Tumgik
diariodotitas · 2 years
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OCTOGONAL
I DESPERDÍCIO
Fazer 25 anos deixou-me com esta sensação forte de que os últimos cinco anos foram um absoluto desperdício. Primeiro a doença e morte da minha mãe deixaram aqueles primeiros anos dos meus 20s completamente debilitados. A ansiedade e geral luto levaram-me ao isolamento total (talvez na idade em que a socialização é mais importante), e nesses dias sentia-me geralmente mal - triste, e distante, e ansioso, e maldisposto... como demonstram todos os media que criei. E depois de todo esse isolamento veio toda uma pandemia que obrigou a ainda mais isolamento. Ou seja, passei os meus early 20sem isolamento. O que atenção não é necessariamente desperdício total. Passei muitos dias na praia. Li muito. Aprendi tantas coisas que não sabia - a programar, a escrever, a pensar, a sofrer... Apesar de tudo foram anos de grande desenvolvimento pessoal. Mas estive a desenvolver-me para quê? Para continuar a desperdiçar ainda mais tempo? Esta tem sido a minha grande obsessão. O que é exatamente aproveitar a vida? E como é que eu sei que não estou a desperdiçar a minha juventude. É que não consigo parar de ter a sensação, quando passo o dia a fazer músicas, quando volto da noite, quando estive horas a escrever, quando perco dias a ver filmes, ou até quando passo dias inteiros na praia, de que estou a desperdiçar a minha juventude. Sim, sinto-me bem nesses momentos. Sim, estou a viver no presente. Sim, são tudo coisas que eu valorizo. Mas ainda assim estou convicto que não é a melhor forma de aproveitar o meu tempo. Que este tempo é tão valioso e que estou a desperdiçá-lo de alguma forma, tal como fiz estes últimos cinco anos. Mas então o que é que posso fazer que não é um desperdício de tempo? É que viver hedonisticamente tem este grande se não -- a falta de um sentido. É que fazer as coisas por que me fazem sentir bem, não é justificação suficiente. Sim, eu já percebi. E eu já me sinto bem. Quase independentemente da circunstancia (à exceção de crises, claro). E talvez isso ainda me pressione mais a não querer desperdiçar o tempo em que me sinto assim. Sentir-me mal é muito debilitante, e agora que me tenho sentido bem, quero ter a certeza que não gasto esse tempo. O que eu quero agora está para além de sentir-me bem. Eu quero sentir que a minha vida é útil? Eu quero sentir que a minha vida tem valor. Não para mim, mas para todos. Quero sentir que a energia/criatividade/beleza/arrogância inerente a juventude não foram desperdiçadas em meses na praia, em dias inteiros fechados no quarto, em noites em discotecas, em relações supérfluas e distantes, em leviandade -- sim, faz-me sentir bem, mas é um desperdício destes recursos. Tanta coisa que eu posso fazer com estes recursos escassos -- 'tipo o quê?' Sei lá; O problema é esse -- o que é que não é um desperdício?; Há anos que faço músicas e partilho online, algo que valorizo imenso. Ontem, decidi apagar todas a músicas, porque senti que elas não tinham muito valor. E a minha tese foi corroborada, visto não ter havido uma única pessoa que tivesse dado pela falta delas. Estou farto de auto-satisfação. Auto-satisfazer-me é fácil. Se sou o único a ganhar com fazer as minhas músicas, porquê fazê-las? Especialmente quando posso estar a usar esses mesmos recursos a fazer algo que satisfaça mais pessoas. E atenção odeio armar-me aqui em utilitarista. Utilidade é valor de uso -- o valor mais rasca que há. As coisas com mais valor são obviamente as mais inúteis. É a arte, e a música, e a natureza... e um monte de outras coisas. Eu tenho orgulho em fazer música inútil. Mas o custo de oportunidade é tanto, que pergunto-me se em vez de fazer uma música, não devia simplesmente estar a cozinhar para a minha família -- também me faz sentir bem, e fá-los a eles também sentirem-se bem. E quem diz cozinhar diz outra atividade qualquer que implique não só a minha satisfação, mas também a satisfação de outros. Mas se é esse o caso, porque é que contínuo com a sensação de desperdício em tantas atividades em que isto acontece. Sei lá, estar numa discoteca, ou na noite, faz-me sentir bem e ás pessoas à minha volta também. Estou certo que não sou o único a tirar prazer das incontáveis interações que tenho na noite lisboeta. E ainda assim na solidão póstuma não consigo deixar de pensar que as horas que estive ali a tentar conectar-me com tantas pessoas foram gastam em vão. E voltamos à tese de sempre, que qualquer padre ou criança que leiam isto logo veem — Tiago, o que tu estás a descrever é AMAR!; Foda-se. Eu não sei amar. Logo, agora que descobri que é a única coisa que importa.
II MEDÍOCRE 
O despertador tocou, mas eu decidi ficar na cama. Queria acordar cedo para ir avançar nos projetos. Mas continuo a pensar: para quê? - - Para quê escrever, gravar e editar um podcast que ninguém vai ouvir? Para quê compor, produzir, filmar, editar músicas que ninguém vai ver? Eu ponho a minha alma e sangue nestas coisas - - para quê? Para ter uma vasta obra de mediocridade? Para ter horas e horas (videos, músicas, podcasts, blogues, cartoons) de 'arte' absolutamente medíocre? É que tudo o que eu faço é demasiado mau para se quer ser considerado pastiche - - nem a esse nível chega. Ainda por cima não é como se a minha falta de aptidão estivesse a dar prazer a alguém (para além de mim próprio). Não sou como uma Maria Leal, ou um Zé Cabra, cuja a descarada mediocridade traz aos aos outros bem-estar - - talvez por lhes trazer uma certa sensação de superioridade. É que a grande diferença entre a minha e a obra destes artistas é que alguém ouve a deles [1]. É que ninguém escolhe 'consumir' o que eu faço, e não é por não estar acessível, ou por não ser bem vendido. É porque é mau? - - é porque é medíocre. Eu sou medíocre. 'Que sorte' dizem-me 'tens tantos talentos!' - - sorte de não ser bom em nenhum? Sim, eu sou altamente curioso. i.e 1) eu adoro ver vídeos de matemática, mas se me derem uma equação diferencial - - eu não sei resolver; 2) adoro programar, mas se me pedirem para fazer uma app - - eu não sei fazer; 3) eu amo tocar, mas se me pedirem para compor uma música de jeito - - eu não sei escrever. Não é como se isso não fosse uma coisa boa - não saber coisas: eu adoro aprender. O meu ponto é que ser medíocre, durante tanto tempo, em tantas coisas é simplesmente - - frustrante. 'E que tal escolher apenas uma, e ficar bom nessa?' Não me consigo focar numa só área porque isso implica descartar as outras, e eu não vivo sem as outras. 'Então, mantém-te medíocre'. E depois abro o youtube, e vejo estas pessoas, verdadeiramente talentosas, a criar coisas absolutamente incríveis, e ser pagos por isso, e pergunto-me porque é que eu não sou bom? 'Se calhar porque perdes mais tempo a pensar porque é que não és bom do que a fazer o trabalho para ser bom. A tua mediocridade é culpa tua. Tu é que escolheste não ser bom. Tu é que escolheste ser medíocre.' Escolhi mal - - como sempre.
[1] Sim, eu sei que já escrevi por aqui anteriormente, que o dia em que 71460 tiver ouvintes é o dia em que morre - - porque serve o sistema, e torna-se industria... e outras balelas anti-capi. E sim, é parcialmente verdade. Mas qual é a motivação para fazer arte para ninguém? Estou a expressar-me para quem? Estou a por a minha alma no medium porquê? 'Prazer?' Resposta: Sim.
III COMPARAÇÃO
 Nunca se perguntaram porque é que eu vou para o corner/tiles/sitiosyuppie? Se o meu estilo de vida é assim tão diferente, e se as minhas ideias são assim tão diferentes, porque é que eu não vou para os sítios diferentes? Daqueles sítios cheios de carochos, que também não fazem nada da vida como eu, que menosprezam a sociedade industrial como eu, que ouvem punkcomo eu, e que optam por caminhos alternativos ao status quo como eu? Não me deveria sentir distante destes yuppies? Não me deveria sentir mal no seu espaço? A razão é simples - - comparação. Eu adoro estar rodeado de yuppies. Adoro que eles me falem do sofrimento de seu trabalho, das suas preocupações supérfluas, da sua arrogância vã. Respondo-lhes — Trabalho? Não sei o que é isso; ou — Se custa assim tanto - - demite-te; Sou jocoso e arrogante, e olho-os com desdém carinhoso. Sinto-me superior, sinto-me invejado, sinto-me maislivre/maisfeliz/melhor (e até valorizado) - - ui, serei mais narcisista que um yuppie?; Estou constantemente a comparar-me com os outros, quero ser melhor. E o conceito de melhor é dependente da comunidade. Eu tenho nojo dos bares de carochos, e dos carochos em si. Os caminhos alternativos têm péssima reputação - - são pessoas feias, que vestem roupas feias, e vão a sítios feios, pregar ideias feias. E os yuppies têm esta ideia das pessoas como eu: que não trabalham, e leem, e estudam, e pensam... É no corner que lhes provo o contrário. — O quê? Este gajo não perde 12 horas por dia no escritório, e em vez disso faz coisas que gosta tipo ler/escrever/tocar, e mesmo assim tem bomaspeto/vidasocial/diversão/estatuo? Não sabia que dava?; Eu venho lembrar-lhes que DEMITIR é uma opção. E provavelmente a melhor opção. Não é como se fosse uma questão financeira. Quem vai a estes sítios já é a elite. Estão só a tentar manter um estatuto que já está assegurado à partida. Zé, não é a trabalhar nos spots da moda que vais ter aprovação social. É a ser uma pessoa bacana. Juro, é muita fácil - - devias experimentar. — Mas se não trabalhasse, também ia fazer o quê?; Sei lá - - VIVER. — Não gosto disso; Pois, já tinha reparado. Com tanto sitio para onde ir, escolhestetrabalhar num grande consultora. — Po c**alho!; Como eu adoro o corner.
IV MEMÓRIA 
Começam a vir os dias cinzentos, e começo a aperceber-me em retrospetiva, que a maioria dos dias são cinzentos, no entanto (por viver tanto a primavera/verão) a minha memória dá primazia (e muita) aos dias de sol. Lembro-me dos melhores momentos da minha vida, e é raro não estar sol. Isto leva-me a questionar a fiabilidade da minha memória. Como nostálgico nato, vivo sempre obcecado com um passado melhor, um passado de felicidade/bem-estar/companheirismo/diversão/etc. O que eu me pergunto agora é se estes momentos que me recordo e que tornam o meu passado tão maravilhoso não terão sido escolhidos a dedo, e que na sua grande maioria tenha estado tão miserável quanto tenho estado (que não é muito, atenção). O que é bastante chocante. Será que os 'melhores anos da minha vida' (aos 17/18) foram maioritariamente aborrecidos/tristes/isolados só que eu me esqueci? Será que por cada festa rodeado de pessoas de quem eu gosto, música, bom ambiente e diversão havia três ou quarto dias em isolamento a questionar tudo? Será que o Tiago que eu tanto saudo: livre/feliz/genuíno/honesto na verdade nunca existiu, e é somente a soma de memórias seletivas? E que depois daqueles dias de praia, dos giros de skate, das paixões profundas por miúdas lindas (que já não existem), chegava a casa e era tão self-aware/niilista/distante como sou hoje? Resposta: Sim.
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diariodotitas · 2 years
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SEPT
Mandei o meu Curriculum Vitae a umas cinquenta empresas com ofertas de 'empregos' (dizem eles) tão desejáveis como cinema comercial português. Adivinhem quantas responderam? 'Mas estás a candidatar-te a empregos? Olha o hipócrita! "Ah e tal, sou bom de mais para trabalhar..." Quem te viu e quem te vê!' Zero. [1: Sinto-me como se me tivesse atirar a raparigas que não só não acho atraentes, mas mesmo repugnantes, e todas me dessem uma tampa.] Fogo, estou tão chateado por não me deixarem competir para a oportunidade única de estar 3/4 da minha vida acordado na vossa empresa de merda, a fazer coisa tão giras como: manipular pessoas, 'criar' absolutamente nada, tornar a vida dos outros pior... Que chatice. Como é que vou conseguir viver? É preciso ser-se muito muito burro, para a ambição de vida ser gestor/marketeer/financeiro de uma grande empresa. É preciso não ter a mínima noção do valor da própria vida, da beleza do mundo, do prazer de existir, da magia da arte, da literatura... é preciso ser-se mesmo mesmo ignóbil. Ás vezes, quando leio grandes autores, grandes artigos científicos (maioritariamente sobre física), quando fico mesmo à superfície de teorias matemáticas... fico triste por ser burro. Por não ter sido capaz [2: Talvez por razões biológicas, quem sabe. Os testes deram-me sempre um QI alto, mas alguém mediu o QI de quem desenhou esses testes? E o QI de quem é que desenhou esse teste? Ad infinitum. Ou talvez porque não fui suficientemente incentivado na infância a desenvolver certas capacidades. Não sei. Sou demasiado burro para saber.] de ultrapassar as barreiras para ter as competências suficientes para conseguir compreender tais maravilhas (e.g ter preferido passar o secundário a curti-las [3: #noregrets, prefiro vida a conhecimento], em vez de ter sucedido academicamente, impedindo-me de entrar num curso de Física). Mas outras vezes fico triste mas é por não ser suficientemente burro. Já que não vou conseguir compreender as coisas que quero, ao menos que tenha os benefícios da minha burrice. Não sou suficientemente burro para ser valorizado (pelas empresas, pelas mulheres, pelo meu pai, pela minha família...). Porque não me deixo cair em ideologia barata [4: Só na mais cara, até nisso tenho um gosto requintado.]. Porque não imploro em entrevistas para me privarem de viver a vida em troca de aceitação (?) [4:habitação/conforto/estatuto/segurança não é de certeza, que 800€/mês não compram nada disso.] 'Já não chega de falar desse assunto?' Isso pergunto-te eu, Pai! Aparentemente -- Não. Todos os dias há uma história de um filho de não sei quem, que agora faz não sei o quê, foi viver para não sei onde e ganha não sei quanto. Boa -- tente adotá-los. Que em mim não vale mesmo a pena por a esperança. Se me tivesse criado ainda mais burro... - teve azar. [5: Eu trato o meu pai por tu. Isto é puro teatro. Para mim próprio? Qual é o sentido? Se até num texto privado/pessoal é tudo simbólico, é tudo representação, é tudo construído, dependente de outros símbolos, ... Existe alguma coisa que não é encenada? Existe alguma coisa real?] 
Escrever sobre agir NÃO É AGIR. Passaram-se cinco meses e o problema mantém-se INAÇÃO. E não é como se um diário sobre INAGIR seja AGIR. Eu sei que pode parecer um ATO. Porque aparenta-se criativo, escrevo palavras, tenho ideias... mas não. São puros devaneios que pouco servem para o que agora me interessa -- AGIR. Agir é difícil porque todos os incentivos são para a inação, o conformismo, a aceitação. Tantas palavras gastas a perguntar-me: o que quero? E afinal é uma curta palavra: AGIR. Eu quero FAZER! O quê? Não interessa mesmo. Fazer! Quando vejo aquela rapariga gira na rua -- falar. Quando tenho uma ideia para um projecto -- criar. Quando sinto que falta alguma coisa -- procurar. É que apesar de me andar a sentir fisio e psicologicamente bem (algo que durante muito tempo era raro), sinto que falta alguma coisa. Mantém-se sempre a sensação que estou a desperdiçar a minha juventude. Mesmo apesar de fazer aquilo que eu acho que é aproveitar a juventude -- estar com o pessoal, ir à praia, família, festas, criar música/arte: valorizar e ser valorizado (excluindo sexo, que era uma coisa que eu gostava de estar a fazer mas que nunca faço). Não é que me sinta propriamente infeliz. Para mim, estar assim -- bem e vivo e próspero é mais que razão para a felicidade. E sinto-me bem, sinto-me contente, e satisfeito. Mas quero mais qualquer coisa. Quero novidade. Quero pessoas novas com historias novas. Quero pessoas giras, com corpos giros. Quero beijinhos, e sexo, e conversas novas. Quero que me deem valor. Quero que gostem de mim, e quero gostar dos outros. Como é que eu não percebo que estar sozinho deitado na praia a apanhar sol é tão desperdiçar a vida como estar sozinho no escritório da Deloitte? Como é que eu não percebo que passar a noite em casa a escrever textos pseudo-intelectuais, ou sobre-analisar cada pormenor ínfimo da minha vida é tão desperdiçar a vida como estar em casa exausto das horas de esforço laboral? Como é que não percebo que passar horas a fazer músicas que ninguém ouve é tão desperdiçar a vida como passar a horas a fazer power BIs ou Planos de CIM que não servem para nada? Eu não sou especial. Eu também não ajo. E a solução é AGIR. Não escrever textos sobre AGIR. Não ler blogues sobre AGIR. AGIR só. 'Ela parte-me o pescoço...' Como é que isso se faz? É assumir a consequências, e fazer. É sacrificar em busca das recompensas de o fazer. É deixar de ser passivo e ser ativo. Como? 1. AUTO-CONFIANÇA: tenho que assegurar o meu valor. Saber que os outros querem as minha ação. Só tenho a ganhar com agir. Sentir-me atraente/capaz/útil/superior. 2. NÃO PENSAR: não agir pelo meu próprio interesse, mas só por agir. Fazer o que me apetece, independentemente das consequências. Não ficar obcecado com potenciais outcomes. Em tempos eu agia, muito. Fazia parte da minha personalidade, antes de ser corrompida pelo sistema/ideologia/sociedade. Foi o bullying/medos/disciplina que me foram lentamente tornando passivo. Vou deixar de o ser. Ou quero pelo menos.
