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Este sábado, há Assembleia Geral, e devemos todos ir aplaudir a nova direção, que, em pouco tempo, já tem uma grande obra para mostrar. Conseguiram, em pouco mais de 5 meses, fazer-nos recuar 50 anos. É uma grande obra.
Aquele que era o maior inimigo da capital e que impunha respeito em todo o país, tanto no futebol quanto fora dele, agora parece um clubezinho de "fozeiros". Aquela mística de peito aberto, de gente que preferia andar à porrada do que vergar, transformou-se numa coisa fofinha, domesticada. Até a malta dos pasquins e da televisão da capital, que nos odiava de morte e dizia de nós o que Maomé não diz do toucinho, agora nos faz festinhas nas costas e repete tudo o que a nova direção manda dizer. Especialmente se for para queimar a antiga direção. Parece que finalmente conseguimos aquilo que tantos desejavam: ser um clube de bem. Já não incomodamos ninguém. Somos apenas mais um.
E dentro de campo, quer seja no relvado ou no pavilhão, o que antes era o nosso grande trunfo, com aquele ambiente infernal para os adversários, também se perdeu. Aquele lugar onde os adversários entravam a medo do guarda Abel e saíam a correr, cabisbaixos e de cornos quentes, é agora muitas vezes um salão de ópera. Os árbitros, que antes nos tratavam como pitbulls descontrolados, agora apitam com calma e serenidade. Já não há expulsões só porque o Pepe faz uns óculinhos ou por carrinhos onde se toca primeiro na bola. O VAR já não passa 10 minutos a martelar umas linhas, nem nos anulam golos com decisões absurdas ao telefone. Nada disso! Somos uns santos dentro de campo, e os árbitros, coitados, já não precisam de nos perseguir como antes. Agora somos o clube exemplar, um clube de fair play.
E não é só dentro de campo, não. A transformação deu-se em todo o clube. A comunicação agora é moderna e adaptada às redes sociais. Os jogadores estão sempre envolvidos em atividades extra-futebol, com patrocinadores e campanhas bonitinhas, e as redes sociais estão muito ativas. E tudo é muito propagandeado, dizem que isso aproxima os adeptos. Como se alguma vez tivesse havido falta de proximidade no passado. Não havia em Portugal, nas competições profissionais, um clube cuja identificação dos adeptos com o clube fosse superior à do FCPorto, ao ponto de as pessoas assumirem como seus os valores do clube. E isso não é construído com propaganda, é algo orgânico.
Se o estádio já não mete respeito a ninguém, nos camarotes a coisa vai bem. No futebol cada vez mais classista, os camarotes ganham cada vez mais protagonismo. Oh, é só almoços, selfies e risadinhas com os patrocinadores. Até os "amigos das motas do presidente" têm visitas especiais ao estádio. É a modernidade! Agora, a propaganda da falsa proximidade é mais importante do que a autenticidade do clube e a osmose com os adeptos comuns, aquela que fazia com que te identificasses com o clube sem precisar de ações de "lucky fans".
Mas calma, que ainda há mais. Para chegar a este estado de pureza, foi preciso fazer sacrifícios. E que sacrifícios! Mandaram embora o Sérgio Conceição, aquele tipo sempre com cara de poucos amigos, que se agarrava à ideia de clube que havia vivido enquanto jogador e tentava resgatá-la para o futebol moderno que vivemos hoje, sem concessões. Ele era o maior garante da nossa mística. Era aquele javardo que nos fez sentir vivos, caralho! E o filho dele? Que crime cometeu? Jogava porque era o melhor, mas olha, como o pai saiu, despacharam-no também.
E o Pepe? Com a desculpa de que estava velho, disseram que já não servia. Agora dizem que a defesa é tenrinha e que falta liderança. Depois, aqueles dois desgraçados que sacrificaram a vida pessoal para defender o clube — o Francisco J. Marques e o Diogo Faria — também levaram um pontapé no rabo. Porquê? Porque quem agora manda quer ficar bem na foto com a capital.
E, para limpar tudo, inventaram um processo kafkiano contra o Madureira só para o calar. Prenderam-no antes e depois é que foram investigar. Mantiveram-no preso, e, sem sequer haver decisão do tribunal, já o expulsaram de sócio. Os mesmos que antes se queixavam de falta de democracia são agora os novos macarthistas. É a ironia.
Agora somos um clube de bons rapazes, com os meninos de bem da Foz. Um presidente que aparece quando ganhamos e se esconde quando perdemos, preferindo mandar recados para os jornais. Já não incomodamos ninguém, perdemos mais vezes com os rivais e, acima de tudo, fazemos de tudo para agradar. Somos o clube perfeito para os outros. Um orgulho!
E, por fim, a questão financeira. O clube dos 8 mil euros na conta. No mesmo dia em que anunciaram um novo empréstimo obrigacionista recorde, de 115 milhões de euros com a banca internacional — com a ajuda da Ithaka —, lançaram para os pasquins do costume que o antigo empréstimo do Kohler custaria 25 milhões de euros em juros. Mas o deles? Silêncio absoluto! Não fizeram a conta. Talvez porque, a julgar pelas poucas informações divulgadas, este empréstimo nos vai custar cerca de 100 milhões em juros. Recebemos 65 milhões por 30% das receitas do estádio com a antiga direção, e isso era "hipotecar o futuro". Agora, hipotecam os restantes 70% por 115 milhões, mas em forma de empréstimo com prazos abusivos de 25 anos.
Este empréstimo é apenas mais um remendo numa situação financeira que já era má e vai se tornar ainda mais insustentável. A dívida financeira vai aumentar bastante e a dependência de empréstimos e financiamentos é cada vez maior. Com juros altos e prazos longos, estamos a empurrar a bomba-relógio para o futuro, hipotecando não apenas as receitas, mas o próprio clube.
Estamos à espera de ver tudo no portal da transparência, mas, por enquanto, ficamos apenas com aquilo que é conveniente divulgar.
Por isso, no sábado, vamos todos à Assembleia Geral. Bater palmas aos salvadores da pátria. Afinal, em 5 meses, recuamos 50 anos.
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