Have you ever been to Electric Ladyland? The magic carpet waits for you, so don't you be late
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Dilemas das Ruas
João estava livre naquela tarde de terça-feira e, como de praxe, pegou seu ônibus e saiu do Ribeirão da Ilha em direção ao Centro. Desceu no terminal e foi caminhando sem rumo. Só sabia que, em algum momento da tarde, gostaria de participar de uma missa. Esfomeado, decidiu comer um pastel no Mercado Público. Vislumbrou a possibilidade de comer na parte de fora do estabelecimento, mas ele lembrou dos chatos pedintes e moradores de rua, então resolveu comer na parte de dentro do mercado.
O rapaz tinha seus 32 anos e já tivera problemas graves com moradores de rua. Quase perdera a vida assim. Por isso, tinha uma certa paranoia com isso.
Finalizado o pastel, foi caminhando em direção à parte de baixo da praça XV. Até ali, apenas dois pedintes o incomodaram, o que lhe custou a quantia de dois cigarros.
Tá aqui, parceiro.
“A vantagem de fumar é que você se livra dos mendigos mais rápido”, pensava João.
Ali em frente, havia um espaço aberto, perfeito para os indígenas, que, em um grupo de seis ou sete, cantavam, tocavam flauta, tambores e outros instrumentos. João ficou maravilhado e curtia cada nota da apresentação, até que se aproximaram uns 3 sujeitos suspeitos. Fumavam cigarros de cravo e ostentavam cordões de (aparentemente) prata e ouro. A vestimenta era característica dos traficantes e dos faccionados. Escondiam-se atrás dos óculos escuros e bonés e estavam sérios, compenetrados, com uma postura e movimentos lentos, mas certeiros. Um era negro retinto, outro era pardo e, o último, tinha traços indígenas. Aos olhos de João, o trio parecia estar sob efeito da maconha. Essa foi a deixa para que o nosso protagonista finalizasse o vídeo que gravava e guardasse o celular no bolso, de uma forma que não ofendesse os rapazes. “Não dá mais para bobear no centro”, pensou.
A próxima etapa do percurso desnorteado seria subir a Praça XV por dentro e descansar à sombra da bela figueira. Já no início, nos primeiros bancos do interior da praça, nosso personagem sentiu um forte aroma da maconha. Um frio tomou conta de sua barriga, e o ódio, tal qual nuvens negras pelo céu, tomou conta da alma do rapaz. Apesar de defender a regulamentação dessa droga, ele tinha um problema com ela: seu primo havia desenvolvido esquizofrenia devido ao consumo dela. De fato, o cheiro de maconha é muito forte e mexe com o coração das pessoas. “O mundo seria melhor se os maconheiros se dessem conta disso”, disse consigo João.
O rapaz, incomodado, notaria mais outro grupo fumando erva no centro da praça, onde fica a Figueira. Mas o vento sul começava a limpar o céu. Mais sereno, pensou: ”Tá tudo mudado” e seguiu seu caminho. O número alto de moradores de rua fez nosso rapaz caminhar mais rapidamente, evitando pegar o celular ou demonstrar vulnerabilidade. Mesmo assim, um pedinte abordou, e lá se foi mais um cigarro para os pedintes.
Já na parte de cima da praça, finalmente defronte à Catedral, ele lembrou que os três cigarros fariam falta mais tarde. Aproveitou, então, para entrar na banca de jornal. Olhou e notou que as manchetes mais importantes ele já tinha lido no celular. É uma pena. Pediu um maço de cigarro no balcão e aproveitou o momento para olhar as revistas. Uma delas, cujos donos são banqueiros, dizia: O que será de um país comandado por um fascista? “O mundo tá mudado mesmo”, pensou rindo.
A Praça XV e a Catedral Metropolitana de Florianópolis são um local deveras simplório e caricatural. Ali, é visível que a cidade possui uma história. Essa igreja foi inaugurada em 1773, antes do século XIX, ou seja, na época em que o Brasil ainda era colônia de Portugal. Nessa região, o tempo parece passar em outra velocidade. De fato, desde a Revolução Industrial, a vida vem se acelerando demasiado.
Visitar esses lugares dá um pingo de noção de como era a vida na época e faz os transeuntes sentirem saudade do que não viveram.
Nessa parte, também está o Palácio Cruz e Souza, antigo palácio do governo do estado, que hoje se tornou o Museu Histórico de Santa Catarina, levando o nome do fantástico poeta negro.
A leitura de Cruz e Souza é essencial para os que amam literatura, história, a cidade e que são antirracistas. Até mesmo quem não gosta de poesia vai se encantar pela obra do autor. São poesias influenciadas pelo Simbolismo do parisiense Charles Baudelaire, onde podemos notar elementos de Satanismo e Individualismo.
Imagine a decepção dos fãs ao notarem que haviam retirado a imensa arte do rosto do poeta que tomava a parede de um prédio ao lado!
Ainda na escadaria da Catedral, formava-se uma enorme fila de moradores de rua, para o que parecia ser uma ação social. Mas aqueles não aparentavam estar interessados em incomodar João, demonstraram apenas querer comer seus pães de cada dia. Depois de passar pela fila, virou a rua, e só então acendeu um cigarro, para evitar perder mais um. Entrou na secretaria da igreja e lá descobriu que naquele dia não celebrariam mais missa na Catedral, mas que haveria uma celebração na Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, a dos pretos.
A Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito foi construída por pessoas escravizadas e ex-escravizadas, para depois ser frequentada especialmente por eles: retratando a triste segregação racial da época.
João, branco e de classe média, ficou feliz, pois era uma oportunidade de sentir a espiritualidade católica e afro de forma simultânea. “Isso delimita muita coisa”, pensava. Quando ele chegou, já estava na parte da homilia. O padre, careca, barbudo e meio gordo transmitia seriedade e amorosidade ao público, do qual metade eram negros. O sacerdote, em alto e bom tom, citou Atos dos Apóstolos, Capítulo 10, Versículo 4:
Olhando bem para ele e cheio de medo, Cornélio então perguntou: “O que é, Senhor?�� O anjo respondeu: “Suas orações e esmolas subiram como memorial diante de Deus.
A partir daí o padre negro começou a discorrer sobre a esmola de forma hábil e sagaz, inteligente e compassiva. E isso tocava o coração de João.
É uma das melhores homilias que eu já vi.
Após a benção final, ele ficou um tempo boquiaberto, refletindo sobre o evangelho e seus ensinamentos: “Os pobres merecem compaixão e caridade!”
Poucos segundos depois, descendo as escadas, ainda no espaço da igreja, um mendigo negro abordou o rapaz. Esboçou um choro e mil e um motivos para receber uma esmola. João pensou estupefato: seria isso um sinal de Deus? Ou, pelo contrário, o morador de rua apenas queria se drogar? Teria o mendigo a satânica audácia de explorar a fé alheia para conseguir mais uma dose da droga?
As mãos de João tremiam, mas não de medo, da aflição de saber que, talvez, estivesse sendo ludibriado. Só tinha 20 reais no bolso, o que ele sabia que era uma boa quantia para um morador de rua, mas a homilia do padre mexera com o espírito do nosso protagonista. “É preciso ter fé na humanidade” lembrou, enquanto enfiava a mão no bolso. Os olhos do morador de rua brilharam.
O pedinte recebeu a esmola, exultou de alegria e abençoou o doador. João nunca mais iria esquecer daquele momento que, parado e perplexo, observava o homem virar-lhe as costas e caminhar rapidamente, quase correndo, mas, por vezes, mancando, tremulando sua roupa esburacada e mofada, até desaparecer na multidão.
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Escritores Invisíveis
De antemão, quero dizer que esse texto é um artigo de opinião. Não pensem que trata-se de cunho publicitário. Venho aqui argumentar sobre o valor dos “escritores invisíveis”, desconhecidos, desvalorizados, desprezados e mais vários outros “des”. É claro que eu sou um deles, é evidente que sou pouco lido e que sonho em crescer nesse mundo. Mas essa não é uma tentativa desesperada de angariar novos leitores.
Essa reflexão que venho compartilhar iniciou-se há um ou dois anos, quando, em uma noite comum, meu pai me ligou convidando para o lançamento de um livro. Naquele momento eu já era um “escritor invisível”, já tinha concluído o curso de Jornalismo e tinha alguns textos guardados. O convite veio a calhar, pois eu estava “parado”, ou seja, não estava escrevendo, e isso foi uma faísca para eu voltar à ativa.
Meu pai me buscou de carro aqui no Córrego Grande, subimos o Morro da Lagoa e pegamos a Avenida das Rendeiras. Um percurso difícil de enjoar, tendo em vista o visual exuberante da Lagoa da Conceição. No caminho, meu pai explicou que o livro fora escrito por um ex-vizinho seu, um jovem que portava um certo grau de esquizofrenia. Por um lapso de alguns segundos, tive a arrogância de questionar-me sobre o potencial literário de uma pessoa portadora de uma doença mental, ignorando que também sou uma. Mas esse rompante logo findou, e eu comecei a vislumbrar a possibilidade de conhecer uma obra e um artista interessantes.
