (ontem?) enfiei a mão pra pegar uma mala em um armário de sucupira e senti uma sensação rápida, quente, estranha, como se meu dedo tivesse sido possuído por algo. Saí do quarto anunciando "alguma coisa aconteceu e eu preciso de ajuda." Uma farpa de todo tamanho tinha entrado pela lateral da unha e atravessado meu dedo em diagonal até a base dela. O veredito veio imediatamente: caso de hospital. Tive que tomar três injeções de anestesia. As duas primeiras doeram mais que 50 farpas cada. A terceira eu não senti. Unha levantada, (só o cantinho, amém) farpa pra fora, espanto de todos, médica, enfermeira, Pedro, eu pelo tamanho do pedaço de madeira que saiu inteirinho como conclusão. E de tudo isso, eu aprendi que, em Minas, eles falam é "ferpa".
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Presenciando uma convenção de andorinhas organizando em revoada a vinda do verão.
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Eu já fiz algumas coisas legais nessa vida, mas se tem uma coisa que me faz poder olhar a Laura de 10 anos atrás de cabeça erguida e com orgulho é que eu aprendi a temperar o feijão. Obrigada, Laura de 10 anos atrás, por ter comido tão mal pra eu poder chegar até aqui.
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A priminha de 6 anos do Pedro contando que vão voltar as aulas presenciais. ― Aula online é chato, né?
― Eu até que curto.
― É? E como é que é a aula online?
― É que nem novela, só que é aula.
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― Margando? A moça da padaria se certificou de que eu queria mesmo o café sem açúcar. Confirmei. E ela, rindo, "Corage!"
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― Eu, o mais novo??? Não! Tem meu primo de um. A irmã dele de três. Eu sou o de sete. Tem o de nove, que anda de moto... ― Como assim, nove anos e anda de moto? Não pode isso não! ― Na minha cidade pode. Entre Rios.
O menininho, na carona saindo de BH.
(...)
― Às vezes a bota machuca o pé. O problema é o salto.
Usava uma bota até o meio da canela.
― Mas você usa bota sempre, ou só na sua cidade? ― Sempre. Quando eu comprei eu já saí da loja com ela. Em todas as cidades que eu vou eu vou de bota.
(...)
― Você já usou aparelho no dente? ― Nunca. Você vai usar?
Fez que sim.
― Mas seus dentes já são todos definitivos? Eu até os 11 anos de idade ainda tava perdendo dente. ― Nuuuh!
Nem costumo reparar mais na expressão. Mas ele falou assim, com três "ús".
(...)
― Eu gosto mesmo é da roça. ― O que tem lá? ― Cavalo, vaca. Boi, bezerro. Galinha, pato...
(...)
― Minha tia [que dirigia] vai na festa da colheita hoje? ― Não sei... ― Se ela for vou pedir pra me levar. ― Você gosta? ― Sabe o que é? É que eu sou apaixonado com cavalo, boi, essas coisas...
(...)
― Hoje já tá tarde pra você chegar e sair. Que horas você dorme? ― Uma, duas... ― Nossa senhora! ― Mas quando eu to em casa eu durmo cedo. Assisto as duas novelas e durmo. Chiquititas, Carrossel e puf!
(...)
― Já to com vontade de dormir.
Deitou pro lado. Voltou.
― Você já viu o pézão? Pé grande? ― Não. Você já?...
Fez que sim.
― Ele é peludo e é maior que uma árvore. [reparou que era muito] Não... peraí, é que eu não to lembrando o tamanho direito. Ele é maior que esse carro aqui. Isso. Deitado ele é do tamanho do carro! ― Nossa! E você não ficou com medo? ― Não porque eu tava com uma espingarda. Eu tava na porteira assim e ele lá longe. Eu só fiquei com medo quando ele chegou perto e fez: "Ah!". E ele tem uns olhões assim!
Ia bocejando lento enquanto contava histórias.
― E jibóia, você já viu? ― Não... ― Teve uma lá em Entre Rios, debaixo da ponte do rio. Do tamanho da ponte! Ela comeu um vendedor de bananas. Comeu uma velhinha. Comeu um monte de gente por lá! ― Tia, você já viu jibóia?
Ela, dirigindo: ― Já. ― Onde? ― No zoológico. ― Não. Em Entre Rios você já viu? ― Já, no sítio. ― Não! Na cidade, você já viu?
Eu: ― É que ele tá me contando aqui que tinha uma jibóia na cidade que comeu um vendedor de bananas.
Ela caiu na gargalhada.
― Vocês não acreditam, é? Ah é...
A fofura sentada do meu lado e eu me segurando o caminho inteiro pra não apertar.
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Vizinhança
Encontrei varrendo folhas a dona do quintal mais bonito do bairro. Puxei assunto e ela me convidou pra entrar e ver seu orquidário. Ela perguntou assim: "Você não é brasileira, né?" Aí eu "sou, de São Paulo". "Ah, não. Mas eu achei que você tinha um sotaque diferente...". "É sotaque da Mooca!" Aí ela achou que tudo fazia sentido: tinha bem ouvido um sotaque italiano.