Se calhar o que eu quero é sexo. Fala-se muito que esta geração (a minha) é a que tem menos sexo. Uns dizem que é a pornografia, outros que é superioridade intelectual. Eu acho que é inaptidão social. Os rapazes são todos uns coninhas, as mulheres umas porcas. E pior, ambos se sentem profundamente sozinhos, e sexualmente insatisfeitos. É rara a pessoa que se diga satisfeita com sexo casual. Sim, podem gabar-se das posições que fizeram, ou das marcas que têm/deixaram. Mas quando se fala do ato em si, é raro que alguém admita satisfação/conexão/gosto. As pessoas não querem fazer sexo, querem ter feito sexo. Querem ser valorizadas pelo olhar externo. Querem aprovação e querem estatuto. O sexo em si é yuckie, e meio degradante. Os homens querem ter estado com o máximo de mulheres possível, e as mulheres com os melhores homens (com os mais desejados=os mais rodados). Mas eu sinto (como sempre) que sou diferente. Eu não quero estar com muitas mulheres. Aliás, eu só preciso de uma. E estou certo que não é por aprovação social. Idealmente, até prefiro que ninguém saiba. Eu quero é estar com uma mulher atraente, que me ache atraente. Imagino os nossos corpos num ato de pura beleza, de partilha de êxtase, de puro deleite estético. E quero usufruir do ato em si -- não das suas consequências. Algo, que honestamente não é capaz de ser assim tão complicado. O que há mais por aí é miúdas que cumprem os meus requisitos estéticos, para umas quantas também devo eu cumprir os seus. Só me falta a coisa mais importante -- agir. 
Será que é isso que vai finalmente fazer-me sentir que não estou a desperdiçar a minha vida? Resposta: não. Não é agir, nem é sexo. É algo que no seu expoente máximo envolve os dois: amar. Como digo numa das minhas músicas antigas, em prístino inglês 'Loving and being loved, such a worth spend of my time'. Porque de facto olhando para trás, se há coisa que nunca me parece um desperdício de tempo de vida é AMAR. Não é sexo, não é estar com os outros, não é fazer músicas/arte, não é dançar/curtir, não é estar deitado na praia -- apesar de poder envolver todos eles. Quando se ama a vida é simples, e é a cura para todas as dúvidas existenciais. É universal. Amam os gorilas, e amam os pretinhos tribais, amam os ocidentais e amam os orientais. Amam os nazis, e amam os islâmicos. Amar é independente de ideologia, é independente de cultura, é tudo. É a única coisa que não é desperdício. Alguém me ensina a amar? E vou amar quem? Como é que isso faz na prática?
Agir parece fácil mas é difícil. Só parece fácil depois de o fazer. Porque as consequências são quase sempre positivas. Regra geral: agir é sempre melhor que não agir. Mesmo que os resultados não sejam os esperados. Ação é controlo. Ação e poder. Não é conhecimento. Nós vivemos a achar que conhecimento é poder. Mas conhecimento é precisamente o contrário. Conhecimento paralisa. Racionalidade é um entrave à ação, porque a maioria das ações (na vida comum) não tem um resultado previsível, e por isso qualquer previsão que queiramos usar para auxiliar a decisão, vai estar necessariamente incorreta. Por isso saber mais implica agir menos. É também por isso que tento sempre arranjar desculpas para a minha inação. Ou é porque as condições não eram as ideais. Ou por causa da inação dos outros. Ou seja o que for. Quando na verdade não há defesa possível. A minha inação é voluntária. Não é medo das consequências, é medo da própria ação. Que eu sinto que em certas fases da minha vida - era inexistente. Eu lembro-me de simplesmente agir. Que pode ser uma deturpação das minhas memórias, e na verdade ter estado altamente consciente das minhas ações e tê-lo esquecido deliberadamente. Ou então de facto, eu agia. Já pensava na vida, já só queria viver. E por isso agia. Hoje só ajo em certas condições = com os copos. Quero agir sempre, outra vez. E amar ainda mais. Sinto que descobri o segredo da vida aos dezanove anos, e que agora me esqueci. Como é que isto se fazia? Tou a romantizar o meu passado como defesa, outra vez? 
Uma coisa é certa, termina setembro e terminam estes diários. São absolutamente inúteis na prática. Sim, podem às vezes parecer cartáticas as ideias. Mas não servem de nada, se não o prazer de escrever e de sobre analisar. Além disso são puramente especulativas, incoerentes e contraditórias, e até somente estúpidas. Identificar defesas, é uma defesa em si. Racionalidade não me vai ajudar a agir, nem a amar, e ainda menos com alicerces tão manhosos. Se é mesmo isso que eu quero (ui, progressos), não é escrever sobre isso que me vai ajudar. Porque escrevo sobre isso à meses e é o que é. Vou ter que descobrir como? Se alguém souber -- digam-me.
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diariodotitas · 2 years
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Livro de Pensamentos da segunda metade de Junho e da interinidade Julho de 2022
Já há algum tempo que não me sentia assim aborrecido. Há de facto muitas desvantagens neste meu hedonismo incontrolável, mas de facto sempre achei que uma das vantagens era nunca estar aborrecido --parece que estava enganado. Estar nesta constante busca por prazer não deixa de facto um homem descansar -- vivo para os prazeres instantâneos. E não é só por não ter uma busca maior  (e.g um sentido para a vida, desejos de mudar o mundo, vontade de contribuir para a sociedade e outras balelas que as pessoas usam para se desculpar da sua profunda infelicidade) que a minha vida não é meaningful . Eu amo a minha vida de forma absurdamente parva - qualquer pessoa que me veja de fora toma-me certamente por idiota. 'Então este atrasado mental é desempregado desde que nasceu; particularmente burro; tão solitário que é virgem; um dito diletante -- ou bom vivant -- que não bebe, nem fuma, nem pina (?); sem desejos, nem objetivos, nem nada; e ainda se diz satisfeito?' Mas a verdade é que tiro profundo prazer de estar vivo -- evidenciado pelo meu medo absurdo medo de morrer pelo mais ínfimo pormenor. Eu amo a minha família, e amigos, e uma panóplia de outros clichês como praia e livros e amor=sexo. 'Uau, que vago, já aturámos um diário teu, agora trazes-nos mais do mesmo.' Já pensaram que se calhar é porque estou aborrecido? Só que ainda não percebi bem porquê? Eu ponho-me a tocar, mas já estive a fazê-lo há tantas horas que não tiro grande prazer de o fazer, o mesmo para ler, escrever, pintar... you name it. E não é como se estar deitado no chão com o meu cão -- como estive nas ultimas horas -- fosse particularmente prazeroso. Então acabei eu hoje um diário a queixar-me que não tinha desejos a longo prazo, só a curto, para agora perceber que até desses estou a deixar de ter? Como assim não me apetece fazer nada por impulso? Prometo que nunca me tinha acontecido. Se calhar é isto que os adultos 'normais' -- sim, os complexados, sem mente própria, obedientes, conformados e outras coisas más porque capitalismo=mau -- sentem sempre e por isso é que fazem todas aquelas coisas idiotas -- trabalhar, votar, ler noticias, redes sociais e outras coisa más porque capitalismo=mau. Já vos percebo amigos... De facto, ser livre tem este inconveniente -- ser livre. É preciso decidir coisas, e querer coisas e fazer coisas -- porque tu queres. Tu -- não o patrão, não o estado, não a sociedade, não os pais -- tu. 'Eu?' Ah, já estás a perceber o meu dilema ou não? 'Mas eu só quero ser feliz' Segundo os moldes de quem? É o carro, a mulher, os filhos, e a casa de férias que te fazem feliz? 'Não, a felicidade está na busca, o esforço que faço para atingir esses objetivos é o que me faz feliz.' Eu também li o principezinho, amigo, mas com uma curiosa diferença -- eu percebi o que estava lá escrito. O principezinho sabe que vai morrer, sabe que está a saltar para uma boca de uma cobra, não acredita que vai voltar a casa -- já tu. Além disso, ser feliz é fácil -- qualquer gorila o é. Essa busca da felicidade é só mais um dos desejos socialmente induzidos. 'De certeza que isso não é só uma defesa para achares que és superior aos outros por não fazeres/quereres o que esperam de ti?' Uau, até dizes coisas sensatas, para quem não compreendeu o principezinho. 'O principezinho não se compreende, pareces um adulto a falar'. 'Continuas aborrecido?' Profundamente. Já nem pornografia, nem música, nem pinceis me satisfazem. Rapidamente me aborreço. 'Se calhar falta-te mesmo um objetivo, porque não te juntas a uma grande corporação?' (1) Eles não querem um trabalhador desobediente como eu, ter sentido critico numa organização disciplinar é proibido. 'És demasiado bom, não é? São eles que têm o sistema de valores trocado, não tu -- o senhor especial imune aos desejos incutidos pelo mercado.' Se mo dessem, talvez desse lá uma saltada, mas a única forma de passar nas entrevistas seria a mentir. 'E o moralista não mente, é?' Sou demasiado burro para fingir-me de idiota. (2) Está mais que demonstrado que estes trabalhos burgueses não são nada mais que jogos de soma negativa -- destroem recursos, escravizam pessoas, e não criam valor. 'Ai que agora o hedonista está com problemas de não criar valor. São essas músicas de merda que são verdadeira criação de valor, é? Alimentar, conectar, energizar... o mundo são buscas supérfluas, não é senhor pseudo intelectual?' Ao menos são valiosas para mim, pelo prazer que me traz criá-las. Já passar o dia no escritório, não tanto. Alimentar o mundo de comida cancerigena, conectá-lo através de redes sociais que vigiam e manipulam as massas, e energizá-lo à custa de destruição ambiental -- tudo coisas que causam imenso sofrimento -- não são de facto causas que eu defenda muito ativamente. 'Oh, o egoísta não quer fazer mal ao planeta fazendo musiquinhas no conforto querido do seu quarto com ar condicionado, nos seus instrumentos elétricos, numa cidade industrial, coitadinho.' — Mas se acha que esses problemas causam tanto sofrimento, então acha que é importante resolvê-los ou não?; Obviamente que sim. — Então acho que acabou de encontrar um sentido para a sua vida, querido!; É uma guerra perdida. Com tanta coisas belas nesta vida, jamais a desperdiçaria em vão a tentar resolver problemas sem solução. 'Não é precisamente isso que são estes textos?' Parece que se calhar a felicidade está mesmo na busca. — Esse pessimismo com certeza não ajudou ninguém a mudar o mundo!; Nunca ninguém mudou o mundo. O mundo é igual desde sempre. Sim, as nossas ideias idiotas e antropocêntricas sim -- admiravelmente pouco na verdade. Mas é tudo igual. — Como é que é capaz de dizer isso, estivemos sempre a progredir - a tecnologia evoluiu e hoje dá-nos a capacidade de viver mais tempo, as mulheres já podem votar, abolimos a escravatura - como pode dizer que está tudo igual?; Progrediu? Só se for sobre o "teu"=socialmente_incutido sistema de valores. Quem diz que a democracia é melhor que anarquia ou monarquia? "tu"=o_sistema. Quem diz que os benefícios da tecnologia são melhores que os malefícios? "tu"=o_sistema. Sim, os símbolos foram mudando, e as narrativas, e os meios, e a tecnologia... mas nós somos os mesmo macacos que andavam na savana em busca de abrigo, comida e amor=sexo. Que se reinventavam/reinventam para sobreviver, que se matavam/matam por ideologia, que contavam/contam historias para preservar a especie. Igualmente perdidos, igualmente ignorantes, igualmente sós. Ninguém sabe nada, nunca ninguém soube nada, nunca ninguém saberá nada. É tudo puramente arbitrário. 'Uau, alguém descobriu o pós estruturalismo.' Nós somos meros idiotas a circular num mundo de símbolos e significados que "nós" inventámos, iludidos de que eles nos servem e que temos poder de descobrir coisas. Nós nunca descobrimos nada, porque nunca houve nada para descobrir. — E o que é que pretende fazer em relação a isso? Criar um novo sistema de valores? Ajudar a criar um mundo melhor? Desembuche; Absolutamente nada. — Ai; Não há nada que eu possa fazer. 'Não me admira nada que estejas aborrecido.' — Então o menino acha que como leu umas páginas de teoria critica já não pode ir para a Deloitte? -- que melodramático. Mas então que vai fazer da vida? Se me responde nada eu bato-lhe; Bata-me. 'Eu não vim cá para ler fantasia erótica.' Há tantas coisas que eu adoro fazer -- praia, amigos, família, amor=sexo -- pretendo fazê-las. — À custa do seu pai? Não seja egoísta, sabe bem o sacrifício que ele fez por si; Mas eu não pedi para nascer. 'Eu também não pedi para ler esta merda' — Ele também não pediu um filho narcisista; Mas pede todos os dias um filho conformado + obediente + disciplinado + acrítico + ignóbil = bem sucedido. Temos que aceitar que nem sempre temos o que queremos. — Pode ler os livros que quiser, mas vai ter que os pagar, e com certeza não vai conseguir fazê-lo com essa mentalidade -- se continuar a achar que se pode dar ao luxo de não fazer nada à custa dos outros?; Estou com o mindset errado, é? E afinal de contas os outros acham mesmo que o fazem porque o querem, não é como se estivessem a sofrer. — Deixe-se de conversas e candidate-se que tem um bom currículo; Mas com que cara é que eu vou aparecer na Deloitte sabendo que estou ativamente a contribuir para o sofrimento alheio? 'Com que cara é que apareces no McDonald's?' — Mas o Tiago tem tantos talentos, capitalize-os sei lá, venda as suas músicas, faça uns anúncios... Não tirou mestrado em marketing? Deve ter aprendido a vender-se?; Mas eu não sou um produto. Eu não quero estar à venda. O valor da minha música/pintura/arte/pessoa não é definido pelo quanto estão dispostos a pagar por ela, mas pelo o prazer que trazem a mim e aos outros. 'Então não valem nada?' É verdade que sou capaz de o fazer por interesses comerciais, se não for usado para manipular as massas. 'Isso existe se quer? Não é toda arte uma forma de manipulação' Resposta: Não, só a que prospera comercialmente. Essa é a que beneficia o sistema, a que existe industrialmente, a que serve o capital - quer seja feita com essa intenção ou não. Por isso o dia em que a minha música for comercializada massivamente é o dia em que perde o seu valor, é o dia em que deixa de ser arte e passa a ser industria, ou pelo menos o paradoxo -- arte industrial. Mas quando me pagam para produzir jingles para podcasts, ou editá-los, por exemplo, junta-se o útil ao agradável. Não é arte, mas também não é indústria. 'É o quê?' Trabalho. — Já viu como foi fácil?; Fico estupefacto que uma amiga gordinha tenha ficado ofendida quando a categorizei de tal ao perguntar-me diretamente. -- Como assim? Não sabias que eras gordinha? O quão self-delusional tens que ser para ignorar algo tão óbvio? Se calhar a tua designer de interiores não é fã de espelhos. Não sei. Só sei que desde então que anuncia publicamente a várias pessoas que a acusei de ser gorda -- woah! Obviamente que todos sabem que o réu está mais que guilty as charged, mas vêm logo diretamente para cima de mim — Que insensível!; Sou insensível, porque... (?) sou honesto? — Mas isso não se diz?; Ela perguntou-me! Devia mentir? —Sim, para evitar que ela fique ofendida; Como todos lhe metem? — Sim; Já pensaram que é por isso que ela fica ofendida quando -- não lhe metem? Agora pôs-se a anunciar indignadamente a minha estatação de algo óbvio, numa tentativa desesperada de aprovação: — Ai, tu não és nada gorda! Não ligues!; Quer que lhe mintam. A auto-estima dela tem que ser empolada artificialmente. Parece que esta coisa do feminismo não está a funcionar, quando o valor de uma mulher é definido pelos -- homens (?). O que interessa como é que eu categorizo o teu corpo? O teu valor é dependente da minha percepção do teu corpo? E agora acusa-me de preconceito? - que categorizá-la como gordinha tem uma conotação negativa -- diz a pessoa que ficou ofendida por lhe chamarem gordinha. Para ela o problema não é ela ser gordinha -- que seria? #bodypositivity, nem é o facto de haver socialmente um preconceito com gordinhas, o problema é eu dizer a uma gordinha que ela é gordinha. Parece que toda a gente acha que se as gordas ouvem a verdade explodem -- boom. Tanta coisa que pregam - não querem ser objetificadas, que não querem seguir os standards definidos pelos os homens... quais homens? Não há um homem que eu conheça que não vá satisfeito às gordinhas -- são as mulheres que definem os standards quando ficam ofendidas que se chame gordinha a uma gordinha. Sabes quem é que fica ofendido que as chamem de gorda? -- As gordas. Por isso, se ficas ofendida que te chamem gordinha -- emagrece. Não, o Camões não era LGTBQIA+ -- só porque alguém levou no cu, não quer dizer que de repente sirva a tua narrativa ideológica. Não, a Antígona não é uma narrativa feminista -- é uma tragédia, amigos -- literalmente. Não, a história do mundo não é sobre os teus problemas de ocidental de primeiro mundo. Nós sabemos que achas que gira tudo à tua volta, nós sabemos que temos que reinterpretar a história com valores atuais, mas que valores? Os que se põem num saco durante a aula de educação física? Eu pelo menos já percebi que quero que as outras pessoas saibam que eu exista. Não mediado por meios (lol). Não por fotografias, ou textos, ou pela minha presença na caixa de comentários de sites pornográficos -- mas presencialmente. Faz-me sentir bem saber que as pessoas saibam de mim - o meu nome, o que defendo, como me comporto, o que faço, como me visto. Faz-me sentir validado, faz-me sentir valioso, e dá-me prazer fazê-lo. 'Isso não é um bocado superficial?' — Eu acho ótimo, querido! Das coisas mais sensatas que disse por aqui até agora; É o que sempre procurámos, e sempre tivemos, e que o individualismo inerente a uma sociedade pós industrial veio ameaçar. — Começa; É a base das organizações tribais -- 'é o conceito de tribo, mesmo', da existência de comunidades, e da prosperidade de grupos. A existência das pessoas nunca era vivida num vácuo, as existências cruzavam-se, mais que indivíduos as pessoas eram grupos. 