Gustavo Belschansky é formado em Cinema na Faculdade Armando Álvares Penteado. Durante o curso atuou como roteirista, produtor e diretor; e foi monitor do curso de direção ministrado por Moira Toledo. Dirigiu e escreveu Alasca, seu TCC, que integrou a mostra Short Film Corner em Cannes, Mostra do Filme Livre, entre outros. Produziu Vampiros e Livrai-me do Mal que integraram também o Short Film Corner em Cannes. Realizou direção de fotografia do curta Dependências, que integrou o Kinoforum, a Mostra do Filme Livre e o Festival de Tiradentes. Fez assistência de direção para Tadeu Jangle no clipe musical Põe Fé Que Já É, de Arnaldo Antunes. Foi diretor de arte da produtora Debaser. Atualmente, é líder de Marketing da Maremoto Podcast e apresentador dos programas Balcão e Além da Fortuna.
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Crítica para revista Contracampo
O ESTRANGEIRO CAPITAL E O CAPITAL ESTRANGEIRO
“Acho difícil conceber a morte nesse nível de renda” (Don DeLillo; Ruído Branco)
Audaciosa, e devidamente acertada é a escolha de David Cronenberg ao se enveredar pelos caminhos do cinema contemporâneo adaptando o maior autor vivo de literatura contemporânea: Don DeLillo. Se uma vez ultrapassada a literatura clássica os escritores modernos passaram seu foco para as personagens ao invés da narrativa (Ulisses; Em busca do tempo perdido; O estrangeiro), na literatura contemporânea há um completo abandono da personagem, que vira um manequim de caráter pouco relevante, um caminho para criação de uma atmosfera e exposição de idéias. Os livros de DeLillo são uma profunda exploração na cultura norteamericana, no capital e na pós modernidade; seus personagens são estereótipos absurdistas (com um forte paralelo ao teatro de Ionesco) prontos para vomitar diálogos falsos, mas arraigados em teorias densas.
Em contrapartida, a carreira de David Cronenberg ronda constantemente essa exploração - seja na denúncia à cultura de massa (Videodrome), no olhar sobre a fetichização da violência (Crash) ou no medo do aparelhamento digital mundial (Scanners) - há sempre um aura construída, uma aura que carrega a real intenção do autor e instaura o ambiente de terror. Cronenberg é em essência um diretor de terror e a partir dessa compreensão "Cosmopolis" ganha um novo significado, pois sabemos que haverá aí um elemento aterrorizante, um elemento que espreita, no caso, o espectro do Capitalismo.
Singrando um mar de infinitas possibilidades do cinema contemporâneo, tudo se apresenta possível ao autor nos âmbitos estéticos e narrativos, sendo assim, talvez, mais coeso julgar o autor não apenas pelo que ele faz, mas sim pelo que ele opta por excluir de seu filme. Dentro da ótica da negação, Cronenberg irá tirar um pouco o foco da técnica e linguagem cinematográfica para tombar sua obra sobre um aspecto literário, voltando, de certa maneira, ao clássico, principalmente no que diz respeito a sua decupagem.
Optando por pouquíssimos planos gerais, close-ups e planos detalhe o filme irá se manter sempre na esfera de planos médios e sem muito inventividade, o que acaba por gerar dois efeitos; o primeiro é a amplificação do valor dramático dos momentos nos quais o diretor opta por esses planos (dado o contraste), e o segundo é a transposição para decupagem do ponto central da narrativa (e consequentemente do livro), a falência do sistema capitalista com suas contradições e dicotomias.
Afinal, o diretor utiliza o clássico para fazer um retrato simples do extremo do mundo contemporâneo, e, lança “passado versus futuro” como “direção versus roteiro”. O capitalismo de vanguarda é aquele que se lança nos extremos, que excluí o que está no meio e instaura um padrão dual e assimétrico.
Este será um filme de clima, um filme amarrado por um fiapo narrativo que serve apenas como trilho para exposição de teses e o convite observacional. A obra se constrói em um pacing extremamente arrastado e tem como objetivo a contemplação, nos fazer acompanhar lentamente o esfacelamento dessa representação capitalista. É um cinema de clima, que mais do que qualquer história, quer nos fazer experienciar esse choque contemporâneo.
Dado o contexto da obra, temos Eric Packer, um excêntrico milionário, mimado e niilista, que será o tempo todo lançado nessas contradições. Sua história é movida por um dos motivos cinematográficos mais simples, chegar do ponto A ao ponto B, mas o prolongamento da ação (devido a um forte congestionamento) faz com que acompanhemos sua vida ao longo de um dia.
