Tumgik
helenahbarros · 6 months
Text
14.
O encontro do mar aberto com a areia
Os bancos de areia fortes fazem acontecer as ondas
Já há algum tempo não pensava nisso.
O mar aberto, quando aberto e amplo, e cheio de algas e pequenas coisas que fazem a areia fina esburacar e construir casas
Coisas como poliquetas ou dedos pequeninos de crianças
O encontro do mar aberto com os bancos de areia
Quando o mar é pouco aberto e a areia muito densa
Compactada em grande estilo para fazer parar um pouco
E causar ondas e coisas afins junto com o frio do vento
É difícil pois os livros são o banco de areia entre nós.
Nas banquinhas vejo-os empilhados desajeitadamente e lembro de você
Definitivamente um grande amor
Entre os pequenos exemplares de bolso de clássicos ingleses do século XIX
E os grandes hobsbawns na universidade de brasilia
Por cinco reais eu te fazia muito muito feliz
Um ou dois livrinhos
Para empoeirarem na sua estante sem dó
Você ficou com aquele livro da minha avo, com assinatura, dedicatória e tudo
E com aquele meu exemplar surrado de Baldwin
Ficou com o meu preferido da adolescência
E um ou outro comunista
Quando estou na casa dos meus pais
Durmo a sombra do idiota que você me emprestou
Eu sei, acabei também não devolvendo
E as dedicatórias continuam aqui também
O livro daquele autor africano
E daquela escritora que gosto e sabe escrever das delicadezas e afins
As vezes, compro um livro pensando em te dar, só de bobeira
Te falei, me visite se quiser
Você me beijou com cuidado e sorriu, agora a passos - porque quilômetros ainda que muitos, são passos - de distância, penso que talvez o significante tenha sido mais importante que o resto
Os bancos de areia, fazendo causar ondas violentas nas nossas casas.
0 notes
helenahbarros · 7 months
Text
O espelho me enxerga de maneira furtiva
Me apego a materialidade do calor da Gata na minha barriga
São três e cinquenta da manhã
Mais uma vez.
Sinto que meu corpo inteiro está chorando
O apartamento inteiro chora.
Não consigo me concentrar nos barulhos
Tudo me causa espanto
Carros particularmente altos
E o barulho da gata que derruba o pote vazio de ração me dão medo
A gata me olha assustada
Isso me desmancha
Não penso em nada em particular
Tudo vem como avalanche
Decido tomar um banho, mas a agua quente me assusta
Tenho medo de olhar para o chuveiro, ele parece chorar em mim
Tenho medo de abrir a porta do boxe
Medo de me olhar no espelho
As letras estão todas bagunçadas
Tudo parece um hieroglifo a minha volta
Nada simples, nenhuma linha reta
Tenho medo dos fantasmas que parecem espreitar os cantos da sala
Ligo todas as luzes
Quero que o dia chegue logo, mas não adianta, a noite é eterna e esta dentro de mim
Uma hora passa, torturante
Sinto os meus sentidos todos aguçados
A minha impressão é de que todas que vivem em mim, saíram e perderam o seu lugar na volta
Me sinto vazia
E o vazio abre espaço para tudo que mofa nos cantos da minha cabeça
Todos os tipos de musgos e animais estranhos das profundezas
Todos vêm a minha cama
 O banho não me ressuscita
Deito-me molhada na cama
Me cubro com a coberta e começo a soar
Tudo me causa medo
O lençol azul me parece sujo
Eu, suja
A gata, me olha assustada do canto do quarto
Sinto que a realidade me escapa entre os dedos
É o mais perto do abismo que estive em meses
Penso em ir embora
Em pedir um carro pra um lugar branco, muito branco e limpo, muito limpo onde me injetem algum tipo de calmante e me confirmem que estou aqui
Perco o controle completamente
Tudo parece me puxar em todas as direções
Pano de chão imundo sendo torcido por mãos grossas.