'E hoje não são?' Diz-me tu. Quantas pessoas sabem quem tu és? Quantas pessoas te conhecem mesmo? Quanto tempo é que passas acompanhado? Existir sozinho = individualmente = isolado = indivíduo é o status quo. Incomoda-me a tristeza dos outros. Acima de tudo porque é -- estúpida. As pessoas acham mesmo que não têm controlo sobre o seu estado de espirito. Que é uma questão biológica -- não produzem dopamina, nem serotonina, que o cérebro deles não funciona. Ou uma questão ambiental -- porque foram violados na infância, ou porque os pais deles os obrigaram a tocar piano -- coitados. Inventam todo o tipo de defesas para estar triste, quando a culpa é deles. 'Isso é super preconceituoso! Temos que aceitar que a depressão é um coisa normal.' Mas a depressão não devia ser uma coisa normal. A depressão nunca foi uma coisa normal. A depressão é normal porque o sistema pós industrial a incentiva. 'Uau, não me digas que capitalismo=mau?' Voltemos a uma análise marxista das Chiquititas. Os órfãos nesta narrativa são os explorados, os Dumont os exploradores, e a Lily é a revolucionária. Só que a diferença entre Marx e Lily, é que Lily sabe que não pode mudar absolutamente nada no sistema. É precisamente isso que ela ensina aos miúdos - os pais deles não vão deixar de ser alcoólicos/drogados/deprimidos/ausentes/abusivos, o sistema alimenta-se a si próprio, só há uma coisa a fazer -- aceitar. Viver bem independentemente das circunstâncias -- não como um estoico estúpido, mas como um cínico iluminado. 'Diz o cínico estúpido.' Este é o passo que as pessoas tristes não conseguem dar. Acham que a tristeza vem de fora -- do cérebro, dos traumas, do sistema... -- mas a tristeza vem deles. Por isso é que muitas vezes as pessoas tristes são também as mais socialmente bem sucedidas. Esta ideia de que são as coisas externas que justificam o seu estado de espirito faz com que persigam as coisas que o sistema lhes diz que os vai fazer felizes -- e.g carros, fama, dinheiro, mulheres. Spoiler Alert: não faz. Os media estão cheios deles. 'Mas se fosse assim tão simples, toda a gente estaria sempre bem' E podem estar. O sistema é que não quer pessoas satisfeitas. O sistema vive da insatisfação. A insatisfação é que alimenta o consumo e os mercados. Se eu estivesse satisfeito não precisaria de consumir, logo não precisaria de dinheiro, logo não precisaria de trabalhar -- isto beneficiaria os indivíduos e não o sistema, logo é inválido. As crianças do orfanato aprendem que estar bem só depende deles, e não de nenhum sistema, e isso torna-os mais livres. Já viram como é que as personagens se conhecessem nos filmes do Eric Rhomer? Como passam de desconhecidos a conhecidos tão facilmente? Juntam-se nas mesas do restaurante — Ah, as mesas estão cheias, importa-se que me sente consigo? -- alguma vez isto acontece na vida real? 'Para acontecer também era preciso saíres de casa.' Na eventualidade de alguma vez um restaurante estar só com mesas ocupadas, o que qualquer pessoa amestrada = conformada = sensata = normal faz é simplesmente esperar -- sim, esperar que uma mesa vague. Apesar de haver muitas cadeiras livres, e espaço nas mesas parcialmente ocupadas -- o que seria? — Mas as pessoas das outras mesas nos restaurantes existem mesmo? Pensava que eram só adereços para a minha vida -- tipo figurantes; É verdade que nos juntamos em eventos sociais: juntamo-nos para estarmos separados. Vamos a discotecas cheias de pessoas -- mas para dançar com o nosso grupo restrito de amigos que vemos diariamente. Vamos a um restaurante cheio de gente -- mas para juntarmos a família que juntamos todos os dias. Estamos juntos -- mas separados. — Claro. Nunca ouviu que não se deve falar com desconhecidos?; Então falo com quem? 'Comigo?' É que mesmo que queira, é impossível: por causa das barreiras socialmente impostas. Rhomer imagina um mundo em que elas não existem. Em que um transeunte que repare que estou na berma da estrada com um pneu furado, não só me ajuda a remendá-lo como ainda me convida para jantar. Não porque vai beneficiar com isso, não porque lhe mandam -- porque ele quer. Sim, eu sei: bué de estranho. Um mundo em que as pessoas de facto se cativam umas às outras. 'Lá vem o principezinho.' Que conversam porque têm genuíno interesse. Que se entusiasmam em descobrir-se.  — Ai, sabe lá se não lhe vão fazer mal!; Não será com certeza pior que falar consigo. Não é que este nível de conexão seja impossível, é simplesmente bem mais difícil e rara que na cinematografia do autor. É absolutamente impensável, sentar-me na cadeira vazia à frente da rapariga com quem andei a trocar olhares na esplanada. Num filme do Rhomer aceitar-me-ia alegremente — Sentai-vos por favor; e partiríamos para devaneios sobre as nossas vidas, trivialidades, interesses em comum...; ficaríamos para jantar; ver-nos-íamos acidentalmente no dia seguinte e ia-mo-nos descobrindo lentamente; partilhando as nossas existências. 'Acho que o Rhomer não escreve assim tão mal como tu: partilhar as nossas existências? Isto é um diário de sweet sixteen?' Se o fizesse de facto, um ar confuso/arrogante/altivo/inquisidor iria fitar-me — Está ocupada; Ou mesmo que não fizesse, estou certo que seria certamente uma interação estranha/constrangedora/tarada. Ninguém está à espera de ser abordado assim, de baixar as barreiras que sempre aprenderam a erguer, de se deixar cativar. Aprendemos a viver sempre sozinhos, mesmo quando acompanhados. Algo que os personagens destes filmes parecem não ter aprendido. — Mal criados!; A grande vantagem de ter aulas de piano é que passo a conseguir nomear coisas -- tipo escalas, modos, e Voldmort -- que antes conhecia de forma puramente abstrata. Que é fascinante, como é que eu consigo saber coisas sem as saber nomear? Como é que eu posso saber o que é uma árvore, sem conhecer antes definir o conceito árvore? No entanto, eu sabia o que era uma quarta, e uma quinta, e uma sexta — Todos sabemos os dias da semana, querido! Não se arme em sabichão; sem saber nomeá-los. Conhecia o som, e usava os intervalos para identificar rapidamente progressões de acordes, sem nunca saber se quer o que eram intervalos.  Não é fascinante? -- pensava de forma puramente abstrata. 'Não.' Será que é assim um cérebro pré-fala?  'Não.' Tal como uma criança /iletrado vê os ramos, as folhas verdes,  o caule... eu ouço as notas, acordes, progressões... e apesar de não sabermos nomear o que experienciamos, conhecemos os conceitos de forma abstrata. — Ah sim! Sou grande fã de pintura abstrata!; O curioso é que apesar de todos os órfãos fazerem parte da classe exploradora, à semelhança do que acontece na vida real, esta divide-se numa certa hierarquia - os que têm pais -- os betinhos, e os que não têm pais -- os de rua. Esta divisão existe porque reforça o sistema, o class struggle só existe para as classes exploradas, porque é isso que permite que continuem a ser exploradas. O explorado tem que acreditar que pode subir na hierarquia da exploração, que poderá regozijar-se no sentimento de superioridade de estar numa posição superior -- e normalmente regozijam. Isto está constantemente a acontecer na série, ambas as facções têm uma panóplia de preconceitos em relação à facção oposta, troçam-se mutuamente, tentam sabotar-se, e nisto esquecem-se completamente que os outros órfãos não são o verdadeiro inimigo, mas sim os Dumont que usam estas suas lutas para lucrar.  O sistema de valores de pessoas aparentemente semelhantes - sei lá, com a mesma educação, mesmos interesses... - pode ser tão radicalmente diferente. Notei nisto quando estava a ver o filme Samsara, que representa visualmente fenómenos naturais e humanos (tipo paisagens, fabricas, construções...), com a família de um dos meus melhores amigos. E das mesmas imagens, pessoas diferentes tiram interpretações completamente diferentes. Numa de umas cenas são representadas aquelas ilhas artificias — Uau, lindo! - diz uma das irmãs; — O quê? Que nojo! - diz a outra; Como é que a mesma imagem pode causar reações tão radicalmente diferentes? O significado está no interprete, não no objeto. E o interprete é escravo das ideologias. Uma das irmãs claramente via -- e atenção isto agora é a minha interpretação também ela ideologicamente enviesada -- naquelas construções o pináculo do desenvolvimento tecnológico, do domínio da natureza pelo homem. Já a outra via precisamente o contrário: a destruição da natureza e a artificialidade. Ao longo do filme isto aconteceu inúmeras vezes. A realidade é subjetiva. 'É essa a conclusão que tiras?' — Ai, veja antes um filme mais animado,  que isso faz-lhe mal!; Também me fez mal passar a infância em frente a ecrãs, livros, e cadernos e obrigaram-me a fazê-lo. — Ah também é míope? Sabe que isso é genético?; Será que é? 'A típica discussão - Nurture vs Nature' Discussão estúpida -- é sempre os dois! O genoma afeta o ambiente (através de cultura), e o ambiente afeta o genoma. 'Oh, a teoria lamarquiana já foi mais que desmentida' Foi? Reparem quem é que usa óculos - os nerds/marrões/sabichões/geeks. O que é que eles têm todos em comum? Passar grande parte dos seus anos de desenvolvimento ocular a olhar para superfícies próximas dos olhos. 'Porque podem ser daqueles traços genéticos interligados. Inteligência e miopia.' O problema dessa tua teoria é que os trolhas dos videojogos não são particularmente inteligentes. Isto explica o aumento da miopia com o aumento da população 'educada'. Porque a miopia, tal como a 'educação' pode não beneficiar os indivíduos, mas beneficia a única entidade que decide o que prospera ou não -- o sistema. — Começa; Esse é o que impede a existência de qualquer revolução anti-sistémica. Porque os  movimentos revolucionários que prosperaram na história só o fizeram porque alimentavam o sistema, caso o contrário jamais sucederiam.  Avisem, por favor os niilistas que eles estão enganados. A vida tem um sentido/propósito,  apenas um e universal -- alimentar o sistema. Sempre foi e sempre será o sentido de qualquer vida/coisa/ser/animal/planta/whatever. É para isso que as coisas existem, e só por isso que as coisas deixam de existir. 'Mas que sistema?' Qualquer um. A industria/tribo/comunidade/aldeia/freguesia/whatever. A Lily sabe disto. É por isso que ela se mantém como explorada na grande corporação onde trabalha. Ela sabe que não pode mudar o sistema. Que o sistema se vai preservar independentemente das suas tentativas de o reformar. Sabe que somos todos impotentes em relação ao sistema. Que apenas o que o alimenta pode prosperar. Mas o que ela percebe que qualquer outro escravo não, que é a moral da narrativa é que "a revolução acontece dentro de cada um" citando o rapper Carlão. O sistema não pode mudar, mas nós sim. A nossa forma de viver dentro do sistema pode. Sim, os órfãos vão sê-lo sempre, vão ser sempre explorados, vão estar sempre presos, mas ainda assim podem sê-lo felizes. Ao contrário de outros musicais com premissas semelhantes, como o Matilda.  Também sobre crianças exploradas pelo sistema, mas em que a solução apresentada é a revolta, o uso de atos de rebeldia contra autoridade como a solução. E atenção eu sempre fui grande fã de atos de rebeldia. Servem lindamente como alivio da raiva contra as injustiças do sistema, mas não as resolvem. Já a Lily, sendo as injustiças do sistema tão tristes, acaba por usar a felicidade como um ato de rebeldia. Este é a grande solução - estar bem independentemente das circunstancias. Uma espécie de resignação com o estado das coisas. Sim, o sistema é injusto/cruel/sádico/whatever, mas o que seria agora eu ficar incomodado por causa disso. Eu só tenho uma vida, não vou agora desperdiçá-la a lutar uma batalha perdida à priori. Vou é aproveitá-la a amar, estar com as pessoas que gosto, e que o máximo de pessoas o faça também, independentemente das exigências do sistema. Não só é isso que Lily prega, mas também o que faz. E que parece particularmente especial hoje em dia, especialmente na minha geração. Toda a gente à minha volta, mesmo quando acabados de conhecer, admitem sentir-se deprimidos. Explorados pelo sistema, presos, enganados. A verdade é que sempre nos foi dito que podíamos fazer o que quiséssemos, que se nos empenhássemos alcançaríamos sucesso -- era tudo mentira, afinal. E agora que estão todos a perceber isso vêm chatear-me: 'Viver é horrível'-- mata-te. Não é por acaso que os países escandinavos têm os índices de felicidade mais altos -- têm também as maiores taxas de suicídio. Se o deprimidos bazarem o mundo fica melhor. Por isso resolvam já o assunto, que estão a fazer um fazer à sociedade e a cima de tudo a mim, que já não aguento com as vossas queixinhas. Deixem as pessoas que adoram viver em paz. Sim, eu posso vir para aqui dizer que capitalismo=mau, mas a viver é uma maravilha, precisamente porque posso fazê-lo. 'Mas eu trabalho doze horas por dia, estou sempre sozinho,  e quando finalmente tenho tempo estou cansado.' Uma ideia -- não o faças. O teu trabalho é inútil. Se morresses amanhã, ficava tudo igual. 'Mas eu tenho que pagar as contas - o carro, por exemplo.' E precisas do carro para quê? 'Para ir para o trabalho' -- percebes o meu ponto ou não? 'Mas a vida não é assim tão simples.' A grande boa noticia é -- a vida é assim tão simples. Estar vivo é a única condição necessária para se ser feliz. E se estás a ler isto é porque a tens, aproveita. Já se és um AI de análise de conteúdo: 0110011001110101011000110110101100100000011110010110111101110101. Custa-me pensar na quantidade absurda de pessoas que há no mundo. Só para terem uma noção de todas as pessoas que existiram na história, 90\% estão vivas hoje. E dessas todas, tantas estão na mesma posição que tu. Presas em ideologias/trabalhos/escolas/whatever, sem saber que a solução é tão simples. 'Escrever é fácil, senhor feliz' Viver também -- fá-lo.[06:37] Acordei por volta das cinco. Acordei de nervosismo. Hoje assinei um contrato manhosíssimo, perfeitamente consciente de que o estava a fazer. E imagino repetidamente o cenário em que não o faria, e o em que o fiz. Irrita-me profundamente porque ao lê-lo encontrei uma data de red flags e expu-los à equipa. Eu sabia que não devia ter assinado. Mas a vontade de ir para a rua - porque era uma empresa de tuc tucs — Ai, credo!; - era tal que resolvi assinar. Além disso o meu pai tem demonstrado pouco apoio - ou pura repulsa - desta minha decisão de ir passear turistas por Lisboa. Por puro preconceito pensava eu. Mas depois da experiencia de os conduzir, percebo que talvez não. O que me faz mais confusão e que me impede de dormir em paz, não é propriamente o trabalho em si, nem a reprovação do meu pai (com essa já eu lido bem há anos), mas sim o facto de ter sido coagido. Eu quero e sempre quis agir de forma livre (seja lá o que isso for). E o que me desconcerta é que eu sabia que estava a assinar um documento manhoso que não me defende legalmente, e pior que lhes dá poder sobre mim - de me indemnizar pelas menores razões (em 100 euros por cada dia que não for trabalhar se não pedir a rescisão do contrato com 30 dias de antecedência, por exemplo). Isto deixa-me desconcertado. Se eu não tenho agencia própria num caso tão descaradamente não beneficial para mim, imagino nos outros. Eu gosto muito de acreditar que ajo livremente, que consigo pensar antes de fazer as decisões e fazê-las com o mínimo de viés possível. No entanto, neste caso, fui, através da simpatia de duas nem licenciadas, levado a agir no seu interesse -- grave. E pior, sabendo que isso estava a acontecer. Estava a tremer, até. Eu sabia que não devia ter assinado. 'Mas calma, Tiago! É só um contrato, não é como se estivesses a vender a alma ao Diabo.' Mas não é este contrato em especifico. É o facto de estar consciente da coerção praticada sobre mim, e ainda assim ser sujeito aos seus efeitos. Se eu sabia que o contrato era altamente manhoso, e se sabia que o paleio delas por mais simpático que fosse não é legalmente válido, porque é que o assinei? Poderá ter sido um ato simbólico de raiva contra o meu pai? Poderá ter sido a vontade de me assumir como um adulto? Será que foi algum mecanismo biológico de aprovação social de quem me estava ali a tentar convencer a fazê-lo? A decisão foi se quer minha? É isto que me tem deixado a rodar nos lençóis. Acabei de me prender voluntariamente para provar-me um ponto? Pergunto-me se devo ir lá amanhã tentar rescindir o contrato  - sem consequências, espero, como me prometeu a coerçora com um aperto de mão -- que legalmente é mais válido que um contrato escrito, certo? Além disso há toda uma cultura à volta do dinheiro - quase mafiosa - em que eu tenho que ter cuidado com o que digo, que informação é que posso passar e a quem, que consequências é que podem ter, da qual eu não quero mesmo fazer parte, e que se fizer me desgastará com certeza psicologicamente -- como podem imaginar vindo do tipo que não dorme porque assinou um contrato. Chegaram-me dois dias lá para perceber essas dinâmicas sociais lá dentro. Em que um dos trabalhadores abriu um empresa concorrente, onde vários dos colaboradores trabalham sorrateiramente. Em tão pouco tempo, e já me estão a tentar envolver nestas manhas. Eu quero estar fora. Não quero fazer parte deste mundo assustador, não sei é se já não é tarde de mais, porque pronto -- assinei o contrato. [07:48] E agora não consigo parar de pensar neste 'mafioso' como um dos personagens dos filmes do Scorcese. Eu sou o personagem principal que está entrar neste mundo novo, a descobrir as dinâmicas, as pessoas, os sítios. E ele o chefe da mafia, que exerce poder sobre os outros, alimenta ou destrói ligações. Não consigo parar de pensar nos cenários que a minha saída - se lá for rescindir amanhã - terão no homem. Será que puxará os seus cordelinhos para me fazer a vida negra? Não consigo parar de pensar nisto como um drama em Nápoles. Porque olhando para estes dias sobre esta lente, percebo que à este negocio puxa mesmo este tipo de pessoa - e eu não sou esse tipo de pessoa. Não devia ter entrado. Quero sair. Como posso fazê-lo sem ter consequências? Dizer que o pai não me deixou? Será que eles são suficientemente mafiosos para ir atrás do meu pai? 