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araujoamariana · 1 year
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Análise: Posições do Brasil a respeito de Putin e Maduro podem arriscar candidatura a assento permanente do CSNU
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Após meses de saias justas e tentativas frustradas, o presidente Luís Inácio Lula da Silva se encontrou nesta quarta (20) com o seu homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, em paralelo à Assembleia Geral da ONU, em Nova York. A reunião entre os dois aconteceu por volta das 16h a portas fechadas.
“O presidente Lula e o presidente Zelensky tiveram uma longa discussão em um ambiente tranquilo e amigável. Trocaram informações sobre os países e a situação do mundo neste momento. Os presidentes instruíram suas equipes a continuarem em contato e o presidente Lula disse que um representante continuará participando das reuniões do Processo de Copenhague, para discutir possibilidades de paz", explicou o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, à imprensa.
Após o encontro, Zelensky categorizou sua reunião com Lula como uma "discussão honesta e construtiva" e revelou que ambos instruíram diplomatas a respeito dos próximos passos em esforços para a paz. Na parte da manhã, o ucraniano já havia se dirigido ao Conselho de Segurança, onde detalhou sua "fórmula para a paz" e denunciou o genocídio em seu país perpetrado por "indivíduos egocêntricos de Moscou". Um representante do Brasil deverá participar de todos os encontros do projeto, adiantou o mandatário.
ONU na mira do ucraniano
Zelensky acredita que o Conselho de Segurança perdeu seu peso -- e sua função -- no cenário internacional. "A humanidade não coloca mais suas esperanças na ONU quando diz respeito à defesa de fronteiras soberanas das nações". O motivo seria o poder de veto. Para ele, "atrocidades em massa" deveriam resultar em suspensão automática deste direito para um membro permanente.
"A Assembleia Geral deve receber poder real para superar o veto."
–– Volodymyr Zelensky
Para ele, a reforma da dinâmica do órgão seria "chave" para restaurar a Carta da ONU. Ainda é parte da fórmula de Zelensky a formação de grupos de conselheiros de segurança de diferentes países, que sugerirão propostas para paz. O presidente se disse preparado para realizar 10 conferências com os representantes -- de especialistas, diplomatas a chefes de Estado.
Dali deverá sair um projeto multilateral para a paz. Ele também pediu a retirada de tropas, mercenários e organizações paramilitares russas do território ucraniano, assim como o respeito às fronteiras de 1991 -- apenas estas condições poderiam resultar "no fim de hostilidades".
Em comum, Zelensky e Lula têm o desejo de reformar o Conselho de Segurança -- Biden também reconheceu nesta terça, em seu discurso à Assembleia, a necessidade de revisão de órgãos internacionais. No entanto, apesar de citar nominalmente em sua proposta que um assento permanente seja oferecido à Alemanha, Zelensky pediu apenas por "um representante da América Latina e dos Estados do Pacífico", e não ofereceu como solução a indicação do Brasil para a posição.
Relação de delicado histórico
A posição do Brasil no cenário internacional se tornou ainda mais incerta nas últimas semanas, especialmente depois de o Ministro da Justiça, Flávio Dino, e Lula cogitarem sair do ICC (International Court of Justice, outro órgão regulatório internacional que não é parte do sistema ONU), para receber Putin em território brasileiro.
"Presidente Lula avisou corretamente que há um desequilíbrio no qual alguns países aderem à jurisdição da ICC e outros não. Isso sugere que, em algum ponto, a diplomacia brasileira possa revisar sua adesão ao estatuto, já que há nenhuma igualidade entre nações na aplicação deste próprio documento, ponderou Dino. As declarações, é claro, colocaram em xeque o multilateralismo internacional.
Além disso, a recepção efusiva dada a Nicolás Maduro pelo presidente Lula em 29 de maio, que classificou o retorno do venezuelano ao país pela primeira vez desde 2015 como “momento histórico”, colocou o Brasil em uma delicada posição no cenário internacional. Lula -- que já amargava duras críticas dos principais líderes ocidentais após receber em abril o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, e classificar que a responsabilidade pelo conflito é tanto de Rússia quanto Ucrânia – criou ainda maior desconfiança em relação ao status do Brasil como liderança democrática após afirmar que a Venezuela sob Maduro é “vítima de uma narrativa de antidemocracia e autoritarismo”.
Eleito em 2013, Maduro renovou seu mandato na presidência venezuelana em 2018 em uma eleição sobre a qual pesam alegações de fraude por parte da oposição no país, depois que o presidente prometeu “prêmios” aos apoiadores que fossem às urnas -- a abstenção naquele ano foi de mais de 50% da população. O resultado do pleito não foi reconhecido por uma longa lista de países que já não viam com bons olhos o estado da democracia no país – a Comissão Interamericana de Direitos Humanos de 2018 estimou que houve 12 mil prisões arbitrárias nos quatro anos anteriores em meio a protestos contra o presidente.