O dia chega lento pela janela
Finalmente o pesadelo começa a se dissipar
Percebo que ainda existem nuvens
E o céu ainda amanhece devagar
A gata ainda me ama, ainda mais quando eu der o sache de carne ao molho
A cama parece infestada de mim
Todos os meus pedaços
0 notes
helenahbarros · 2 years
Text
Preciado sábado a noite
beirando a insanidade
e absolutamente materialista
psicotrópicos constroem barbas e maravilhas outras
que permitem ser dono de algo
e gostar disso
0 notes
helenahbarros · 2 years
Text
Despedidas e Duras
dor de ir embora
tenho medo de ser sozinha
marguerite duras me contou ser normal isso
para quem escreve
a solidão é vital
preciso me lembrar
que
"talvez dizer a si mesmo que não é preciso se matar todos os dias, já que qualquer dia a gente pode se matar"
dou água a
um elefante por dia
com os meus olhos grandes e fundos
mas nunca a dois ou três
um elefante por dia,
um elefante por dia.
0 notes
helenahbarros · 2 years
Text
all star preto
eis que surge a oportunidade do all star preto do meu namorado
um ou dois números maior
e de cano alto
todo preto, com cadarços pretos e borracha preta
sempre admirei esse calçado
gostava dos seus pés nele, um estilinho descolado e ao mesmo tempo chique um tipo de roqueiro inglês misturado com menino soteropolitano queimado de sol
agora são meus
são maiores que os meus pés
apesar deu calçar 38 ou quase 39
tem rasgos perto da borracha
bem na sola
e cadarços grandes demais
há tempos não curtia um tênis como esse
eis que surge a oportunidade do all star preto do meu namorado
surradinho e véio
cheio de rasgo
com o seu jeito de pisar leve e confiante
por salvador, são paulo, brasília
salvador-sãopaulo-brasília
com o seu all star preto nos meus pés
0 notes
helenahbarros · 2 years
Text
iv.
Meu namorado me manda muitas fotos de língua para fora. Acabei de perceber isso porque comecei a reparar na galeria de fotos que tenho muitas fotos desse indivíduo de língua para fora. Gosto da sua língua e deixo que ela more na minha galeria por quanto tempo for necessário. Brasilia está tão tão nublada hoje. Mas não nubla como a primeira capital do Brasil. Nubla como se o céu fosse perto do chão. Se apenas eu fizesse o esforço, poderia esticar as minhas mãos e pegar um pouco de nuvem para mim. Perguntá-la talvez, porque meu namorado me manda tantas fotografias com a língua para fora. Mas faz pouco tempo que almocei, estou cansada e não quero esticar braços ou ficar na pontinha dos pés. 
Hoje de manhã fiz yoga. Acordei as cinco e dez, li o resto do texto que me faltava de Haraway e resolvi fazer o yoga. O app que uso (e toda vez que falo que uso um app para fazer yoga me sinto ridícula) deu pau hoje, então resolvi procurar na internet um fluxo que eu já conheço “vinyasa” (é assim que escreve?) e fazer as posições, levando o tempo que eu sentisse necessário em cada pose, respirando e curtindo o sol nascer, mesmo que de olhos fechados, concentrada, na cidade. 
Minhas pernas estão desproporcionalmente doloridas. Acho que só pode ser da corrida de ontem, talvez quatro quilômetros e meio tenha sido muito para pernas acostumadas a bater em crawl ou caminhar longas distâncias de chinelo havaiana: qualquer coisa mais profissional que isso as assombra terrivelmente. Ontem fiquei pensando nisso. Na diferença entre nadar e correr. Quando nado, sinto que o meu corpo todo vira engrenagem fluida e que me sinto verdadeiramente um animal, verdadeiramente orgânica e parte de alguma coisa que não eu mesma. E ao correr, não sei se por falta de prática, ou falta de músculos específicos, sinto ainda que faço uma atividade cujo meu corpo acha estranha. “Por que mexer tão rápido? E prestar tanta atenção na respiração?” Meus tendões parecem reclamar. 
Estou sentada no chão frio do bloco de salas de aula norte e tudo parece monocromático. Tenho um texto para ler para política brasileira um, mas encontro-me mais ocupada pensando em como todo o jeito de produzir ciência está muito distorcido, como eu preciso fazer xixi e qual o horário do ônibus de volta: ou seja, tudo parece mais importante. O bloco de salas de aula é verdadeiramente um bloco, acinzentado. Concreto. Vez ou outra passa um estudante colorido, vestido com blusa rosa choque, mini saia de veludo ou camiseta de futebol. Mas em sua maior parte, as pessoas se misturam a essa paisagem limitada, como se todos tivessem combinado com as nuvens de sair igual. Eu mesma visto o vestido que a minha avó Sônia fez para mim. Curtinho, marrom e verde. Gosto bastante dele. Não sei se ela gostaria que eu o estivesse usando para a faculdade. Quando ela fez para mim, fez mais longo, mas eu pedi “vó por favor né, encurta mais”, logo, minha vó encurtou. Se você visse a cara de espanto quando olhou as minhas coxas magricelas expostas “curto demais não?” “Não vó, curto o suficiente”. 