'Tiago, tas delusional! É uma empresa de tuc tucs, não um cartel de crime organizado.' Mas parece. Por trás do sorrisos, e simpatia de cada um, estão os seu interesses. E eu caí que nem um patinho. Eu posso ser um pouco booksmart, mas sou muito streetdumb. "Não confies nele" disse-me hoje uma colega de longa data. E eu, burramente respondi "Eu confio". Sobre um tipo que conheci há dias. E que agora me estou a aperceber que é o poderoso ali no meio. Que decide quem vai e quem fica lá, quem fica com os horários, e quem não - consegue controlar as pessoas. E usa-as para controlar outras. Manipula-as para seu beneficio. E pelo visto, manipulou-me a mim também. Com o seu ar carismático, a sua simpatia suspeita, os seus devaneios cativantes, tudo falso? É uma estupidez estar a matutar sobre estas coisas estupidas, e sobretudo a perder sono para isso. Mas não consigo evitar. [22:35] Demiti-me.  Alguém me consegue explicar porque me é tão difícil fazer decisões? 'Porque és estúpido?' Estive a noite inteira e o dia inteiro absolutamente convicto que isto dos tuc tuc foi uma péssima ideia. E agora que finalmente ganhei coragem para desistir, pergunto-me se foi bom fazê-lo. É que apesar de tudo, o trabalho em si era giro. Não tanto as pessoas, o cheiro a gasolina no ar, as interações entre drivers -- nem o risco altíssimo de ter acidentes. Não compensa. Mas fico sempre tão estagnado para fazer decisões. Ou é feito em cima da hora, ou então não faço de todo. Fico paralisado a questionar se o devo fazer, e não faço. Não, eu não querer trabalhar, não é porque sou preguiçoso. Eu já expliquei mil vezes o meu ponto e mesmo assim não me compreendem. — Mas tem que ser!; Diz quem? Quem já desperdiçou a sua vida a fazê-lo e não tem volta a dar. — Olhe, deu-me tudo o que tenho; Que é? — Sei lá, tudo - casa, carro, comida, viagens, conforto; Ou seja -- nada. 'Sim, que o menino desempregado ressabiado com o mundo laboral só precisa de amor.. nada mais' Só preciso de viver. — Ai, já chega da sua tese infantil. Vá trabalhar, mas é; É tudo uma questão de valor. Valorizamos coisas diferentes. Eu valorizo a minha vida, vocês os bens materiais, e o estatuto. Eu acho que o sentido da vida é própria vida. Vocês nunca se quer pensaram nisso. 'Ai que ele acha que é mais inteligente.' Ao menos acho coisas -- já vocês. Tenho reparado que o sistema, por alguma razão (alienação=obediência=lucro), quer de alguma forma as pessoas inativas. 'Mas o sistema agora quer coisas? É uma entidade?' Ou pelo menos, só passivamente ativas.  As nossas narrativas estão repletas de pessoas a agir. Heróis com desejos próprios, na busca de satisfazê-los, agindo. 'Não é por acaso que se chamam filmes de ação -- duh.' Mas servem somente para aliviar a nossa incapacidade de fazê-lo -- nós. Primeiramente porque os desejos não são nossos em primeiro lugar. 'Então nenhum ser humano tem agência, mas o sistema que é uma entidade abstrata que tu nem definiste já tem? Percebes a incongruência ou não?' Em segundo lugar porque nós somos incapacitados de agir. 'Já tinha notado que eras incapacitado, de facto.' — Ai, sempre a falar da sociedade, e do sistema. Pense mas é em si! Não pense nos outros; É bom saber que ainda defende os ideias da igreja católica que tanto prega. É essa a definição de amor, certo? 'Uma boa desculpa para não agir e passar a culpa para o sistema de facto. Eu não faço, mas não é porque sou um falhado, prometo -- foi o sistema.' Culpa minha ou do sistema, uma coisa é certa: eu não faço o que quero. Acima de tudo porque eu não quero nada. — Como assim? Não quer um carro? Uma pepsi? Um seguro de saúde?; Não. 'Ah, é o sistema? Mas não era o sistema que decidia o que tu querias? Agora quer que não queiras nada? Consegues perceber que isto não faz sentido absolutamente nenhum?' O que é que faz? 'Sistema não quer dizer nada.' O que é que quer? — Com certeza não são estes devaneios pseudo intelectuais. É nesta porcaria que gasta o seu tão valioso tempo de juventude? Já viu o desperdício - quando podia perfeitamente estar num banco sei lá; Eu prefiro. 'Como é que eu sei que não é o sistema que prefere?' O grande problema do cinismo agudo, como é evidenciado por todo este livro (?) é ser um ato (agi?) puramente destrutivo, mascarado de criativo. Sim, eu estou a escrever palavras, mas constantemente a desvaloriza-las, a evidenciar a sua plasticidade, a desconstruir as minhas próprias ideias. A destruir até não sobrar nada. Sim, a ironia tem piada. 'Tem?' Sim, sabe bem desconstruir o status quo. 'Sabe?' Mas não nos serve de muito. 'Ai, cuidado com o utilitário. Agora as coisas têm que servir para alguma coisa. Até parece o sistema a falar.' Se o leitor já está farto deste cinismo agudo, imagine o autor. Não tem que aturá-lo somente na duração deste livro (?), mas ao longo da sua vida toda. Todos os livros que lê, pessoas que conhece, jantares de família católicos... imaginem o incómodo. Cinismo é capaz de ser das doenças mais impeditivas. Impede-me de trabalhar; de fazer amizades verdadeiras; de ser honesto; de querer -- impede-me de tudo. '#deep.' — A mim passou-me aos dezassete -- depois comecei a pinar; Mais uma coisa que o cinismo me impede de fazer. 'Sim, sim, claro. A culpa é do cinismo, mais uma vez. A culpa nunca é tua. Crítica as balelas dos livros de auto ajuda, mas depois escreve isto. Os livros de auto-ajuda ao menos conseguem passar um ponto.' [06:15] Um despertador inesperado acaba de me acordar. Foram os meus 'amigos', que o programaram. Numa noite em que é especialmente importante ter as minhas horas de sono - e eles sabiam, e a ainda assim programaram-no. Ainda por cima, não é como se a minha dificuldade em adormecer não fosse algo altamente publicitado no grupo. Que raio de amigos são estes? Eles não percebem o impacto que esta piadinha de merda tem no bem estar? É que tenho andado especialmente motivado, para acordar cedo e avançar com os projetos que tenho em gavetas. E que este corte no sono, pode vir ameaçar. Dormir menos agora, pode fazer com que acorde mais tarde, com que não consiga acabar o trabalho que tenho para entregar, e que torne o dia de praia que podia ser tranquilo, em stress ou sonolento. Esta pequena decisãosinha de me por um despertador para as seis. Ainda por cima não é como se a nossa amizade fosse especialmente valiosa. Sim, levam-me a sítios horríveis como o Cais do Sodré, apresentaram-me a drogas, estão altamente insatisfeitos com as suas vidas, e acham piada a destabilizar a minha. Estes amigos não me merecem, se acham piada a isto. É que tenho notado que as noites que gosto mais, são as em que precisamente não estou com estes 'amigos'. Porque eu decido para onde é que vou, e estou mais à vontade com todos, e sou mais valorizado, e sinto-me melhor. Porque é que eu me dou com estes atrasados mentais? 'Ai, foi só um despertador!' Foi? Acho que foi um Wake Up Call -- literalmente. E se serviu para me destabilizar o sono, que sirva acima de tudo para me fazer perceber que para ter 'amigos' como estes, mais vale estar sozinho. Estou-me a aperceber que não gosto dos meus 'amigos' (destes pelo menos). Tenho vergonha deles. Não valorizo o que eles valorizam. Eles gostam de cocktails, drogas, e noites tardias, conversas deprimentes, e vestem-se mal. E pior -- fumam. Vão para os sítios feios, e sentem-se lá bem -- que nojo. Não têm grandes noções sociais. Não atraem pessoas atraentes. Nunca serviram de qualquer suporte emocional e não valorizam nada do que faço ou digo -- ao menos isso é mútuo. E em retrospectiva nem gosto assim tanto de estar com eles. O que é curiosamente chocante de descobrir. Na verdade, vendo bem, a nossa relação é maioritariamente por conveniência. Vivemos perto uns dos outros. Aliás, quando estive fora de Lisboa, raramente os via. Já percebo porque é que o resto do meu grupo se afastou destes três. Porque perceberam isto bem antes de mim.  Má influencia, maus amigos, maus confidentes,  divertidos, estupidamente deprimidos -- os chamados trolhas.  'Vá, volta mas é para a cama, que estás irritado.' Volto é entusiasmado. Como é que não tinha percebido antes que isto não são amigos? Apercebi-me de mais uma coisa que me puxa para trás, que me deixa mais longe das coisas que eu valorizo. O que ótimo porque agora estou mais perto. Pessoas que destroem intencionalmente a minha paz de espirito simplesmente não podem ser meu amigos. Adeus, 'amigos'. Olá, amigos. [04:30] Acabei de encontrar, em devaneios noturnos, uma rapariga por quem estive loucamente apaixonado há uns anos e com quem já não falava desde então. Estive apaixonado pelo o brilho nos seus olhos - desejosos do futuro, livres, entusiasmados, rejubilados. Achava bela a sua forma de viver, de pensar, de estar, de falar... e até de andar. Era diferente, fora da caixa. Um ser único, suis generis, peculiar. O brilho desapareceu. Nas conversas que tivemos perguntava-me simplesmente: Onde é que está a Rita? Esta Rita só me falava da empresa onde agora trabalha, e dos lucros, e do processo de recrutamento, e de costumeraquisition/salesforce/crm/chacho. E tentei escavar noutros a assuntos, na esperança de encontrar a Rita. Para minha triste surpresa -- a Rita já não existe. A Rita deixou de ser este ser belo com as suas paixões/desejos/vontades/interesses e passou a ser uma engrenagem/roldana/asset/adulta. E que triste me deixou. A Rita, quem eu achava que era o amor da minha vida, que era absolutamente fascinante, deixou de existir. Ainda existe o corpo dela, e a cara dela [1]... mas ela já não. Foram apropriados para interesses comerciais. [1: Foram apropriados por interesses comerciais.] É como se tivesse ido a um velório. Nunca mais vou ver a Rita que conheci. E depois vem a realização típica pós funeral -- um dia vou ser eu. Será que vou? Será que vou crescer/trabalhar/sucumbir? Eu vou deixar de ser este ser curioso/ apaixonado/maravilhado para passar a ser obediente/amestrado/alienado? — Claro, querido. Faz parte da vida adulta. Quando mais cedo perceber isso, melhor para si; A coisa mais chocante é que eu percebi que muitas vezes esta geração tem perfeita noção do mal que estão a causar ao trabalhar para as grandes corporações. "Sim, a minha empresa explora crianças no Bangladesh, mas o que é que posso fazer em relação a isso?" Sei lá -- não trabalhar nessa empresa. "Mas eu não decido, eu não tenho agência, e pior -- tenho perfeita consciência disso." É por isso que cada pessoa com que me cruzo na noite parece particularmente deprimida. "Sim, eu sei que o revestimento das frigideiras causa cancro, mas o que é que eu posso fazer em relação a isso?" Sei lá -- não usar frigideiras. "Mas eu não decido, eu não tenho agência, e pior -- tenho perfeita consciência disso." 'Oh, isso de não ter agência, parece-me só mais uma desculpa esfarrapada para não agir. Para passar a responsabilidade da tua inação para o sistema.' E adivinha só de onde é que vem esse desincentivo à ação, ao conformismo, à aceitação. 'Deixa-me adivinhar!' — Até eu já sei -- do sistema; É isso que ele quer. Que tu não ajas. Que tu o alimentes. Consciente ou não de que o fazes - isso pouco lhe interessa. 'Mas então escreveres que não tens agência, e que tudo existe para alimentar o sistema, que é exatamente a narrativa que perpetua o sistema - faz de ti nada mais nada menos  que um -- escravo do sistema.' Aleluia. Essa é a ironia última. Por isso é que qualquer narrativa prospera - até as que prosperam no meu cérebro. Ninguém está a salvo -- Nem eu. [To 'mariana@federação.pt' Subject 'Re: Porque é que desistiu do trabalho?'] Porque odeio trabalhar. Não é o trabalho em si que eu odeio. O trabalho é chato, mas não é prezável de ser odiado. Mas é a privação do resto. O que me chateia no trabalho não é o estar a trabalhar, mas o ser privado de não estar a fazer coisas que eu valorizo mais. E honestamente, acho que o dinheiro não vale nem perto do mesmo que as coisas de que me privo para o ganhar. 'Mas e a privação causada pela falta de dinheiro?' Se calhar tenho a felicidade de valorizar coisas que o mercado não. Além disso, a simpatia e boa vontade de toda a equipa é simultaneamente altamente agradável e o grande impulsionador de coerção. 'Ah agora ser respeitador no trabalho também é coerção?' Sim, eu sei que não sou obrigado a ficar até às dez. Mas são todos tão simpáticos, que me fica extremamente mal não o fazer. Não é como se alguém me estivesse autoritariamente a mandar fazer coisas que eu não quero. Nesse caso, teria todo o gosto em dizer 'NÃO'. Mas com toda esta cortesia torna-se impossível agir em inconformidade com o grupo. E isso é mais enervante. Quando eu liguei a dizer que não iria voltar, senti que estava a fazer uma coisa errada, precisamente porque foram todos impecáveis comigo. Como se eu é que estivesse mal por não querer estar catorze horas por dia preso. 'Mas fizeste um compromisso, agora devias cumpri-lo.' Também é por isso que sinto que estou a errar. Talvez tenha que fazer menos compromissos destes. Fiz bem em sair? A dúvida fica sempre. Porque sair também me priva do desconforto que é trabalhar, priva-me do alívio enorme que é sair de lá, priva-me dos potenciais interações=sexo que potencialmente se desenrolariam = nunca passariam de fantasias. Porque é que eu acho que o meu bem estar é mais importante que a organização de um evento de ténis? -- porque é, para mim pelo menos. 'Pois, duvido é que te voltem a contratar, a sair assim...' Eu não quero que me contratem. Ainda assim agradeço o conivente e por se ter lembrado de me chamar para este trabalho. Com os melhores cumprimentos, Titas. [Send? Y/N: N] Acabei de notar num padrão no meu comportamento. Eu fujo/desapareço/dou ghost sempre que gostam de mim. Se calhar como um ato reflexivo do recorrente abandono das pessoas que eu gosto. É por isso que nunca assino os contratos das empresas que me querem contratar, que fujo das miúdas quando elas me acham piada, que desisto de trabalhos no segundo dia -- somente quando gostam de mim. Quando me sinto valorizados 'Isso é estúpido.' Eu sei. Talvez sinta que já está conquistado (?) . Se calhar é por isso que fico quando não gostam de mim - para os conquistar. Ou talvez seja medo de deixarem de gostar. Quando tenho a certeza que gostam de mim, ao ir embora mantenho a ilusão de que iriam continuar a gostar. A ilusão de que ao conhecerem-me melhor não iam descobrir as coisas que me tornam menos gostável. Epifania -- o meu problema afinal é insegurança. Não é narcisismo. Sim, é uma busca da empolação do ego, mas precisamente porque ele precisa de ser empolado. Não a minha visão de mim próprio - essa é difícil ser mais exagerada. Mas a visão que eu tenho do que os outros pensam de mim. Eu vou-me embora quando gostam de mim, porque sei que vão deixar de gostar se não for. E eu gosto tanto que gostem de mim, que me valorizem, que sinto que privá-los de estar comigo é uma forma de me valorizar. De me fazer presente pela minha ausência. Imagino as conversas sobre mim quando saio 'Porque é que o Tiago foi embora? É um tipo tão bacano'. Eu quero que queiram estar comigo, e não possam -- porque eu não deixo. 'Isso é péssimo.' Eu sei. E quando se quer muito alguma coisa. Querer tanto que se sacrifica tempo/dinheiro/recursos. Que se sofre para consegui-lo. E depois consegue-se, e não é de todo o que planeamos. Não sabe bem. Não corresponde às expectativas. Tanto esforço para isto? Foi para isto que me dediquei? -- não valeu a pena. No entanto, há outras coisas às quais se dá imenso valor, mas que nunca foram desejadas. Coisas que apareceram acidentalmente, sem as querermos. Coisas que era exatamente as que procurávamos, mas nunca foram se quer procuradas. Coisas que nem sabíamos que queríamos até as ter. E que só apareceram, porque estávamos obececadamente à procura do que que queríamos, mas afinal não queremos. Ou seja, passamos a vida a procurar o que achamos querer, na esperança de encontrar o que realmente queremos, mas não sabemos. 'Puto, 'tás todo mamado!' A coisa maravilhosa do primeiro episódio da nova série do Nathan Fielder, The Rehearsal é que o que ele faz ao criar literalmente os diversos cenários possíveis da situação em questão, nós fazemos diariamente nas nossas cabeças. Imaginamos as situações futuras e as respetivas as reações/outcomes/resoluções. Idealizamos as condições e planeamos as nossas ações. O que é fascinante, é que tal como na série, as nossas expectativas nunca correspondem (nem de perto) ao que acontece na realidade. Nós vivemos a repetir estes múltiplos cenários ideias nas nossas cabeças, como se isso nos fosse ajudar a agir, mas na verdade não há uma única coisa que nós possamos prever. E se ele disser isto? / E se ela fizer aquilo? / E se... Só há uma forma de saber -- fazer. — ... Então diga-me lá os seus pecados; Se ao menos fosse tudo tão simples como nas sua parábolas. Nelas o que é certo e errado é óbvio. Sim, matar/roubar/violar outros é errado e não o devemos fazer. Mas eu não ando propriamente a matar/roubar/violar no meu dia-a-dia. Na vida prática é tudo muito mais dúbio. Cada decisão é muito mais complexa, e envolve muitas mais circunstâncias que tornam difícil perceber se a sua validade ética. Nada é tão preto no branco como nas histórias bíblicas. Honestamente não sei se o que eu fiz é se quer pecado, ou se é no final de contas uma boa ação. Como é que eu posso estar na dúvida que o mesmo ato possa ser simultaneamente categorizado por antónimos tão radicalmente opostos. E mesmo sabendo que a moralidade é um espetro continuo e não binário, continua a ser ainda assim difícil posicionar estas pequenas decisões que temos que fazer diariamente no espetro. Fiz bem em...? Ou fiz mal? Se eu não sei, como é que vou melhorar a minha forma de agir? 'Mas agora já ages? Não era o sistema?' E assim termina o mês e este diário. Veremos o que virá a seguir.
