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Eu vi
Sempre acontecia em dias de chuva. Eu chegava no campus universitário perto das 19h, muito próximo da hora da entrada. Geralmente deixava para trás uma tarde cheia de atividades, e, meio atrasada, buscava uma vaga para estacionar o carro lá no cantinho, atrás do prédio da UNISC. Eu presenciei várias vezes aquela cena nos dias de chuva. Eu ali, na proteção do meu carro via ela. Ela chegava nesse mesmo horário. Estacionava a moto na aba do prédio para se proteger do temporal e começava o ritual. Tirava o capacete, procurava um bom lugar para colocá-lo. Depois começava a tirar a roupa de plástico ou de lona. Uma calça que podia ser uns dois números maior que ela e uma blusa igualmente grande para dar espaço para o corpo, as roupas e a mochila. Tudo protegido ali embaixo da roupa de plástico. Tirava uma proteção (acho que era uma sacolinha) dos pés que protegiam os sapatos, organizava tudo numa mochila e.... pronto! Nascia uma aluna de direito. Quase uma borboleta saindo do casulo de lona. Nesses momentos, confesso que me sentia envergonhada e até culpada por estar ali, dentro do meu carro sequinho, sendo voyeur dessa aluna. Aí ela pegava o capacete, os livros e entrava rapidamente pra sala de aula. E, para mim, o “espetáculo” terminava.
Não raras vezes o destino imediato dela era a minha sala de aula. Chegava eu, e via a “borboleta” lá, sentada numa classe que dava para a parede. Às vezes, ela dormia no meio da minha aula. Engraçado, nunca levei por ofensa ela cochilar na minha aula (eu via o cansaço nos olhos dela). As vezes ela não dormia, mas no intervalo me aparecia com a história mais trágica do mundo para me dizer que sentia muitíssimo, mas teria que ir embora mais cedo. Eu dizia: “não precisa me explicar. Apenas vá”. Mas, mesmo assim, ela sempre vinha se explicar antes de pegar os livros e desaparecer nos corredores.
As vezes eu via o “espetáculo” contrário. Sempre nos dias de chuva, na saída da aula, no escuro, ela na abinha vestindo as roupas gigantes de lona pra ir pra casa. Eu, acovardada no meu “castelo seco” apenas observava. Um dia, questionei a ela qual era sua profissão: me respondeu que era vigilante, trabalhava muito, dormia pouco. A família era ela, a mãe e o irmão. Precisava trabalhar. E eu.... entendi muita coisa. Entendi o sono, entendi o cansaço nas aulas, e até perdoei os cochilos e o eventual desprestígio às minhas aulas.
Pouco tempo depois ela foi trabalhar no fórum. Começou a ver e viver o direito. Folhear processos, conviver com servidores da justiça. Se empoderou! Passou a não dormir mais nas aulas, passou a melhorar as notas, a fazer perguntas interessantes e críticas, passou a ser a última aluna a abandonar a sala de aula ao final da noite. E eu vi a mudança. E comecei a me dar conta de que não via mais o “espetáculo da borboleta que sai do casulo”. Um dia, despretensiosamente, perguntei a ela se tinha vendido a moto, e ela, muito feliz, disse que tinha comprado um carro. Fiquei feliz por ela. Fiquei feliz por ver que de fato houve a metamorfose completa da borboleta.
Essa crônica nasceu hoje porque ontem participei da banca avaliadora do trabalho de conclusão de curso dela. E, embora eu tenha conseguido parabenizá-la pelo crescimento intelectual e pessoal que eu percebi que ela obteve, não consegui contar a ela essa história. Uma história que ela deve se orgulhar, como eu me orgulho de ver nela a concretização de um discurso de que a educação é transformadora.
E a história dela me faz encerrar esse ano letivo com muita gratidão por ser canal condutor de mudanças de vidas e de realidades. Agora ela se vai... se forma e vai encarar o mundo real. Eu sigo a vida, sigo chegando quase às 19h, procurando enlouquecida uma vaga perto da aba do campus em dias de chuva, dando a olhada lá pro canto escurinho, esperando, quem sabe, encontrar alguma outra borboleta em transformação. Sim, eu vi.
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A força do “nós”
Postei abaixo, em outro post, um vídeo porque tenho duas histórias para contar. Ambas aconteceram comigo. Mas poderia ser alguma outra das várias que já me aconteceram. Sim, eu recebo, e por vezes gosto de receber pais de alunos para conversar. Há exatos cinco anos uma mãe de aluno me procurou. Estava preocupada e desejava que o filho, que iniciava o curso de direito, fosse um bom profissional. Tinha dúvidas se ele tinha "vocação para o direito". Lembro de suas palavras pra mim: "professora, eu não quero que ninguém ajude ele. Não quero tratamento diferenciado. Pelo contrário, eu gostaria que exigissem o máximo, que incluíssem ele em todas as atividades, e, se observarem que ele não consegue acompanhar a turma, que sejam honestos conosco". Esse aluno tinha algumas questões de saúde que justificavam essa preocupação, mas de todo modo, a mãe me pedia para "não frouxar" com ele por isso. Eu sentia sinceridade na fala dela. E amor. Ela amava tanto o filho, queria vê-lo tão autônomo na vida, que me pedia para ser sincera: "se ele não tiver talento para ser um profissional do direito, BUSCAREMOS outra profissão na qual ele tenha" me disse ela. "Nós" ela dizia. Não "ele". Essa mãe me marcou pra sempre. Uma segunda mãe me procurou um dia para pedir por sua filha. Criava a filha sozinha, pois tinha se divorciado. Não queria ver a filha sofrer, pois ELA já sofria tanto pelo fato do pai ter ido embora, e a mãe sentia que a menina sofria em semanas de provas. "Sei", pensei eu. E que "muitos professores não tinham a mínima consideração com os alunos, porque não se esforçavam para ser simpáticos em sala. Que a filha contava que muitos não deixavam material para o aluno estudar para as provas, e que nesses semanas, a filha tinha que ler livros "enormes". Desumano para a filha já tão sofrida com o tal divórcio". Ouvi com atenção a mãe, expliquei que professores têm suas próprias metodologias, e que simpatia é um atributo pessoal de cada um. A gente nasce com ela ou não. Enfim, aconselhei