Entre os Estados que não reconhecem a liderança de Maduro estão os membros da União Europeia e da OEA (Organização dos Estados Americanos), entre eles o próprio Brasil que recebeu nos últimos cinco anos mais de 100 mil refugiados venezuelanos que buscavam escapar da miséria resultante da crise política e econômica que se instalou no país. Mas Lula -- que não esconde ter grandes ambições no âmbito internacional -- decidiu rever este posicionamento em meio à proposta de expandir a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e transformá-la em uma nova União Europeia, com aspirações que incluem até uma moeda intercontinental. 
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Contudo, em vez de projetarem o Brasil como potência regional e seu principal articulador, os afagos a Maduro renderam a frustração do projeto e um aprofundamento da divisão entre os países do bloco por todo o espectro político. O presidente chileno Gabriel Boric, uma estrela da nova esquerda latino-americana, rebateu Lula no Consenso de Brasília dizendo que a violação de direitos humanos na Venezuela é “uma realidade”. Já o direitista Luis Lacalle Pou, presidente do Uruguai, acusou Lula de “tapar o sol com a mão” em relação à situação da Venezuela e rejeitou a Unasul, embora tenha se comprometido com “ações” em prol do continente. O fracasso de Lula, contudo, não impõe apenas uma saia justa regional ao Itamaraty.
Apesar dos arroubos de quaisquer mandatários atuais ou anteriores, o Brasil não é um país cuja expressividade na esfera internacional se deva ao poderio bélico de suas Forças Armadas – cujas principais colaborações ao longo de mais de um século estão menos atreladas à pontual participação dos pracinhas na Segunda Guerra do que ao regime militar de 1964 a 1985. No cenário financeiro, por sua vez, o país tem maior relevância. De acordo com levantamento da Bloomberg Línea de março de 2023, o Brasil segue como a maior economia da América Latina, apesar de o Panamá ter tido o maior crescimento de PIB de 2022 – 10,8% contra os 2,9% brasileiros. Da primeira era Lula herdou-se a posição estratégica nos BRICS, a aliança política dos maiores mercados emergentes do mundo.
O soft power brasileiro, contudo, é um importante capital social de sua diplomacia. Além de ser a terra do Carnaval e do futebol, o Brasil tem tradição de uma política externa de maleabilidade e alinhamento com as democracias ocidentais da qual o próprio presidente Lula converteu-se em símbolo – sua imagem foi projetada no exterior durante o primeiro mandato como uma liderança cativante de um projeto de erradicação da fome no país, alguém que garantiu direitos a indígenas e LGBTs e promoveu o crescimento econômico do Brasil. Lula é “o cara” e “boa pinta”, nas palavras do ex-presidente americano Barack Obama, a epítome da polêmica noção da cordialidade brasileira, um ‘amigo dos amigos’ do clube de nações progressistas.
A campanha contra Jair Bolsonaro nas eleições de 2022 – um pária para estas mesmas potências após as acusações de genocídio indígena que pesam sobre ele perante o Tribunal Penal Internacional e sua política ambiental – catapultou Lula a uma espécie de estratosfera política. Mais do que vencedor, ele saiu do pleito como um defensor da Amazônia, da ciência e, sobretudo, da democracia e das instituições constantemente atacadas pelo Bolsonarismo.
É importante lembrar que, logo após as eleições, um massivo esforço diplomático internacional foi feito para reconhecer a legitimidade do processo brasileiro e do novo mandato de Lula. Poucas horas após o fim da contagem dos votos, Macron, Sunak, Biden e até os antagônicos Zelensky e Putin já parabenizavam o novo presidente do Brasil. As invasões de 8 de janeiro -- o “Capitólio brasileiro” -- por apoiadores de Bolsonaro não só falharam em derrubar o governo eleito como ainda colocaram o país na privilegiada posição de um dos principais defensores da democracia global. Ficou a mensagem de que o Brasil possui instituições fortes o suficiente para punir quem as ataca, estáveis o suficiente para garantir a vontade soberana do povo.
A defesa de Maduro e Putin, portanto, tem ares de traição aos valores que são a base do atual soft power nacional, além de um certo perfume de uma ordem mundial ultrapassada, em que União Soviética e outros países à esquerda representavam um ideal anti-imperialista e ‘libertador’ para a América do Sul sob ditaduras de direita. Seu efeito, contudo, pode ser a gota d’água -- o namoro do presidente com os líderes russos e as acusações de que EUA, França e outras potências ocidentais “incentivam” a guerra já mitigaram o poder de influência do Brasil na esfera internacional a qual Lula ambiciona revolucionar colocando o país na posição de negociador da paz. 