0 notes
helenahbarros · 2 years
Text
iii.
Ontem foi o meu primeiro dia nublado em brasilia, hoje o segundo. Ai está mais uma das peripécias da capital do Brasil: extremamente abafado e seco. Como isso pode acontecer? Apenas os carcarás entendem.  Enquanto esperava o ônibus as 13 da tarde dessa terça-feira me apareceu um homem, que desceu de um carro branco de uma empresa dessas que eu nunca vou me lembrar o nome mas tem muitas iguais do mesmo tipo, que veio para trocar a propagando que estava naquela parte de lado de vidro do ponto sabe? Fiquei observando o tempo todo ele fazer os movimentos rápidos, e meio brutos, de desenrolar o papel-plástico grosso novo e enrolar o antigo. Ele usava um uniforme, desses azuis ou laranjas que se veem muito por aí e estava com botas daquelas pretas que pessoas de uniforme azuis ou laranjas tendem a ser obrigadas a usar para complementar o uniforme. Taí, nunca tinha visto alguém trocar as propagandas do ponto de ônibus. Ontem uma amiga minha da faculdade me disse que conhece o pai de uma amiga que trabalha fechando e abrindo o eixão nos domingos. Para os desinformados sobre a capital do Brasil, e agora me dou a liberdade mentir e me sentir como a mulher com maior expertise no assunto, a cidade tem uma grande avenida central, enorme! que tem vários carros passando a todos os momentos, passagens subterrâneas e tudo mais. Enfim, todos os domingos essa grande avenida fecha, ou melhor, é fechada pelo pai da amiga da minha amiga da faculdade e então é aberta pelo pai da amiga da minha amiga da faculdade todos os finais de semana.  Ficamos discutindo esse assunto um tempão, dando risada do fato de haver uma função unicamente reservada pra isso e por ser alguma coisa singularmente tão específica.
Hoje dei minha primeira corrida em brasilia. Falando assim parece que eu corria muito em salvador, mas na verdade não corria nada. Devo ter corrido algumas dez vezes na minha vida e sempre começo muito animada e nunca cola por muito tempo. Espero que dessa vez eu consiga ser persistente. Enfim, eu tava correndo hoje pela manhã, ouvindo uma música animada e passando um a um pelos blocos, superquadras, fingindo que não estava esperando o celular apitar metade do caminho pra eu poder dar meia volta e chegar em casa. Ai, logo quando eu estava bem cansada, passei bem pelo meio de uns quinze pombos que saíram voando. Teria sido uma cena bem romântica e cinematográfavel caso fossem quaisquer outros pássaros que não os pombos sujos de brasilia. O engraçado é que eu percebi isso na hora e tive de me controlar para não rir, correndo com a cabeça meio baixa para me proteger contra eventuais batidas indesejadas com esses pássaros nojentos. 
0 notes
helenahbarros · 2 years
Text
ii.
Hoje me prometi que ia tomar sol. Tinha planejado com uma severidade característica de todos os planos que reservo para mim ir até o eixão de bicicleta, tomar sol e ouvir o chorinho clássico de domingo. Então acordei de manhã, mais ou menos às sete da manhã, e com um sentimento quente e aveludado de quem sabe o quão foi sábio tomar banho ao chegar embriagada em casa. Me forcei a tomar banho porque pensei nos micróbios nojentos que deveriam estar grudados na minha pele seca após ter sentado em cadeiras e lavado as mãos em pias e segurado em portas. Tomei banho, sem lavar o cabelo e fiquei de cócoras um bom tempo, curtindo a água caindo na minha nuca cansada e chapada. Adoro tomar banho assim. 
O frio quase que não me gelou desta vez, os meus poros se esquivaram e meus pelos fincaram os seus pés no chão em protesto: "não vamos ficar arrepiados!" 