ela a trabalhar esse "luto" do divórcio, ela e a filha, em terapia. Faria bem. Ela me disse que só quem sofria era a filha. Ela não. A dificuldae era só DA MENINA. Conto essa história hoje porque ontem saiu mais um listão de aprovados no exame da OAB. Dentre os nomes dos aprovados, muitos alunos nossos. Dentre eles, aquele menino cuja mãe se preocupava tanto. Fez e passou. Rápido. Três meses após sua colação de grau. Recebi ontem mensagem de sua mãe, que emocionada nos agradecia. No fundo, disse a ela, eu é que TE agradeço pela lição que nos dá, e pelo filho tão especial que criou e educou. E finalizou a mensagem me dizendo: "agora NÓS VAMOS tentar uma pós". Se referia a ele, obviamente. Sobre a outra aluna, aquela do divórcio.... ainda segue sendo aluna do curso. Esse semestre trancou, mas já fui avisada de que voltará em breve. A mãe me perguntou se alguns professores que ela julgava antipáticos com a filha ainda seguem lecionando no curso. Eu escuto e silencio. Prefiro acreditar que a maioria dos pais de nossos alunos consigam entender e colocar em prática os ensinamentos desse vídeo. Que consigam entender que a resposta para a fórmula de sucesso dos filhos, pode residir nos pais. No dar limites. Em fazê-los aprender com a frustração, com um professor pouco simpático. Em ter que ler um livro pra uma prova. Em desenvolver a resiliência, e especialmente na lição mais simples e amorosa que aquela mãe me ensinou: a prática e uso do verbo na primeira pessoa do plural... nós! ❤️
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Eu gosto muito desse vídeo, e volta e meia ele aparece na minha "timeline" postado por alguém. E eu sempre assisto de novo, de novo e me emociono de novo, de novo.... Isso porque eu e muitos de vocês meus amigos que estão lendo esse meu post agora têm dificuldade de admitir que somos ou fomos privilegiados para chegar onde estamos. Essa dificuldade reside no fato de que não entendemos como "privilégio" coisas simples como o fato de termos estudado em boas escolas, o fato de que tivemos uma mãe e um pai que nos deram suporte durante nossa vida estudantil; tivemos uma boa cama (e só nossa) para dormir e acordar renovados no outro dia; tivemos roupa e calçados quentes para ir na escola nas manhãs frias, e geralmente um café ou um Nescau quentinho preparado por alguém, e uma merendinha carinhosamente preparada; ou alguém que no final do semestre cobrava nossos rendimentos escolares. E mais: não precisávamos nos preocupar com as contas da casa, em ter que ajudar a manter a casa com o nosso esforço profissional, não nos preocupávamos sobre se se nosso pai chegaria em casa toda noite, e que se quando chegasse não agrediria nossa mãe, ou nós, ou nossos irmãos por estar embriagado ou drogado. Isso tudo, ainda que muitos relutem em admitir, são privilégios sim! Se você não passou por nenhum ou pela maioria dessas dificuldades, meu irmão, você foi e é um privilegiado. Então, muito cuidado quando falar em meritocracia. É fácil dizer que tivemos as mesmas condições de partida do nosso vizinho, porque morávamos no mesmo bairro. Privilégio não é só dinheiro... é condições de acessar de maneira absolutamente igual os mesmos espaços. Se esse acesso não foi igual.... então reflita quem realmente tem mérito. Esse vídeo é muito educativo.
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MULHERES NO PODER
Meu nome é Karina Meneghetti Brendler, tenho 39 anos e iniciei minha trajetória profissional aos 17 anos quando fui selecionada para trabalhar como técnica administrativa no campus-sede da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Nesse mesmo ano iniciei minha graduação em Direito.
Aos 21 anos, após colar grau, iniciei um curso de Especialização em Direito de Família e durante o curso comecei minha trajetória como professora universitária na Universidade de Passo Fundo – UPF, lecionando Direito em diversos municípios da região: Passo Fundo, Casca, Soledade, Carazinho e Palmeira das Missões. Nesse meio, senti a necessidade de me adequar ao mercado de trabalho e complementar meus estudos através de um curso de Mestrado. Conquistei o primeiro lugar na seleção e ingressei no Mestrado em Direito com bolsa total e com dedicação integral aos estudos. Nesses dois anos de curso, pude aprender muito, vivenciar experiências importantes e fundamentais para minha trajetória profissional posterior.
Ao final do Mestrado, então com 25 anos, recebi um convite para fazer o curso de Doutorado em Direito fora do país. E assim me mudei para a Espanha, onde vivi por meio ano. O curso de Doutorado me exigiria ainda mais sete anos de dedicação até sua conclusão e muitas idas e vindas entre Espanha e Brasil para estudos e reuniões de orientação.
Ao retornar ao Brasil, busquei trabalho na UNISC, minha instituição de origem, na qual sigo até hoje. Fui recebida de braços abertos por meus professores de outrora, agora na condição de colega. Na UNISC atuei como docente no campus-sede, no campus de Venâncio Aires, até me fixar definitivamente em Capão da Canoa, onde resido até hoje. Defendi minha tese doutoral na Espanha em 2012 e no ano seguinte fui eleita coordenadora do Curso de Direito da UNISC, em Capão da Canoa. Fui reeleita em 2015, e novamente em 2017, onde sigo atuando como coordenadora do curso. Ainda em 2016 fui desafiada a trabalhar na criação de um novo curso de Direito em Montenegro e em 2017 assumi a coordenação do referido curso que iniciará suas atividades em agosto de 2018. Em Capão da Canoa também desenvolvo, desde 2013, um projeto de extensão da UNISC com a comunidade, chamado “Quem é meu Pai?”, responsável por buscar e regularizar a paternidade de centenas de crianças sem o nome paterno em seu registro civil. Em 2016, junto com colegas, fundei o ADOTTARE - Grupo de Apoio à Adoção, de Capão da Canoa, que atua no município com diversas campanhas de conscientização à adoção regular, de conscientização à entrega legal de crianças e de apoio aos habilitados em processo de adoção.