O lançamento era no fim da Avenida das Rendeiras, em um certo bar alternativo que não existe mais. Não lembro exatamente se havia lá estátuas do Buda ou mandalas, mas a vibe do lugar era essa, e imagino que você entenda o que estou dizendo. O cheiro de incenso eu posso confirmar que havia. No local estavam umas 30 pessoas, e o jovem escritor estava acomodado em uma mesa, autografando os livros e recepcionando os leitores ao lado de sua mãe orgulhosa.
Não percebi nada de diferente no rapaz, mas notando o seu comportamento e levando em conta as descrições dele feitas pelo meu pai, comecei a criar curiosidade pelo conteúdo do livro. Eu nem conhecia ele e fiquei interessado em saber o que ele tem para dizer, as características de sua escrita e seu estilo literário. Então peguei o livro que meu pai comprou, me acomodei em uma poltrona e comecei a ler. Estava saciando a curiosidade e prestigiando o colega ao mesmo tempo. Ali eu li umas 20 páginas e fiquei impressionado com uma escrita sofisticada e um vocabulário rico.
Eu não levei o livro para casa, mas foram 20 páginas prazerosas e que valeram a pena. Foi interessante entender um pouco da subjetividade de um rapaz que havia recém-conhecido. Imagine se fosse um grande amigo, familiar ou outra pessoa com quem eu convivi bastante!
Essa experiência me motivou a voltar a escrever, e assim o fiz durante algum tempo, mas logo o desânimo tomou conta. Desde então, a chama da produção literária veio e foi embora repetidas vezes.
Venho notando que há textos cuja inspiração o escritor sentiu há muito tempo, mas só após anos ele põe no papel (ou na tela). Esse é o caso. Há anos, refleti sobre como é legal ler um material escrito por um conhecido.
A reflexão veio à tona hoje novamente.
Essa tarde fiz uma caminhada até a paróquia mais próxima da minha casa e aproveitei para me confessar pela segunda vez em minha vida. A primeira tinha sido há uns 7 anos. Eu conhecia de vista o padre que me ouviu, pois já tinha assistido a duas missas celebradas por ele. Trata-se de um sujeito sério, quieto e simples.
Já era noite quando, mexendo no Instagram, apareceu uma postagem do padre fazendo propaganda de um livro seu. Despertou então em mim a mesma curiosidade que tive no lançamento do livro do rapaz: precisava saber qual é a do padre! Através do Kindle, baixei o livro pela Amazon e comecei a ler hoje mesmo! E, já nas primeiras páginas, estou impressionado com a fé, a simplicidade e a nobreza de espírito do religioso. Não sei se lerei o livro todo, afinal, é difícil eu completar um livro, mas ler algumas páginas de um livro de um conhecido me fascinou pela segunda vez!
Essas duas experiências fantásticas me motivam a continuar escrevendo, e espero que essa reflexão incentive mais pessoas. Por um certo momento, um “escritor invisível” roubou a cena de Honoré de Balzac e José de Alencar, cujas obras ocupam o meu criado-mudo.
Só assim a literatura se renovará!
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Estava lendo um livro do século 19 e elaborei essa frase: "A literatura é o mais próximo que a humanidade chegou da máquina do tempo."
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Lição de Vida
São diversos os acontecimentos que fortaleceram minha fé e meu encantamento pela religião. Um deles foi marcante ao extremo e me fez registrar textualmente para a minha eternidade. E o mais fascinante é que esse tipo de registro é terapêutico e gratificante para o escritor, pois amadurece a interpretação de suas vivências.
No final do meu curso de Jornalismo na universidade, eu vivia um período tenebroso de paranoia, ansiedade e delírios. Eu precisava produzir um TCC e me considerava incapaz para fazê-lo. Por muito pouco não desisti. Inicialmente, o tema era sobre torcidas organizadas do futebol brasileiro. Porém, conforme eu dava meus primeiros passos, eu fui percebendo que esse era um tema inviável por muitos motivos.
Naquela época, eu já estava espiritualmente desesperado, pedindo ajuda e misericórdia ao Poder Superior. É inacreditável o estrago que o uso de maconha me causou. Lembro de rezar fervorosamente, mas ainda não tinha feito certas renúncias. Eu ia todas as semanas ao centro de Florianópolis para comprar livros católicos na livraria da catedral metropolitana. Já tinha uma verdadeira coleção, mas não me sentia capaz de abandonar muitos pecados.
É por isso que eu vislumbrei a possibilidade de escrever sobre o catolicismo para o meu TCC. Eu pesquisaria e me aproximaria de algo que me fortalece. Posto isto, escrevi sobre turismo religioso em Santa Catarina. Foi um breve período de lucidez na minha vida, pois minha psiquiatra havia me convencido a não fumar maconha naqueles meses.
Tempos depois, o sucesso do trabalho me faria crer que isso era uma verdadeira graça alcançada, levando em conta o dramático estado mental, espiritual e físico que eu vivia. Só eu e Deus sabemos da dor e o desespero pelo qual passei. Meus pais e minha psiquiatra tinham uma certa noção também.
Esse é o contexto do dia em que eu estava acomodado no sofá da casa da minha tia. O tema específico do meu TCC ainda não tinha sido decidido, eu só sabia que queria escrever sobre religião. Eu estava lá porque o apartamento em que eu morava estava em reforma. Estava sozinho na casa dela. Tinha alguns livros católicos comigo e estava lendo eles de forma assídua e compulsiva.
De forma gradual e suave, notei que minha vista estava meio “embaçada”. Pisquei os olhos e esfreguei a mão neles, mas algo não saía da vista. Eram luzes bem discretas. Aos poucos notei que essas luzes transformaram-se em linhas extremamente suaves, que pareciam tremular bem devagar ao vento. As linhas ondulavam. Eram de um branco e um amarelo fraco ou claro. Aos poucos essas linhas tomaram um certo contorno. Eu fiquei paralisado e boquiaberto, acreditando que se tratava de algum fenômeno normal da minha vista. Até que essas linhas suaves formaram a silhueta da minha falecida vó! Era o contorno da parte superior do corpo dela, a cabeça, o pescoço e um pouco abaixo disso. Ela abanou para mim e mexeu a cabeça exatamente como ela fazia em vida, sorrindo de forma carinhosa. Trejeitos característicos dela.
Eu sempre tive extremo medo do sobrenatural, e nunca quis ser um médium espírita e ter visões e outras coisas do gênero. Entretanto essa experiência não me amedrontou nem um pouco! Foi sereno, leve e confortante. Outro detalhe: eu não fumava maconha há semanas, nem consumia nenhum outro tipo de substância alucinógena. Até hoje eu não excluo a possibilidade de aquilo ter sido uma alucinação, mas eu realmente tive essa visão.
Posteriormente, guardei essa experiência na memória e no coração, sempre tentando interpretar o sentido do acontecido. Consegui me formar e comecei a procurar alguma oportunidade profissional. O melhor que consegui foi um trabalho voluntário na Câmara Municipal de Florianópolis, de cuja portaria pode-se visualizar a entrada da livraria da catedral! Por um tempo, também interpretei isso como uma graça alcançada, pois antes disso eu havia frequentado muito aquela livraria. O fato de uma oportunidade profissional ter sido bem na frente daquele lugar me chamou atenção.
Porém o tempo passou e, aparentemente, minha fé também. O ceticismo tomou conta de mim. Ateísmo é pouco para definir o que se passava. Lembro de ouvir certas músicas satânicas, o metal, nos eventuais tempos livres daquele trabalho voluntário.
Eu vivia a rebeldia contra Deus. Sentia prazer ao ouvir essas músicas e queria realmente ser um metaleiro satânico e doidão. Tal qual Ozzy Osbourne. Foi justamente em um bar de rock das proximidades que eu tive uma das minhas primeiras experiências com a cocaína. Foi a partir daí que me viciei nela.
Meses se passaram, a minha adicção progrediu muito, e eu estava usando cocaína diariamente. Mas aquela experiência de ver minha falecida vó não tinha sido apagada de minha memória e do meu coração. É por isso que eu havia colocado uma foto bem grande do rosto dela sorrindo como tela de fundo do meu celular.
Certo dia, eu tinha ido em um morro comprar cocaína. Já não conseguia esperar chegar em algum lugar para usar a droga. Parava o carro em uma rua próxima da boca de fumo e usava ali mesmo. Eu estava estacionado, e tinha que amassar a pedrinha de cocaína para esfarelá-la. Coloquei ela em cima da tela do celular, peguei um cartão e amassei, como de costume. Até que aconteceu algo que me marcaria para sempre: a tela acendeu, apareceu então o rosto da minha vó e, conforme eu pressionava a droga, a tela se estilhaçou! Rachou!
É claro que, como um homem de fé que sou, mesmo em tempos de rebeldia, interpretei aquilo como um sinal: perdera para sempre a confiança da minha vó! Aquilo entristeceu meu coração de forma absurda, mas essa experiência marcante não foi o bastante para eu largar a droga.
Eu só estou largando a droga atualmente, depois de ingressar em Narcóticos Anônimos. Foi ouvindo os companheiros dessa irmandade que abandonei a rebeldia contra Deus e passei a praticar a gratidão pela vida! Sei que a rachadura que causei no coração de minha vó é permanente, mas estou buscando as devidas reparações. Em outras palavras, a cada dia, procuro me tornar um ser humano melhor. Espero um dia encontrar minha vó na luz!