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diariodotitas · 2 years
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13 Maio - 15 Junho 22
2022 - 05 - 13 2:20 Acabado de chegar do copo que instigou a criação deste diário [^1]. Uma noite, que à semelhança de todas as outras, acabou em desilusão. O regresso prematuro é a principal razão - as peles bronzeadas revestidas por coloridos tecidos primaveris mal haviam chegado já estavamos nós em busca do uber - mas que uma estadia prolongada causaria em igual ou maior dimensão, visto que o problema se manteria [^2]. A grande desilusão repete-se sempre (que só demonstra a minha burrice) - vivo iludido de que nas infinitas caras com que me cruzo, alguma me irá cativar (no sentido do principezinho mesmo). E chego triste, porque sinto que tive tudo para isso acontecer [^3], e que por minha (e só minha) causa nada se desenroulou. Sim, porque mesmo perante o contexto ideal, eu ajo contra o meu interesse. Mantenho-me calado, e distancio-me. Não conscientemente, obviamente, mas de forma totalmente natural. O que é particularmente estranho, porque para quem visse há alguns anos a lata descomunal com que falava com as pessoas (especialmente desconhecidas) não reconhecerá em mim esta timidez atroz. Apesar de eu próprio reconhecer que sempre fez parte de mim.
Poder-se-á conjeturar que tal timidez provenha de uma insegurança profunda (como sugeriu o C-). E de facto as fases em que a minha confiança era imensa, também a minha segurança (às vezes mesmo mania) era, digamos, inflacionada. Lembro-me de estar absolutamente certo de que era não só infinitamente belo (com a minha magreza elegante, pele escura, olhos caramelizados, andar leve, e pinta de estar), como altamente inteligente (pelas minhas opiniões controversas, sofistifição cultural, e discurso ...), e ainda génio musical (tocando, gravando e produzindo como muito poucos conseguiam). Tudo convicções que (para o bem e para o mal) ainda se mantém. Pelo menos para mim, mas que se calhar não tanto para o olhar externo. O Tiago de dezoito sabia com certezas mais que absolutas que aos vinte e quatro teria riqueza acumulada, reconhecimento dos pares no ambito musical, uma miuda tão bela como ele, uma panoplia de filmes publicados... E a verdade é que à parte das miudas (que serão certamente o grande foco deste diario) as realizações não destoam assim tanto da realidade. O que demonstra que esta auto confiança se mantém em força - eu adoro-me como adorava: regojizo-me ao espelho, sou o meu maior ouvinte no spotify...
É sem duvida por me adorar tanto que surge esta pressão de me conectar. A vida é curta e a juventude ainda mais - e este auge fisico e psicologico não vai durar. Eu adoro-me tanto que quero imenso partilhar este prazer de viver com alguém. Alguém que enalteça este prazer. Porque há qualquer coisa de errado quando um hedonista autoproclamado é virgem aos vinte e quatro - 'que raio de prazeres andas tu em busca?'. E admito que a vontade me presegue desde a adolescencia. A masturbação faz parte da minha rotina (se bem que não tanto como em tempos) e olho com entusiasmo um futuro em que tudo passe de fantasia. E sinto até uma certa pena de até agora (com o aspeto com que o meu corpo já esteve, e está) ainda ninguém possa tê-lo usufruido. Onde mais uma vez a minha timidez é a principal culpada. Ou a minha picuinhês. Não é que não tenha tido de todo oportunidades de o fazer (uma vez até me disse diretamente que estava interessada), e ainda assim não fiz. Por não sentir intimidade suficiente, mas acima de tudo por não sentir atração. Que ao contrario da maioria dos rapazes, não tenho qualquer vontade de despachar o assunto - pelo contrário - eu quero acima de tudo amar no sentido mais lato do termo, e se isso envolver sexo melhor. 'Então e quando sinto?' De facto não são raras as vezes em que me interesso. Tenho a sorte de ser maluco por um tipo de miuda que em Portugal é muito comum. Vejo-as muito e elas vêm-me a mim, infelizmete raramente passa disso.
'Mas se eu gosto assim tanto de mim, porque não gostam elas?' Eu tenho uma teoria. Eu tenho percebido, nas conversas que tenho tido, que nesta fase da vida as raparigas têm uma certa lista de coisas que procuram (que eu certamente também tenho). A atração inicial (pelo menos quando a timidez não é muita) acontece. O problema é quando me começam a conhecer melhor, e a pereceber que a lista tem muito poucos vistos. Porque se fosse só não ser bom a conduzir, ainda passava. Agora: não guia, não trabalha, não faz desporto, não vê séries da netfilx, não viaja, não come... 'que alien é este?, Next.' Ou seja, eu adoro-me, estou é consciente que muitas vezes os outros nem tanto.
[1]: Após o C--- me aconselhar acompahamento psicologico. [2]: 'Mas se eu queria assim tanto ficar, porque é que não fiquei?' Isso faz parte do problema - eu seria absolutamente incapaz de lá estar sozinho. Eu sei que se eu quero assim tanto estar com pessoas, o sitio ideal é precisamente ali - rodeado de pessoas. Mas tenho vergonha da minha solidão, num espaço onde só andam grupos. Anseio que mesmo conversando com desconhecidos uma certa distância sempre se manterá. [3]: As pessoas ideais (miudas magrinhas, bronzeadas, giras e bem vestidas), o ambiente perfeito, uma abertura, uma vibe... tudo.
2022 - 05 - 14 18:13 Ainda nem passaram duas semanas desde que me senti assim, e já me sinto outra vez doente. Na garganta, prinicipalmente. E claro, como sempre, estar doente faz-me pensar na morte. Não que as probabilidades de acontecer sejam muito altas. Mas sentir o corpo a falhar-me desta forma, deixa-me sempre a questionar 'e se falhar de vez?'. A verdade é que se morresse, para mim faria toda a a diferença do mundo, mas talvez não para os outros. E talvez seja esta consciencia da ausencia do meu valor ao olhar externo que me ofereça a tal timidez. Eu estou totalmente ciente da minha beleza, mas reconheço que é preciso um certo nível do sofistificação para preferir a elegancia porpocional dos meus braços finos, barriga lisa, e cabelos dourados pelo sol, à tipica musculatura banal que tantos exibem como ritual evolutivo de seleção sexual. Mas é precisamente por essa peculiaridade que eu gosto tanto de mim, e simultaneamente pela qual tantos não gostam. O mesmo se aplica aos meus traços psicologicos de curiosidade genuina aliada a um cinismo critico agudo e ainda uma pitada de arrogancia (evidenciada por toda esta frase). Se eu morresse sentir-me ia obviamente absolutamente admirado com a beleza que vivi [^1], mas ainda assim arrependido da que podia ter vivido. Tantas oportunidades que me foram dadas de saborear ainda mais a simplicidade da vida, e ainda assim preferi perder-me na arte, nos livros e nas cançoes. A arte deve enaltecer uma vida, não substitui-la. A melhor arte, torna a vida mais bela e mais completa. Ensina-nos a amar. A má distrai-nos, e torna-a consequentemente mais feia. E arrependo-me de muitas vezes, por pura gula, preferir narrativas alheias à minha. Preferir viver na pele dos personagens pormenorizadamente retrados nos meios artisticos, a eu próprio desenvolver a narrativa da minha vida (e por isso desperdiçá-la). E acho que é por isso que muitas vezes me isolo. Entro num ciclo vicioso - por me sentir de alguma forma distanciado dos outros (pela minha tal 'sofistificação' de valores) procuro o isolamento distanciando-me então ainda mais dos outros, que me faz querer isolar mais.
Há uns meses que tenho lutado para me 'desisolar' - forço-me a estar com outros, a falar às pessoas, e simplesmente a estar. Claro que tal esforço vem com uma quantidade absurda de mau estar - por me sentir deslocado, diferente, socialmente incapacitado. Mas simultaneamente superior (por mais arrogancia que implique) - por não viver superfluamente [^2], mas sim prazerosamente - e por isso mais valioso [^3].
'Mas então, se és assim tão superior, o que queres dessas pessoas?' Acima de tudo - amá-las. Porque é esse amor que as grandes obras tentam 'representar'. Amar é a beleza última, e quem ama sabe-lo. Toda a estetica de uma escultura grega, de um romance novecentista ou de uma pintura impressionista, não vem da tela, nem do pintor, mas da vida que a inspirou. A arte é uma representação da beleza da vida que embeleza a própria vida. E eu quero essa beleza. E a minha timida distancia é o que me impede de a ter.
Por isso se não morrer, só espero ser capaz de alcançar (ou voltar a alcançar) tal beleza. E se não a conseguir, ao menos vivo a tentar - e que belo que isso é.
19:43 Há esta ideia generalizada de que a timidez involve uma certa dificuldade em olhar, espeicalmente nos olhos, as outras pessoas. No entanto isto não me acontece. Talvez até proveniente do meu profundo desespero por conexão - 'ou será simplesmente aprovação?' - tiro especial prazer em fazê-lo. Especialmente quando nos corredores da noite lisboeta cruzam-se olhares com variadissimas raparigas de beleza ideal - 'a tal que é tão sofisticada?'. E admiravelmente são recícropos - talvez também elas partilhem de um tão caricato sistema de valores estéticos (pelo menos superficialmente). Claro que uma certa tristeza me presegue consquentemente - tanto potencial desperdiçado naquele momento. E mesmo assim, repetidamente, vagueando nas discotecas, agarro-lhes a mão, e dançamos efusivamente juntos em tecidos coloridos, até a proximidade ser suficientemente intima para simplestemente (com expressão facial de puro deleite) a devolver à solidão da pista. Os meus amigos acusam-me ou de um profundo medo de rejeição, ou de uma espécie estranha de aversão à intimidade. Mas a verdade é que o meu ego sai, destes eventos, ainda mais - 'será possível?' - artificialmente empolado. É o classico - ter poder, mas não o usar - 'uau és mesmo fixe'. Parece-me que por mais desesperado que esteja, a inflação do ego (pelo menos a curto prazo) condiciona o meu coportamento por ser mais prazerosa de que prosseguir para os próximos passos [^4].
'Já pensaste que se calhar esse tal ego internamente inflacionado e exteriormente delibitado pode estar na origem da tal timidez?'. Cala-te, seu burro. (...) [^5]
[1]: Que inclui obviamente os momentos mais prazerosos, mas também os de maior sofrimento. [2]: Em busca de simbolos de estatuto como carros, construção urbana, ou outras coisas que não valorizo comparativamente à beleza que preenche a minha vida. [3]: Refiro-me obviamente não a um valor industrial (e.g valor de mercado laboral ou valor academico) mas sim a um valor puramente estético. [4]: Até porque, nunca senti tal prazer pessoalmente, visto nunca ter prosseguido para os próximo passos. [5]: Eu sei que tinha mais uma quantas piadas autoreferenciais para fazer, mas a febre é tanta que só me apetece repousar.
2022 - 05 - 15 21:17 A noite que se passou foi duríssima. A minha insistencia hipocondriaca em não me medicar [^1] obrigou-me a aturar durante horas sem qualquer auxilio uns trinta e nove graus de febre. Claro que obececado com a saúde como sou [^2] passei as horas inicias febris a nadar em artigos cientificos que me ajudassem a agir nesta situação. Além disso tomar brufens para aliviar a febre é algo tão fácil. Decidi adotar o estoico que há em mim, e tentar 'ouvir' o meu corpo, e usar a minha mente para o ajudar neste combate. Mente e corpo aliados na luta contra este virus intruso. E durante umas horas senti-me orgulhoso desta equipa a trabalhar unida para controlar a temperatura corporal (auxiliado de um termometro, claro). Infelizmente o sofrimento chegou a um ponto tal que lá resisti, e engoli o comprimido. A verdade é que eu invejo muito quem não tem esta obsessão, para quem aos sintomas febris, não se juntam sintomas de ansiedade aguda [^3]. Do tipo — Tenho quarenta de febre, vou tomar um brufen.; E vivem aliviadamente as suas vidas, sem pensar que estão as portas da morte, passar horas afogado em bulas, artigos, e avaliadores de sintomas que com grandes bases de dados dos utilizadores e com inteligencia artificial prevêm o outcome. 'Que seca! Este diário não era para resolver a timidez?' Sei lá? Os psicólogos (ou mais psicanalistas) é que acham que estas coisas são o fundamento dos probelmas: estou só a tentar escavar.
O corpo humano é capaz de ser a coisa mais bela que existe. Não é por acaso que tantas obras de ao longo da história da arte tentaram captar tal beleza [^4]. Um corpo humano à semelhança de uma árvore é o fruto de anos e anos de evolução. Mas em cada pequeno traço do corpo está um cicatriz da vida do seu dono. A forma de andar, o movimentos dos membros, a roupa escolhida, o cheiro, a voz e até a forma de respirar - tudo restos belos da forma de existencia daquele ser. Uma beleza puramente acidental [^5] que o torna infinitamente mais belo - a beleza não pode ser treinada, ou aprendida, é puramente natural.
Foi nas aulas de desenho anatómico (em que tive que desenhar tantos corpos despidos) que percebi que a mais subtil e diminuta alteração num traço corporal tem um impacto gigantesco no todo. É uma questão de proporção - eu próprio mesmo depois de tanto treino não consigo perceber o mecanismo. Só que um traço muito, muito ligeiramente à esquerda ou à direira, pode fazer fazer a diferença entre um corpo absolutamente lindo, e um corpo meramente banal e desinteressante. O que torna a beleza corporal tão mais fascinante.
Outra coisa de que me apercebi é que esta combinação espifica de traços não é de todo definida por acordo social - ou seja não segue um standard definido pela sociedade. Por isso tanto o David de Michelangelo e o David de Donatello (um altamente musculado, outro particularmente magrinho) são igualmente belos tendo estaturas e traços tão radicalmente diferentes e no caso da ultima bem longe da tradição canonica. Por isso é que independentemente da estatura, altura, raça, ou género dos diversos corpos que se exibiram na sala de aula, em todos um desenho com essa tal porpocionalidade, e subtileza de traço seria belo.
Isto tudo para dizer que é também este fascinio pelo corpo que me faz tanto procurar conexão, não necessáriamente sexual, mas provavelmente erótica, ou simplesmente estéticamente comtemplativa. Ainda no outro dia, deitado na areia da praia, um pouco distanciado da minha familia, um dos mais maravilhosos corpos que já vi com um grupo de amigas, num andar profundamente elegante, um vestido leve, e uma pele bronzeada, sentou-se na minha proximidade. Deitado deliciando os raios solares, ia oferecendo uns olhares, que eram regularmente retribuidos. Ia fechando os olhos, e ouvia na sua doce voz as suas discussões sobre amor. Tudo nela se mostrava belo, e sentia um enorme prazer não só em vê-la, mas também em ser visto por ela. Num desses momentos em que a fitava, equanto falava com a amiga retribuiu-me o olhar, e consciente da minha atenção, roudou o seu belíssimo corpo na minha direção. Deixando-me olhar. Este tipo de interações deixa-me absolutamente deliciado. E pergunto-me se alguma vez (por mais belas que sejam assim) vou ganhar a coragem para passar para o próximo passo. Se eu tenho a auto-confiança (se calhar até em demasia), se tenho a sua aprovação, afinal o que me impede de avançar?