Essa trajetória, entretanto, sempre foi permeada por muitos desafios. No início, desafios financeiros típicos de uma estudante de classe média, com pai funcionário público e mãe microempresária. Ambos com muitos sonhos e escassos recursos financeiros. Cursei a minha graduação com bolsa da Universidade e a paguei com meu trabalho enquanto técnica administrativa da própria Instituição, estudando à noite e trabalhando durante o dia. Meu curso de especialização só foi possível porque fui beneficiada com a única bolsa que havia no curso. O Mestrado, como referido acima, só foi possível porque obtive bolsa de estudo. Bolsas existem, mas são poucas e concorridas. O curso de Doutorado foi obtido através de convite da coordenadora do Programa que me concedeu bolsa de estudo também. Nada foi fácil, mas, ainda que difícil, é possível. Se foi assim para mim, certamente pode ser para outros... entretanto, nada vem fácil: é necessário trabalhar à noite, em feriados, em sábados e domingos, nas férias. É necessário buscar as oportunidades!
Outra grande dificuldade que encontrei, mas que todas nós mulheres encontramos no mercado de trabalho, e com muita força no meio jurídico e acadêmico foi a discriminação de gênero. No meu sentir, alcançamos a igualdade numérica, mas ainda buscamos a igualdade de representação; ainda sofremos reveses profissionais, ao nos dedicarmos à maternidade, e ainda sofremos discriminação quando disputamos os mesmos espaços profissionais com colegas homens. Temos a mesma educação, a mesma dedicação, a mesma formação e a mesma competência técnica, mas temos dupla e tripla jornada; temos o trabalho, mas ainda somos responsabilizadas quase que integralmente pelos nossos lares e filhos. Esse talvez seja o maior desafio que nós, mulheres, temos a enfrentar: o de conquistar e de MANTER nosso espaço, apesar (e sem pesar!) de sermos MULHERES!
Karina Meneghetti Brendler é graduada, especialista, mestre e doutora em Direito. É professora universitária e coordenadora dos Cursos de Direito da UNISC – Universidade de Santa Cruz do Sul, nos campi de Capão da Canoa e de Montenegro, RS. É advogada, coordenadora do Projeto de Extensão “Quem é Meu Pai?” e uma das fundadoras do ADOTTARE – Grupo de Apoio à Adoção, de Capão da Canoa.
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Abraço que durou anos!
Eu vi ela na praia. Vestidinho branco, e cachos ao vento. De longe chamei pelo seu nome.... ela gritou o meu e veio correndo se esparramando num grande abraço que durou anos! Hoje reencontrei uma querida amiga que não abraçava há muitos anos e é engraçado como pouco importa a distância, os anos, as voltas e reviravoltas que a vida dá... há coisas que simplesmente saem do controle do tempo. Ainda bem. Minha enteada que presenciou o abraço que durou anos, tirou a foto que agora posto. Ao me enviar pelo celular me disse: “Kia, que estranho, eu nunca tinha te visto do jeito que te vi com tua amiga...parecia que tu tinha 17 anos”. Eu achei graça do comentário dela...e agora reflito sobre isso. Seu sutil comentário me faz escrever essas linhas, pois ele espelha uma grande verdade: nossa alma nunca envelhece. Vivi com minha amiga momentos tão ímpares e tão nossos, que ainda que passe toda uma vida, esse sentimento não mudará. Vê-la me fez reviver as noites em que trocávamos de roupa para sair na balada, ela magrinha, e eu... bem, nunca fiz o tipo atlético. Mas ainda assim, as roupas incrivelmente serviam uma na outra. Lembrei que foi no quarto dela que ouvi, chorando, o último show do Legião sendo transmitido de Porto Alegre. Era ela que, estabanada, me buscava quando eu me atrasava para os ensaios do CTG, foi ela que me ensinou a fazer xis, mas fui eu quem a levou para o mundo do tradicionalismo. Era com ela que muitas das minhas confidências de adolescente ganhavam vazão. Nosso encontro hoje fez brotar tantas lindas lembranças e ainda agora me fazem sorrir ao lembrar. É muito acertada a afirmação de que quanto mais envelhecemos, mais importantes se tornam aquelas pessoas que nos conhecem desde a infância. Tens razão, amiga, “amizade é um amor que nunca morre!”
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“Quieres ir de tapas?”
Tapas é uma das coisas que mais me encantam na Espanha. E antes que se possa pensar em qualquer coisa ligada a violência, os “tapas” aqui na Espanha não têm nada de violento, muito pelo contrário, é puro relaxamento!. “Sair de tapas” é umas das atividades populares mais tradicionais daqui e é nada mais é do que sair à tardinha ou a noite para encontrar amigos e beber e comer “qualquer coisa”. As “tapas” ou “pinchos” são pequenas porções de aperitivos que são servidas em bares para acompanhar a bebida. Aqui pedimos uma bebida qualquer e eles trazem em seguida uma porção de tapas, sem que a gente peça. Tipo: pede uma bebida e vem junto uma porção de uma comidinha que pode ser uma fatia de tortilla espanhola, uma porção de salada russa (tipo salada de maionese), uns croquetes de jamón (tipo presunto parma), umas batatas fritas ou simplesmente um pratinho de azeitonas. Resumo: bebemos qualquer coisa e já saímos jantados pelo preço da bebida só.Na maioria dos bares espanhóis não há mesas. E nem poderia. Tratam-se de espaços minúsculos, como um corredor, onde as pessoas se aglomeram ao redor da “barra” (balcão) e ali fazem seus pedidos e ficam, em pé, bebendo um vinho ou um “tinto de verano” (uma espécie de vinho com soda limonada, que eu amo!) ou cañas (cerveja) e degustando algum “tapa”. O engraçado é que se você for convidado a “ir de tapas” saiba que o convite é para ir num desses bares, tomar alguma coisa e degustar um tapa, e logo sair e entrar no bar do lado, fazer a mesma coisa e assim passar a noite, literalmente “errando de bar em bar”. Essa cultura de “ir de tapas” é muito espanhola e se você vier a Espanha e não sair de tapas, não conheceu umas das melhores coisas daqui. Ontem à noite, depois de um dia pesado de estudos e trabalho, saí de tapas. Liguei para uma amiga que mora aqui em Madrid (brasileira, aliás de Osório City) e combinamos de nos encontrar para “tapear” e falar da vida. Aliás semana passada recebi meu irmão aqui em Madrid para um final de semana em ritmo de Espanha e reunimos amigos brasileiros e espanhóis. Foi como reviver nossos botecos aí no Brasil... que maravilha poder encontrar pessoas amigas, falar nossa língua e de quebra mergulhar nessa cultura deliciosa! O legal de viajar é isso: saber admirar e respeitar a cultura alheia, e buscar encontrar nessa cultura aquilo que nos interessa e nos agrada. Muitas coisas não me agradam aqui também. Mas prefiro pousar sobre essa experiência um olhar amoroso e me fixar naquilo que é bom, que me mobiliza e que me emociona. Não adianta, assim como o caramujo, quando viajamos inevitavelmente acabamos “nos levando junto”. O mais importante dessa experiência é absorver o melhor daqui, mas ainda assim saber que o temos no Brasil é algo maravilhoso, e quando me pedem comparações, logo respondo: não há melhor ou pior: são coisas maravilhosamente diferentes!