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Volta ao Monoteísmo
Após um grande hiato sem escrever, resolvi voltar aqui. Isso aconteceu depois de eu acessar esse blog (o que também não acontecia há tempos) e me deparar com um determinado texto. Nele, eu defendia com unhas e dentes o politeísmo, ou crença em diversos deuses.
Pode soar cômico, mas eu mudei. E já faz um bom tempo. Impressiono-me com esses escritores que seguem uma vida inteira defendendo as mesmas ideias, com as mesmas convicções. Eu vivo mudando, a ponto de isso me incomodar bastante.
E a religião é um dos temas que mais roubam minha atenção.
Já faz mais de dez anos que tive uma experiência tenebrosa com a maconha, que me levou a pesquisar sobre o rastafarianismo, o que, por sua vez, despertou um profundo interesse pela religião e pela teologia. Hoje acredito que a única coisa boa que a cannabis me trouxe foi esse interesse. Mas isso é assunto para outra ocasião. Sabe-se lá se eu não teria me interessado por religião sem a influência da substância?!
Desde esse "despertar", eu fico alternando entre o monoteísmo e um politeísmo quase que blasfemo, satânico.
Antes de qualquer coisa, esclareço que minha interpretação sobre satanismo é diferente do que a mais comum. Não, eu não acho que satanismo seja fazer a maldade, sacrificar animais ou pessoas, etc. Eu via e vejo o satanismo apenas como uma oposição ao conservadorismo judaico-cristão.
Esclarecido esse ponto (crucial), e voltando ao assunto principal, volto-me para a incessante alternância.
Às vezes eu sofria muito com meu problema com drogas, ou quaisquer outros problemas pessoais, e sentia um conforto no cristianismo. E aí começava a ler, pesquisar e consumir todo tipo de conteúdo cristão e monoteísta.
Até que, repentinamente, poderia ver alguma pregação infeliz, alguma fala descabida, que me incomodava e gerava uma reviravolta na minha mente e me levava de volta às convicções politeístas.
Vivi esse ciclo alguns intermináveis anos, quase uma década. É por isso que, como disse no início desse texto, fico admirado com os pensadores que seguem uma mesma linha durante a vida toda.
Antes disso tudo, eu não me importava muito com religião, era indiferente. Mas vamos dizer que eu pendia para o lado mais “blasfemo” e anti-religião. Isso me levaria a pensar que esse é o meu estado normal. Por outro lado, eu tinha o hábito de rezar mentalmente, pois era muito medroso. Eu já tinha medo de espíritos e recorria a oração. A grande questão é que esse conflito ideológico não me angustiava, eu não via problema.
Até que comecei a fumar maconha e, como tantos outros, comecei um fascínio pelas músicas do Bob Marley e outros cantores de reggae. Dali descobri o Rastafarianismo, e esse origina-se da Igreja Ortodoxa Etíope, que é cristã!
Sem me estender muito nessa parte, eu comecei a me interessar pelo Cristianismo. E, ali, eu já não via contradição em pegar livros católicos ou protestantes para ler. Li coisas interessantíssimas, que me fascinaram ao mesmo tempo que me traziam conforto em momentos de angústia. Logo procurei a Igreja Católica mais próxima de onde eu morava e fiz a catequese e o crisma (pois não havia feito na infância).
Mas, ao mesmo tempo, ainda havia uma forte raiz ateia e/ou crítica do Cristianismo. Logo eu via um pastor ou padre cometendo e falando atrocidades e me revoltava. Já botava a culpa no Cristo por coisas que alguns idiotas fazem dois mil anos depois da crucificação! Voltava a ouvir heavy metal (pois apesar de gostar da sonoridade, acredito que seja incoerente um cristão ouvir metal), mudava o foco das leituras e vivia procurando maneiras mais duras de criticar o Cristianismo.
Esse é um angustiante ciclo mental que eu vivia. Mas parece que findou. Já faz bastante tempo que me considero cristão, rompi com o meu eu blasfemo e ignorante. Pois o Cristianismo é caloroso e te aconchega. Parece-me que são vantagens de se acreditar num único criador, numa única fonte de vida. Eu não excluo a possibilidade de haver outras entidades espirituais, mas a divindade é só uma.
Eu, mesmo quando me considerava politeísta, achava que a humanidade era incapaz de dizer como eram esses deuses. Mas, mesmo nesses tempos, via no Deus Abraâmico, bíblico, único, o mais provável de realmente existir.
Vale lembrar que eu não acredito em tudo que a Bíblia diz, nem conseguiria. O próprio Papa Francisco disse, esses tempos, que Deus não opera com uma varinha mágica, e que o evolucionismo é real. Está aí algo que me fez comemorar e me identificar ainda mais com o catolicismo.
#monoteísmo #religião
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Quero ser imortal
Recentemente, eu, como um assíduo leitor de histórias em quadrinhos, deparei-me com uma notícia que me causou indignação. A polêmica girava em torno do nosso célebre quadrinista Maurício de Souza, criador da Turma da Mônica, que concorria a uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Seu concorrente, James Akel, cujo maior trabalho foi um livro sobre marketing do setor hoteleiro, atacou com uma declaração que virou assunto na internet: “Gibi não é literatura”.
Logo, um tema que tanto me atinge e me rouba atenção estaria bombando nas redes, fato que me animou. O ponto aqui não é se eu desejo ardentemente a vitória de Maurício de Souza, e sim a arrogância de muitos defronte aos quadrinhos, uma modalidade da arte e da comunicação. De fato, quadrinhos não são o mesmo que literatura, mas o sujeito precisava falar dessa forma? O uso do termo “gibi” foi feito com humildade? Você pode até achar que não, mas a sequência da entrevista me leva a crer que sim. Segundo James Akel, o rei do marketing do setor hoteleiro:
- Na Justiça, a toga do juiz é parte da liturgia do cargo. Ninguém tira. Da mesma forma, a letra no papel é a liturgia da literatura. Histórias em quadrinhos estão no campo do entretenimento, não da educação, como ele defende.
Ok, deixem-me respirar. Não quero focar na arrogância e na ambição do sujeito em ser um imortal. O problema é que ele consegue piorar a situação. Perguntado se ele já lera um gibi da Turma da Mônica, ele responde:
- Claro que sim, mas depois de já ter aprendido a ler e a escrever, com o uso dos livros de verdade. Fico assustado quando dizem que os brasileiros se alfabetizam com a Turma da Mônica. Defender isso é uma incongruência.
Eu sou um dos que se alfabetizou com quadrinhos e posso garantir que meu Português evoluiu drasticamente com eles. E estou certo de que, na era dos videogames e smartphones, é muito mais fácil uma criança iniciar no caminho da literatura através das HQs do que com livros. Está aí o seu potencial educativo. Já li quadrinhos adultos que me assustaram, que me entristeceram, que me fizeram rir. Já li reportagens em quadrinhos e já soube de quadrinhos pornô (por esses eu não tive curiosidade).
Eu inclusive sonho com uma revolução educacional através dos quadrinhos, mas isso é papo para outro dia…
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Elementos da Criação
Quem já me leu sabe que tenho uma forte veia politeísta, ou seja, acredito em diversas entidades espirituais grandiosas, deuses. Por outro lado, não acho que a humanidade seja capaz de identificar suas características e peculiaridades. Posto isto, fica claro que não me faz sentido a ideia tradicional do Criacionismo, a de um único deus como fonte da vida e de tudo que há no universo. Eu consigo imaginar a vida surgindo a partir de uma reação química, ou um evento espiritual, sem a ação de alguém.
Vale ressaltar que o politeísmo pode apresentar as suas versões de Criação, mas, logicamente, mais complexas, o que me agrada.
Essas ideias não me impedem de respeitar o Deus judaico-cristão, ou abraâmico (incluindo o islamismo), e considerar a possibilidade de sua existência. Já desrespeitei, sim, não serei hipócrita. Foi uma época de pura revolta, em que eu ouvia muito death metal, lia sobre ocultismo e me identificava com o Satanismo como uma oposição ao conservadorismo judaico-cristão. Logo vi que muitos satanistas são maus por natureza, fazem a maldade, e isso não é o meu caso. Motivado pelo hedonismo Satânico, aventurei-me com drogas e me afundei nas trevas até um ponto em que rezar o Santo Anjo era inevitável.
Nesse momento, eu consigo ouvir as vozes dos professores de redação me criticando: “você não estava escrevendo sobre Criacionismo? Por que resolveu falar sobre Satanismo?” Porque eu quero! Vá para o Diabo!
Pensando sobre a Criação, eu gosto de refletir sobre três elementos interessantes. O primeiro é que, se fomos criados, o criador, ou os criadores, nos fizeram sentir o prazer sexual! Sim, o orgasmo é um incentivo para a reprodução. Já parou para pensar como seria o mundo sem o prazer sexual?
Outro elemento importante é a dor. Creio que o criador, ou os criadores, fizeram-nos sentir dor para que procuremos viver ao máximo e valorizar a vida. E, vale ressaltar, quanta dor podemos sentir! Seria isso um castigo divino?
