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:::: Mentiras. Maya havia aprendido que, na vida, mentiras são como peões num jogo de xadrez. Se bem colocados, um após o outro, criam a base para uma estratégia articulada. E como tais peões, pelo bem dessa mesma estratégia, às vezes algumas mentiras precisavam ser sacrificadas.
𝐓𝐀𝐒𝐊 & 𝐏𝐋𝐎𝐓 𝐃𝐑𝐎𝐏: 𝐂𝐀𝐒𝐎 𝐂𝐀𝐌𝐈𝐋𝐋𝐄 (𝐈𝐍𝐓𝐄𝐑𝐑𝐎𝐆𝐀𝐓𝐎𝐑𝐈𝐎 𝐏𝐀𝐑𝐓𝐄 𝐈𝐈).
Sentou na cadeira, postura ereta e pés cruzados abaixo do assento. Então a voz da inspetora adentrou seu campo de visão. Laranja. Monotônica.
“Boa tarde, srta, obrigada por comparecer. Sabemos que não é divertido prestar depoimento à polícia, mas agradecemos a sua compreensão e cooperação com o caso. Em primeiro lugar, gostaria que olhasse para a câmera e respondesse olhando para ela a todo momento, tudo bem? Diga seu nome completo, sua idade, sua data de nascimento e sua ocupação.”
E assim ela fez.
“Meu nome é Maya Astra de Rojas, tenho dezenove anos. Nasci em quinze de maio de dois mil e dois. Sou estudante na AIFT. Estudante bolsista.”
“Bolsista?” Lucille repetiu, parecendo intrigada pela informação deliberada.
“Sim, programa de música. Algum problema ser bolsista?” Maya ergueu a sobrancelha de maneira inquisitiva. Meio inocência, meio acusação; cabia a eles decidir qual interpretar.
Uma troca de olhares entre os inspetores, então a mulher passou a vista em alguns papéis antes de prosseguir.
“Nenhum. Obrigada. Agora…” O arrastar do papel sobre a mesa fez um som suave. “Essa é Camille Martin, 18 anos. Estava desaparecida desde o dia 4 de julho de 2020. Você consegue pensar em alguma informação para nos ceder sobre essa garota? Você a conhece? Se lembra de a ter visto em qualquer parte da cidade?”
Assim como no refeitório, aquela foto lhe atingiu em cheio. Camille sorria. Parecia feliz, como Maya lembrava dela. Ali, porém, conseguiu conter as lágrimas. Estava um pouco mais preparada.
“Sim, eu a conheço. Conheci.” corrigiu-se um segundo depois, a palavra trazendo sensação incômoda ao estômago. De imediato, pôde ver o semblante de Lucille mudar para incontida surpresa. Aquela não tinha sido uma resposta muito comum entre os interrogados, Maya supôs. “Camille e eu nos conhecemos numa festa no ano retrasado. Viramos amigas rápido, ela era muito divertida. Quando soube que estava desaparecida foi... Chocante. Você nunca espera que uma coisa dessas vá acontecer com seus amigos. Parece mais coisa de televisão.” Deu um suspiro pesado, verdadeiro. “Eu tinha esperanças que ela aparecesse viva, que tivesse... Eu não sei, fugido com algum namorado novo e preocupado a família à toa. Mas o tempo foi passando e... Absolutamente nada. E então isso.” as pontas de seus dedos encostaram no cantinho da foto. Maya demorou o olhar sobre ela. Esse tempo todo, pensou. Era você esse tempo todo.
“Ela estava namorando alguém?” A inspetora chamou sua atenção de volta para si.
“Não que eu tivesse conhecimento. Foi apenas uma hipótese.”
“Algum ex-namorado?” Ela insistiu, subitamente interessada naquela linha de raciocínio.
“Nada realmente sério, acredito.” Maya respondeu, o cenho contraído enquanto pensava no assunto. Depois de alguns segundos, completou: “De qualquer modo, não lembro nomes.”
O outro inspetor rabiscou algo no papel sobre a prancheta que carregava. Maya olhou para ele, curiosa. Quando ele retribuiu o olhar, ela o desviou de volta para Lucille, que continuou: “Como aluno/a da François Truffaut, sabe dizer se a festa de Passagem que é realizada todos os anos pelos alunos do último ano era destinada apenas aos estudantes ou se pessoas de fora também compareciam ou podiam comparecer?”
“Até onde sei, o público era bem, hm... seleto.” Estalou a língua, reprimindo o sorriso irônico que sentia querer florescer. “Juniores e seniores da Truffaut, apenas. Mas não é como se pedissem ingressos na entrada, entende? Acho que não tinha muito bem como controlar os penetras.” Para a nossa sorte, uma vozinha dentro de si completou com sarcasmo.
