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O Tempo Segue, Menos Ela
O dia seguinte amanheceu sem cor.
Sem motivo.
Sem som.
Ela acordou às 6h, mas não por vontade.
O corpo apenas abriu os olhos.
Porque sempre fazia isso.
A cama estava vazia, gelada, silenciosa.
As gatas dormiam nos pés, como se soubessem que qualquer movimento brusco poderia quebrar o pouco que restava dela.
Levantou devagar.
Foi até a cozinha.
Ligou a cafeteira.
Por reflexo.
Por hábito.
Mas não tomou o café.
O cheiro do grão subindo parecia zombar dela.
A casa estava exatamente igual.
Como se ela ainda estivesse ali.
A blusa pendurada na cadeira.
A escova de dentes.
O chinelo esquecido ao lado da cama.
O pote de biscoito que ela sempre deixava aberto.
E de repente, tudo era um fantasma.
Tudo doía.
Tudo lembrava.
Tudo gritava a ausência dela.
No celular, dezenas de mensagens.
Gente dizendo “meus sentimentos”, “força”, “estamos aqui”.
Mas ninguém estava.
Ninguém entrava.
Ninguém deitava com ela no chão da sala.
Ninguém lavava os pratos esquecidos há dias.
Ela tentava responder, mas não conseguia.
Faltava vontade.
Faltava sentido.
No trabalho, avisaram que ela podia tirar uns dias.
Como se alguns dias fossem o suficiente pra desenterrar o coração.
Passou a maior parte do tempo no sofá.
Ou no chão.
Com as gatas no colo.
A TV ligada em volume baixo.
Mas ela não via.
Não ouvia.
Não sentia.
O mundo lá fora seguia como se nada.
O vizinho lavava o carro.
Crianças brincavam no pátio.
Os carros passavam.
O sol aparecia.
As lojas abriam.
E ela ali,
suspensa num tempo onde a pessoa que mais amava tinha morrido
e ninguém parecia notar.
Começou a escrever cartas.
Não pra ela,
mas pra si mesma,
como se precisasse repetir:
“ela se foi”.
Porque o cérebro ainda resistia.
Ainda esperava a chave girar na porta.
Ainda escutava o riso no corredor.
Ainda pensava: “ela vai mandar mensagem”.
Mas não vinha.
Nunca mais viria.
Tentou ligar pra melhor amiga de novo.
Queria entender.
Precisava.
Mas ainda não atendia.
Ainda sumida.
E isso doía como faca.
Porque parecia que o mundo tinha medo dela agora.
Como se ela fosse contagiosa.
Como se carregar o luto fosse uma ameaça.
Como se o amor dela morto fosse vergonha.
À noite, chorava em silêncio.
Não queria que as gatas ouvissem.
Elas a olhavam com olhos grandes demais,
como se pedissem pra ela ficar viva.
Mas ela não sabia mais como viver.
Pensou em abrir a carta de novo.
Mas decorou as palavras.
Sabia cada vírgula,
cada letra.
E ainda assim…
não entendia por que.
Por que ela foi embora?
Por que não pediu ajuda?
Por que não avisou?
Por que amar não foi o suficiente pra impedir?
E nessa pergunta ela naufragava.
Todos os dias.
Às 6h, às 13h, às 21h.
O tempo seguiu.
Menos ela.
Ela ficou parada ali, naquele dia.
Naquela hora.
Naquele segundo em que o mundo desabou
e ninguém viu.
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O Velório
O céu não teve coragem de nascer naquele dia.
Não foi manhã, nem tarde, nem noite.
Foi só tempo parado, doendo.
Acordou sozinha.
A cama era grande demais.
As gatas andavam devagar, farejando o silêncio, procurando um cheiro que já não estava mais ali.
Elas também pareciam saber.
Mas não entendiam.
Às 10h da manhã, bateram na porta com o vestido que ela havia escolhido.
Ele voltava dobrado, limpo, frio.
Foi estranho pegar aquele tecido com as mãos.
Sabia que ele vestiria um corpo que não respirava mais.
O mesmo corpo que ela abraçava toda noite.
O mesmo que dizia “fica mais cinco minutos”.
A capela era branca demais.
Cheirava a flor cortada.