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Deixei meu marido em casa!
Estar fora de nossa casa, cidade, país e ver nossas vidas “de fora” abre espaço para muitas reflexões: sobre a vida, família, relacionamento amoroso, filhos, amigos, trabalho e por aí adiante. Estar fora e sozinha faz esse número triplicar, ainda mais quando se trata de alguém, como eu, que não sinto um grande apego por smartphones, tablets e afins nas minhas horas vagas, o que resulta que tenho um grande tempo para ficar só comigo mesma, em silêncio.
Agora mesmo dei uma pausa no trabalho (necessária) e me pego refletindo sobre estar fora e ver a vida de fora, estar numa distância exata de nossa vida cotidiana que nos permita vê-la estando fora dela, mas sabendo que em breve estaremos de volta. É estranho, mas é assim que a gente vê.
Hoje decidi falar de relacionamento amoroso. Quando decidi vir fazer essa estância de investigação, decidi que viria sozinha. Por inúmeras razões senti que seria muito mais significativo ao meu atual momento de vida se estivesse aqui totalmente só (foi tema de terapia, inclusive). E aí comecei a perceber as dificuldades que muitos têm de entender como alguém que vive um relacionamento a dois, estável e duradouro pode cogitar viajar e ficar sozinho. Ouvi gracinhas do tipo “sei, me diga quem estará te esperando lá” ou “mas tu vai mesmo deixar teu marido em casa?” ou ainda “teu marido vai aguentar ficar todo esse tempo sozinho?”. Claro que alguns em tom de brincadeira, mas no fundo, como diria Freud, “brincando pode-se dizer tudo, até mesmo a verdade”. Pois repondo: sim, meu marido/companheiro ficou em casa. Está em casa, cuidando da casa, dos cachorros e da vida (dele e da minha) para que tudo esteja bem quando eu retornar. Essas perguntas me levaram refletir sobre a vontade de estar com alguém e a necessidade de estar com alguém. Sinto saudades, vontade de estar junto? Sinto. Muitas. Sinto necessidade de estar junto? Não. As vezes os relacionamentos afetivos são de tal forma constituídos que um não vive sem o outro, depende totalmente do outro, um complementa o outro no sentido de que “não sou sem o outro”. Li hoje num texto do Flávio Gicovate que “o que se busca hoje é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual exista individualidade, respeito, alegria e prazer de estar junto, e não mais uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar” ou mal-estar. Concordo plenamente. Eu desejo a companhia do outro, mas não necessito. Bingo.
No ideário social amar alguém parte da premissa de que somos uma metade e precisamos encontrar nossa outra metade para nos sentirmos completos. Gicovate segue dizendo que “muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização que, historicamente, tem atingido mais a mulher”. E isso porque geralmente é ela quem abandona suas características pessoais para aderir ao projeto masculino. A teoria da ligação entre opostos também vem dessa raiz: o outro tem de saber fazer o que eu não sei. Se sou intensa, ele deve ser pacífico, e assim por diante.
Sou partidária de que a palavra de ordem deste século é parceria. Estamos trocando o amor de necessidade, pelo amor de desejo no sentido de que “desejo estar junto”.
Se deixei meu marido em casa? Não, ele ficou para ver e viver a alegria do retorno. Eu também!