Comi manga congelada de café da manhã, com morango congelado, framboesa congelada e granola. Então vi o final de um filme bem razoável e comi um omelete de queijo, cebolinha e tomate. Aí já eram umas dez horas da manhã e a lombra do dia anterior, juntando o bar e a crise e o medo e o êxtase de rir com quem gosta de você, fez parecer quase impossível começar a fazer faxina. Cogitei não fazer, já que a minha companheira de casa estava dormindo, ou pelo menos fazendo algo trancada dentro do seu quarto, e a minha adolescente interna queria bater os pés, fechar a porta e fingir que o mundo não existia também. Mas aos poucos, lentamente, passei o produto de limpar vaso no vaso, o de limpar pia na pia, varri o chão, o de limpar fogão no fogão e no forno, lavei as louças, recolhi as roupas, fiz salada de batata com salsa, passei produto de chão no chão com um rodo (fazendo muito barulho de maneira proposital), joguei lixos no lixo, lavei a lata de lixo que estava imunda e ninguém limpava fazia dias, sequei a lata de lixo, coloquei um saco de lixo grande que comprei por treze reais numa loja cheia de cacarecos, lavei a pia da cozinha, enxuguei a pia e almocei.
Um dos maiores prazeres da vida é comer lasanha de brócolis com molho bechamel, casca de batata frita e salada com alface, tomate, pepino e abacate com um belo suco de morango com açúcar mascavo. Que felicidade. Ontem quando cheguei em casa queria muito comer morango com leite condensado, mas então falei: amanhã eu como. Ontem quando cheguei, queria comer lasanha, mas eu disse: amanhã eu como. Então hoje comi lasanha, e morango com creme de leite (com leite condensado é algo que o meu cérebro sóbrio não consegue achar tão apetitoso assim). 
O sol se põe agora em Brasília. E lentamente a sala vai se preenchendo de um breu. Estou de costas para a janela, então me sinto sugada cada vez mais para dentro de um mundo literário e introspectivo, escuro, dentro do meu computador, e isolada de tudo o que há lá fora: morangos com leite condensado, manga congelada e parquinho com crianças gritando. A sala se preenche, escura e arroxeada e agora que a companheira de casa vai saindo para um show, eu vou ficando lentamente absorvida no sofá, que me acolhe (ou encolhe?) e faz das minhas pernas gelatinas incapazes de irem acender a luz. 
Não fui tomar sol e me achei nariguda como Montesquieu. Li textos de “O espírito das leis” para Teoria Política Moderna e tinha um desenho dele em preto e branco bem na capa do pdf, com um narigão. E pensei, “parece com o meu”.  
0 notes
helenahbarros · 2 years
Text
i.
Quando a cama chegou em minha casa fiquei extremamente animada. Cama igualzinha a muitas outras, feita ao contrário do que é feito sob medida. Fiquei contente ao ver a madeira fazer curvas na cabeceira, em desenhos psicodélicos. Me lembrei de minha amiga sofia que me lembra a psicodelia e desenhos bonitos também. Um dia desses, quase sempre que preciso comprar frutas, na verdade, saio com a bolsa que a minha amiga, também artista, bia, me deu de presente antes de vir para Brasília junto com um bilhete escrito “para você carregar muito amor em Brasília”. Bia, eu te garanto que pelo menos carrego muitas mangas e vez ou outra um abacaxi. A cama chegou em minha casa e sozinha, eu seria incapaz de montá-la. Não só porque para uma montadora eu sou uma ótima estudante, mas porque as madeiras são pesadas e são necessárias mãos mais fortes que as minhas, ou então duas de mim, para movimentá-las e colocar cada qual no seu eixo. 
         Então não teve jeito, tive de acionar um homem cujo serviço o porteiro Luciano aqui do prédio havia me recomendado pelo zap. Rafael-montador chegou aqui em casa em uma terça feira pela manhã, se não me engano. A sua figura é engraçada, caricata e semelhante a o que uma criança de doze anos desenharia (caso desenhasse um montador de móveis). Ele foi simpático e fazia comentários breves e um pouco sem nexo (para mim, completa leiga na arte de montar camas) à medida que montava a cama, como, “poxa, essa até que é uma boa madeira”, “Boa qualidade desses parafusos aqui...”. 