O terceiro é a fé! Em todos os povos, em todas as nações, podemos identificar uma religiosidade. Isso é quase um instinto humano. As pessoas precisam de fé. E esse instinto me faz refletir e pensar que sim, o mundo espiritual está aí, apesar de não podermos vê-lo.
Concluindo, depois de pensar sobre esses elementos da criação, confesso que atingi um certo momento de fé, com o Criacionismo me fazendo sentido. Mas, não posso deixar de citar o Papa Francisco que, sabiamente, reconheceu que o evolucionismo é real e criticou a interpretação das pessoas que leem o Gênesis, achando que “Deus tenha agido como um mago, com uma varinha mágica capaz de criar todas as coisas”.
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Avistamento Alienígena
O indígena caminhava pelo costão de uma das belíssimas praias da ilha de Santa Catarina. Angustiado pelas fofocas que rolavam em sua aldeia, encontrou uma série de mariscos colados às majestosas pedras da praia. Seria uma bela refeição para a caminhava de volta para sua casa. A perspectiva da barriga cheia não consolava o rapaz, que era motivo de chacota pelos guerreiros da sua tribo. Ele não conseguia engravidar sua parceira, e seus companheiros não perdoavam. Ora, um dos mais nobres guerreiros, caçadores e pescadores da tribo não conseguia procriar? Seria isso um castigo dos deuses?
As lágrimas começaram a escorrer pelo seu rosto. Mal percebia a quantidade de marisco que caía pelos cantos de sua boca. Um siri picava seu p��, e ele, um guerreiro acostumado à dor, sequer reagia. Mas junto à ele estavam duas tainhas e um pedaço de caça, o que ainda era uma prova de seu valor. Em uma manhã, carregava uma boa quantidade de comida para alimentar seus familiares e amigos. Sim, ele ainda podia resgatar a sua honra!
Até que ele ergueu seus olhos para o horizonte, para pedir misericórdia aos deuses, quando avistou alguns pontos pretos no mar. Não eram baleias. Agora seu desespero tomava proporções catastróficas. Estaria ficando louco? Ou eram as divindades dos mares? Estariam ali para acudi-lo? O medo e o respeito perante tais entidades era enorme, entretanto ele decidiu ficar na praia para ver o que aconteceria. Tinha paciência e comida. Logo decidiu assar uma de suas tainhas e orar aos deuses do mar.
Nesse momento de intensa atividade cerebral, não esqueceu de fumar tabaco para aprimorar seu espírito. Naquele momento, todas as atenções do mundo espiritual estavam voltadas para esse guerreiro indígena. Ele dançava, se jogava no chão, erguia os braços para os céus para que tenham misericórdia de sua alma. Até que suas intensas orações, somadas à quantidade de tabaco fumado, levaram o rapaz a um transe. Desmaiado, sonhou com sua família, com filhos, com paz, comida e uma existência harmoniosa perante o mundo espiritual.
Sonhava que estava transando com sua mulher, até que, por não sentir o prazer carnal, deu-se conta de que estava no mundo dos sonhos. Aos poucos foi abrindo os olhos, enquanto o sol do verão queimava sua pele. Ainda estava mais no mundo das ideias do que na realidade terrena, e tinha esquecido dos pontos pretos no horizonte do oceano. Até que… Bum! Um estrondo enorme fez o indígena sentir um imenso frio na espinha. Era uma série de estruturas enormes, bizarras, estranhas, no mar, que provocavam estrondos enormes. O indígena estremecia tal qual um cachorro presenciando fogos de artifício.
A guerra naval continuava a todo vapor, porém aquilo era demais para o guerreiro indígena. Sejam aquilo deuses, animais, ou até homens em embarcações sofisticadas, aqueles barulhos estavam levando o rapaz à loucura. Fugiu para o mangue, onde se sentou na beira de um rio. Estava tão inerte que não percebeu um jacaré se aproximando. Quando finalmente avistou o animal, teve apenas tempo de tacar sua caça a uma meia distância para que o réptil se afastasse.
Já entardecia quando o guerreiro indígena chegou à sua aldeia. Lá todos os habitantes logo perceberam a inquietude do rapaz, que foi de imediato ao encontro do chefe e do xamã. Ao redor de uma fogueira, os três fumaram tabaco e iniciaram uma reunião. O guerreiro indígena, gaguejando, explicava o que viu, mas o chefe da tribo demonstrou uma enorme falta de empatia:
Ora, nosso guerreiro, além de infértil, está ficando maluco!
E logo o chefe soltou uma risada que serviu como um soco no estômago do jovem. Mas, para sua sorte, o xamã demonstrou uma maturidade mais elevada:
Isso é uma tremenda falta de respeito, caro chefe. E se essa loucura tiver uma fonte de verdade? Você estará cometendo uma grande injustiça com nosso guerreiro!
Logo o assunto virou a grande notícia na aldeia. Todos falavam sobre o jovem guerreiro, que parecia estar enlouquecido. Nem mesmo sua companheira estava levando ele a sério. Pior, estava abandonando-o.
O rapaz deitou em sua rede e esperou o amanhecer, e, apesar de toda humilhação, ele sentia que tinha recebido uma grande missão pelos deuses. Logo ao nascer do sol, ele correu em direção a aldeia de uma tribo rival. Com ornamentos e pinturas corporais que sinalizaram um contato de paz, ele queria saber se essa tribo rival tinha avistado algo semelhante.
Para chegar a essa aldeia rival, o guerreiro indígena tinha que subir um morro. Correndo, chegou ao topo, onde decidiu comer frutas e fumar tabaco. Estava orando aos deuses quando sua prece foi interrompida com mais um estrondo, semelhante ao que ouviu na praia no dia anterior. Seu corpo estremeceu. A aldeia rival estava sendo atacada. O rapaz desceu o morro e se aproximou da aldeia. Lá, ele viu seres estranhos, de uma cor branca, com vestimentas bizarras, portando canos trovejantes. Eles atearam fogo nas cabanas e matavam os indígenas rivais.
Aquilo tudo era suficiente, ele tinha que avisar sua tribo, era essa a sua missão! Mas seus familiares e amigos não o levavam mais a sério. Transtornado, decidiu partir. Atravessou a ilha, tomou uma embarcação com uma aldeia aliada, partiu para o continente. De lá encontrou o início do Caminho do Peabiru, que leva até o Império Inca. Sua missão era avisar todos os povos. Os deuses já o incubiram.
Corra, guerreiro, corra!
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Caminho Perigoso
Há algumas semanas, quando eu vivia um fascínio pelas ideias politeístas, comecei a escrever um texto sobre o tema. Não sei se a produção resultaria em uma crônica ou em um artigo de opinião, sei lá, faz tempo que estudo e faço a produção de textos, mas ainda sinto muita insegurança no momento de classificá-los.
O politeísmo era tudo o que rondava em minha mente naquele dia. Tudo parecia se encaixar. Eu não só via nele como a corrente filosoficamente e intuitivamente mais plausível, como já estava vendo-o como a solução para os grandes problemas da humanidade. Eu estava com esse espírito até minha psicóloga, também interessada nesse assunto, trazer algumas elucidações que frearam meu ímpeto: o politeísmo também cometia atrocidades, e ainda hoje existe o politeísmo praticante, onde, ao prestarmos atenção, não há um "paraíso terreno".
A destruição desse sentimento foi muito frustrante, admito, mas eu sempre optarei pela verdade. Continuarei pesquisando e estudando temas que me dão mais vontade de viver. De qualquer forma, é muito interessante notarmos o quão pode ser perigoso o caminho que percorremos no plano ideológico. Veja o caminho que eu seguia no meu texto de poucas semanas atrás:
- "De início, gostaria de trazer ao debate um ponto chave do meu posicionamento e minhas opiniões sobre o sobrenatural. Eu honestamente não acredito na necessidade de existir um criador de tudo. A ideia de que exista um criador da vida - e não do mundo material - me causa menos estranhamento, porém mesmo essa não "entra na minha cabeça". Em outras palavras, faz mais sentido a mim uma entidade ter criado apenas a vida. No entanto, é mais verossímil para mim a vida ter surgido através de um acontecimento cuja explicação científica ainda não existe. Uma reação química, um evento biológico ou sei lá o que. Pode estar parecendo que tenho uma forte veia ateia a quem não me conhece, porém o fato é que tenho uma fé gigantesca no mundo espiritual.
Dito isso, vale ressaltar que não sigo nem adoro nenhum Deus porque já tive surtos com esses pensamentos e, hoje, eu não condiciono minha vida em função de nenhuma entidade espiritual e seus representantes. Refletindo sobre essas má experiências, constato que as projeções da realidade que eu criava em minha mente eram errôneas. Ademais, eu creio que a imensa maioria das versões do sobrenatural criadas pelos humanos também são errôneas. Portanto, não aceito que ninguém me diga o que eu devo fazer com base em preceitos do sobrenatural É por isso que o laicismo vem me atraindo cada vez mais. Eu acredito muito na existência de deuses, entidades espirituais superiores, mas não aceito que ninguém me diga como esses seres são.