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O amor transborda
Ontem vivenciamos uma das tardes mais bonitas do Projeto Quem é meu Pai?. Conto um pouquinho pra vocês em mais um texto da série: " o que vi e vivi no Quem é meu pai? " :)
Era uma vez uma filha sem um pai. Um pai sem uma filha. Era. Ele entrou afoito na sala de reuniões onde eu o aguardava. Entrou ansioso, desconfiado, com cara de poucos amigos e deixando uma advogada do lado de fora da sala. Sim, ele trouxe uma advogada junto. Senti uma angústia no ar e procurei dentro de mim a fala mais terna que pude. Falei sobre o projeto, apontei para o banner com o rosto de um menino que olha para mãe e pergunta: Quem é meu pai? Entreguei-lhe um pequeno folder com o mesmo menino e que consta um convite aos pais que registrem seus filhos. Ao final, falei que ele estava sendo chamado a registrar uma filha. Não a uma criança, mas a uma moça de 17 anos. Perguntei se ele sabia que era pai, ele respondeu negativamente e me devolveu: “eu nunca soube que tinha uma filha. Eu nunca tive pai, e por essa razão, decidi nunca ter filhos para que eles não sentissem a mesma dor que eu: a dor da omissão paterna. E agora a vida me faz isso: fui omisso sem saber. Eu agora tenho uma filha. Não acredito em destino doutora, mas então o que seria isso? ”. Me contou que logo após receber o chamado do projeto remexeu nas suas antigas memórias tentando encontrar alguma ex namorada em Capão da Canoa, já que ele sempre morou em Porto Alegre. Lembrou de uma antiga “ficante” que veio morar na praia há muitos anos. Não teve dúvidas: só podia ser ela. Fuxicou no facebook e encontrou-a em fotos com crianças...seriam meus? se questionou. Veio a Capão da Canoa no dia seguinte atrás dessa moça, agora mulher. Queria ter a certeza. E encontrou. Encontrou uma filha. Sua cara. Seu olhar. Seu jeito. Sua maneira calma de falar. Se encontrou na menina até nos pequenos gestos... “como é incrível a genética, né doutora? Até esses pequenos detalhes”. Olho demoradamente para aquele homem e vejo os olhos mais brilhantes do mundo. Reflete um pouco e após um silêncio me fala: “não quero julgar a mãe dela, doutora. Não a culpo por não ter me procurado antes. Talvez eu não estivesse, naquela época, preparado para ser pai. Importa é o agora”. Resolvo perguntar: “para alguém que nunca quis ser pai, como te sentes agora, sabendo que tem uma filha de 17 anos? ” Ele responde: “eu acho que me enganei uma vida toda”. Peço pra genitora entrar na sala. Entra uma mulher morena, linda, toda sorrisos. Pergunto se está feliz em termos encontrado o pai de sua filha, e ela desata em lágrimas e me devolve: é um direito dela, né? Depois da palestra que tivemos no projeto, eu me dei conta que eu não tinha o direito de negar isso a minha filha”. Olho para ela e vejo os mesmos olhos brilhantes do genitor. Ambos sorrisos. Questiono se querem se submeter ao DNA. Ele responde que olhando para a menina tem certeza da paternidade, mas reconhece que deve isso a sua atual esposa. Eu concordo e o encorajo, afinal é uma filha que chega assim, no meio de um casamento sem filhos e já consolidado. Ele se adianta em dizer que ela nasceu antes dele conhecer a atua esposa. “Então tá tudo certo”, diz. Respondo a ele que eu também faria a mesma coisa se fosse com meu marido. E rimos. Fiquei curiosa para saber como a menina reagiu a isso e eles me respondem que ela está ali fora. Não aguentando a curiosidade pedi que a chamassem. Queria conhecer essa ”ex filha sem pai”. Ela entra. Igualmente linda, como a mãe e o pai. Os olhos mais brilhantes que os outros quatro somados e um sorriso que ilumina a sala. Percebendo o bom clima, pergunto em ar de brincadeira: “o que tu estás achando de ganhar um pai novinho em folha aos 17 anos? Te agrada a ideia?” Ela olha pra mãe e para ele e acena que sim com a cabeça com um sorriso tímido. Eu digo a ela: “eles estão muito felizes e querem organizar teus documentos incluindo o nome do teu pai, dos teus avós paternos”.... e ela curiosa: “vou ter que alterar meu sobrenome?” “Sim”, respondi. “Agora terás também o sobrenome do teu pai!“ Ela olha para o nome no papel e inocentemente me questiona: “posso tirar o meu segundo nome fora? Não gosto desse “Fátima” que a minha mãe colocou depois do primeiro nome”. Rimos todos. Papéis feitos, documentos assinados. Não pude deixar de observar que enquanto assinavam um compromisso formal, um outro elo começava a nascer: percebi olhares curiosos, mas carinhosos, trocados entre eles numa busca detalhista por uma característica mais, um sinal no rosto, um detalhe no nariz igual ao do pai. Vi um pai que olhava orgulhoso para aquela filha. Uma filha que olhava orgulhosa para aquele pai. O pai olha preocupado para a menina e pergunta: “tu gosta de chocolate?” Imaginei que ele tivesse trazido um presente, um chocolate para ela. Ele completa: “é que recentemente me descobri diabético, e fico preocupado que tu também possas ser”. E ela: “nossa, fiz exame de glicose recentemente e realmente deu alta!”. E ele orgulhoso: “é, não tem jeito, você puxou pelo seu avô paterno”. Depois de tudo assinado, brinco: “agora o senhor tem motivos para vir com mais frequência para o litoral”! “E você”, olhei para a menina, “tem desculpa para ir com mais frequência a Porto Alegre!” E escuto dele as frases mais bonitas e exatamente nessas palavras: “eu posso me aproximar da vida dela agora doutora? ” E eu: “pode não, deve!” E ele olhando para elas pergunta: “ vocês me permitem me aproximar e fazer parte da vida de vocês?”. Sabe aquela sensação de que você está sobrando num ambiente? Assim me senti. Mas ao mesmo tempo não queria sair dali. Uma energia me conectava naquele momento e eu não queria perder nada, nadinha. Agradeci ao universo por eu estar ali naquele momento. Quem dera todos os reconhecimentos de paternidade fossem assim. Muitos olhares brilhantes. Muitos sorrisos iluminados. Todos literalmente “se querendo”. Um pai querendo uma filha. Uma filha querendo um pai. Uma mãe querendo uma filha feliz. Ontem foi uma das tardes mais bonitas do Projeto “Quem é meu pai?”. Ao final desse encontro de afetos abracei minha estagiária que comigo dividiu aqueles momentos. Rimos sozinhas, degustando novamente cada frase dita naquela conversa toda. “Isso vai virar crônica”, disse a ela. Saímos de alma lavada, de coração preenchido de amor que transbordou daquele trio, que transbordou daquela sala. Da advogada lá fora da sala? Ninguém nem lembrou. Foi a tarde em que o amor transbordou.