“Entendo.” Ela continuou. “Sobre a festa de Passagem ocorrida no dia 4 de julho e os eventos ocorridos lá, a srta estava lá naquela noite? Se sim, pode citar alguns nomes de pessoas que se lembra de ter visto? Sabe dizer se essa garota esteve lá ou se a viu conversando com alguém?”
“Sim. Não é uma festa que você quer perder, especialmente como novata. Lembro de ter visto alguns colegas de sala e outros alunos mais velhos... hm, Gaspard, Faheera, Wolfgang, Hypatie, Carlito... Mas não vi a Camille. Na verdade, nem passou pela minha cabeça que a Camille poderia estar na ilha, já que ela não estudava na AIFT.”
“E ela não te comunicou nada? Vocês eram amigas.” A voz masculina finalmente preencheu o recinto. Verde, Maya constatou com ligeira satisfação; ainda que fosse um péssimo timing.
“Não, não disse.” Merda. Se De Rojas tivesse sido realmente convidada para a festa de passagem, era apenas natural inferir que Camille pediria ajuda para entrar escondida. Aquilo era um nó na sua teia de mentiras, tão espessa que por vezes esquecia-se de um detalhe ou outro. Ao que a mente trabalhava numa teoria decente para aquele furo, podia sentir o coração palpitar mais rapidamente. Então lembrou-se de um exercício do yoga, o qual recorria em estados de nervosismo: controlar a respiração. Simples, eficiente. Como sua resposta também deveria ser. Por fim, apenas deu de ombros; Eles não conheciam a personalidade de Camille e aquela seria sua vantagem. “Talvez ela quisesse fazer uma surpresa.”
Não conseguiu discernir se o inspetor havia achado a resposta satisfatória, mas não a pressionou além. Laranja voltou a cobrir a sala. “Onde a srta estava no dia 5 de julho à meia noite, quando a polícia foi acionada e informada que o corpo até então acreditado ser de Eloise Girard-Dampierre havia caído do penhasco?”
“Dormindo, eu acho.” Uma careta sem graça preencheu-lhe a face, perfeitamente ensaiada. “Me empolguei e bebi um pouco demais na festa. Também lembro que meu amigo Gaspard estava com problemas no relacionamento e passei boa parte da noite o aconselhando e tentando animá-lo. Depois comecei a enjoar e pedi para ele me dar uma carona de volta até o hotel. Era por volta das onze.” Que Faheera não descobrisse que estava usando o fracasso de seu relacionamento como um álibi. De todo modo, ainda que a conversa citada nunca tivesse acontecido, o término posterior confirmava a mentira.
“Como tem certeza do horário?” Chateaubriand intrometeu-se novamente. Felizmente, Maya havia pensado naquela possibilidade de pergunta.
“Gravei alguns stories vergonhosos de melhores amigos no carro. Quando acordei no dia seguinte, fiquei feliz que só duravam um dia.” Outra risadinha sem graça, disfarçada de careta. “A hora estava neles.”
Dessa vez, ele continuou. “A srta esteve no penhasco no dia 4 de julho ou na madrugada do dia 5 de julho? Viu algo que chamasse a sua atenção nesse dia ou fora do comum para uma festa, como a presença de pessoas estranhas ou brigas?”
Ali estava a pergunta de um milhão de euros! Ou melhor, da falta deles; o motivo para ter revelado sua condição de pobre de maneira tão condescendente. Maya fez que não com a cabeça. “Não, não estive. Não tinha qualquer intenção de pular daquele penhasco e correr o risco de perder a bolsa no próximo ano. Ou minha carreira...” Erguendo ambas as mãos à frente do tronco Maya balançou os dedos rapidamente, como se tocasse um piano invisível. Depois, franziu o nariz. “E sinceramente? Não acho que estava sóbria o suficiente para julgar qualquer coisa como fora do comum.”
“Certo.” Ele assentiu. “Uma última pergunta: A srta saberia dizer por que as pessoas pensaram que Eloise era o corpo encontrado sobre as pedras? Se não, consegue dar um palpite o que levou as pessoas pensarem nisso?”
“Não sei... A semelhança, talvez? Quando comecei na AIFT e conheci Eloise, o primeiro pensamento que tive foi que já a conhecia de algum lugar. Demorou algum tempo para entender que era só porque ela parecia muito com Camille. Estilo uma doppelganger.”
“Doppel-o quê?” A inspetora perguntou, confusa.
“Doppelganger? De The Vampire Diaries?” Maya ofereceu.
Nada.
Quantos anos eles tinham, cinquenta? Sentindo como se constatasse o óbvio, tornou a falar: “Uma sósia! Elas pareciam gêmeas...”
A palava assumiu tom arrastado na última sílaba, mas nenhum dos inspetores pareceu notar. Maya, por outro lado, perdeu-se por alguns segundos em introspecção. Seria... Possível? Não fazia nenhum sentido. Piscando de volta à realidade, ouviu os agradecimentos.