Eu acredito que se você faz um pacto com um Deus, você deve ter a honra de cumpri-lo. Aliás, eu altamente recomendo isso. Quem somos nós para desonrarmos um Deus. E é por isso que muitos monoteístas, ávidos por honrar seu Deus, atacam as coisas diferentes. Acho o monoteísmo segregador nesse sentido"
Não sei quantos possíveis leitores, principalmente os crentes, riram ao lerem isso. O terceiro e último parágrafo é de assustar, se pensarmos como seria a continuação do texto. Sim, esse sou o eu ideológico de poucas semanas atrás. Confesso que sinto vergonha ao compartilhar isso, mas acredito que as reflexões as quais posso causar com isso compensam o vexame.
Isso só me faz ver com mais nitidez como a humanidade tem uma tendência em se radicalizar em uma ideologia, corrente de pensamento ou religião, a ponto de cometer atrocidades por ela, quando, de fato, um faro de cunho democrático pode ser mais frutífero. Tenhamos mais cautela antes de tremular uma bandeira em nome de uma ideia.
Além disso, faz-me lembrar do fato de que eu sou um ex-comunista. Eu seria um legítimo soldado bolchevique no início do século passado, antes de constatar que o mundo comunista, na verdade, não foi um "paraíso terreno". Porém, vale ressaltar, ainda guardo princípios do marxismo, os quais vejo como válidos.
O mesmo ocorre com o politeísmo. Passaram-se alguns dias, minha ideologia curiosamente mudou, mas ainda guardo a intuição e a crença de que existem deuses.
#politeismo
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Das crônicas às crônicas
Esta crônica que você está começando a ler apresenta origens diversas. É porque quando eu decido escrever, seja um conto ou uma crônica, um artigo de opinião ou reportagem, eu o faço movido por intensa atividade criativa cerebral. Em outras palavras, vem-me à mente uma ideia digna de ser registrada e eu corro para meu tablet a discorrer o que se passa em minha cabeça. Dessa vez não foi assim. Eu planejo escrever um conto sobre o litoral catarinense na Era dos Descobrimentos. Para tanto, comprei um livro de História chamado “Porto dos Patos”, que trata sobre a Ilha de Santa Catarina nesse período específico. Esse livro se mostrou muito interessante para mim. É um material muito técnico, afastado da linguagem literária que tanto admiro. Posto isso, constato que demorarei a concluí-lo, pois sou desses, quando se trata de linguagem técnica e acadêmica.
O que seria de mim sem a prática da escrita por tanto tempo? Ademais, quantas expectativas girariam em torno desse conto, configurando forte fardo para as minhas costas? E assim, nessa costumeira noite de verão, estou forçando-me a escrever de quaisquer formas. Todavia, espere um instante, leitor contundente! Talvez haja sim uma atividade criativa cerebral. Enganei-me! Acabo de ler uma marcante crônica escrita por Machado de Assis. Existe fonte criativa mais poderosa? Os fãs do José de Alencar diriam que sim, mas eu prefiro me abster de tamanho posicionamento, deveras importante no vasto e rico manancial da literatura. Ainda engatinho nesse mundo e, devido ao ritmo lento de minha leitura, assim será por um bom tempo.
A crônica que acabo de ler se chama “Direito dos Burros”, e é no ritmo e na energia cósmica dela que estou escrevendo. Seria uma honra para mim que algum leitor conferisse essa obra e constatasse algum pingo de sentido no que acabei de falar. Já pensou? Eu escrevendo na onda do mestre? Pois bem, chega de divagações! O assunto é a crônica. Vou compartilhar-lhes os dois primeiros parágrafos dela, para vocês entenderem como está meu estado mental:
“Ontem de manhã, indo ao jardim, como de costume, achei lá um burro. Não leram mal, não, meus senhores, era um burro de carne e osso, de mais osso que carne. Ora, eu tenho Rosas no Jardim, Rosas que cultivo com amor, que me querem bem, que me saúdam todas as manhãs com seus melhores cheiros, e dizem sem pudor cousas mui galantes sobre as delícias da vida, porque eu não consinto que as cortem do pé. Hão de morrer onde nasceram.
Vendo o burro naquele lugar, lembrei-me de Lucius, ou Lucius da Tessália, que, só com mastigar algumas Rosas, passou outra vez de burro a gente. Estremeci, e - confesso minha ingratidão - foi menos pela perda das rosas, que pelo terror do prodígio. Hipócrita, como me cumpria ser, saudei o burro com grandes reverências, e chamei-lhe Lucius. Ele abanou as orelhas, e retorquiu:
- Não me chamo Lucius.”
Sim, leitor contundente. Nela, nosso saudoso escritor relata um interessantíssimo diálogo com um burro! Dá vontade de conferir a continuação, não é?! Pois bem, adquira uma coletânea de crônicas dele e seja feliz! Feliz você verá como o burro apresenta uma certa inclinação trabalhista, defendendo os direitos de sua classe contra os maus tratos dos diabólicos cocheiros! E, indo mais longe, até onde essa inclinação se manifesta na alma de Machado de Assis? Bom, eu poderia fazer um sério estudo a partir de materiais acadêmicos e defender uma grandiosa tese, tudo vindouro de uma estupefaciente conversa com um burro! Mas como ficaria meu conto sobre a Era dos Descobrimentos? Iria para o espaço! Por ora, vou conter-me e cuidar-me, afinal, a lógica do meu cérebro não é das melhores.
#cronica #literatura #escrita
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Ladrão Inexperiente
O som do remo rasgando as águas salinas poderia servir de sonífero às almas mais inquietas. Era uma úmida e nebulosa madrugada de inverno na Ilha de Santa Catarina. A névoa pairava na baía e embaçava a vista da iluminada ponte Hercílio Luz, estabelecida no horizonte. Não havia vento, o que facilitava a navegação do pequeno barquinho. De certa forma o clima favorecia um furto de ostras, e Odinei cogitou agradecer a São Pedro, todavia sua consciência não permitia.
O silêncio na prainha era reinante. Destacava-se o espatifar das módicas ondas na areia, que produziriam um efeito inebriante a um bom poeta. Tratava-se de um extremo do gritante e invisível contraste que ali subsistia. O outro era o estado de espírito de Odinei. Tal condição poderia ser definida como uma overdose de adrenalina. Suas mãos eram pura trepidez, porém manuseava o remo com destreza. Odinei sabia que, espreitando as ostras do concorrente, doravante levantaria suspeitas de qualquer nativo que presenciasse a cena. Cada segundo poderia ser determinante, portanto o ladrão não mirou sua retaguarda, nem mesmo de soslaio. Acima das névoas e nuvens, a lua deitada contemplava Odinei de pé. Ademais, o bucólico astro estava sendo usado como um divã por um sujeito demasiado caricatural. Sabe-se lá de que ou de quem era tal representação, tampouco a quem era destinada. O fato é que lá estava um pirata parrudo, acompanhado por uma garrafa de aguardente e um papagaio gagá. Quanto mais Odinei se aproximava das cobiçadas ostras, mais o pirata se regozijava lá de cima, com movimentos viris e violentos sobre o régio divã. O papagaio, por sua vez, sentia a agitação de seu companheiro, e logo se pôs a berrar repetidamente: - Terra à vista!!! Terra à vista!!! Pode-se esperar o que de um pobre papagaio, cujo insano dono, com seus camaradas, enfrentara navios que escoltavam a própria família real portuguesa? Que mais peripécias ultramarinas teria vivido o bêbado e barbudo pirata? O seu comportamento ante o ato furtivo traía um espírito inescrupuloso e aventureiro. Gargalhadas estridentes irrompiam do lânguido divã. Pouco a pouco, a icônica imagem foi desfalecendo, transformando-se em diáfanas linhas e formas nebulosas. Logo as estridentes gargalhadas foram desaparecendo, e, em seguida, a frase "terra à vista" também foi perdendo força, até sumir. Por fim, a lua perdia a qualidade de divã, e retornava a seu estado original. De volta ao plano terreno e marinho, Odinei chegava à estrutura de madeira onde estavam amarradas as ostras do concorrente. A adrenalina ainda dominava seu corpo, mas de forma mais branda. Ele era do tipo de ladrão que agonizava nos momentos preliminares, mas desde que iniciado o ato, ele recuperava o controle. Rápido e cauteloso, retirou os repositórios de ostras da água, colocou no barco. Tomou a direção da praia e retornou, à medida que seu nervosismo diminuía. Frio, ninguém estaria na Rua. Exceto as bruxas. Perto dali, em uma clareira, três bruxas realizavam rituais. Tais mulheres haviam escolhido um lugar especial: um sítio arqueológico, ou funerário, onde os povos indígenas pré-coloniais, que se estabeleceram no local há mais de 5 mil anos, enterraram seus mortos. Ali, a energia xamânica imperava e, naquele dia em específico, se misturava ao paganismo fervoroso das três feiticeiras.