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Paizão
Cara, eu tenho um irmão que é um super pai! Eu o admiro muito por viver fora do Brasil e fazer um esforço pessoal incrível para ensinar, educar e alfabetizar a filhinha em português, num universo em que a língua oficial é holandês e inglês. E mais, se esforça para que a filha, ainda que pelos olhos dele, também conheça, ame e se orgulhe do Brasil e de sua ascendência. Ele protagonizou o momento “fofura do dia de hoje”. Na nossa conversa matinal – sim, irmãos que moram em países diferentes conversam sobre amenidades às 6h da manhã (horário no Brasil). Pois nos contava ele que sua filhinha chegou com um documento da escolinha com o nome dela SEM o sobrenome MENEGHETTI. E ele, calmamente sentou com ela e disse: “Ih, Hannah, erraram teu nome…acho que não é tu filha. O teu tinha que ter o Meneghetti. Mas não faz mal, vamos escrever”. E pegaram a caneta e incluíram o Meneghetti, explicando a ela que “o Meneghetti é muuito importante”. “E que esse sobrenome é italiano, e que há muito tempo atrás a vovó da vovó da vovó veio da Itália. E lá na Itália as pessoas são beeem alegres, como nós! E que nós temos um pouco disso também, por isso temos no nome o Meneghetti. E é por isso que o papai sempre faz pizza, risoto e pasta pra ti”. 🙂 Outro dia ela ouviu uma salsa e perguntou pra meu irmão se era música do Brasil. Interessante é que ela tem certeza de que as pessoas alegres são do Brasil, ou são italianos! Um belo contraponto com a postura mais séria do europeu de modo geral. Parabéns velho, hoje o momento paizão foi pra ti! 😉
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Brasileira usa pouca roupa
Daqui da Espanha, me entristeço e me compadeço comigo mesma com as últimas notícias que chegam de meu país. As pessoas aqui me perguntam sobre coisas que não tenho ou não sei como explicar. Quando comento da queda do avião com um ministro da Suprema Corte e explico o labor que ele vinha fazendo nos últimos tempos eles imediatamente respondem: “pués, seguramente fué un atentado, no?”. Me entristeço porque tenho que concordar que é o que mais está evidenciado…e me bate uma sensação de vergonha enquanto brasileira de constatar que exatamente quando parece que começamos a caminhar rumo a uma saída pra isso tudo, um fato desses acontece e nos faz perder o pouco de esperança que ainda nos resta. Meus sentimentos ao querido Francisco Prehn Zavascki que além de ter sido nosso colega e professor aqui na UNISC Capão da Canoa, é uma pessoa com grandes qualidades pessoais, amigo e querido por todos que o conheceram e que deve estar vivendo momentos de profunda tristeza com a perda de seu pai.
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Na quarta-feira tive aula com um professor de Barcelona e o tema da aula foi “Mediação Vecinal” (mediação de conflitos entre vizinhos). O tema é encantador por si só, mas a aula ficou interessante quando ele começou a contar um caso de conflito entre vizinhos e, sem saber que eu estava em aula (eu, mulher, brasileira) desfia: “Bom, conto pra vocês um caso de disputa de vizinhos em Barcelona, no bairro tal… Era um edifício e nesse edifício morava uma “chica” brasileira. O conflito se instalou porque como sabemos, as “chicas” brasileiras costumam fazer muitas festas, convidar gente estranha, e usar muito pouca roupa”. Toda sala olhou prá mim. O professor nem se deu conta e seguiu contando a história e tal, deixando claro que os vizinhos se incomodaram com o fato da moça usar short e blusinha e andar pelo prédio vestida com “tão pouca roupa”. Sinceramente, me senti bem feliz. Ria imaginando a cena da vizinha que a demandou muito brava com a brasileira transitando pelos corredores do prédio de vestidinho de oncinha e cantarolando “Garota de Ipanema”. Enfim que o tal conflito terminou, como contou o professor, quando a brasileira passou a convidar a espanhola para suas festas. Na verdade a espanhola era solteira e parece que ficou muito satisfeita de passar a conviver com aquela gente estranha (provavelmente outros brasileiros) que frequentavam a casa da moça.
E assim vamos vivendo aqui…. de realidades duras, diferenças culturais e estereótipos. P.S. ontem fui tomar café na universidade e da máquina saiu esse copinho. Taí a pouca roupa das brasileiras! 🙂
P.S.2. Um pouco atrasada, mas fiz meu meme: “Falam que brasileira usa pouca roupa, logo eu, a dona da Trifil (fio 40).
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Mapas, mapas e mapas
Mapas, mapas e mapas! Dê-me um mapa e eu conquistarei o mundo! Eu adoro mapas e sou muito boa com eles. Então aqui me sinto no céu! Uma das coisas bacana que reparei nessa minha estada aqui é que um turista dificilmente fica perdido. Em todo meio de transporte que se busque há mapas indicando “você está aqui. Daqui tem metro/trem/bus para tais lugares”, marcando em colorido as linhas e as estações. TODO ponto de ônibus tem indicação de que estação a pessoa está e o mapa. Dentro do trem/bus/metro também. Ponto pra eles! Eu ficaria feliz de saber qual o itinerário que cada ônibus faz nas nossas cidades. Se embarco na UNISC (SCS) e desejo ir para o Distrito Industrial, por exemplo, não saberia que ônibus pegar sem ter que perguntar pra alguém.
lém disso: – nas estações tem o placar eletrônico indicando quantos minutos falta pro seu trem/bus/metro chegar (lembrei dos trens de Londres cujo alto-falante brada: “Senhores passageiros! Seu trem vai atrasar 30 segundos. Desculpe pelos transtornos”. 🙂 Pontualidade britânica é isso ai! – o transporte é tão bom, quentinho e barato aqui que a gente se distrai e relaxa. Hoje mesmo quando me “acordei do transe” já tinha passado minha estação. Putz… corre, desembarca e pega o trem de retorno! 🙂 – calefação: xodó, né? Tudo aqui tem calefação: casa, estação de trem, lojas, supermercados, banheiros públicos. Minha salinha tem calefação em 26 graus. Fico de vestidinho manga curta. Assim é facinho aguentar frio de – 9 graus! (P.S. No verão não sei como fazem, porque não vi ar condicionado e pelo que sei não existe calefação fria.) ___ Comidas: – todo prato que eu peço num restaurante, vem pão e batatas chips/fritas junto. Nem precisa pedir, é acompanhamento meio que obrigatório. Ou azeitonas.