Eric Packer é em si um vasto objeto de análise, como representação metonímica da geração jovens bilionários, que enriqueceram graças a internet, seus sentimentos e sua personalidade parecem tão automatizados quanto o mundo no qual ele está imerso. Na sua construção há muito do estrangeiro de Camus, um personagem que flana pela vida, ao qual nada mais importa além dos prazer básicos, de um hedonismo momentâneo.
A contradição é a base do personagem que, ao mesmo tempo que representa o ápice da modernidade, é guiado pela instintividade e não pela razão. O único contato real que Eric tem com alguma pessoa é quando abandona esse mundo do alto capitalismo e vai para uma parte completamente distante, pobre e abandonada da cidade, uma região que está a margem desse capital. Lá ele encontrará a primeira pessoa que verdadeiramente se importa com ele, um velho barbeiro que conhece-o desde criança.
Bem como é proposto em “O estrangeiro”, o protagonista não será capaz de sentir as emoção mais básicas da experiência humana, o único pesar que ele manifesta é com a morte de um cantor de rap, mas isso não dura mais que alguns minutos. Em um desespero frente essas morte interna o personagem atira contra a própria mão, como se a autoflagelação fosse a única maneira de despertar naquele corpo algum sentido.
Na construção desse personagem são três as suas preocupações: Em primeira instância e com maior destaque o sexo, a tensão sexual é muito violenta e duas cenas de sexo tem grande atenção no filme; sua segunda maior preocupação é a de possuir coisas, não por qualquer interesse específico além de tê-las e a partir disso mandar uma mensagem; e, por último, a morte cuja relação com Packer é muito curiosa, pois ao mesmo tempo que ele se preocupa constantemente com o estado de sua saúde e manifesta verbalmente seu receio de morrer, ao final do filme ele não demonstra nenhum valor com a própria vida, o ato de viver parece apenas uma extensão para capacidade de possuir.
“Ele está morto dentro do cristal de seu relógio mas ainda vivo no espaço real, esperando para que o tiro ecoe.”(Don DeLillo; Cosmopolis)
Durante seu percurso para cortar o cabelo uma grande crise ocorre no capital internacional e ninguém pode explicar o por quê dela, Packer perde milhões e não se importa, nada disso faz a menor diferença, ele só quer satisfazer sua vontade de cortar o cabelo. O mais curioso é que visivelmente não há a menor necessidade de Eric cortar o cabelo e mesmo quando ele consegue, vai embora na metade de seu corte, simplesmente levanta e sai, sem que ele esteja terminado. Aqui mais uma vez será retomado o conceito de assimetria, o barbeiro pede para que ele fique, deixando apenas terminar de igualar os lados, mas o jovem se levanta e diz que para ele não tem importância.
Na vida de Eric essa assimetria está presente de outra maneira, seu carrasco ao fim do filme compara-o, inclusive, ao mito de Ícaro, seu papel social é o ápice do futuro, mas mesmo assim é uma repetição da antiguidade. Sequer a queda de Packer consegue ser original, até ela se dá como cópia, ao nos voltarmos para a antiguidade grega como modo de compreender o presente, fica claro que a originalidade tão prezada no mundo moderno não existe, é a lei do simulacro.
Simulacro é de fato a melhor palavra para descrever as relações que se estabelecem entre as personagens, seja na escolha de Cronenberg por deixar os diálogos estritamente literários e distantes de um cinema naturalista, ou na relação que Packer tem com sua esposa. A imagem do casamento em relação a eles é outro dos choques passado/presente que nos é apresentado, caminhando no campo da tradição vemos um casal que é casado apenas por ser, juntos ambos parecem ser dois desconhecidos - que saem para comer e não comem, que sentam para conversar e não conversam – o que há ali é apenas uma imagem, um sentimento de que o casamento existe apenas pela necessidade de casar.
A janela para esse mundo simulacrado são as janelas da limusine, parados ali dentro vemos o mundo pelos olhos do carro, o olhar vaga pela cidade sem se fixar em nada. A maneira como Cronenberg decide retratar essa janela é o que faz com que ela seja especial, o tratamento da imagem faz com ela acabe parecendo muito mais uma tela do que propriamente uma janela. Taxi Driver, essa é a visão que o personagem tem do mundo exterior e é completamente irreal, as janelas da limusine são mais do que apenas elas mesmas, elas são os olhos do personagem.
Apenas dois elementos ganham destaque nos olhos do personagem pela janela, o primeiro são as pessoas segurando ratos - uma alusão ao poema de Zbigniew Herbert no qual o rato vira a unidade de moeda – e o segundo é a frase “Um espectro ronda o mundo, o espectro do capitalismo”, uma alusão clara ao Manifesto do Partido Comunista “Um espectro ronda a Europa, o espectro do comunismo”.