Elas procuravam invocar entidades do panteão greco-romano e de um certo povo originário da Angola. Não imaginavam que ali, no outro plano, só estava a alma de uma sombria e silenciosa bruxa, a qual viveu no século 18 na região. Trata-se de uma das mulheres que causavam frio na espinha dos cristãos de Nossa Senhora do Desterro. Sua perfídia e seu aspecto marcaram época, e geraram lendas que sobrevivem até os dias atuais. Ela observava e ria das modernas feiticeiras, por não realizarem sacrifícios. Concordo, os sacrifícios são práticas brutais e desprezíveis, todavia não podemos negar que eles podem ter um grande potencial na magia. A indizível energia da morte, convertida no que o feiticeiro quer, pode ser derradeira. E os que discordarem disso não passam de fanáticos contaminados pelo monstro da política! Assim também o é com a energia transitória e germinante do nascimento, mas a ciência ainda não pode nos garantir qual o determinado momento que a alma surge na matéria. Essa era uma noite caricatural na praia do sambaqui, cuja relevância os mortais em vida nunca conhecerão.
Passaram-se alguns minutos, e o ladrão já estava à areia carregando as ostras para o seu carro. Conforme o tempo passava, os riscos diminuíam e o ladrão recobrava a serenidade. Ele estava fechando o porta-malas do carro quando ouviu berros. Seu coração subiu para a boca e parecia pesar o triplo. O meliante logo olhou em volta e viu, de longe, mulheres desnudas que extravasavam nas águas de uma outra prainha. A visão das nuas mulheres serviu de chave de ouro para Odinei, que soltou uma enérgica gargalhada.
Após duas horas, e Odinei já estava na casa de sua mãe vangloriando-se por seu feito com seu irmão mais velho. Esse, por sua vez, agonizava em desespero:
- Vai dar merda, Odinei!!! Vai dar merda, o Jucilei não é bocó não!!!!
Odinei relaxava com seu copo de cerveja, enquanto seu irmão mal conseguia segurar seu café de nervosismo. As primeiras luminosidades do dia irrompiam, e o vento sul, que começava a vir forte da baía, fazia vibrar as janelas da singela casa.
No meio da tarde desse dia, os pescadores estavam em sua rotina habitual na praia. Até que berros quebraram a calmaria no local. Jucilei, o roubado, vociferava em frente aos barracos de pesca:
- Quem foi? Quem foi o filha da puta que pegou minhas ostras?
Outros pescadores tentavam, em vão, apaziguar os ânimos de Jucilei. Mas o seu ódio por ladrões não dava tréguas. Ora, ele, um trabalhador incansável, passara meses criando suas dúzias de ostras, para depois um verme ladrão de trabalhador surrupiá-las?
Logo, um bolo de pescadores se formou na rua. Jucilei, pescador astuto, percebeu que ali estavam todos os pescadores da região. Era muito provável que o autor daquela vergonha estivesse dentre eles. Eis que Jucilei, forte e másculo, em uma manifestação de grande virilidade, “jogou um verde”, gritando esses dizeres:
- Eu sei que foi tu, seu filha da puta! O Pedrinho viu tudo e me contou, seu viadão do caralho! Vem pro pau!
Odinei mordeu a isca como um peixe, e alucinado em nome da honra de sua mãe, correu para a fatídica briga. Ele era fraco e levou assustadores socos e chutes até que o bolo de pescadores chegou para apaziguar a situação. Curiosamente, alguns pescadores acabaram machucando outros, que iniciavam brigas paralelas. Crianças choravam, mulheres berravam, e o tempo tardava a passar.
Até que tudo acabou, assim como uma chama se apaga, e os pescadores voltavam à rotina. Salvo Odinei, o ladrão inexperiente, que procurava o seu dente da frente!
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Líquido Inflamável
Faz um ou dois meses que decidi parar de beber bebidas alcoólicas, e essa experiência está sendo muito interessante. Resolvi adotar essa drástica medida após escrever o texto "Minha experiência no mundo da escrita" que está neste blog. A produção de tal texto me fez refletir muito sobre as coisas que prejudicam a minha vida e, entre elas, o álcool.
Foram inúmeras as situações vexatórias pelas quais passei alcoolizado. Pra ser sincero, eu não sei como nunca apanhei na noite em função das besteiras que eu fazia bêbado. Na grande realidade, eu não sei nem se isso aconteceu. Tenho alguns resquícios de memória de confusões incrustrados em minha mente, mas o fato é que nunca acordei seriamente ferido nas manhãs de ressaca.
Mas espere um instante, caro leitor contundente. Suspeito que estou passando uma sombria impressão para você. Eu nunca bebi diariamente, e essa história não é tão trágica assim. Sei que muitos jovens da minha idade bebem muito mais que eu e não sentem remorso algum. Bom, no meu caso, creio que cheguei no meu limite. Não posso mais conviver com essa vergonha e esses perigos.
O meu grande desafio em evitar a bebida acontece durante as festas, é claro, e quando assisto aos jogos do meu time de futebol. Inclusive, em uma dessas ocasiões, eu não consegui me segurar, e acabei bebendo. Era um belo dia de sol na praia, com direito a churrasco e música boa. Graças aos céus, nada de trágico aconteceu. Simplesmente vomitei e dormi.
Nas outras ocasiões em que saí, até consegui curtir e me divertir. Noto que, em minha experiência com as drogas, existe um ponto determinante em que mentalizo que vou usar usar tal substância. É a partir desse momento que a abstinência se manifesta em mim. Ao passo que se eu não mentalizo que vou beber, sinto tranquilidade e serenidade. Posto isto, minhas últimas saídas foram bem tranquilas.
A experiência de um churrasco (por exemplo) sem beber me traz uma nova visão sobre tudo o que já passei. Acabo não entrando na "vibração" dos beberrões e adoto uma postura profundamente autorreflexiva. Eu fico mais introspectivo, é claro, mas a serenidade não tem preço.
Resolvi escrever isso porque é o que sinceramente senti vontade de escrever. Fazia algumas semanas que eu não conseguia me concentrar, e meu ritmo de leitura decaiu drasticamente. Devido a isso, adotei uma estratégia: interrompi a produção de textos que vinha fazendo e resolvi mudar minhas leituras. Parei de ler um livro-reportagem sobre o imperador etíope Ras Tafari e passei a ler o livro "O último chefão", de Mario Puzo (autor de "O poderoso chefão).
E a vida é feita de mudanças, o importante é seguir em frente!
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Trilha de ideias
Paulo, entre recortes e realces feitos no Photoshop, sentia seu sangue esquentar. Estava no fim do expediente, que fora deveras caótico, quando viu no fundo do corredor a figura do diretor de arte aparecer. A partir desse momento, seu sangue não só esquentava: fervia.
Ele não conseguia definir a energia nebulosa que pairava naquela agência de publicidade, mas tentava. - É como uma aura de morte. É o que eu sinto, uma sensação de morte, explicava para sua mulher. Em todas as manhãs, o trajeto de carro até o seu trabalho era prazeroso. Passava voando. Paulo botava as músicas de que gostava e pensava nas coisas mais aleatórias possíveis. Contudo, todos os dias, aquele estado de espírito era bruscamente interrompido quando o sujeito adentrava a rua da agência. Ali, ele sempre sentia um frio na barriga, uma aceleração no coração e um nó na garganta. A visão da porta da agência era icônica, e evocava nele os sentimentos mais sórdidos. Qualquer um, se soubesse disso, perguntaria o motivo de ele não sair daquele emprego. Mas o autoconhecimento não era o forte de Paulo, assim como não o é para grande parte das pessoas. Isso é comum. Ademais, era a maior remuneração que ele conseguira em sua vida, e a ideia de voltar a trabalhar como garçom não o confortava. Ele se envergonhava por trabalhar em um restaurante. Ali, sentindo um forte frio na barriga, Paulo parou e esperou a vinda do diretor de arte. Este, por sua vez, travou uma corriqueira conversa com a faxineira, agravando a espera ansiosa do designer. Nesse momento, em alguma longínqua dimensão de sua mente, Paulo começara a cogitar que a fonte de tanto desconforto era a insegurança. Sim, o medo de não conseguir corresponder às tarefas de seu ofício. Essa era a primeira vez que ele conseguia codificar um pouco os seus sentimentos, mas sua atenção também estava voltada para a vinda de seu superior. Não havia espaço para maiores reflexões. Acabada a conversa com a faxineira, o diretor de arte caminhava rapidamente na direção de Paulo. Cada passo do monstruoso homem atingia o ex-garçom, como estouros de frio na barriga. Veio junto a ele e disse, com muito desprezo: - Cara, a mulher do Lanche Verde não gostou de novo do tom do verde. Ela até aceitou a fonte do slogan mas também não ficou muito satisfeita não. Dá um jeito aí. Paulo, no desespero de esconder seus sentimentos, respondeu com apenas uma palavra: - Ok Afinal, desde quando eles tinham tanta intimidade para seu chefe falar assim? Se é para cometer grosserias, por que não romper o contrato? O melhor momento do dia a dia de Paulo, obviamente, era nos fins de semana. Sobretudo ao meio-dia dos sábados, quando saía da agência. Era quando ele sentia uma paz indescritível, conquanto, por vezes, interrompida pela lembrança da segunda-feira. Foi num sábado, depois do almoço, que Paulo encontrou algo que mudaria seu jeito de ser. Ele estava tranquilo no sofá, depois de comer uma saborosa lasanha, a navegar pelas redes sociais. Sua respiração estava mais devagar, seu batimento cardíaco também. O sujeito provava da santa paz dos monges budistas. Isso, com certeza, influenciou na forma como ele reagiu a uma determinada postagem no Facebook. Foi nesse estado de espírito que ele abriu uma postagem de uma página chamada "Ancap - Viva o Anarcocapitalismo". Na imagem, um homem de braços abertos olhava para o céu, cercado de algumas árvores de um lindo pomar. A frase, cuja elegante fonte chamara a atenção dos seus olhos de designer, dizia assim: "Livre mercado, livres ESPÍRITOS!". Já no texto da postagem, os ancapistas condenavam a quantidade de impostos que somos obrigados a pagar, defendiam a liberdade econômica e atacavam o autoritarismo do Estado. Aquilo tudo pegou Paulo de jeito. Somado a isso, as músicas que ele colocara na TV, o pote de pudim no seu colo, e a brisa que vinha da janela marcavam aquele momento. Ele logo abriu o perfil da página e se pôs a ler aquele discurso. Não percebeu a sua mulher que vinha lhe falar, nem sequer lembrava do design gráfico. À medida que lia aqueles textos, imaginava-se de braços abertos, em um pomar, na santa paz dos monges budistas.