– No restaurante da universidade também. Mas o mais legal que vi no restaurante da universidade é que eles tem uma torneirinha/bebedor com torneira e umas garrafinhas ao lado. Perguntei pra uma pessoa e ela me disse que os estudantes não podem ficar pagando por água, né? (Óbvio!) Então que eles podem se servir de água geladinha naquelas garrafas e levar pra mesa (foto) (e eu pagando água mineral todo dia!). Ontem também peguei minha garrafinha! 🙂
Limpeza: – Não vi muito cuidado com separação de lixo por onde andei; – Os cachorros fazem cocô na rua e nas calçadas e eles não recolhem, nem dão bola! Resultado: as pessoas andam pelas calçadas desviando e pulando os “montinhos”. Ponto pra nós! ** Fofoca do dia: descobri que sou vizinha do Almodóvar! Ele mora no prédio ao lado do meu!
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Quem sou eu?
Participei de um processo seletivo. Destes que questionam todo nosso conhecimento profissional e que ao final nos impõe uma avaliação psicológica como derradeira etapa do processo. Eu nunca fui muito boa com psicólogos. Sim, pode não parecer à primeira vista, mas são eles, os psicólogos, seres terríveis, que com uma ou duas perguntas nos destroem, têm o péssimo hábito de nos inquietar e geralmente concluem sobre a gente aquilo que já sabemos, mas guardamos bem escondidinho, lá debaixo do nosso tapete da alma. Pois esse, ESSE psicólogo, na etapa final do certame lasca, assim, na minha cara: “Em um minuto me diga, QUEM É VOCÊ?” Bingo. Nesse instante a única coisa que me vinha em mente eram os conselhos de minha mãe, a melhor “preparadora de filhos para entrevistas de emprego” que já conheci. Dizia ela, em suas aulas particulares a nós filhos antes de cada entrevista: “sempre conduza tuas respostas para a área profissional. É isso que o futuro empregador quer saber”. Fui imaginando que se me fosse perguntado: “qual seu passatempo predileto? Aí eu diria: analisar gráficos, preparar aulas”. “Qual sua cor predileta? Ai eu olharia para o logo da empresa e ali estaria minha cor predileta”. “Isso agrada ao patrão”, dizia minha mãe. Bom, com essa fórmula mágica na mão, comecei então a formular minha resposta e a desfiar: bom… eu sou especialista em tal área, tenho curso disse e daquilo…. ao que ele, o psicólogo, me interrompe, sorri e me diz: “eu perguntei quem é a Karina. Me diga, em um minuto QUEM É A KARINA”. Ui. Branco. Neste segundo me senti nua na frente daquele desconhecido. Toda minha segurança se foi por água abaixo diante de uma pergunta aparentemente tão inofensiva. O que falar quando tudo desaba, quando os conselhos de minha mãe já não cabem mais, quando a única pessoa que posso contar é comigo mesmo, justamente a pessoa mais capacitada para falar sobre eu mesma. Quem sou eu? Quem sou eu? Tentei puxar nas minhas memórias alguma informação relevante, que pudesse causar algum efeito, mas não conseguia pensar em nada com muito sentido assim, de supetão. Então resolvi fechar os olhos e apertar o botão aquele, o conhecido FODA-SE. Vou falar o que vier. Nesse momento a conquista da vaga já até se dissipara. Eu só queria mesmo era fugir, sair daquela angustiante sensação de não saber o que falar sobre eu mesma. Mas ai, apertei o botão. Encarei o psicólogo e comecei a pensar coisas desconexas, tentando dar algum sentido àquilo tudo. E aí eu nasci para mim. Olhei para minhas mãos e comecei: sou mais branca do que preta. Olhei desafiador para ele que me devolveu o olhar, impassível. E eu segui, pausadamente: sou também os meus avós, sou o meu pai, sou minha mãe, sou mais italiana do que alemã, sou mais dia do que noite, sou mais cachorro do que gato, sou mais canto do que poesia. Olhei para ver a reação, mas ele continuava ali, me olhando. Pensei: azar. Se não me mandou parar, vou seguir e terminar com isso de uma vez. E, parti para agressão: sou mais amor do sexo, sou mais MPB do que funk, sou mais Alcione do que Betânia, sou mais romance do que terror, sou mais frango do que peixe, sou mais vinho do que cerveja, sou mais salto alto do que tênis, sou minhas alegrias e sou todas as minhas dores também. Aí a coisa encrespou. Percebi que ele começou a fazer anotações no bloquinho que portava. Pensei: agora se foi. Respirei fundo, reorganizei a mente e segui falando agora já com certa raiva e freneticamente: sou mais descontraída do que séria, sou mais boca do que ouvidos (xi, pensei, isso a mãe não aprovaria), sou mais chorona do que durona, sou mais feliz do que triste, sou mais mato do que apartamento, sou mais líder do que seguidora, sou mais passional do que passiva, sou mais ação do que teoria, e já sentindo que meu “repertório de vida estava se acabando”, e meu minuto também, conclui: eu sou o que digo, o que penso, o que visto, o que como. Eu sou a minha história. E desabei. Eu não sei quanto tempo eu e aquele estranho ficamos ali, em silêncio. Eu só sei que foi a terapia mais barata e mais rápida que eu fiz na minha vida. Naquela entrevista, eu me descobri. E também reafirmei uma certeza que carrego comigo: os psicólogos são, definitivamente, seres terríveis.