Se esta febre não me matar, vou tentar amar mais, ser menos egoista, procurar mais beleza no outro e menos em mim. Se eu só tenho uma vida, que ao menos a use para tornar a vida dos outros tão prazerosa como a minha. 'Acho que isto já é a febre a falar...' Que seja, eu quero ficar bem, e ser melhor. Que eu posso não fazer falta ao mundo, mas o mundo faz-me muita falta. Vemo-nos amanhã.
[1]: Vejam um histórico legal de qualquer uma das grandes farmaceuticas para perceber porquê. [2]: Desde que uma dor na perna da minha mãe se demonstrou um cancro metastisado por todo o corpo que uma obsessão doentia pela minha saúde se desenvolveu. [3]: Até porque já fui essa pessoa. [4]: Opino que nunca no seu exponte máximo - nunca como na realidade. [5]: Ao contrário das obras de arte que são intecionais e pensadas.
2022 - 05 - 16 12:41 'Já pensaste que se calhar o problema vem do desespero exasperado que tens de formar conexão? O ideal é fazeres o que gostas e agir genuinamente que eventualmente encontrarás alguém.' Se esse for caso, porque é que ainda não econtrei ninguém? Essa é a filosofia que preguei (e pratiquei) nos ultimos oito anos e olha onde me levou. Os sitios que frequento estão repletos de potencias conexões e de pessoas belissimas - quer seja nas faculdades onde andei, nos bares que frequento, nas esplanadas onde abanco... E no entanto a minha absurda timidez impede-me de passar das cumplices trocas de olhares. Além disso essa ideia serendipitosa de um amor acidental, por mais bonita que seja, é impraticavel na maioria dos casos. Era como se eu quisesse pintar uma obra prima acidentalmente, sem nunca antes ter pegado num pincel, sem nunca ter treinado. O amor tal como a arte, deve ser praticado, deve ser pensado, e deve ser intencional. Eu não posso andar aí à espera que ele me apareça à frente como por magia, porque tal como num quadro a probabilidade de acontecer é praticamente nula. Por isso é que ando tão ativamente em sua busca. Por isso é que o escrevo neste diário. Estou a aprender, e estou a treinar.
Num bar de que era habitué conheci uma rapariga belissima - no tal sentido totalitario (andar, voz, roupa, maneirismos...) - com quem me perdi em maravilhosas conversas cheias de wit. Finalmente alguém que me compreende, finalmente alguém com quem dá para conversar sem segundas intenções, finalmente alguém com quem posso ser verdadeiramente eu. A reciprocidade tornou-se obvia quando marcamos um date, que correu lindamente. Num segundo date, em minha casa, á saída ela pediu-me que prolongassemos o evento, mas tinha compromissos, e quando a despedida se deu, ela aproximou-se de mim (como quem pede um beijinho), e de cabeça quente, coração palpitante, limitei-me a beijar-lhe a cara. Que apesar da minha profunda paixão por ela, sinalizou um desinteresse que eventualmente levou ao fim da relação. 'Mais uma destas histórias parvas de - se eu quisesse eu podia, e mesmo assim não fui, sou mesmo bom - não te queres exibir mais?' O problema é que eu queria, mas fui incapaz. Além disso estas histórias servem para mostrar que o problema não é externo - a culpa não é da falta de contexto, e a culpa não é dos outros, a culpa é inteiramente minha. O que por um lado é bom, porque está nas minhas mãos resolvê-lo.
Entretanto, a minha febre está ligeiramente mais baixa (a rondar os 37.7ºC). O que me faz crer que estamos em vias de gritar vitória, e fechar a competição como vencedores. Mas como se costuma dizer, não se lançam os foguetes antes da festa, e por isso agurdarei. Ainda assim todos os meus desejos febris se mantém.
04:38 Estou em pânico absoluto. Desde que a minha febre desceu (já estava mesmo a temperaturas normais) que a minha visão tem sido afetada. Tenho um blind spot [^1] que afeta a minha visão, e que já se mantém há quase 10 horas, o que é altamente preocupante. Além disso, a febre que agora ronda os 37, deixa-me uma desconfortavel (mas muito suave) dor de cabeça do lado direito, e que se torna particularmente obvia atras do olho. E ainda reparei que as veias nas laterais da minha testa (desculpem lá não saber os termos técnicos). estão mais salientes que o normal. Será que tive um pequeno AVC? Eu fiz aqueles testes de levantar os braços e assim e não me pareceu o caso. Ainda assim não quero nada ter a visão assim delibitada indefinidamente, estou dependente da minha visaõ para quase tudo o que faço. Estou cheio de medo e não sei o que fazer.
[1]: Semelhante ao que teria se tivesse ficado prolongadamente a olhar para o sol. Uma especie de mancha fixa.
2022 - 05 - 17 12:44 Eu não queria nada que este diário se tornasse um diário de sintomas. Acho que já passei esta fase. Mas também não tenho culpa que seu inicio tenha coincidido com o meu adoecimento. Gostava muito de voltar aos devaneios, e ao cerne da questão deste diário. No entanto, a não melhoria da minha visão (do tal sensilibildade luminosa) está-me a deixar preocupado e impede-me de pensar noutras coisas. Deixa-me a questionar se algo se terá passado no cérebro? Se é a retina simplesmente cansada dos ultimos dias febris e por isso pronta para recuperação? Será que vou voltar a ver como via antes? Será que vou perder a possibilidade de experenciar visualmente a tal beleza que tanto tenho glorificado aqui nos ultimos dias? Ontem, por entre artigos e mais artigos sobre meningites, infeções no cérebro, descolamemtos da retina... rezei. Rezei porque percebi que se calhar devia viver a minha vida melhor. O meu hedonismo muito me satisfaz, mas não aos outros. E se calhar esse é que devia ser o proposito desde diário. Amar mais. Todos os dias.
Sinto-me obviamente cansado, mas simultaneamente triste. Ter o olho assim aliado às dores de cabeça deixam-me irritado e impedem-me de ser a pessoa que eu quero. Sinto-me desconfortável e já estou farto de desconforto. Só espero, tal como recuperei da febre, também recuperar disto. Se não também será simplesmente uma questão de aprender a viver assim.
2022 - 05 - 18 11:14 Mais um dia em que os pensamentos de "recuperará o meu olho?", "como será a minha vida se vir sempre assim?", entre valentes pestanejares e suspiros de aflição. Quem será a pessoa que alguma vez quererá estar com alguém assim? Alguém que por pura ironia é tão doentemente obcecado com a sua saúde. É que sou eu que fico a perder. Acabo sozinho, sem saúde, e em stress. No entanto, nada, mas nada consegue abafar estes pensamentos. Eu quero a minha visão intacta, eu quero o meu corpo a funcionar a 100%, quero os meus membros, os meus sentidos, e a minha mente, tudo totalmente operacional. Só assim me posso dar ao luxo de pensar na belezza e na arte e no amor - outrora tudo o que eu penso é na minha saúde.
Não sinto cheiro, nem sabores. O que pode sinalizar que a fotofobia é de causa neurologica, o que a talvez torne mais dificil de resolver, mas também pode tornar mais provavel que regrida.
Estes ultimos dois dias têm sido dificeis (como se pode ver pela quantidade de texto), tenho andado preocupado e focado com o meu futuro ocular, e não consigo tirar prazer de nada, nem de devanear. Não consigo propriamente ler, nem ver televisão, ou videos do youtube, sem constantar a obvia mancha 'solar' que lhe remete logo todos os meus pensamentes. Tal como diz o ditado out of sight, out of mind, neste caso always on sight, always on mind. Está sempre aqui, até quando estou na cama, a pedir a minha atenção. — Olha para mim! - diz-me.; Se calhar deviamos fazer amizade. E sempre que a visse em vez de guardar rancor, guardava carinho. E talvez não reclamasse se ela se pusesse à frente da televisão, ou à frente do computador quem sabe. Ou se calhar quando estivesse a ler, sentir-me ia menos sozinho, sempre com aquela companhia. Almoça comigo, janta comigo, dorme comigo. A verdadeira entidade que está disposta aturar todas as minhas manhas, os meus maneirismos, e as minhas embirrações. Aceita-me todo e completamente. E quando há finalmente algo assim, só quero ver-me livre dela - que ingrato. Talvez acabe por ter que vir a ser este o nosso destino, mas por equanto vou ter esperança que ainda me vou ver livre dela. Tal como me vi livre das tonturas, dos ataques de panico, da comichão anal, da dor de cabeça localizada, da tinnitus, da diarreia, das dores abdominais... tantas coisas que me deram a volta à cabeça e que com certeza "iam ficar para sempre" e que ainda assim já cá não estão. Ainda há esperança, e se ainda assim se mantiver - é só tentar fazer amizade.
2022 - 05 - 20 17:05 Falhei ontem. Não escrevi aqui. Mas umas quantas melhorias para assentar. Acabei por ir a um oftamologista que me assegurou que não precisava de me preocupar quanto ao olho (apesar do sintoma por enquanto ainda persistir). Ontem o dia marcou-se por uma festa: o ARCO - uma feira de arte. Um predio lindo da rua Castilho cheio de arte encheu-se de pessoas giras a dançar alegremente - que beleza. Mais olhares trocados que disso não passaram, mais uma vez.
O que tenho sentido nestes ultimos dias é no entanto uma certa moleza, ou até cansaço - se calhar derivados do calor ou dos tons acizentados do céu nublado, ou talvez ainda efeitos da doença - que me impedem de fazer as coisas que quero. Passo o dia a colar. Também se calhar por não ter coisas que fazer: não tenho rotina escolar ou laboral. Mas também imagino o quão desagradevel seria ter que fazer algo obrigatoriamente com esta moleza. Quando até as coisas que eu quero fazer (como ir hoje ás festas de moita) me dão alguma dificuldade. Quando é que eu vou voltar a ser o Tiago da semana passada ou melhor (e não pior)?
Então e quanto aos votos de futuro? Não ia viver para amar? Não ia viver para os outros? O que é feito disso? A verdade é que pensando bem, na prática é bem mais dificil do que parece aplicar tais valores. O que é que eu vou fazer? De voluntariado já procuro há anos e nada encontro. E como não tenho framework (sei lá um trabalho, uma escola, whatever) sobre o qual agir ativamente não faço ideia como neste meu estilo de vida de isolamento diurno (no 'estudio' ou na praia) e de saídas noturnas vou aplicar algum tipo de comportamento altruista. Ir à missa claramente não é suficiente, e não passa de mais um ato isolado. O ideal seria mudar o meu lifestyle. Se calhar até mudar de amigos - que estes muitas vezes paracem não puxar a melhor parte de mim. Talvez começar um projeto, ou juntar-me a um. Li recentemente que um dos principais fatores no bem estar das pessoas é a participação em rituais. Não necessariamente rituais religiosos ou cultistas, mas simples eventos sociais que se repetem periodicamente e de significado semelhante entre as pessoas (e.g. jantar todas as quintas com um certo grupo de amigos). Quero tentar implementar esste tipo de comportamento ritualistas na minha vida. Procurar pessoas que partilhem o meu prazer de viver, e que juntos vivamos prazerosamente. Tentar agir mais ativamente, e deixar-me destas coisas de simplesmente existir. Agora na prática como é que o faço, é que já não sei... Estes ultimos dois dias simplesmente acordei e nada aconteceu, estive só a existir, e não foi particularmente divertido - este não é o caminho. Mas então qual é?
2022 - 05 - 22 1:37 Ai a beleza que é estar rodeado de pessoas giras e felizes a danaçar e a cantar com um sorriso na cara! Vindo das festas da moita e não consigo parar de pensar na beleza destas ultimas noites - isto sim é amor pela raça humana. Quero maximizar ao maximo este bem estar geral e social - é mesmo um prazer!
2022 - 05 - 25 15:35 Bem, é hoje! Hoje começo a renascer! Sim, é ótimo estar com outras pessoas, mas tenho que retomar o meu estilo de vida proativo, repleto de projetos! Já que tenho tantas ideias, e escrevo todas, porque não estou (como sempre estive) ativamente a realizá-las? Só porque me habituei a esta coisa maravilhosa que é estar com os outros que parece que me esqueci da outra coisa maravilhosa que é estar sozinho (afogado em projetos). Portanto, cá vamos nós, a uma nova era do renascimento criativo da minha pessoa!
17:03 Os dias de febre e a percecionada proximidade da morte deram-me uma certa epifania existencial. Fizeram-me (mais uma vez) questionar todo o proposito auto atribuido da minha existencia. Se eu sou assim tão hedonista e vivo em busca de tanto prazer e beleza, porque me é tão indiferente se ao fim de um dia não a econtro? A verdade é que há toda esta ideia de que devemos ter obejtivos de vida, desejos, lutar em busca de algo - felicidade, bem estar, dinheiro, mudança social... ou seja o que for... no entanto não sinto de nenhuma forma esse desejo, não há nada que eu verdadeiramente queira, para além de estar vivo. E isso até agora tem sido assegurado. Sim, eu econtro profundo prazer nas minhas relações com outros, ou nas minhas criações artisticas, ou na beleza da natureza e da arte, mas isso são tudo coisas sem as quais consigo viver perfeitamente bem. O meu problema aqui é não ter nada para ir atrás. Equanto uma pessoa normal tem estes desejos loucos de algo e esforçam-se ativamente para o alcançar, eu não. O que tem esta enorme vantagem de eu estar sempre bem (no sentido em que não estou preso aos meus desejos), mas a consequência de ser particularemente aborrecido. Todo o homem precisa do seu bocado estóico. De ir atras de algo! Mas não há nada que me pareça muito valer a pena de ir atrás. Por exemplo, ultimamente tenho sentido, de todos os lados uma enorme pressão externa para começar a trabalhar. Acabei o mestrado já há seis meses, e esperam que eu implore em entrevistas para dar doze horas do meu dia, por um salário rizível. E esperam-no que o faça por desejo próprio. Estão à espera que eu queira mesmo fazê-lo. Que acredite mesmo que isso é bom para mim e para o mundo (lol) [^1]. E honestamente é um passo tão enraizado que eu não me importo de o tentar. Já fui a incontaveis entrevistas, mas nunca passo. Precisamente porque estão à espera que eu tenha este desejo louco de ser escravizado, que acredite nas suas ideologias vapidas de mérito, trabalho árduo, e preserverança. E isso nunca terão de mim. E por isso aqui me mantenho. Mas honestamnete até tenho problemas em definir qual é o meu problema. É só que tenho acordado e não sei bem o que fazer. Porque por mais aberto que seja o leque de opções, sinto que não há nada que eu de facto queira mesmo fazer. Sim, posso ir pegar numa tela e pintar - mas a que propósito? Sim tenho uma ideia para uma música, mas vou gravá-la porquê? Sim, até me apetece escrever um vídeo novo sobre um topico que me tem passado pela cabeça - mas para quê? Estive a vida toda num ciclo de auto expressão através da arte, para quê continuar? Sim, dá-me imenso prazer, mas também tiro niveis semelhantes de prazer não fazendo absolutamente nada. Estando só parado ao sol, por exemplo. 'Se é esse o caso, então qual é o problema - é só não fazer nada sempre...' E de facto parece uma solução simples, mas não fazer nada sempre é um bocado aborrecido, falta-me excitamento. 'Ah, então afinal há alguma coisa que queiras... já viste? estamos a fazer progressos.' Então se calhar resta-me pensar que tipo de coisas é que me trazem este tal excitamento. Um bom exemplo poderá ser voluntariado - há anos que não o faço e lembro-me de ser algo que me dava a conhecer pessoas incriveis e que tornava claramente a minha vida melhor. Posso se calhar procurar um trabalho que envolva estar/conversar com pessoas - talvez começar um podcast de conversas? Uma coisa é certa: deve envolver outras pessoas. Talvez seja simplesmente isso que procuro. As atividades artísticas são sempre feitas em isolamento, se calhar estou simplesmente farto de estar isolado. Se calhar devia inscrever-me num desporto de equipa - voleibol por exemplo. Eu já não vou para novo e estar a isolar-me é desperdiçar a minha vida, desisolar-me implica esforço ativo da minha parte. Resumindo, voluntariado, podcast, desporto. Vamos lá!
23:51 E de repente estou num estado psicologico absolutamente lastimavel. Os pensamentos correm rápido na minha cabeça. Tão rápido que me esqueço rapidamente do que pensava no momento imediatamente anterior. Uma névoa perpetua de pensamentos a pairar na minha mente. Por momentos até da minha idade me esqueci, e tive que cáculá-la. É muito dificil definir em que estou a pensar. Os pensamentos correm a velocidade estupida e quando dou por mim acabei de em meros segundos pensar em toda a existencia, no sentido mais lato do termo. Não sei bem em que penso, só sei que os pensamentos correm tão rápido que facilmente os esqueço. Não há propriamente uma linha guia, só pensamentos que rapidamente aparecem e logo desvanecem. O batimento cardiaco está alto, e os lábios secos. Só pode ser mais uma instancia da minha (já até esquecida) ansiedade. Não me consigo focar numa ideia. E até estou admirado com a coerencia temática deste texto. De facto, de todas as atividades que estive a tentar fazer para aliviar este stress profundo, esta parece a que está a ter melhores resultados. O que outrora eram rapidos e intensos pensamentos a correr-me indiscriminadamente, tornam-se agora com o foco na escrita sériamente mais localizados, e de certa forma estou a conseguir focá-los. Não sei se este estado alterado de consciencia foi induzido pela quantidade anormal de açucar que ingeri nas ultimas horas - um gelado e dois american donuts - mas a verdade é que se está a tornar insopurtavel e até deixa (como se bem me lembro era habitual) algo preocupado. Eu quero voltar ao meu estado de consciencia normal. Estar com o batimento cardiaco acelerado, pensamentos a correr-me à velocidade da luz todo o meu cérebro, sem dar chance a um único pensamento de prosperar, tornando a minha consciencia num gigantesco mar de ideias das quais nenhuma se materializa de nenhuma forma, é no mínimo desagradável. Aliás, agora que racionalizo sobre o assunto era neste estado que estava nos tempos em que me considerava 'com ansiedade' - é um estado de puro desconforto psicologico em que o mar de ideias que enche a minha cabeça não se materializa, e em ondas gigantescas vai desfazendo todo o resto de sanidade que se vai conseguindo manter na minha cabeça [^2].