         Quando a minha cama chegou fiquei muito feliz. Limpei tudo depois que Rafael-montador foi embora, todas as lasquinhas de madeira caídas, os pregos não usados no chão, e a poeira que surge de quando se usa a furadeira; e então bati as mãos uma contra a outra e fiquei extremamente satisfeita ao olhar o meu quarto. À esquerda, quando se olha da porta, do lado da janela colei fotos com os meus amigos de Salvador. Eles que me deram as fotos, e vira e mexe me esqueço do amor, e me esqueço das minhas subjetividades, perdida em uma vida insanamente prática e objetiva, contrastante com tudo o que me interessa e ao mesmo tempo fascinante em seus detalhes, e então olho para as fotos. Queria poder lamber os papeis de fotografia e sugar toda a cor e alegria que os sorrisos exalam, poder absorver todo esse amor quando aqui faz muito seco e muito silêncio. Mas aí só restariam papéis em branco nas paredes do meu quarto, brancas também, e eu ficaria bem menos satisfeita de permanecer nesse espaço.
         Já tenho uma bela coleção de livros para quem se mudou faz apenas dois meses e três dias. Encontrei um sebo maravilhoso que me obriga a gastar dinheiros e dinheiros em livrinhos de ficção, antropologia e poesia sempre que termino de ler alguma coisa. Esse é o presente e a maior delícia que me dou o direito aqui em Brasília: quando acabo um livro, posso ir ao sebo e escolher o livro que eu quiser para ler! Mas tenho essa regra de que tenho que ter acabado de ler o que comprei da última vez (a não ser que seja um livro de teor acadêmico, aí tudo bem). As minhas mais recentes aquisições nesse sebo foram “Never let me go” de Kazuo Ishiguro e “1984” de George Orwell. Estou lendo o de Ishiguro e gostando muito. Me lembra um pouco a escrita distopia que eu curtia quando adolescente, mas de maneira um pouco mais amadurecida, algo como uma mistura entre Margaret Atwood e Murakami. 
         O supermercado perto da minha casa fica dentro de um shopping. Vou andando até lá, e volto, o que dá uns 3km a pé. Não é muito, mas se está carregando ovos, abacaxi, papel higiênico, feijão, grão de bico e melancia, já vira um tipo de tarefa um pouco mais cansativa. Comprei bastante polpa de fruta, granola e um caderno novo. O caderno está destinado a tudo que for relativo a uma possível pesquisa no campo da antropologia que eu estou a fim de começar a fazer. Eu já deveria ter começado, na verdade. Mas honestamente, tenho adiado não sei por quê. Tenho muitas tarefas, é verdade, e estou bem ocupada, sim com certeza. Mas há algo mais que está me impedindo de começar com toda a força meus estudos e isso me causa certa angústia. O caderno foi 8,00 o que eu achei um bom preço para um caderno de 10 matérias universitário. As folhas são aquele padrão cheio de linhas acinzentadas que pedem para ser escritas. Em Brasília o sol nasce e se põe de maneira bonita. O céu faz sons de laranja, amarelo, azul e roxo enquanto se despede da estrela. 
         A casa ainda tem cheiro do meu namorado. Há uma semana, desde quando ele foi embora, e eu ainda não tinha lavado as roupas de cama, a blusa que ele tinha me deixado, e nem a toalha que ele usou. Estava dando um tempo para os meus sentidos se acostumarem com a sua ausência. Mas os sentidos são teimosos e sentem coisas onde não há. Não nariz, o detergente não tem cheiro dele, e tampouco, boca, nhoque tem o seu gosto. Mãos, o lençol azul não parece a sua pele. Há um casaco que não lavei ainda, ele é branco e tem o cheiro do meu namorado. Estou guardando-o todo emaranhado para que não acumule outros cheiros da casa e possa resistir como uma peça que genuinamente os meus sentidos sejam livres para reconhecer como o meu namorado. 
         O banho daqui é imprevisível, ora quente, ora frio. E a intensidade da água é frágil. Reservo os banhos diurnos para lavar o cabelo, que seca surpreendentemente rápido, e os noturnos tendem a ser mais rápidos pois sou friorenta. Os dias seguem um após o outro, mesmo quando não queremos e mesmo quando fincamos os pés no chão cheio de poeira para tentar brecar. Mas é movimento constante e conto com isso para outubro chegar, porque invariavelmente, vai chegar.