**** A vizinha (10) de maiô e bermuda. Me contou que ia passar o dia no clube, perguntou o que eu ia fazer (trocar o registro do banheiro, trocar a resistência do chuveiro...), disse que é sócia da Caixa, do Yate Clube e do SESC. "Ué, mas SESC tem piscina?". E ela: "nó, demais!".
**** Na casa da frente morava uma senhora e um senhor. Todo dia ele vinha tomar sol, todo dia eu falava bom dia – janela com janela. Um dia ele parou de aparecer. Depois a casa encheu de gente com ar melancólico. Depois passou uma senhora e disse para a esposa "a gente sente saudade, né?" Fiquei meio assim – dessas pessoas que a gente conhece sem conhecer. Agora a vizinha aparece todo dia. Vez em quando a gente cumprimenta. Ela tricota, eu trabalho. Ela tricota, eu ouço música. Ela e o cachorrinho de roupa, eu acaricio os gatinhos na janela. Ontem bateu um carro aqui na esquina (todo mês bate), saíram os vizinhos todos pra ver. Sorriu afável pra mim. Depois olhou pras amigas da rodinha e disse: "Ela cortou o cabelinho curtinho, achei tão bonitinho!".
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Achei um caderninho de "ideias" (bem assim entre aspas mesmo) de quando eu tinha 16 anos. Adolescência dói, né? Dá vontade de apagar todos os vestígios de que essa fase existiu. Aí no meio das anotações encontro: "móvel embutido é uma grande contradição".
Genial.
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Outro dia em uma carona pra BH uma passageira falou que trabalhava com "ecologia de formigas". Solta a imaginação, minha cabeça demorou a voltar à conversa. Peguei outro trecho um pouco mais à frente: contou que trabalha pesquisando para onde as formigas vão quando a área em que elas moram alaga. A conversa era sobre como ela poderia justificar na pesquisa que a época de chuvas esse ano foi só em abril. Completou que continuavam fazendo a pesquisa, mas as formigas não estavam dando resposta nenhuma.
Aí minha imaginação voou!
(sou só eu ou vocês também imaginam a formiga sentadinha, se negando a responder o questionário do pesquisador?)
O que eu mais gosto de pegar carona é a diversidade de pessoas que a gente encontra. Outra vez fui conversando com uma passageira que fazia mestrado na Escola de Farmácia e pesquisava RNA. Explicou algumas coisas que eu lembrava só bem vagamente das aulas de biologia acrescentando informações que só quem é da área poderia saber, tudo em tom calmo para eu poder acompanhar.
Depois perguntou o que eu fazia e eu contei que sou roteirista, que escrevo séries para a TV. Ela repuxou um pouquinho o lábio e falou: "Difícil, né?"
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Almoçando no burger king, pedi um lanche e uma batata pequena. "Senhora, a batata média sai até mais barata que a pequena." Me senti no Super Size Me.
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Os mineiros começam as negativas pela frase positiva, como os baianos. Isso é um abismo cultural e linguístico imenso entre mim e o Pedro. Hoje, por exemplo, a gente tinha um jantar na casa de uma amiga dele. Ficou de confirmar, pedi pra ele avisar assim que soubesse alguma coisa. Aí ele me grita de lá da sala:
"Ô, meu bem, vai rolar o jantar lá na casa da Ana mais não."
Entre o "vai rolar" e o "mais não", eu já levantei da cadeira, pensei na roupa, na hora, se a gente vai chegar tarde, se fo... "Mais não."
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Das inúmeras coisas que aprendi morando no interior uma das principais é que bicho tem época. Igual fruta. Teve uma época do ano aqui que os muros se encheram de lagartas pontudas. No mês seguinte o bambuzal se encheu de borboletinhas marrons, a borboletar pelo quintal. Teve época de lagartos (o verão, por óbvio) e na primavera os passarinhos (marca-da-mente) se esgoelaram de cantar. Ontem fez um ano que mudei (mudamos) pra cá. No começo só tínhamos um colchão de solteiro - que acabou indo pro lixo de tão velho - (hoje a vida evoluiu: já temos uma rede!). A gente colocava o colchão e o monitor do computador no chão, e toda noite enquanto a gente via série, pela janela um vagalume se exibia, piscando pra lá e pra cá - nunca mais eu vi. Ontem fez um ano que mudamos pra cá. Ontem, noite quente de novembro, um vagalume veio me visitar. (12/nov/2014)
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A vizinha-senhora resolveu puxar um papo anti-Dilma nos 30 segundos que tínhamos juntas dentro do elevador. O relógio que marca a temperatura (em São Paulo 33 graus) não funciona, como a presidente (o gancho que ela usou). Acho que ela se confundiu por eu ser da Mooca (Mooca é muito conservadora, dentro dessa "locomotiva" que São Paulo é) - achou que eu fosse concordar. Arrematei num papo boa vizinhança "democracia é assim, uma hora tá quem a gente quer, outra hora não...", ela concluiu antes de sair: "eu acho que vocês estão achando ela boa porque ela foi boa pra quem está mais necessitado no Brasil. Mas pro resto foi ruim". Preferia ter parado no termômetro da rua. Em São Paulo, hoje, 33 graus.
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