Suponho que este 'ataque' advenha das angustias existencias que me preseguem diariamente e que têm vindo à tona com o meu recente adoecimento. Tenho andado a questionar afinal o que ando eu para aqui a fazer com a minha vida. Sim, eu posso continuar a autoproclamar-me um hedonista puro. Mas torna-se claro que este modo de viver, apesar de satisfazer a minha vontade louca por prazer, claramente não satisfaz as minhas necessidades existenciais - ou outrora não estaria aqui neste estado mental. Eu não sei bem do que sinto falta, mas claramente falta-me alguma coisa. Pena é eu não saber o quê, nem como alcançá-lo. Esse é o meu grande problema filosofal. Não é só porque eu gosto muito de viver que de repente passo a saber como fazê-lo. Eu sei que é simples - é só acordar. Ok, essa parte eu faço todos os dias. Mas então e depois? Sim, eu sei - faço o que me apetece. Mas e se não me apetece fazer grande coisa? E se o que me apetece fazer não me faz sentir assim tão bem? É que o meu problema existencial se calhar está mesmo aqui - não me apetece assim tanto fazer aquilo que me apetece fazer. Eu não tenho um grande objetivo de vida, não há nada que eu queira muito fazer, nenhum objetivo que eu queira muito cumprir. Se calhar o meu problema é puramente existencial. Eu simplesmente existo, e isso não é nada reconfortante. Eu sei que por um lado é profundamente bonito ter esta liberdade absoluta de usar a minha vida para o que bem me apetecer. O problema é que não me apetece fazer lá grande coisa, muito menos sabendo o esforço que isso implica. E por isso vivo a minha vida vaziamente. Sim, em busca dos prazeres imediatos. Sim, em busca da mais pura da beleza. Mas ainda assim, vaziamente. E não sei bem qual é a solução para este vazio. A minha inclinação de resposta imediata é o amor. Mas se eu soubesse como apaixonar-me on demand acreditem que já tinha comprado oito temporadas inteiras. Não é só que a minha vida não tenha qualquer propósito (como tudo o que existe), mas é só que eu já não sei muito bem o que fazer com ela. Não num sentido depressivo, ou angustiado, mas puramente aborrecido. Sim, eu posso continuar a pregar (com base na minha educação judaico-cristã) que amar é a solução. Mas preciso que me ensinem a fazê-lo, que eu honestamente não sei se sei.
[1]: A cultura laboral é de facto uma coisa imensamente estranha. [2]: Denotem as repitições, só demonstram o meu estado de amnésia instantanea.
2022 -05 - 26 02:52 É num dia repeleto de outras pessoas que eu me apercebo que é das outras pessoas que a minha vida se enriquece. Eu por mim se poder estar sempre rodeado por pessoas (como as com quem estive hoje - maravilhosas), estarei sempre bem. É que a beleza de estar com os outros só por estar é a beleza da sua inutilidade. Não estamos ligados por questôes laborais, ou porque nos é util por alguma razão, mas simplesmente porque gostamos de estar uns com os outros. Sim, provavelmente com esse tempo há uma panoplia de coisas que trariam a todos mais dinheiro, que contribuiam mais para a sociedade (ou para o sistema), e que trariam até mais realização. Mas todas as pessoas com que estive (incluindo eu proprio) escolheram voluntariamente estar umas com as outras - e isso é bonito. Só estar, sem segundas intenções, estar por estar. E se ontem a minha existência parecia estúpida, hoje parece simples. Dêem-me outras pessoas que eu me entretenho. Só preciso de alguém para estar ocupado. Pena é tantas pessoas não terem tempo para estar comigo, porque estão ocupadas com os seus 'sentidos de vida', e atrás de outras coisas invaliosas como estatuto ou dinheiro.
2022 - 05 - 29 12:57 Adoro conhecer pessoas novas. E estou cada vez melhor a fazê-lo. Parece-me que este diário, por mais esporádico que seja, está a funcionar.
2022 - 06 - 01 03:58 Esta noite ensinou-me pela sua fealdade o valor da beleza das outras. Se há coisa que se tornou obvia que prezo é o prazer de estar rodeado de pessoas giras, em locais giros, a fazer coisas giras. Mas não da forma superficial com que é enunciado, mas da forma mais profunda. Mas uma coisa que raramente me lembro é do reverso da medalha - a dor de estar rodeado de pessoas feias, em lugares feios, a fazer coisas feias. Por mais preconceituoso e desagradavel que pareça estar com pessoas feias faz me sentir mal - desconfortavel. De alguma forma parece que me tira valor estar rodeado por pessoas a quem falta qualquer noção estética (e muitas vezes noção no geral). E não me venham com a ideia de que isto não passa de snobismo ou algo parecido porque isto não tem nada a ver com classe social [^1]. Tem a ver com decisões comportamentais, de vestir, da maneira de estar, dos temas que se discutem, os sitios que se frequentam, gostos... Pessoas que nas ruas malcheirosas e mal iluminadas do cais, se vestem em trapos caros ou extravagantes roupas usadas intencionalmente detoriadas, muitas vezes de pele escura e cabelos sebosos, fumando cigarros ou drogas, em pé em posições desmaseladas, conversando sobre dramas profundos pessoais (como suicidio, alcoolismo, e outras coisas degradantes), e procurando nestas escolhas pobres de vida algum tipo de estatuto sofrego, um orgulho da sua inadequidade. Sinto repulsa, desapego, distancia, e até mesmo nojo da fealdade destas pessoas. Não tenho pena, porque as condeno. Condeno-as porque não nasceram feias, mas aprenderam a sê-lo. E destas noites feias restam-me apenas estes devaneios, porque da fealdade pouco se tira para além do enaltecimento do valor da beleza. E que fique aprendido que para ter noites como esta, mais vale mesmo ficar em casa. Prefiro isolamento a estar rodeado de pessoas feias, em lugares feios a fazer coisas feias.
Os meus amigos não param de falar da quimica que emanava o redor da nossa conversa de sábado. A Inês, segundo eles, é a miúda de que ando à procura. E de facto a sua roupa, cara, timbre, e interesses parecem confirmá-lo. Apesar de pouco falarmos, os temas mais superficias lindamente fluíram - os temas comuns de férias, conhecidos, e percursos academicos. Mas por muito que me quisesse ter apaixonado, sei que ainda não aconteceu. Acreditem que se há coisa que gostava era que nos apaixonássemos. Porque nas pontas de conversa de que tivémos, encontrei nos olhos da Inês também a minha solidão e o meu isolamento. E por momentos sonhei que essa seria a solução. Sós e isolados juntos. Mas por mais óbvio que pareça o dever de embarcar nesta aventura, torna-se óbvio esclarecer que há tantas outras aventuras a chamar. A Sofia, pela qual a minha atração também escala, também parece achar-me piada [^2]. E voltamos ao problema inicial - eu não vou fazer nada. Não por que não quero. Mas porque me sinto numa posição em que não é confortável, ou simplesmente natural fazê-lo. Peço os seus números aos amigos em comum? Com que pretexto? E se o fizer ligo-lhes? Marco dates? 'Bem, esta é simples. Sim, sim, sim, sim.' O problema está em fazê-lo, como sempre. Pensar é fácil, já fazer.
Voltemos à moral do sermão de hoje: (1) rodear-me de pessoas, lugares, e coisas giras; (2) fazer acontecer.
[1]: Apesar de estar correlacionado, porque como é obvio uma pessoa com maior capacidade financeira, melhor educação... vai facilmente adquirir uma melhor noção estética, e forma de estar. [2]: E de repente, o diário cujo o proposito é curar a miha timidez aguda, esta repleto de miúdas. Also, eu claramente prefiro a Inês.
2022 - 06 - 02 02:22 Fazer acontecer não é tão fácil quanto parece. Fazer acontecer o quê exatamente? E como? É que ir fazendo acontecendo não é assim tão dificil e sai meio naturalmente. Agora fazer acontecer aqui e agora é bem mais dificil. Mas é essa espontaneadade que eu tenho que despertar. E eu sei que é possivel porque já a pratiquei. Passa por eu reconhecer que quero alguma coisa, e imediatamente fazer tudo ao meu dispor para satisfazer essa vontade. Por exemplo, se me apetece estar com alguém especifico, penso quem poderá conhecer esse alguém, faço umas chamadas, até combinar algo no próprio dia. O que interessa é fazer, e logo! Porque sei bem que se adio, ou acho que vou fazendo é meio caminho andado para ser uma busca semelhante a quase todas as outras - desistindo. Se há coisa em que eu sou bem sucedido é a desistir. Daí esta necessidade de satisfação de objetivos imediata. Sendo assim, como posso aplicar isto à minha vida? É só acordar e fazer. Quero estar com a Inês ou com a Sofia?: liga-se ao amigo em comum e pede-se-lhe o número — Olá! Lembras-te de mim? Queres ir dar uma volta?; Quero um trabalho que pague bem?: pega-se num papel e planeia-se um portefolio, compôe-se uma coisa mais séria digitalmente, prepara-se um site, imprime-se um curriculo, procura-se sitios giros com pessoas giras, e vai-se lá presencialmente dar graças. Desta forma tudo é simples! É só definir o que eu quero, e imediatamente fazer tudo ao meu dispor para alcançá-lo. Voltamos é ao problema fundamental: o que é que eu quero?
2022 -06 - 03 03:11 Depois de um dia maioritariamente repleto de antecipação solitária do convívio noturno [^1] ataca-me um repentina dor de cabeça. Claro que chegado a casa, uso-a como principal desculpa para a minha inação social [^2]. Claro que como sempre não passa de uma desculpa esfarrapada. Mas tenho notado que a minha desinibição social é altamente dependente do contexto. Principalmente das pessoas com quem estou. Muitas vezes, a falta de ação (refiro-me a engate) no geral no meu grupo mais próximo torna qualquer interação com o sexo oposto digna de atenção e comentário. Se com estes amigos eu tiver a minima interação imediatamente começam as bocas — Safa, puto? — Uau, que queridos...; e afins. Não só isso mas o ambiente onde estamos. Como ser visto faz grande parte da cultura noturna, os sujeitos desse olhar são também impactantes no meu comportamento. Se são pessoas que eu sei que me conhecessem, e que podem fazer julgamentos sobre as minhas ações, fico obviamente mais consciente e hesitante. Há mais pressão sobre manter uma identidade, em agir em conformidade com o que esperam de mim [^3]. Já se forem puramente desconhecidos, obviamente sinto-me mais à vontade para agir. E depois há todo o contexto. Porque é claramente diferente conhecer uma pessoa nova por amigos em comum, do que simplesmente falar a um desconhecido. A conexão em comum baixa logo as barreiras e dá logo mote para um monte de tópicos para quebrar o gelo. Mas se hoje poucas eram as pessoas que me conheciam em redor, se os meus amigos julgadores nem estavam presentes, se as miúdas tinham todas amigos em comum, porque é que eu não agi? Não tenho dúvidas que as dores de cabeça possam ter ajudado, mas cheira-me que é a razão pela qual escrevo este diário - a timidez.
Como sempre, no momento, eu simplesmente nem me apercebo que estou num desses estados. A forma como a timidez é regularmente representada e compreendida passa por uma certa inadequação social em que o tímido quer dizer coisas mas não as consegue exprimir por causa de um nervosismo agudo, cadeias de pensamentos preditivos, medo dos outcomes possiveis das suas intervenções... Mas este não é de todo o meu caso nestas minhas inações. Eu simplesmente estou atento à conversa, e sinto genuinamente que não tenho nada a acrescentar e que não devo interromper com conteudo irrelevante. Daí ser tão importante pereceber as dinâmicas de conversa. Porque se for eu dominar o caminho geralmente as conversas correm-me particularmente bem (como acontece na maioria das conversas que aprecio). Assim posso focar-me simplesmente nas coisas que me interessam nas pessoas, e mais facilmente partilhar o que lhes interessa. E não nas coisas que as pessoas acham que interessa. Essa é a prinicipal razão pela qual não agi hoje. Não dominei as conversas, não as iniciei, não as instiguei (pelo menos não tanto como queria). Fui passivo e não só não criei interesse, como não me interessei. E por isso as caras e roupas giras das raparigas, hoje pouco passaram disso. Mas estou confiante que amanhã passarão.
Entretanto, os meus queridos amigos fizeram acontecer ao marcarem-me um double date com a tal Inês. O que demonstra que o fazer acontecer não é uma busca individual, mas coletiva. Não chega fazer tudo ao alcance para chegar ao objetivo, mas rodear-te de pessoas que façam acontecer. Não é por acaso que o provérbio diz-me com quem andas, dirte-ei quem és existe. As pessoas novas que conhecemos, vêm maioritariamente das pessoas que já conhecemos. E se as pessoas que já conhecemos estão alinhadas connosco então as que conheceremos mais provalvemente também estarão.
[1]: Visto que a marioa dos meus amigos não tem tempo para estar comigo durante o dia porque estão ocupados pela sua solidão laboral ou académica. [2]: Mais uma vez rodeado de raparigas giras, e desta vez com contacto direto, e ainda assim pouco ou nada lhes falei. [3]: Isto torna-se particularmente óbvio em casos mais extremos como comparar o meu comportamente nas festas da moita - por ninguém me conhecer posso imanar a parte de mim mais extravagante, extrovertida e confiante; com uma festa de família - por todos terem uma imagem já formada de mim impede-me de agir contrariamente e por isso sou mais cizudo e conformado.
2022 - 06 - 04 03:05 É quando vejo os olhos abertos e euforicos da minha recém nascida sobrinha-prima que percebo que talvez valha mesmo a pena. O meu lado cético e obstinado mantém-me convicto que esta perpetuação ciclica de vidas sacrificadas em vão [^1] é simplesmente absurda. No entanto, há uma certa beleza, sobretudo em toda a intensidade terna que rodeia este novo ser vivo. Bonito ao ponto de me deixar a perguntar se devo abdicar da minha vida por tal beleza. Eu costumo dizer sardónicamente que só é pai quem é mau artista - mas se calhar sou simplesmente mau escritor. Porque vendo bem, uma vida é uma obra bem mais complexa que qualquer pintura, e é feita totalmente inconscientemente. Será que é isso que eu quero?
Não é que eu não queira as coisas - se me oferecerem, há poucas coisas que eu recuse - a questão é: a que custo? Porque a beleza de ser pai pode ser muita, mas compensa as horas de trabalho, de educação, dinheiro, tempo...? O sacrificio de alcançar o que queremos só compensa se quisermos mesmo muito alcançá-lo. E não há nada que eu queira muito, ou pelo menos não ao ponto de me esforçar para tê-lo. No entanto por mera sorte, muitas das coisas que eu quero simplesmete acontecem ou aparecem-me a frente. O que é maravilhoso. Quem me dera que sempre assim fosse.
A verdade é que apesar de tudo (industira e afins), enquanto houver pessoas neste mundo, há beleza para ser encontrada. Aqueçam o planeta, destruam os recursos, escravizem o povo, manipulem as massas, produzam lixo, enganem os consumidores... enquanto houver pessoas, vale a pena estar vivo.
Não há nada como estar deitado na praia ao sol a pensar nos dramas sociais - nas miudas que tenho conhecido, no futuro, no passado, nos prazeres, e no sofrimento. Hoje pensei muito à frente. Vi-me como o meu primo, casado e com filhos. A trabalhar durante o dia, mas apixonadissimo pela minha mulher e filhos. Com um carro para passea-los e ir as compras. Em jantares la em casa com amigos. Em festas de familia e tardes de praia. Será isso o que eu quero? Ou é só o que é suposto eu querer? Será apenas o que os outros esperam de mim? E é se quer possível? Com quem casaria? Como seria se quer partilhar uma conta bancária? Passar-me-ia se não tivesse controlo total sobre as minhas finanças? Aguentaria viver 'a meias', sobre aprovação de outrém? Compensará a sensação de amor a liberdade de viver? Eu não sei. O que é que eu quero? [^2]
[1]: O meu pai sacrifica a sua vida para eu nascer e tornar-me apto a sacrificar a minha vida para o meu filho nascer e tornar-se apto para sacrificar a sua vida para o seu filho nascer e tornar-se apto... e assim sucessivamente, de geração em geração a desperdiçar as suas vidas em vão. [2]: Obviamente no sentido lato do termo. Eu sei o que é que eu quero fazer amanhã, por exemplo. Ou vou sabendo que me apetece ir fazendo. Mas no esquema geral não faço ideia porque faço as coisas para além de prazer imediato. Sim, eu num dia quero ir à praia porque me sabe imensamente bem, e no momento quero gravar uma musica porque me sabe imensamente bem, depois quero estar com certas poessoas porque me sabe imensamente bem... percebem o meu ponto. Mas e depois? Estou nisto já há anos, e atenção, é absolutamente divinal. Haverá alguma motivação a longo prazo que me satisfaça mais que prazer imediato?