0 notes
helenahbarros · 2 years
Text
próximos textos são pequenos contos e vou enumerá-los de maneira diferente só para quebrar a lógica dos poemas e ficar mais fácil de reconhece-los
0 notes
helenahbarros · 2 years
Text
XVII.
há coisas que sei que apenas eu posso fazer por mim mesma
há coisas como limpar a lata de lixo com bucha e detergente
e escovar o granito aspero e manchado da pia
deixar de molho uma ou duas panelas
com a desculpa de lavar amanhã
há coisas que sei que apenas eu posso fazer por mim mesma
e esse grandissimo amor é uma delas
apenas eu posso pegar nos seus cabelos
e ver o brilho dos devaneios inteligentes por detras dos fios
apenas eu posso por mim mesma fazer isso
há coisas que sei
e que eu posso fazer sozinha e que me satisfazem plenamente
como comprar maracujas do cerrado 
e uvas verdes na promocao 
há coisas como lavar o meu cabelo com cuidado e condicionador demais
há coisas que sei
como o marrom dos seus olhos escuros
quando com seriedade
a sua boca faz um bico em eu te amO
que arrepia todo o meu corpo
as labaredas dos meus pelos finos e delicados
enlourecidos pelo sol
todas dizem te amar de vuelta
há coisas que sei que apenas eu posso fazer por mim mesma
como limpar bem limpado o meu vaso sanitário com aquele produto de limpeza caro
como comprar sacos de lixo tamanoa grande para o lixo da cozinha
e poder perceber a delícia em tirar o pó, denso e grudado das quinas da casa
há coisas que sei que apenas eu posso fazer por mim mesma
como entender que te amo
e te amar é por mim mesma tambem
te amar pelos seus dedos carinhosos e delicados
te amar pelo seu cuidado com as minhas dores
te amar pela sua revolta com as minhas dores
te amar pelos seus dedos grossos, em riste no meu sexo
te amar é por mim mesma tambem
há coisas que sei
muito menos do que pensava
mas a cada dia sei mais
e sei que posso fazer por mim mesma
e sou obrigada a fazê-lo
toda vez que saio de casa e decido ser feliz de novo.
0 notes
helenahbarros · 2 years
Text
XVI.
Um passarinho em vôo rasante quase me corta com a sua asa
Comprei espinafre
E veio uma pena entre os talos mais grossos
Foi de uma feirinha que acontece na ponta norte aos sábados
E as quintas feiras em uma outra quadra
Em Brasília há muitos pássaros
E há um que se instalou na boca do meu estômago
Fez seu ninho e pôs seus ovos
Vários
Na minha goela
Tornando a minha respiração rasa
E difícil
O passarinho grande que cuida dos ovos protege-os da água que bebo
Com as suas asas
E coleta hemácias em lugar das pequenas folhas e galhos para o ninho
Quando nascerem os passarinhos
Dos ovos
Quando as cascas racharem
E eu tiver que engolir uma por uma
E vomitar os filhotes
Para que saiam voando da minha boca
Alargando a minha mandíbula forçosamente 
E fazendo os meus dentes estilhaçarem sobre a pressão de suas patinhas desengonçadas
Vou observar enquanto voam um a um
Pulando da minha língua em vôo até os meus pés
E então saindo pelo espaço 
Caçando minhocas
E coisas tais
Para ficarem gordinhos e habitarem outras goelas com seus próprios filhotes
A chuva faz as asas dos passarinhos molharem
Faz elas ficarem pesadas
Vejo-os escondidos entre a copa das árvores
Entre a rala folhagem dos ipês amarelos
Ou perigosamente
Arriscando-se embaixo de antenas de televisão 
Em cima dos prédios de seis andares
Por pouco não tomo chuva hoje voltando da universidade
Sem guarda-chuva sou passarinho delicado, intrometido
Com braços magros e desengonçados
Que pesam sob a pressão da água e minguam ao lado do meu corpo
Tentando proteger os pertences dentro da bolsa cor azul-piscina
Pressiono, enxarcada, a goela do mundo
E a boca do estômago do brasil se enche com meus ovos 
Delicados
E, no entanto, impossíveis de quebrar com os músculos da garganta
Brasília aguarda pacientemente que eu saia voando com meus filhotes
Em rasante sobre seus pés
Cortando o vento
Fugaz
Veloz
Faminta 
A chuva me pega de surpresa
Mas não me deixo engolir
Mergulho os pés com cuidado na água fria que cai, poluída, sobre as tesourinhas já alagadas
E cuido das minhas asas 
Pelo menos até chegar em casa
0 notes
helenahbarros · 2 years
Text
XV.