Estas colocações também vão contra a posição estabelecida pelo Brasil na ONU como nação que condena a invasão russa, apesar de o presidente insistir que reconhece a integridade territorial da Ucrânia. Na mesma semana em que o próprio Secretário-Geral António Guterres admitiu a necessidade de reformar o Conselho de Segurança e o acordo de Bretton Woods, ter Lula na defesa de um país sob sanções do mesmo órgão e de outra nação sob observação por violações de direitos humanos coloca em risco a liderança brasileira no CSNU, uma posição pela qual o país faz campanha há ao menos uma década -- mesmo após semanas de expressivos cheques de potências ao Fundo Amazônia. Resta aguardar para ver se o encontro com Zelensky pode arrefecer a carregada dinâmica da política externa brasiliera.
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araujoamariana · 1 year
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Na ONU, Lula se projeta como liderança do Sul Global e solidifica ambiciosa candidatura do Brasil ao CSNU
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O primeiro discurso de Lula na Assembleia Geral da ONU desde que reassumiu a presidência brasileira após um hiato de 12 anos aconteceu nesta terça (19). Nele, o presidente fez uma ampla abordagem de todos os pontos mais sensíveis do xadrez geopolítico atual e evidenciou não apenas seu desejo de se projetar como uma alternativa liderança internacional, mas também a força do soft power brasileiro em relação ao restante do Sul Global.
Ao contrário do antecessor, Jair Bolsonaro, que costurava ao seu discurso argumentos com apelo à sua base nacional, Lula falou a uma audiência global. O brasileiro pediu diálogo como solução à guerra na Ucrânia -- estrategicamente, sem citar a Rússia -- e aproveitou para introduzir, ali, outra demanda posterior de sua fala: a reforma do Conselho de Segurança.
Para ele, o conflito "escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da Carta da ONU". "Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz", disse Lula. "Mas nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo."
Em um plenário sem quatro dos líderes do chamado "P5" do Conselho de Segurança -- Emmanuel Macron, da França; Rishi Sunak, do Reino Unido; Xi Jinping, da China e Vladimir Putin, da Rússia, que não vêm ao evento este ano --, as potências pareciam não fazer falta. Nos bastidores, diplomatas europeus ouvidos pela reportagem comentavam que vieram para ver Lula, mesmo com a presença de Biden no local.
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O presidente foi aplaudido algumas vezes durante toda a sua fala, especialmente ao citar o combate ao racismo e a agenda ambiental como suas prioridades -- ele voltou a reforçar que em oito meses, sua gestão já alcançou uma redução de 48% no desmatamento da Amazônia, dado já apresentado pelo ministro Márcio Macedo em cúpula da ONU na segunda (18) -- e afirmou que o Brasil "está de volta".
Apesar de salientar que o país está "na vanguarda da transição energética" com uma "matriz [que] já é uma das mais limpas do mundo" -- 87% de energia no Brasil provem de fontes limpas e renováveis, de acordo com o presidente --, Lula omitiu que está em alta por aqui também a produção de petróleo.
Segundo relatório do Ministério de Minas e Energia publicado em julho, o aumento da produção de petróleo e gás no pré-sal em maio de 2023 foi de 5,9%. Ainda de acordo com a ANP (Agência Nacional de Petróleo) e a OPEC (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), o Brasil é o 9º maior produtor e o 10º maior exportador de petróleo do mundo.
Lula também testou os limites de sua influência ao alfinetar o último presidente. "Em meio aos seus escombros surgem aventureiros de extrema direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas. Muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário", criticou.
Críticas veladas aos EUA e consonância com Biden
Entre alguns dos mais veementes posicionamentos do brasileiro estava o pedido pela libertação de Assange e o fim de embargo a Cuba -- duas pautas que desafiam a dominância norte-americana.
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"Um jornalista, como Julian Assange, não pode ser punido por informar a sociedade de maneira transparente e legítima", acredita Lula. Ele ainda considerou que a "tentativa de classificar [Cuba] como Estado patrocinador de terrorismo" e o consequente embargo são medidas sem nenhum amparo na Carta da ONU.
Vale lembrar que os EUA carregam o fardo histórico de decisões que desafiaram o documento, talvez o mais flagrante deles a invasão do Iraque em 2003. Naquele ano, o ataque terrorista a uma missão de reconstrução enviada pela ONU durante a guerra resultou na morte de Sérgio Vieira de Mello -- uma das mais potentes e vibrantes figuras da diplomacia brasileira.
Lula, por sua vez, relembrou o ex-Alto Comissário para Direitos Humanos. "Presto minha homenagem ao nosso compatriota Sérgio Vieira de Mello e 21 outros funcionários desta Organização, vítimas do brutal atentado em Bagdá, há 20 anos", saudou.
No entanto, apesar destas discordâncias, dois dos principais líderes a falarem nesta segunda -- o presidente do Brasil e dos EUA -- pareceram afinados em suas propostas e posicionamentos, dentre eles o flagrante desequilíbrio de financiamento para a UE em relação a África por parte de Banco Mundial e FMI -- segundo Biden, americanos já trabalharam para corrigir injustiças -- e também o clamor por reformas no Conselho de Segurança da ONU, com maior representatividade do cenário internacional do século 21.
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