Passaram-se meses, e, naturalmente, Paulo aprofundou seus estudos sobre o Anarcocapitalismo. Nos fóruns deste tema, ele fez amigos e conheceu materiais novos, os quais fortaleciam as suas convicções. O dia a dia em sua agência continuava angustiante, mas parecia afetar um pouco menos o designer. A aura em torno daquele lugar persistia, mas o design parecia espiritualmente mais forte.
É interessante como a ideologia interfere no nosso jeito de ser. Assim como uma eleição interfere em nossa ideologia. As eleições presidenciais chegavam, e Paulo, imerso em suas convicções sobre a liberdade econômica, começava a ver a esquerda como uma grande inimiga. Os comunistas, que pregam a abolição da iniciativa privada e o fim da economia de mercado, aborreciam-no profundamente.
Era nas redes sociais onde tudo acontecia. E era o medo do comunismo que mexia com o coração do designer. Foi um grupo virtual de uma universidade de seu município que direcionou o seu caminho ideológico. Aquilo era como um ringue das ideias, onde numerosas pessoas, entre elas muitos que nem estudavam naquela instituição, diagladiavam. Ali se lhe esclareceu o cenário político brasileiro. Era preciso defender o mercado capitalista, mesmo que isso significasse relativizar certas atrocidades.
Os debates naquele grupo, assim como em muitos outros, eram acalorados e terminavam em ofensas. Mesmo que o partido esquerdista, que estava no poder há mais de duas décadas, não tivesse operado um golpe comunista, Paulo o receava. Nos debates, ele dizia com todas as letras que a esquerda estava gradativamente orquestrando um aparelhamento comunista. “A-PA-RE-LHA-MEN-TO”, dizia ele. Logo ele se viu ao lado da extrema-direita, justificando os atos da ditadura militar brasileira. Ele argumentava que esse era um contexto de guerra, e que os comunistas, em conjuntura semelhante, assassinaram muito mais gente pelo mundo.
Certo dia à noite, Paulo decidiu assistir televisão para arejar um pouco a mente. Estava fatigado após um dia cansativo de trabalho. Porém, o tempo diria que seu objetivo não seria alcançado. No canal que escolhera, um jornalista comentava sobre o anarcocapitalismo:
- Esse é um fenômeno extremamente curioso e deve ser estudado com atenção, afinal, o anarquismo sempre fora alinhado à esquerda. Os primeiros teóricos anarquistas eram movidos pelo sonho da igualdade social. A ideologia anarquista, em suma, ataca quaisquer tipos de autoritarismo. O que leva então anarcocapitalistas a relativizar as atrocidades da ditadura militar brasileira?
Paulo, com rispidez, desligou a TV de imediato. Não era a primeira vez que se irritava com o jornalismo dos grandes veículos de comunicação. Começava a vê-los como “esquerdopatas”. Respirou fundo e, com as mãos trêmulas, trouxe a xícara de café até a boca. Fitou o teto, ao passo que tudo começava a fazer sentido em sua mente. Havia algum tipo de conspiração, e chegar a essa conclusão acabou serenando seu espírito. Enquanto sorvia o café, ponderava sobre as respostas que daria ao esquerdopata midiático. De fato, Paulo acreditava que a economia de mercado é a mais inclusiva, a mais humanitária, a mais libertária. E caso seja preciso guerrear para defendê-la, Paulo pegará em armas. Com um pequeno, mas muito sincero sorriso, murmurou consigo:
- Tudo no seu tempo, esquerdopata, tudo no seu tempo...
Aquilo virou uma piração. O recém-nascido anarcocapitalista passava horas em sua guerra virtual ideológica, estressando-se, revoltando-se. E isso resultava em ódio. Não era saudável. Ele passou a odiar o discurso esquerdista. Não suportava mais a defesa das minorias, por exemplo, que ele denominava vitimismo. Ele via isso nos jornais, na TV, na internet, nas músicas e nos filmes. E a sua revolta aumentava diariamente.
Em outro dia, Paulo estava em mais um acalorado debate virtual, aparentemente “perdendo” a discussão. O adversário era um acadêmico da Economia, que o entortava através de argumentos concisos e vocabulário rebuscado. As ideias de Paulo sobre Economia eram a fonte de todo o seu recente trajeto ideológico, eram a sua convicção mais cristalizada. Portanto, Paulo estava fora de si, ciente de que muitas pessoas estava assistindo aquilo, entre elas comunistas risonhos. O designer batia no teclado, virava copos de cerveja, respirava de forma ofegante. Estava ensandecido naquele sábado, dia que era para ser de paz.
Foi com esse estado de espírito que Paulo recebeu uma mensagem de sua mulher. Ela dizia que ia sair com o Alex, seu cabeleireiro, um bonito e másculo negro homossexual. Paulo respirou fundo. Aquele sujeito era a típica origem do vitimismo que tanto o aborrecia. Alcoolizado, o designer logo passou a imaginar coisas fantasiosas nos mínimos detalhes. Conseguia ver os dois se beijando, escondidos, rindo dele. Conseguia ouvir a conversa que os levaria até a cama. Seu coração ardia e batia violentamente, suas mãos trêmulas mal conseguiam segurar o copo de cerveja.
Paulo não se conteve. Levantou bruscamente da mesa e correu em direção a seu quarto, onde estavam as chaves do seu carro. Seu coração doía e batia rápido, seu sangue fervia. Suas mãos tremiam tanto que ele mal conseguiu agarrar as chaves. De si para si, com uma voz trôpega, sofrida, difícil de ser emitida, sussurrou:
- Ah, eles vão ver. Porra, eles vão ver!
Naquele ponto, a violência de seus movimentos e gestos já não eram uma opção, ou uma demonstração: era inevitável. Bateu a porta de casa e desceu as escadas do prédio com muita dificuldade, pois suas pernas tremiam.
Correu de carro, por pouco sem se acidentar, até o bar onde estavam sua esposa e cabeleireiro. Lá, em frente a todos, gritou com agonia:
- Vocês tão tirando com a minha cara, caralho?! Seus filha da puta!!!
Em seguida, Paulo avançou na dupla de amigos. Sua mulher, que o tentava afastar desesperadamente, foi a primeira a ser agredida, com um soco no rosto. Com ela fora de seu caminho, Paulo pegou uma garrafa de uma mesa e atacou o rapaz.
Assim acabou o seu casamento, e, quem sabe, as suas convicções políticas.
#conto #literatura
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Proezas do Ribeirão da Ilha
Hoje está um dia um pouco quente. O sol, que de vez em quando resplandece por entre as nuvens de um céu nublado, esquenta-nos, mas sem queimar. O leve vento noroeste harmoniza com a os raios da majestosa bola de fogo, fazendo deste o habitat ideal para a humanidade e outros seres.
Eu estou no Ribeirão da Ilha, tomando um café, após saborear uma moqueca de frutos do mar. A vista da baía, cujo horizonte é coberto pelos morros do continente, é o tipo de coisa que gera muitas obras por meio dos artistas. A arquitetura local, característica dos antigos imigrantes açorianos, intensifica a experiência, ao levar-nos a outros tempos e retemperar-nos a alma. Tal condição transcendental pode ser amplificada através de uma boa carga de leitura. E eis aí meu conselho a ti, caro leitor contundente. Cedo ou tarde, eu iria começar a divagar e mentalmente a viajar para longínquos campos das ideias. Entre esses pensamentos, ultimamente, escolho os mais dignos para compartilhar em crônicas, esse magnífico gênero textual.
Agora estou passando pela Igreja Nossa Senhora da Lapa, construída em 1763. Com meu celular, esse tremendo artifício que nos veio transformar as vidas, vou registrando minha experiência transcendental.