Sua vida é um ato recluso de auto apreciação capitalista, o personagem chega, inclusive, a comprar um avião que não serve para nada, apenas para ser observado. É o ato de ter dois elevadores particulares, um com o último lançamento de rap e o outro – andando a um quarto da velocidade normal – com as obras de Erik Satie. Para ele o mundo não é importante, por isso tenta isolá-lo, a representação disso é a malha sonora colocada nas paredes de sua limusine, que procura abafar os sons exteriores; o próprio personagem admite a ineficiência da malha, mas garante que o que importa verdadeiramente é apenas o ato de tê-la colocado.
O trabalho sonoro do filme dará conta de garantir esse isolamento, logo nos primeiros planos temos uma transição da limusine para um táxi comum e é gritante a diferença; se no primeiro caso as vozes são sempre cristalinas, no segundo mal se escutam as personagens. A rua gera barulho, ruído, contraste e é de tudo isso que nosso personagem tenta fugir, ele não quer sentir, ele está esvaziado.
A direção consegue apontar com muita clareza esse vazio da personagem ao fazer um filme anticlimático, que sempre está na espreita de acontecer alguma coisa, mas nunca acontece o que está suspenso – sendo substituído por momentos de surpresa carregados de uma sensação de aleatoriedade- quando achamos que Packer irá atirar nas crianças, ele atira no segurança; quando achamos que ele irá transar com sua contadora ele não o faz; mas logo depois somos lançados em uma cena de sexo completamente desconexa.
O vazio que é colocado na decupagem, através da escolha por planos individuais sempre que possível, irá lentamente mudando conforme chegamos a execução da personagem. Eric Packer vai em direção ao seu fim, de encontro ao seu carrasco, ele deseja enfrentá-lo somente para enfrentá-lo e nesse momento saímos de uma câmera quase sempre em plongé para a angulação oposta, fazendo com que o personagem cresça em tela e se sinta empoderado. O último plano do filme é um contra plongé belíssimo no qual o personagem sorri com uma arma contra sua cabeça. “Nem sequer tinha certeza de estar vivo, já que vivia como um morto” (Albert Camus; O estrangeiro)
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Texto para revista da FACOM
Mate-me por favor- Anita Rocha da Silveira
No topo da minha lista de filmes dessa Mostra tem um pequeno tesouro, ainda restrito aos mais cinéfilos, mas vindo de uma das próximas revelações do cinema brasileiro. Realizado por uma diretora já muito bem escolada nos curta metragens (Anita Rocha da Silveira), “Mate-me por favor” gira em torno de um grupo de jovens que começam a ser diretamente afetados por uma onda de assassinatos; tudo isso levado por uma leveza muito característica do cinema independente, fazendo um filme de personagens, de momentos, acima de um grande arco dramático.
Isso posto, o longa parece ter aquilo que sustenta um filme de estreia: frescor e risco. As estranhas e longas cenas musicais, a fluidez dos diálogos entre os jovens e o sofisticado tema do filme - do pouco que pude ver em trailers ansiosos - não negam. O histórico da diretora também gera interesse, seus curtas anteriores (Mortos-vivos; Handebol; O vampiro do Meio-dia) são sempre assunto nas rodas de cinema independente, tendo percorrido os mais importantes festivais e trazendo sempre um olhar sincero sobre a adolescência. “Mate-me por favor” preenche uma lacuna de filmes adolescentes ágeis e verdadeiros, filmes nos quais os jovens possam se enxergar, uma proeza que talvez possa apenas ser realizada por uma diretora igualmente jovem.
Anita sabe se valer do espaço imersivo da sala de cinema, o fato de seus filmes trazerem sempre um núcleo adolescente faz com que eles estejam repletos de vigores e sentimentos aflorados, prendendo o espectador e levando-o de um lado para o outro sem nunca sair daquele universo. O uso de uma das principais marcas da diretora – uma câmera personagem, que habita o plano - faz com que seus filmes sejam para tela grande – algo que ainda não tive a oportunidade de ver - e, portanto, minha prioridade nessa Mostra; a experiência de poder imergir no mundo desses jovens me parece encantadora.
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Clipe musical no qual fiz assistência de direção para o diretor Tadeu Jungle
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Fotografia de Os 3 Porquinhos e o Lobonzinho, no Teatro Jardim Sul.
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Fotografia de A Fada do Dente e o Unicórnio, no Teatro Jardim Sul.
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Fotografia de O Beijo no Asfalto, no Teatro dos Arcos.
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Fotografia peça Rua Sete - O Musical, no Espaço Open Arts.
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