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Paizão
Cara, eu tenho um irmão que é um super pai! Eu o admiro muito por viver fora do Brasil e fazer um esforço pessoal incrível para ensinar, educar e alfabetizar a filhinha em português, num universo em que a língua oficial é holandês e inglês. E mais, se esforça para que a filha, ainda que pelos olhos dele, também conheça, ame e se orgulhe do Brasil e de sua ascendência. Ele protagonizou o momento “fofura do dia de hoje”. Na nossa conversa matinal – sim, irmãos que moram em países diferentes conversam sobre amenidades às 6h da manhã (horário no Brasil). Pois nos contava ele que sua filhinha chegou com um documento da escolinha com o nome dela SEM o sobrenome MENEGHETTI. E ele, calmamente sentou com ela e disse: “Ih, Hannah, erraram teu nome…acho que não é tu filha. O teu tinha que ter o Meneghetti. Mas não faz mal, vamos escrever”. E pegaram a caneta e incluíram o Meneghetti, explicando a ela que “o Meneghetti é muuito importante”. “E que esse sobrenome é italiano, e que há muito tempo atrás a vovó da vovó da vovó veio da Itália. E lá na Itália as pessoas são beeem alegres, como nós! E que nós temos um pouco disso também, por isso temos no nome o Meneghetti. E é por isso que o papai sempre faz pizza, risoto e pasta pra ti”. 🙂 Outro dia ela ouviu uma salsa e perguntou pra meu irmão se era música do Brasil. Interessante é que ela tem certeza de que as pessoas alegres são do Brasil, ou são italianos! Um belo contraponto com a postura mais séria do europeu de modo geral. Parabéns velho, hoje o momento paizão foi pra ti! 😉
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Deus Perdoa!
Ela era magrinha e aparentava ter uns 70 anos. Tinha os cabelos prateados e um coque bem arrumado atrás da cabeça. Parou à porta do auditório com um papel na mão. Olhou pensativa para dentro onde várias outras mulheres, bem mais jovens que ela, preenchiam papeis, e algumas meninas bem jovens circulavam distribuindo canetas. Essas meninas usavam uma camiseta onde se lia em letras grandes ”Projeto Quem é meu pai?”. Olhou alguns instantes tentando entender a dinâmica do que ocorria na sala e conferiu mais uma vez a folha que trazia nas mãos: sim a convocação dizia que esse era o local, e esse era o horário. Resolveu entrar. Mas antes olhou para o palco e seu olhar encontrou o meu que a observava. Eu estava ali, aguardando para dar início à palestra e organizando os bolsistas em suas tarefas. Ela resolveu vir ao meu encontro e num misto de dúvida e curiosidade lascou: moça, eu não sei porque fui chamada aqui, mas acho que tem a ver com crianças sem pais, certo? Assenti com um sorriso. Antes que eu pudesse pedir que sentasse e aguardasse o início da reunião, ela tomou a iniciativa: olha eu realmente não sei do que se trata, mas se tem a ver com buscar pais de crianças sem pai eu já concordo. Sabe, “dotôra” – a senhora é “dotôra adevogada”, né? (respondi que sim) e ela seguiu: sabe “dotôra”, quem recebeu a carta pra vir aqui foi minha filha – a Jandira – mas ela já morreu. Então eu fiquei preocupada porque aqui diz que é a justiça que está chamando – e vim eu mesma. Sabe, eu acho que fui chamada por causa da minha neta. Ela é a única neta que eu tenho e crio ela desde pequena, quando minha filha morreu de câncer e me deixou a guria para eu criar. Foi muito triste. Tive que criar a coitadinha sozinha, sem mãe e sem pai. Então, “dotôra”, eu quero dizer que não sei o que a senhora vai falar, mas se é por causa de pai eu concordo. Então, pressenti uma ansiedade na fala dela e resolvi perguntar: a senhora concorda sem nem saber o que é? Por quê? E ela me contou uma das histórias mais interessantes que ouvi no projeto e que gosto de contar nas palestras com as mães: sabe doutora, crio essa minha neta sozinha, e hoje ela já está com 17 anos. Há mais ou menos um ano atrás ela conheceu um rapazinho e começou de namorico, sabe? E eu deixei, porque ele parecia um gurizinho bom. Então eles namoraram por uns 10 meses e a minha neta começou a falar em noivar, queria porque queria noivar com o tal rapazinho. Foi tanta insistência que eu concordei e a família dele também. Então marcaram para sábado um almoço entre eu e a família do rapaz num restaurante aqui no centro. Daí eu cheguei no almoço, a minha neta feliz, o namorado feliz também, e fomos passando para mesa da família dele que eu nem conhecia ainda. Foi quando ele me apresentou o pai dele. Dotôra….eu quase desmaiei. Olhei para família do guri e comecei a tremer e a chorar, chegou me escurecer as vistas. Minha neta se assustou. Eu só consegui dizer: pára tudo, não tem mais noivado! Dotôra…a minha neta ficou apavorada. Ficou braba comigo e dizia: vó, o que é isso? O que foi, vó? E eu, minha filha, me sentei na cadeira, meio que me agarrando na mesa para não cair. Olhei séria para o pai do menino e disse – tu não lembra de mim, Gilberto? Ele olhou bem prá mim, pensou, pensou e disse: Dona Tereza, claro que lembro da senhora! Que bom, que bom que tu lembrou Gilberto. Então eu tenho que te dizer que não vai mais ter noivado nenhum. Não vai ter mais noivado, sabe por quê Gilberto? Porque tu é o pai da minha neta! Daí, “dotôra”, acabou tudo. Foi uma choradeira sem tamanho. Minha filha tinha pedido que eu nunca contasse para a minha neta quem era o pai dela, porque ele já era casado com outra. Eu sempre respeitei a vontade da minha filha. Mas aí, né “dotôra”, não tinha como não contar. Eu não sabia, nunca iria imaginar que o namoradinho dela na verdade era o próprio irmão. Não tinha como deixar isso assim…é pecado, né “dotôra”! Será que Deus perdoa? E pior é pensar que eles já namoravam há um ano…. dois irmãos namorando! E fez o sinal da cruz. Então dotôra, é por isso que eu vim… não sei o que a senhora vai dizer, mas seja o que for, se é prá falar de filho sem pai, eu assino! E saiu a procurar uma cadeira para se acomodar junto às demais. Minha palestra aquele dia teve um gosto diferente. Fiquei pensando naquela história e no misto de tristeza e de alegria que deve ter invadido aquele jovem casal que de um minuto a outro passou de namorados a irmãos. E naquela mãe que se ressentia em contar um segredo feito no leito de morte da filha. E na certeza que ela tinha do dever cumprido, e de ter recebido o perdão divino. Enquanto fazia a palestra, olhava para ela que me olhava, e pensava: sim dona Tereza, Deus perdoa!
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