A chuva vem de cá para lá
por isso não entra pela janela
e por isso não molha a rede
que úmida tem um cheiro de mofo terrível e impregnado, impossível de se livrar
o cachorrinho da minha vizinha virou meu amigo
sempre que fico na varanda
ele fica também
e fica pulando contra a parede de vidro, batendo levemente com as patinhas
e eu fico acenando de volta
queria pegar ele emprestado
será que a moça que mora la deixa? ela parece ser simpática. Sempre esta trabalhando na varanda, fazendo videochamadas e usando calças sociais com camiseta, nesse estilo bem profissional mas ao mesmo tempo descolado que várias mulheres que moram com seus cachorros tem.
a sakura ainda não floriu
não estou acreditando que vou perder a sua época das flores
espero que na minha volta
sobrem duas ou três caídas no chão
para eu colher e colocar para secar entre as páginas de uma coletânia de poesias de Sophia de Mello Breyner Andressen
estou desenhando em papeis grandes agora
naqueles papeis amarronzados maiores que cartolinas
desenho e penduro na parede
logo não vou ter mais paredes para pendurar
não é muito pratico desenhar nesses grandes papeis
mas é gostoso desenhar com lápis
e então colorir
as partes
de preto
vermelho
e azul
as vezes, em amarelo, faço um sol
a vizinha pega o cachorrinho no colo vira e mexe
quando acabam as suas reuniões
o cachorrinho fica extremamente satisfeito
a rede me pega no colo também
quando termina com as suas reuniões
e me nina nesse leve balanço
enquanto penso no que fazer de almoço
e leio um texto triste triste para a faculdade
0 notes
helenahbarros · 2 years
Text
XIV.
o meu retorno me causa mal-estar
estou enjoada.
tenho tido estranhos sonhos toda a semana 
tem alguns dias que não durmo bem
durmo às dez e então as quatro estou de pé
e escrevo mais um pouco o ensaio que devo entregar amanhã
o meu retorno me causa angústia
porque o meu retorno significa pisar onde agora não sei se caibo mais
se o meu quarto antigo me cabe mais 
a garrafa de cerveja preferida
minha e dela
não sei se me cabe mais
estou com medo desse vazio
e desse vácuo
quero muitos amigos
mas estou bicho do mato
arisca
e com medo de quem se aproxima rápido demais
me oferecendo abraços e boas-vindas
quero ficar sozinha?
sinto saudades
mas tenho medo dessas pessoas agora
um pouco de medo desse lugar
elas me amam
disso estou certa
eu as amo tambem
Mas não sei se eu caibo mais nessas histórias
não tenho história alguma
que seja disso ou aquilo que eles fazem
tenho caminhado muito
e feito comida vegetariana obsessivamente
tenho limpado o fogão com amor e cuidado
e ido a feira nos dias de sábado
tenho me exercitado todos os dias, muito
e fugido da inércia que me atinge
comecei uma vida
e não sei mais onde está a minha casa
se é que ela existe em algum lugar qualquer
não sei mais se quero esse tipo de coisa
não sei
meus pais me avisaram
minha mãe me disse ‘vai sentir falta da sua rotina’
minha prima nina também 
eu amo rotinas
estou angustiada, mas as amo tremendamente
as férias
desde pequenininha
me causam ansiedade
vejo um mês inteiro vazio pela frente
e as horas, despidas de qualquer tipo de sentido, se engrandecem 
eu tropeço para trás
não posso tropeçar para trás agora
e não vou
afinal, me tenho
e em mim, agora tenho certeza de caber.
1 note · View note
helenahbarros · 2 years
Text
XIII.