2022 - 06 - 05 01:58 Mas é se quer preciso querer alguma coisa? Querer querer coisas conta?
2022 - 06 - 06 01:41 Já fantasiava até com os jantares da família [^1], as férias na Ericeira, e as discussões conjugais mas maioritariamente com o que lhe teria dito hoje, algumas piadas que podia ter feito, como me vestiria... um sofrimento por antecipação de um evento que não aconteceu. Que é por si só fascinante. Quando recebi a chamada na sexta, a mensagem de que segunda estaria com a Inês foi como uma semente que plantou durante o fim de semana um entusiasmo nervoso que me deu cabo das noites, e alegrou-me os dias. Saber que não aconteceria, entristeceu o de hoje - foram afinal noites perdidas em vão, e alegria injustificada. Fantasias que não puderam ser efitivadas. Vontades que não puderam ser satisfeitas.
Honestamente também não sei se quero querer como os outros querem. Tenho andado a observar e parece-me que o que os outros querem não é bem o que eles querem, mas mais o que querem que eles queiram [^2]. Sim, por muito convicto que eles digam que queriam imenso este trabalho, algo me diz que isolamento constante por uns quantos trocos não estava propriamente na sua wishlist, e é mais uma obrigação socialmente imposta do que um desejo. Eles podem dizer que queriam imenso ter filhos, mas as olheiras, as tensões conjugais, o cansaço dizem-me que talvez tenha sido uma espécie de imposição geracional. Que queriam imenso o carro, e a casa, e ver aquele filme, mas a sua constante insatisfação é prova de que ou querem as coisas erradas, ou isto de querer não é assim tão bacano. Não será até um bocado (bastante) sobrevalorizado, ou até forçado? Querer é o motor da industria - querer consumir, querer uma vida melhor, querer um sentido para a vida... querer é tudo. No entanto é de querer que vem a insatisfação, ou por não se conseguir, ou por se perceber que afinal não é assim tão bom alcançar o que se queria. Portanto, em vez de estar aqui a lamentar-me por não querer como os outros, devia estar a vangloriar-me. Não querer é constante satisfação. Não querer, num mundo de desejosos, é liberdade. Eu não quero, e com orgulho.
[1]: Que me deixa convicto que a verdadeira razão pela qual eu quero uma miúda (e mais especificamente esta miúda) é para mais uma vez egoisticamente definir o meu valor. Se eu me quisesse verdadeiramente apaixonar porque é a minha prioridade o seu valor estético? Não deveria andar à procura de conexão humana independentemente das condições. Porque é que as minhas fantasisas envolvem sempre amigos e família? Será que a única coisa que eu procuro é aprovação do meu valor pela 'qualidade' da minha imaginaria namorada? É que se formos ao fundo da questão, pelo menos com este tipo de raparigas, raramente as minhas fantasias são sexuais, mas sim sociais. Será que eu só quero a Inês como um símbolo? Será que a Inês é para mim o que é um relógio para os consumidores? Um sinal do meu estatuto, do meu valor social? Será que é só por isso ela me chamou a atenção? Pela sua pinta meio alternativa, a forma de estar semelhante à minha... Tudo para nada mais que aprovação externa? Resposta: Sim.
[2]: Quem é que quer que eles queiram exatamente? Também não sei bem. Nem sei se é bem uma pessoa. Acho que é mais um sistema. Quer que eles queiram porque o alimenta. Quer que queiram porque querer é a base do consumo. Se eu não quiser nada, não preciso de comprar, nem de trabalhar, nem de sofrer... Uau, já viram que privilégio.
2022 - 06 - 08 15:27 Cá estou eu a tentar decidir o que quero, completamente afogado na ilusão de que essa decisão é se quer minha. É olhar à minha volta e ver: alguém de facto decide o que quer? Resposta: Não. As pessoas simplesmente querem, não decidem querer. É por isso que se esforçam, e gastam o tempo das suas vidas atrás de alguma coisa - porque a querem mesmo. Mas não decidiram querê-lo. Então quem decidiu? Genética? O sistema? O ambiente em que cresceram? -- Um bocado de todos. Eu duvido muito que algum gorila ou membro de tribo acorde e pense 'O que eu queria agora mesmo era um trabalho!'. Não são bem as pessoas que querem, são os sistemas dos quais as pessoas fazem parte que as fazem querer o que lhe é util [^1]. 'O quê? E tu achas que és imune? Achas que és especial? Como se este diário não fosse já um poço masturbatório do teu ego.' Por mais que eu queira vir com teorias de que a minha ausencia de desejos a longo prazo, eu sei bem que os tenho. Não de uma forma profunda e existencial como desejaria, mas de uma forma superficial e induzida (como nos outros) [^2]. Eu simplesmente escolho não agir sobre esses desejos porque não são muito intensos e ainda requerem sacrificio e esforço que não estou de todo disposto a correr, muito menos para desejos que nem são meus. Ainda por cima não tendo qualquer garantia que se efetivem. Porque eu posso ir agora trabalhar e juntar dinheiro e comprar uma casa e ainda assim não me apaixonar, ou não ser amado, e nunca ter o que querem que queira ter. O que é ainda pior que um outcome semelhante não seguindo este caminho, porque nesse caso ao menos seria livre.
Eu saio de casa para ir ter com os meus amigos, ou masturbo-me a ver ponografia, porque quero. Não sei se sou mesmo eu que quero, mas quero de qualquer das maneiras. E eu quero maioritariamente porque me satisfaz. Eu lembro-me das vezes que estive na esplanada com os meus amigos a conversar e como me fez sentir bem - visto, valorizado, ... - e quero senti-lo outra vez. Lembro-me do prazer que me dá ver os corpos despidos de mulheres atraentes - sim, mesmo sabendo que é apenas um representação hiper-real (uma cópia, de uma cópia, de uma cópia... sem referente) sobre um medium digital que não passa de uma matriz de pixeis - e ejacular-me assitindo ao seu extâse - sim, representado e consciente de que é uma representação - e como me fez sentir bem e quero senti-lo outra vez. [^3]. 'Ah, boa, tu queres coisas porque elas te satisfazem... Não queres descobrir nada mais óbvio?' É assim tão óbvio? Então porque é que trabalhas todos os dias se te deixa miserável? Porque é que vês as notícias que te fazem perceber o estado degradante em que está o mundo se te deixa triste? Porque é que corres as histórias todas do Instagram se só serve para te mostar o que estás a perder e o que outros têm o que tu não podes ter, se não para te sentires mal? Deve ser com certeza porque tu queres.
[1]: E não quero com isto fazer aquela crítica clichê (como se não fosse também um clichê tudo o que eu para aqui escrevo) de que são as grandes coporações a manipular as massas para os seus interesses. Refiro-me a pessoas vivem iludidas que têm livre arbítrio quando não passam de seres automáticos, que querem o que lhes é dito para quererem, e por isso agem em conformidade com esses desejos. E tenho dúvidas até que tenham se quer questionado a sua origem. A miúda que quer aquele vestido novo, ou o rapaz que quer o carro topo de gama, se calhar pensam que o querem para atrair pareceiros, ou para ganhar estatuto (etc.) mas nunca pensaram porque é que é o carro e o vestido que o fazem. Resposta: porque alguém o decidiu por eles.
[2]: Sim, eu também desejo a miúda linda na nossa casa de férias com a familia lá fora à mesa entre conversas e cantaroladas, todos bronzeados ainda com os cabelos com sal, com miúdos e confusão e alegria. Um bocado o que eu tive, e tenho, mas perpetuado, e acima de tudo meu. A minha família, a minha mulher, os meus filhos. Apesar da completa noção de que não é um desejo meu, ainda assim o fantasio. Acho-o belo, logo desejo-o.
[3]: E satisfaz-me tanto ou se calhar até mais que satisfasia ao homo sapiens recoletor com mulheres reais. Mais, porque ele estava limitado à contemplação visual de mulheres que estivessem ao seu alcance, não só geográfico mas acima de tudo social. A seleção sexual impedia os homens menos atraentes (menos beleza, estatuto...) de terem se quer acesso às mulheres mais atraentes. Quem sabe, não houvesse esta simulação audiovisual de sexo, nunca na vida pudesse eu, com o meu valor de mercado da seleção sexual, comtemplar corpos tão atraentes no ato sexual. Ou quem sabe até, ser o meu desejo tal, que me levasse a pôr o esforço em tornar-me mais atraente para consegui-lo. Mas se nem para almoçar muitas vezes sou capaz de me levantar, tenho grandes dúvidas que o fizesse por mulheres bonitas. Além disso, eu não vejo pornografia porque me satisfaz mais que mulheres reais. Eu vejo pornografia porque as mulheres reais não me satisfazem de todo. 'E a culpa é delas?' A culpa é do meu pénis. Se lhe dão corpos férteis para inseminar, ele insemina, mesmo que não passem de pobres simulações (e descaradamente artificiais, diga-se de passagem) e que o esperma acabe não no conforto terno de lindas trompas de falopio mas no desagradável textil dos meus lençois.
2022 - 06 - 09 12:00 Sentado na bateria a tocar, rodeado de pessoas alegremente a dançar ao ritmo dado por mim, em sintonia com a banda, a criar alegria na audienca, sou feliz. É isto que eu quero! 'Deixa-me adivinhar. Pessoas giras, em sítios giros a fazer coisas giras' Exatamente.
2022 - 06 - 12 04:48 Acho absoluramente fascinante que apesar de todas as forças sistemicas provenientes da cultura individualista de uma sociedade pos industrial - que ordenam que as vidas sejam levadas em isolamento no ato laboral, de consumo, e até de socialização - ainda assim nos unimos fortemente contras elas e arranjamos todo o tipo de desculpas para estar juntos. Porque sabe mesmo bem estarmos juntos - mesmo mesmo bem. O sorriso na minha cara quando vejo um grupo de pessoas todas comigo a dançar alegremente, cada uma com a sua mente, independentemente de tudo o resto que o diga. É assim que se é feliz, afinal é tão simples. A felicidade está nos outros.
Mas o que me tenho vindo a perguntar é -- porquê? Porque é que me sabe tão bem estar com os outros? Resposta: Porque me faz sentir valorizado. Porque para além de dar atençao, recebemos atenção. Somos validados. Eu quando estou com outros a falar, ou a contar piadas, ou a dançar, e eles reagem eu estou não só a valida-los como a ser validado por eles. Eu deixo de ser um entidade singular e passo a fazer parte de uma rede. A minha existencia passa a cruzar-se com outras, e passa a ser dependente delas. Por isso é que ser o interesse romantico de uma rapariga feia (em todos os sentidos) me desvaloriza, mas de uma rapariga linda me valoriza. O meu valor passa a ser dependente de quem me dá valor. Por isso é que eu também procuro tanto estar rodeado de pessoas giras - não é só o prazer visual, é também o prazer de ser validado por elas. Quando danço para alguém e essa pessoa dança de volta estamos ambos a dar valor um ao outro. É isso que diferencia tanto dançar no quarto de dançar na discoteca - não é só o ser visto, mas também o ver - deixa de ser só para o individuo e passa a ser para a comunidade. E há poucas coisas que eu goste tanto como de estar com outras pessoas. Outras mentes, diferentes da minha mas com sentimentos como eu, ideias como eu, medos como eu, e quem sabe diários estúpidos como eu. E todos os dias em danças e conversas, eu aprendo o que tem sido o objetivo deste diário - a amar [^1]. A valorizar e ser valorizado [^2].
É só isso que eu quero - ser valorizado e valorizar. Quero que um músico que eu admiro aprove as minhas músicas. Que uma rapariga linda com quem desejo estar, queira estar comigo. Reconhecer nas danças de outras a minha condição, e que outros vejam nos meus passos de dança a sua. Tocar músicas para pessoas que as cantam alegremente. Ouvir nas ideias dos outros respostas as minhas questões, e que as minhas ideias lhes respondam também a eles. Ser mais que um simbolo, ser mais que uma narrativa, ser mais que um arquétipo - ter valor e dar valor [^3].
'Era preciso tanto texto só para voltar dizer que gostas de pessoas giras, em sitios giros, a fazer coisas giras?'
[1]: Sim, isto é das coisas mais cheesy que eu já escrevi. Mas acabei de vir dos santos populares, e estou meio com os copos, que pode explicar também se esta entrada não fizer lá muito sentido. Independetemente são pensamentos perfeitamente honestos, que é se calhar o requisito principal deste diário.
[2]: SIm, como é obvio que é capaz de haver toda uma componente de seleção sexual. Eu quero ser escolhido por uma femea mais esteticamente apelativa, e estar rodeado delas certamente aumenta o meu estatuto quer na competição entre machos como ao ser visto pelas femeas. Por isso ser valorizado tanto por homens como por mulheres (principalmente de elevado estatuto) claramente aumenta as minhas chances de sucesso reprodutivo (ou na contemporaneadade - de pinar). E se calhar é por isso que nos faz sentir bem, ou se calhar não, na verdade a única coisa que interessa é que faz.
[3]: Sim, valor num modelo social e biologicamente instruido completamente arbitrario e culturalmente dependente - mais ainda assim os meus valores. Pouco me interessa a génese, simplemente que eu quero ser valorizado por quem eu valorizo, espcialmente se tiver um sistema de valores semelhante ao meu.
2022 - 06 - 14 02:43 Porque é que é sabe tão bem ser mau para os outros? Lembro-me bem de durante a infancia pedir calmamente a um rapaz que se deitasse no chão de cimento do recreio e que só saísse quando eu desse autorização, até que eu ia brincar e ele ali se mantia, e eu ia passando por lá os olhos para ver se ele lá se mantinha -- mantinha-se -- até depois da campainha tocar ele lá ficava nervoso à espera do meu sinal, que eu eventualmente dava pela janela da sala de aula. Hoje arrepio-me só de pensar na crueldade. Porque eu não agia violentamente (como é comum nestas idades), eu simplesmente usava a autoridade que ele me atribuia por ser um ano mais velho, de forma cruel para meu puro deleite. Eu não tinha qualquer beneficio em tê-lo ali deitado, para além de enunciar o meu poder no recreio. Eu sabia que ele não gostava nada de estar ali deitado, e que o fazia por pura obrigação, no entanto várias vezes lhe disse — Agora vais ficar aqui deitado até eu dizer, ok?; E ele apesar do seu ar de desconforto chapado no rosto, obedecia sem hesitar [^1]. Ainda hoje me pergunto o que ia na minha cabeça, mas também o que ia na cabeça do miúdo. É assim tão cedo que as pessoas aprendem a ser obedientes sem questionar? Ele nunca se perguntou porque é que tinha que ficar ali deitado? Em que é que ele pensava equanto estava ali humilhadamente no chão parado a olhar para o céu? Nunca ninguém lhe perguntou o que é ele estava para ali a fazer? O que é que ele responderia? Ele estava disposto a lá ficar depois de tocar a campainha (que claramente tinha um nivel de autoridade superior ao meu) à espera do meu sinal? Não é bizarro? Resposta: Sim.
[1]: Lembro-me até de ele às vezes vir ter comigo durante um desses intervalos, ansiosamente e cuidadosamente perguntando: — Já posso sair?; E eu na minha altividade e frieza chocante negar-lhe tal privilegio.
2022 - 06 - 15 18:45 É só passar nos media que me deram em criança e fazer uma análise um pouco menos superflua para perceber porque é que eu me tornei assim. Eu -- e tu por sinal -- somos o fruto do que nos foram alimentando [^1]. Por isso mesmo tenho andado a rever (de forma aprazivelmente sofrega) os mirambulantes episodios de Chiquititas. 'É essa a tua defesa para deliciares-te a ver programas infantis?' Resposta: Sim. Apesar do seu foco em capitalizar a atenção das crianças, as narrativas suis generis da executiva virada lunática animadora de crianças têm muito com que o jovem adulto pseudo inconformado se indentifica. Não é por acaso que esta é mais uma série em que os ricos (os drummond) se aproveitam o sofrimento dos mais pobres (os orfão do lar) em busca de lucro, mas que ao contrário das outras demonstra que não há solução. Mostra a vida dura dos orfãos, a sua luta para reformar a sua vida de explorados, e que por muito que tentem não há nada que possam fazer. Mas não de uma forma negativa -- não como um acto de conformismo ou resignação, mas como um ato de rebeldia. (...)
[1]: Uma laranjeira que nasça ao pé da estrada em vezd e receber ar puro (tipo azoto e essas coisas) recebe mais carbono e acreditem que isso vai ter impacto no sabor dessa laranja. Nós somos laranjas ao pé da estrada, e acreditem que levámos como muito carbono.
2022 - 06 - 16 13:35 Por favor, voltemos ao que me trouxe aqui [^1]. Faz um mês que comecei este diário, que é sinal que o devo acabar. A verdade é que de facto tem funcionado... este mês conheci muito mais raparigas do que é normal, tenho me sentido extremamente à vontade a falar com elas, e claramente este acto de pensar profundamente sobre as coisas de forma escrita, ajuda sem duvida a mudar o meu comportamento.
Uma coisa que tenho notado é que nós estamos habituadaos a dar justificações absurdas para os nossos desejos e dos outros: — Eu não gosto dela porque é gordinha; ou — Ela não gosta de mim porque eu sou magrinho...; A verdade é por mais que arranjem justificações, ninguém sabe bem o que é que quer -- tal como eu.
Também tenho notado que um nivel elevado de assertividade no discurso e ações é meio caminho andado para as manter interessadas. Nunca deixar os momentso serem aborrecidos, estar sempre á procura de qualquer coisa interessante para as 'provocar'. Não só funciona, como é ume estado em que adoro estar -- e elas também.
Continuarei nesta busca...
[1]: Por favor, como é que um diário para resolver timidez acaba numa análise marxista das Chiquititas?
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