Como seria o dia a dia daquele bucólico local durante o século 18? Logo me pus a imaginar um dia de sol e nuvens, como esse em que escrevo, com grande agitação pela praça que antecede a igreja. Era uma festa paroquial, com crianças correndo para todos os lados, pescadores aproveitando um tempo de ócio, carroças, cavalos, freiras, padres, militares, escravos, nobres… Em um canto, falava-se sobre os resultados das pescas; em outro, comentava-se sobre a performance do padre, as novidades do Rio de Janeiro, a urgência de uma alfândega no centro da cidade. Senhoras, senhoritas e moçoilas fofocavam sobre as intrigas amorosas da vila e conspiravam contra as mulheres suspeitas de praticar bruxaria. Tudo acontecia em câmera lenta, tal qual supõe o meu lado menos cientificista.
Em certo ponto, refleti que nesse contexto viveram grandes escritores de nossa literatura brasileira. Nessa realidade viveram José de Alencar, Machado de Assis e Aluísio Azevedo. Em meio a esse panorama, a essa energia, eles percebiam o que ninguém mais percebe. Decodificavam sentimentos como mais ninguém decodifica. Talvez sentiam o que mais ninguém sente. E passavam para o papel.
Até que imaginei, olhando para um canto da praça, sob uma árvore que não sei identificar, um homem negro bem vestido: não era um escravo. Ele ignorava comentários hostis de uma senhora, esforçando-se em focar naquela árvore. Esse homem era Cruz e Souza, jornalista e escritor, um dos precursores do Simbolismo no Brasil.
Eu o imaginava contemplando uma árvore porque isso foi o que me marcou no único livro que tenho dele, chamado Evocações. Com que maestria ele descrevia as plantas e as árvores! Parecia dar-lhes vida. As formas das folhas, as flores, o caule, as cores, tudo parecia atingir em cheio a alma do escritor, e ele compartilhava isso nos papéis. Esse olhar também podemos identificar nas obras dos outros escritores dessa geração. É marcante. Noto também esse olhar por parte de nossos idosos, em comparação ao ponto de vista de nossa juventude.
Minha intenção não é colocar uma geração como superior a outra, afinal, isso seria um equívoco absurdo. Somos humanos. Mas não deixo de questionar sobre o que mudou para esse olhar estar menos presente na atualidade. Poderíamos apontar para a intensa urbanização, mas eu creio que a questão é muito mais complexa. O evidente é que isso é uma pena, posto a beleza de tal olhar. Ele evoca os sentimentos mais puros.
E, já em casa, folheando a obra de Cruz e Souza, concluo minhas considerações de hoje. Mas sem antes deixar de contar-lhes que estou começando a pensar em fazer um curso de jardinagem!
#cronica #escrita #literatura
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Folhas e Telas
Hoje foi um dia bom. Reuni-me com meu pai e outros parentes, onde tratamos de vários aspectos de sua vindoura campanha para vereador. Não poderia deixar de citá-lo, apoiá-lo e convidá-los a votar nele. Após momentos que nos exigiam criatividade e boas ideias, decidi de mim para mim que iria continuar botando o cérebro para funcionar: fui ler na praia. Estou lendo dois livros por diferentes meios, um é o PDF de "Sobre a Escrita", de Stephen King, e o outro é um livro físico de "Diário do Hospício/O cemitério dos vivos", escrito por Lima Barreto. Posto isto, devia escolher algum.
Confesso que minha decisão inicial foi a obra autobiográfica do Stephen King, cuja leitura é mais leve e harmoniza com a praia. Porém, com um simples mas derradeiro olhar, vi milhares de minúsculos grãos invadindo meu tablet, pela entrada dos fones, as saídas de áudio e os botões. Caso encerrado: trouxe o de Lima Barreto. Lá na Praia Mole, em meio a relatos escabrosos sobre um antigo hospício, afora belas ondas de um metro e vento terral, irrompeu-me uma reflexão.
O debate sobre os meios digital e impresso é interessante e rende. Há inclusive os fanatizados:
- Jamais! Nunca vou substituir a tinta e o papel por esses trecos. Geração de mimados!.
Ou então:
- Tolos! Vocês estão aí torrando fortunas em papel enquanto eu leio essa obra prima por R$ 1!
Diabos, onde está o espírito democrático, pessoal?
Larguemos a bobice, cada caso é um caso. Veja, com os livros impressos não corremos o risco de clicar em botões sem querer, mudando de página. Aliás, é mais fácil mudar de página de um livro do que de um PDF. A sensação de ter a obra em mãos, com aquela bela capa, também é agradável. Lembro-lhes também da visão dos exemplares figurando em nossas prateleiras. Que belos sentimentos temos ao avistar nossas coleções completas! Tanta história vivida e sentida ali. Nesse sentido, destacam-se os leitores de quadrinhos. Como se gabam na internet os donos das vastas coleções! As lombadas formando imagens, dos personagens em ação, atacando, voando, gesticulando. Os fãs da nona arte gastam fortunas em função disso.
Ah! Também há o cheirinho de tinta no papel, que nos traz boas sensações.
Por outro lado, as vantagens do meio digital também não são difíceis de adivinhar. Pelo tablet temos um acesso mais fácil às obras, já que a chegada das encomendas físicas são demoradas. Ademais, com a recente crise editorial brasileira, as lojas físicas das grandes livrarias não vão bem das pernas. O tablet também proporciona a oportunidade de lermos online, a qual é uma vantagem notável.
Certos tempos, quando ando instigado pelas tramas da nossa política, frequento muito as páginas de nossos grandes jornais, atualizando-as para acessar as mais recentes notícias. Há também a questão, muito considerável, do espaço físico. São numerosos os leitores de livros que não têm mais lugares para guardá-los. Em relação aos quadrinhos o problema cresce ainda mais. Meu irmão, um acadêmico de Direito, simplesmente teve que diminuir as compras, pois não há mais espaço em seu quarto. E, vendo o montante de quadrinhos que eu leio em meu tablet, por preço baixos ou grátis, copiou-me comprando um também, em um ato de baixa originalidade.
Ao cabo, responderei à tola pergunta: prefiro o impresso. Mas não posso ignorar a grande vantagem do tablet, que é ler com a luz apagada: de quando em quando o interruptor está longe demais.
#cronica #tablet #impresso
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Manhã Edificante
"De manhã cedo tudo parece em câmera lenta", constatava o pacato Moacir. Estariam florescendo nele lampejos poéticos? Afinal, quantos poetas promissores deixam de ascender, sequer atinam com seu talento, devido a necessidades de trabalho e consumo? Fato é que nosso inusitado "flâneur" estava de folga, e, escusadas quaisquer neuroses do dia a dia, despertou-lhe magias artísticas.
Caso fosse possível avistar o estado da alma das pessoas, naquela rua, destacaria-se a do transeunte Moacir. Seria colorida em meio a tantas apagadas. Em inédita demonstração de obséquio, ajudava serenamente uma velha senhora a carregar sacolas de compras. Após, voltava a circular sem destino nas tortuosas e sujas vielas e ruas de sua comunidade.
Por vezes, Moacir parou em praças, onde se sentou e apreciou o vento matinal fresco. Sua teoria sobre o que acontecia era que, de maneira inconsciente, ele teria se desligado de qualquer problema. Após brincar com alguns garotos que soltavam pipa, foi tomar café em uma lanchonete da região. Aquele sóbrio bem-estar era notável, e ele só queria curtir o momento.
O por ora contemplativo homem provava, embora ignorantemente, uma sensação que droga nenhuma provém. Era como a amostra de um mundo diverso, cuja lógica atende a outros preceitos. Moacir vivera o drama dos narcóticos, e por isso valorizava essa serenidade natural, de uma liberdade edificante. Com efeito, sabia que aquele era um dia bom. Ao seu derredor, contudo, o mundo corria. Subitamente, um bobo acidente entre carros seguido por uma briga corporal ameaçavam aquele momento. Logo, a reação de nosso curioso caminhante foi de se afastar e continuar o passeio.
A caminhada continuava, e, porventura, Moacir passaria próximo a um ponto de venda de drogas. Ali, um jovem rico e forasteiro tratava com traficantes. O jovem, amedrontado, tinha pressa e queria partir o quanto antes; ao passo que os risonhos traficantes, cientes disso, demoravam propositalmente. Até que o terror de todos ali presentes, ou melhor, de toda a comunidade, surgia. Uma viatura da polícia virava a esquina, dando início a uma debandada desesperada.
Por sorte, nada aconteceu com Moacir. Ou melhor, nada no plano físico. No plano espiritual, onde o homem se regozijava imensamente, uma bruta agressão acontecera. O mundo não parecia mais em câmera lenta. De forma sutil, uma ansiedade surgia no peito dele. Pensamentos estressantes também: contas a pagar, um celular a comprar, uma obra a ser feita em casa...
Uma forte preguiça também passou a se apoderar do corpo de Moacir, levando-o a voltar para casa. Ao fim e ao cabo, seu patrão ligava para reclamar de algo. Estava assim dizimada uma experiência especial. Contudo, resquícios disso ainda sobreviviam no âmago do homem. Ele estava reflexivo, questionando sobre as coisas do mundo real.
"Os homens precisam viver assim?", pensava ele. Transformado por uma linda manhã de final triste, notava o caos, a competitividade e o individualismo do mundo atual. Sua alma se elevou naquelas misteriosas horas. Para a felicidade dos revolucionários, nascia assim um sonhador.
#conto #literatura #escrita
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