Nada nela parecia digno de ser o fim de alguém tão viva.
O caixão estava ali, fechado.
Fechado.
Ela quis abrir.
Quis ver.
Quis ter certeza.
Mas disseram que não dava mais.
O tempo e a química já tinham levado tudo.
— Mas eu não me despedi… — sussurrou.
Ninguém respondeu.
Como se o mundo tivesse engasgado com a própria covardia.
Ela se sentou.
As pernas tremiam.
O peito ardia.
A cabeça não conseguia entender que aquilo estava mesmo acontecendo.
Algumas pessoas vieram falar com ela.
Palavras vazias.
Tentativas de consolo.
Toques leves no ombro, olhares de pena.
Mas tudo parecia distante, inútil, fora de lugar.
Ela procurava por um rosto.
A melhor amiga da amada.
Aquela que talvez soubesse.
Aquela que talvez pudesse dizer: “ela me contou”.
Mas ela não estava lá.
Ligou pra ela, com os dedos gelados.
Chamou três vezes.
Sem resposta.
Mandou uma mensagem:
“Por favor, me diz se ela falou com você. Eu preciso entender. Me responde, pelo amor de Deus.”
O celular ficou mudo.
Como tudo ali.
A mãe da sua amada chegou depois.
Os olhos avermelhados, o rosto rígido.
Olhou pra ela como se quisesse que ela sumisse.
— Você matou minha filha.
— Você devia ter visto.
— Ela confiava em você… e você deixou ela morrer.
As palavras foram ditas baixinho.
Mas cortaram mais do que qualquer grito.
E ficaram ali.
Presas no ar.
Doendo mais a cada segundo.
Ela não respondeu.
Não havia defesa.
Nem força.
Nem voz.
Passou a maior parte do tempo em pé, perto da porta.
Não sabia onde colocar o corpo.
Não sabia onde pôr as mãos.
As lembranças vinham como punhais —
a risada dela na cozinha,
as discussões idiotas sobre qual filme ver,
a mania de mexer na manga da blusa quando estava ansiosa.
E agora… agora não havia mais nada.
Nem risada.
Nem ansiedade.
Nem ela.
Quando chegou a hora do enterro, o caixão foi levado lentamente.
Ela quis segurar.
Mas não conseguia.
As pernas fraquejaram.
A garganta fechou.
A chuva veio fina, mas cruel.
Não lavava.
Só encharcava a dor.
Na beira da cova, tudo parecia mentira.
Mas a terra era real.
E a ausência, mais ainda.
Ela pegou um punhado de terra.
Olhou.
Não jogou.
A mão tremia.
— Se eu jogar… é verdade — pensou.
— Se eu jogar… acabou.
E ficou ali.
Com a terra na mão.
Com o mundo desmoronado dentro do peito.
Os outros foram embora.
Ela ficou até o fim.
Até todos irem.
Até a última flor murchar no plástico.
Voltou pra casa sozinha.
As gatas a seguiram com olhos lentos.
A porta se fechou com um estalo seco.
E ali, dentro da casa que antes tinha riso, cheiro e vida,
ela se deitou no chão da sala
e chorou como uma criança que perdeu a única coisa que sabia chamar de lar.
A carta estava na gaveta ainda.
Ela leu de novo.
E de novo.
E de novo.
Como quem tenta acordar a morte com palavras.
Naquela noite, ela não dormiu.
Só deitou, de lado, olhando pro travesseiro dela.
E entendeu:
não era só a morte da amada.
Era a morte de tudo.
De tudo.
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A Última Manhã
Ela já havia preparado tudo. Não com pressa, mas com aquela serenidade trágica de quem decidiu partir em silêncio.
Acordou às 11h, beijou a testa da esposa e preparou o café como sempre — pão, fruta, o cheirinho do café subindo e dançando pelo apartamento como se nada estivesse fora do lugar. Sorriu. Disfarçou.
Quando ficou sozinha, abriu as janelas por alguns minutos, deixou o sol entrar, depois fechou tudo novamente. Limpou a casa com calma, quase como se estivesse cuidando de um altar.
Escreveu uma carta curta. Não explicou, apenas amou. Depois pegou o celular e mandou mensagens delicadas:
“Te amo, obrigada por tudo.”