Eu vou ter um apiário
quando tiver uma casa
e as abelhas vão picar os meus dedos descuidados em dias de raiva
terei também uma rede
na varanda
que vai balançar meu corpo ao som de luedji luna
na minha casa
eu vou ter um dogue alemão
ou qualquer um desses cachorros desproporcionalmente enormes em relação aos donos
ele vai ser bem bonzinho
e vai babar minha calça jeans sempre que eu chegar do trabalho
vou ser professora de universidade
e vou estudar antropologia
publicar artigos e ganhar dinheiro para ler donna haraway 
com as abelhas, não me parece um destino ruim
vou 
uma ou duas vezes por ano
viajar para fazer caminhadas
sozinha
ou 
acompanhada
e vou caminhar muito respirando calor
 ofegante
 ar seco 
eu vou ter bolo pronto de cenoura
com cobertura de chocolate
e pesto de talo de cenoura 
vou ter sempre chá a disposição dos visitantes
e as paredes
tendo a acreditar
que serão amarelas
amarelo é a minha cor preferida
e terei carambolas em grandes cestas
vou ter mangas também
uvas verdes
vou ter mamão
suco de acerola
e abacaxi
nada de bananas
vou ter cajá
e vou fazer picolé de cajá para os meus amigos
terei um pé de cajá na minha casa
e outro de abacate
só terei árvores que as abelhas conseguirem
junto com a chuva cuidar por si próprias
nada de cactus em miniaturas (mato todos)
ou samambaias em vasos (mato todas)
só no chão
com o trabalho do sol é que eu terei plantinhas
as minhas abelhas vão fazer um mel doce
e os seus corpinhos peludos vão polinizar toda a minha casa
fazendo flores brotarem das portas de madeira
vou comer muito mel
em cima de pão torrado com manteiga
em todos os sucos
vou usar mel para adoçar bolos
e para comer com fruta e granola
pelas manhãs
vou ter aprendido a série primária de ashtanga
finalmente
e estarei com a habilidade concreta de fazer paradas de mão por vinte e cinco respirações
vou ter um lugar chamado escritório
para escrever
tanto textos que gritam sobre coisas extensas com palavras estranhas
quanto textos que sussurram baixinho coisas simples nos ouvidos peludos do meu cachorro
vou ter uma piscina inflável
que em dias de calor eu possa sentar dentro
com amigos
e tomar cerveja na promoção
vou ter muitos calendários pela casa
eu amo calendários
e vou pendurar de todos os tipos e tamanhos 
com prazer e rotina, vou riscar os dias 
todos os dias
vou ter um lugar chamado de lugar de por livros
que consistirá de grandes estantes
com muitos livros organizados por qualquer lógica que não vai durar muito, certamente
e ao lado dos livros vai ter uma mesinha
para eu ler eles com cuidado
e poder marcar as páginas com lápis, sem dó
as abelhas vão ainda
ser livres vez ou outra
para circular pela casa
e se grudar no meu cabelo
patinhas pretas 
com cuidado
pisando leve
e me provando que sem seu mel
sou pouco
ou quase nada
0 notes
helenahbarros · 2 years
Text
XII
Quero voltar logo a te ler meus poemas
e te contar sobre todos que não almoçaram comigo.
0 notes
helenahbarros · 2 years
Text
XI.
Um grande passo para um pequeno homem
não há nada como alcançar a lua nos seus braços
doce e muitíssimo redonda, é lua cheia
sangrenta e rosada
não há nada como
Não há nada como voltar a perfurar a órbita terrestre
envolta de fogo
chamas cintilantes que se lançam do meu pescoço e estômago e olhos
sem os seus braços
cair em explosão
mergulhando até o fundo do fundo do atlântico
onde há peixes com lanternas penduradas
bentos
e algas
vez ou outra
Próximo a essa órbita? há pouco
me entrego aos êxtases terrenos
aquilo que posso comprar em promoções ou em mãos de indivíduos sentados nos banquinhos na frente do restaurante universitário
me entrego ao limbo humano
extraterrestres e espacionaves
parecem dar voltas e se esconder debaixo dos novos calos nas minhas mãos
Arranco um dia a força dessas vinte e quatro horas
e então das quarenta e oito arranco dois
das setenta e duas arranco uma desculpa
tem tudo demais
não tem nada do que você havia falado
e faz diferença sim
e no entanto
não faz alguma entende?
não me agrada
e tampouco eu engulo
dissolvido com água
Espero coisas como quem espera a primeira flor surgir na cerejeira verdinha na frente da janela
espero que os carinhos venham antes
do que a primeira flor da sakura
que branca
com pontinhos rosas
deita delicada sobre a minha vista.
0 notes