“Obrigado pelas suas respostas e honestidade. Vamos manter contato caso precisemos de mais esclarecimentos da sua parte. Está dispensada.”
“Não há de quê.” Ela disse. Então levantou da cadeira e saiu da sala, a cabeça cheia de pensamentos conflitantes.
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starter aberto @gngstarters
“Ah, isso? Não é nada.” Forçou um sorriso, as pontas dos dedos nos cantos dos olhos rápidas em espantar o início das lágrimas. Quisera pudessem também deletar a vermelhidão, ou o compasso entrecortado que a respiração rapidamente assumira após os exatos seis minutos de uma leitura pesada através da tela de seu smartphone. Mais precisamente, do Nice-Matin daquele 23 de fevereiro. “Sabe como é esse reels, você está entretida com vídeos de gatos e do nada vem uma história triste pra te dar uma rasteira.” buscou desconversar, percebendo o quão pouco natural tinha soado. Bloqueou o celular e o colocou de face para baixo sobre a mesa do refeitório. Após segundos de silêncio precedidos por um suspiro profundo, voltou a atenção àquela pessoa que sentava próxima a si. “Será que você podia me contar uma boa notícia? Qualquer uma?”
ou comente o nome do seu char para um fechado (up to 3).
#starter aberto#tentei fazer alguma coisa inserindo o plot drop e acho que não ficou bom KKKKK#mas qualquer coisa tem um callzinho no final
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“Okay, não está mais aqui quem perguntou.” Os braços ergueram em rendição e um passo fora dado para trás enquanto observava Carmen perder a compostura --- e, depois, recuperá-la com a maestria de uma performista. Ou quase, uma vez que o ligeiro tremor que irradiava de seu corpo certamente não deveria ser proposital. Tudo aquilo por causa do projeto de educação doméstica? Ali, nos segundos de introspecção que se seguiram, De Rojas assumiu duas possibilidades: Ou CG possuía mommy issues pesadíssimas... Ou não era apenas isso que a incomodava. “Tudo bem, fica tranquila. Sorte sua que eu consigo aguentar muito tranco.” Piscou-lhe; então deixou escapar um sorriso de canto mais afetado do que realmente pretendia.
Dilema grande se instaurou daquela pergunta em diante: recusar educadamente e prosseguir com sua vida, ou gastar numa única tacada o suado orçamento da semana inteira em algum restaurante caro unicamente pela perspectiva de sanar a própria curiosidade? Os segundos de angústia e hesitação se materializaram no prensar de lábios e no agarre um pouco mais forte à alça de sua própria mochila. Mas quando Maya finalmente os abriu, soltando um sonoro estalo, havia um plano bem articulado junto à resposta. “Hm... Bem longe, você disse?” Estreitou o olhar em tom cúmplice, crescendo o sorriso. A fitava diretamente nos olhos. “Talvez eu conheça o lugar perfeito. Veio de carro?”
starter aberto
“Não, eu tô bem!” Apesar da força na fala, os olhos arregalados de Carmen-Grace e a veemência com que chacoalhava a cabeça negativamente deixavam claro o oposto. “Ótima, na verdade. Mais do que ótima!” O riso de CG saiu esganiçado e claramente forçado, juntando com rapidez os próprios materiais espalhados pela mesa e ficando de pé. Quando mais rápidos e bruscos seus movimentos, menos conseguia se lembrar de que estava tremendo. “Você não precisa se preocupar. Nem perguntar mais sobre isso.” Com um suspiro meio frustrado e meio irritado, jogou a mochila nas costas. Não queria lidar com o turbilhão de coisas que estava acontecendo e nem sabia como. “Desculpa… Eu não queria soar grosseira. Obrigada por se preocupar.” Forçou o melhor sorriso que pôde.
“Por que não vamos comer alguma coisa? Bem longe daqui.”
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quem: maya & @ludcvic
“Você tem vontade?” Distraidamente, a voz de Maya flutuou no espaço entre ambos. Nos braços havia o peso delicado daquela criaturinha robótica, ainda que o silicone esculpido e a pintura fizessem um ótimo trabalho em deixá-la quase idêntica a um recém nascido, especialmente no que dizia respeito ao toque --- não que já tivesse segurado muitos. Em fato, vira-se particularmente atraída por aquele trabalho escolar. O burburinho nos grupos de seu celular podiam manifestar o ultraje das demais colegas à obrigatoriedade da maternidade, como se perpetuassem o machismo que tanto lutavam contra; e De Rojas até concordava que algo daquela magnitude não deveria ser imposto, mas parte de si ficara genuinamente aliviada por não ter a experiência cancelada. Que não a condenassem por sua hipocrisia. “De ter filhos, eu quero dizer.” Finalmente levantou o olhar até Ludovic, perdurando o sorriso involuntário que lhe acompanhava já havia alguns minutos.
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Look, I’m as much of a woman as you, maybe even more.
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