Para a mãe, para a melhor amiga, para as tias e avós. Uma despedida contida, mas cheia de carinho.
No quarto, separou os comprimidos. Não era dor que ela queria — era silêncio. Engoliu devagar, deitada entre Medo e Akira, suas gatas, que se aninharam ao redor do seu corpo como se soubessem.
Fechou os olhos.
A última coisa que sentiu foi o calor macio dos pelos de Medo encostando em sua barriga, e o som de Akira ronronando baixinho, como uma canção de ninar.
A carta estava no criado-mudo. O abajur aceso.
Quando a esposa chegou, às 21h, tudo ainda estava no lugar.
Menos ela.
Ela já havia partido, e a casa inteira parecia saber.
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Tentamos de tudo mas não foi o suficiente
Falaram que aconteceria
Mas esqueceram o quanto doía
Quebrada em um canto juntando os cacos que eu mesmo criei
“Vai embora” foi a última coisa que eu disse
E antes de ir ela disse “eu te amo”
Juro que já escutei essa história antes
Pelo celular a primeira mensagem dizendo “o quanto ela queria ficar”
E a minha o quanto eu queria que ela pudesse ter ficado
Mas encerro aqui esse ciclo
Esse circo
De dor
Junto todos os nossos cacos, coloco em cima da mesa e observo eu me destruir mais uma vez.
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Quanto mais o tempo passa,
mais tenho certeza de que minha mente me arruína,
me alucina,
me enlouquece.
Será que realmente estou sendo perseguida?
Será que a morte me segue a cada esquina?
Será que me odeiam?
Eu será que me esqueceram?
Trocaram-me por outra melhor?
Tudo bem, não vou pensar mais…
Mas eu continuo pensando e pensando
E quanto mais o tempo passa,
Mais aumenta a incerteza
Me enlouquece a ideia de que todos irão me deixar,
Me abandonarão em agonia mais uma vez sozinha
Então tento me isolar
Mas quando me isolo,
me cobram consideração
Ou se afastam mais
O que eu faço?
Será que estou enlouquecendo?
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Talvez esteja na hora de te deixar seguir,
De soltar todas as amarras que te prendem a mim
Já que seu sorriso não encontra mais abrigo no meu
Sei que te machuco,
É que não quer mais ficar,
Então vá, não olhe para trás
Carregue consigo toda a sua alegria
Leve consigo tudo que te alivia
Prometo que dessa vez não irei te pedi pra ficar de novo,
E irei atirar fogo em tudo que sinto
Mereço isso, eu causei isso
Então me deixe no fogo que eu mesmo causei quando senti senti por você
Não precisa se preocupar
Esse adeus será definitivo,
Pra que eu não te cause dor nunca mais
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Eu quero que seja você de novo.
Quero te amar,
a cada dia,
um pouco mais.
Mas me sinto sozinha.
Queria sentir que você ainda se importa,
com os meus pensamentos bobos,
as minhas mensagens,
o que eu digo pessoalmente.
Mas você está distante,
e isso me afasta.
Não sinto seu toque.
Não o desejo,
nem a paixão.
Só um afeto qualquer.
Você fala do quanto eu preciso te reconquistar,
todos os dias.
Mas e quanto ao que eu sinto?
O que eu sinto quando você dorme
e eu fico acordada, sozinha?
Com quem eu falo das besteiras do meu dia?
Com quem eu compartilho minhas teorias?
Quem vai escutar uma música ruim comigo,
e rir?
Quando eu vou me sentir amada por você,
de novo?
Ou será que eu estou competindo?
Com a sua depressão,
o computador,
o celular,
ou qualquer outra coisa que você prefira mais que eu?
Quando meus toques se tornaram incômodos?
Quando meu abraço começou a te irritar?
Quando eu respirar errado passou a te afetar?
Quando eu deixei de ser sua
para ser só mais uma?
E quando você vai me deixar?
Porque, na verdade,
acho que você já partiu.
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a linha tênue entre solitude e solidão pode ser muito cruel, ora você se isola por necessidade ou prazer, em outra, você se vê sem ninguém ao seu lado. Guilherme.
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Assuma, pelo menos para si mesmo, que você não é de ferro e não precisa ser forte o tempo todo.
— @mr-darkman
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